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E SEGURANÇA PÚBLICA MÁRCIO MATTOS Nesta obra são apresentados elementos que possibilitam novas oportunidades de compreensão e posicionamento crítico dian- te de fatos do dia a dia, como o medo do crime e a insegurança, fenômenos com consequên- cias importantes na vida das pessoas. A polícia comunitária, tema deste livro, é uma das estratégias para lidar com aspectos desses fenômenos. São discutidos os con- ceitos e as experiências mais atuais sobre a polícia comunitária, com exemplos de diver- sos países, além da diversidade de técnicas e de abordagens utilizadas como modelo de policiamento no Brasil. Código Logístico 59353 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6625-4 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 2 5 4 P O L ÍC IA C O M U N IT Á R IA E S E G U R A N Ç A P Ú B L IC A M Á R C IO M A T T O S Polícia comunitária e segurança pública Márcio Mattos IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M392p Mattos, Márcio Polícia comunitária e segurança pública / Márcio Mattos. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 140 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6625-4 1. Policiamento comunitário - Brasil. 2. Administração policial - Brasil. 3. Relações policiais-comunidade - Brasil. I. Título. 20-64604 CDD: 363.20981 CDU: 351.745(81) Márcio Mattos Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), com experiência como pesquisador visitante na University of Massachusetts Boston (UMass-Boston). Mestre em Sociologia e especialista em Segurança Pública e Cidadania, também pela UnB. Especialista em Gestão de Segurança Pública pelo Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP). Graduado em Relações Internacionais pela UnB e em Ciências Policiais pelo ISCP. Professor no ensino superior, consultor em segurança pública, avaliador do ensino superior pelo INEP/MEC e conteudista da Secretaria Nacional de Segurança Pública (MJSP/SENASP). É Oficial Superior da Polícia Militar do Distrito Federal. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Origens da polícia comunitária 9 1.1 Surgimento da polícia moderna 9 1.2 Sistema político e polícia 19 1.3 Histórico da polícia comunitária 23 2 Teorias sobre polícia comunitária 31 2.1 Definição de polícia comunitária 31 2.2 Características e objetivos da polícia comunitária 36 2.3 Policiamento orientado para o problema 48 3 Crime, medo do crime e segurança pública 57 3.1 Estatísticas criminais no Brasil 57 3.2 Medo do crime e polícia 65 3.3 Estratégias de policiamento comunitário e prevenção criminal 73 4 Experiências de polícia comunitária no mundo 83 4.1 Experiências na América do Norte e Europa 83 4.2 Experiências na Ásia e Oceania 94 4.3 Experiências na América Latina 99 5 Experiências de polícia comunitária no Brasil 106 5.1 Organização da segurança pública no Brasil 106 5.2 Experiências nas regiões Sudeste e Sul 111 5.3 Experiências nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste 125 Gabarito 136 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Nesta obra, apresentaremos elementos que possibilitam novas oportunidades de compreensão e posicionamento crítico diante de fatos do dia a dia, como o medo do crime e a insegurança, fenômenos com consequências importantes na vida das pessoas. A polícia comunitária é uma das estratégias para lidar com aspectos desses fenômenos. No primeiro capítulo, discutiremos o surgimento da polícia moderna e os processos econômicos, políticos e sociais relacionados aos diferentes modelos de organização das polícias. A polícia comunitária extrapola condicionantes locais e, apesar de ser adaptável a diferentes realidades, tem um histórico comum enquanto paradigma conceitual. No segundo capítulo, analisaremos as características e os objetivos da polícia comunitária. Como ponto de partida, a compreensão conceitual é construída com base nas principais referências na literatura especializada. Para tanto, as dimensões do conceito serão diferenciadas entre a filosofia e os aspectos organizacionais. Além disso, apresentaremos a evolução do fazer policial entre diferentes eras, culminando com a aproximação à estratégia de resolução de problemas e suas técnicas. No terceiro capítulo, trataremos da ampliação do mandato policial para lidar com questões como desordens, o medo do crime e a sensação de insegurança. Somados ao controle do crime, esses temas são objeto de atenção dos formuladores de políticas públicas de segurança. No quarto capítulo, apresentaremos as experiências de seis países em cinco continentes diferentes. No caso dos Estados Unidos, a influência dos experimentos aplicados na avaliação do policiamento comunitário será especialmente destacada. O impacto do modelo norte-americano pode ser observado em diferentes locais do mundo, como estudaremos. Por outro lado, a experiência japonesa de polícia comunitária reflete aspectos culturais de participação social e voluntariado no modelo de policiamento. Considerando a realidade colombiana, discutiremos a integração entre políticas públicas para a redução de problemas criminais, algo que tem influenciado cidades brasileiras em suas políticas locais. Por fim, as experiências de países como Inglaterra, Austrália e Portugal demonstram a capacidade de adaptação do conceito de polícia comunitária a realidades distintas e com características próprias. APRESENTAÇÃO No quinto e último capítulo, traremos a discussão para a realidade brasileira, com especial atenção para o modelo de organização da segurança pública no país. Desde São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, passando por Pernambuco, Ceará, Mato Grosso, Amazonas e Rio Grande do Sul, estudaremos a diversidade de técnicas e as abordagens que a polícia comunitária utiliza como modelo de policiamento. Nesta obra, portanto, discutiremos os conceitos e as experiências mais atuais sobre a polícia comunitária. Esperamos que essa aproximação com o fazer comunitário em segurança pública seja motivo de inspiração e engajamento em sua vida profissional. Bons estudos! Origens da polícia comunitária 9 1 Origens da polícia comunitária As polícias são instituições construídas ao longo do tempo, por isso o modo que a conhecemos nem sempre foi o mesmo. O surgimento da polícia moderna ocorre por meio de mudan- ças sociais, políticas e econômicas ao longo dos séculos XIX e XX. Desse modo, suas principais características e relações com o sistema político estão diretamente atreladas à forma- ção do Estado Moderno. Essas questões são centrais para a compreensão da polícia comunitária, um dos conceitos mais populares em segurança pública nas últimas décadas. Nesse sentido, apresentamos, neste capítulo, elementos fundamen- tais para situarmos a polícia comunitária no tempo e no espaço. 1.1 Surgimento da políciamoderna Vídeo As polícias são instituições tão comuns que, às vezes, pode ser di- fícil imaginar como elas surgiram. Você já se perguntou desde quan- do existem polícias? Para algumas pessoas, é como se elas sempre estivessem presentes, mas não é esse o caso. O ponto de partida foi a centralização política e as mudanças sociais e econômicas que as acompanharam no final do século XIX, resultando no modelo liberal de Estado. 1.1.1 Polícias e Estado Moderno As polícias, como conhecemos, são construções dos séculos XIX e XX, isto é, são estruturas relativamente recentes na civilização ociden- tal. Um dos pontos fundamentais de sua história é a formação de es- truturas políticas centralizadas em territórios delimitados – os Estados. 10 Polícia comunitária e segurança pública Na verdade, a polícia é uma das instituições 1 As instituições são os limites que estruturam as interações sociais, políticas e econômicas. Consis- tem em regras formais, como leis, e informais, como sanções, costumes, tradições e regras de conduta, além dos mecanismos responsáveis pelo cumprimento dessas regras, os quais permitem o estabelecimento da ordem social (NORTH, 2018). 1 que definem as moder- nas formas de Estado. Os processos sociais, econômicos e políticos que possibilitaram o surgimento dos Estados também contribuíram para o surgimento das polícias modernas. A formação do Estado Moderno está relacionada a uma série de mu- danças históricas complexas associada às disputas de poder entre di- ferentes grupos sociais. O Estado se desenvolveu em momentos e de modos específicos em diferentes lugares, alguns mais cedo e outros mais tardiamente. Dentre os processos sociais, alguns merecem desta- que: a crescente centralização do poder dos monarcas substituiu a rele- vância de grupos da nobreza e do clero espalhados pelos territórios, o que modificou as estruturas do poder central (ainda em formação); e a profissionalização de várias atividades, o desenvolvimento da tributação e o controle financeiro dos reinos, por exemplo, permitiram a criação de grandes exércitos reais, permanentes e assalariados pelo poder central. Esse movimento possibilitou que os monarcas se tornassem menos de- pendentes dos nobres, em termos militares (BOBBIO, 1987). O desenvolvimento do Estado Moderno foi caracterizado pela formação de estruturas de governo com burocracias próprias. A administração das funções do Estado exigiu conhecimentos específicos e passou a ser reali- zada por indivíduos – eleitos e não eleitos – que executam suas atividades em nome do interesse público (WEBER, 2004). As funções relacionadas à justiça e à segurança foram centrais na configuração estatal. Nesse senti- do, os usos da punição e do controle foram aperfeiçoados e se tornaram impessoais e técnicos. Os tribunais, as prisões e as polícias fazem parte da administração pública que se formava e que tinha, no uso da força física, um instrumento de seus ofícios. No caso das polícias, se destacam a criação de carreiras específicas e de escolas de formação, a criação de critérios de seleção e recrutamento, bem como a definição de mandatos e leis próprias. O uso da força física foi um recurso de sustentação do interesse co- letivo centralizado nos governos. As ameaças de conflitos internos e ex- ternos representavam elementos aglutinadores às estruturas políticas em formação, o sentido último dos interesses individuais e coletivos era a defesa de direitos e liberdades. Como em uma espécie de contrato, a aceitação dos indivíduos ao poder central da coletividade – representa- do pelo Estado – pressupunha a expectativa de que a qualidade de vida seria melhor, com menos violência e respeito aos direitos e liberdades. Thomas Hobbes (1588-1679) foi um dos autores conhecidos como contratualistas. O filósofo argumentava que o Es- tado era o garantidor da ordem social. Para tanto, haveria um contrato im- plícito entre indivíduos e Estado, o qual represen- tava a coletividade. Nesse contrato, os indivíduos renunciariam ao direito natural de utilizar a violência para se pro- tegerem em função do Estado, também chama- do de Leviatã. Em troca, o Estado ofereceria pro- teção e segurança para todos. Sem o Estado, não haveria sociedade, seria um cenário de “guerra de todos contra todos” ou Estado de Natureza (HOBBES, 2019). Na tio na l P or tra it Ga lle ry / W ik im ed ia C om m on s Biografia Origens da polícia comunitária 11 O Estado pode ser definido como “a comunidade humana que, den- tro de determinado território, reclama para si, com êxito, o monopólio da coação física legítima” (WEBER, 2004, p. 26). Essa se tornou uma das definições clássicas, na qual seus elementos essenciais são: povo; terri- tório definido; burocracia administrativa, inclusive estruturas jurídicas para a criação das leis; e monopólio do uso legítimo da força física. A centralidade das polícias para o Estado Moderno decorreu da importância do uso da força para sua formação, são as polícias que mantêm a ordem e aplicam as leis internamente. As polícias eram es- truturas permanentes e profissionais dedicadas à manutenção da or- dem nos territórios e funcionavam como condições de estabilidade da vida social e do sistema político. Nesse contexto, muitas eram as revol- tas e os conflitos internos que demandavam dos governos estruturas capazes de lidar com o problema de maneira permanente e específica. Com isso, as polícias foram se diferenciando dos exércitos, os quais se dedicavam cada vez mais à defesa da soberania nacional. O Estado é conceitualmente diferente de Estado-Nação. Como vi- mos, os Estados designam a existência de um mecanismo de governo controlando determinado território, com a capacidade de utilizar a for- ça em suas ações. O Estado-Nação diz respeito ao sentimento de per- tencimento e integração dos povos em uma sociedade. Como destaca Giddens (2008), as principais características dos Estados-Nações são: soberania, cidadania e nacionalismo. A soberania está relacionada ao exercício de autoridade política em um território definido, as fronteiras com outros países são limites físi- cos da soberania de um povo. A cidadania representa o compartilha- mento de direitos e deveres comuns a todos que se consideram parte de uma nação. Por fim, o nacionalismo é definido pelo conjunto de símbolos, crenças e hábitos de um povo em relação a pertencerem a uma nação. São exemplos de símbolos nacionais o hino, a bandeira e o brasão da república, os quais representam o sentimento de identifica- ção comum aos indivíduos que se definem como pertencentes a uma nação. Ser brasileiro, por exemplo, implica a defesa de nossos valores comuns e símbolos que compartilhamos. O hino nacional bra- sileiro foi composto em 1831, com letra de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927) e música elaborada por Francisco Manuel da Silva (1795-1865). Junta- mente com o brasão da república e a bandeira nacional, representa a nova república que se formava no final do século XIX. Disponível em: http://www.eb.mil. br/web/midia-eletronica/hinos- -e-cancoes3_old/-/asset_pu- blisher/5cHNh1XOyHc9/content/ hino--nacional-brasileiroiinheritRedirect- false. Acesso em: 27 maio 2020. Site Você já refletiu sobre os signifi- cados presentes no hino nacional brasileiroi Leia atentamente a letra e identifique aspectos importantes para o nacionalismo de nosso país. Desafio 12 Polícia comunitária e segurança pública 1.1.2 Definições de polícia Como podemos definir polícia? Quais são as características que dis- tinguem as polícias de outras instituições? Uma das formas de construir conceitos é partindo da observação empírica daquilo que se faz, ou seja, das atividades efetivamente de- sempenhadas. No caso das polícias, esse é um exercício especialmente complicado, pois são muitas as tarefas desempenhadas por elas. Sobre esse tema, o criminólogo americano Herman Goldstein (2003, p. 13) afirma:“cabe à polícia prevenir contra a pilhagem de coisas alheias, dar uma sensação de segurança, facilitar o ir e vir, resolver conflitos e proteger os mais importantes processos e direitos – como eleições livres, liberdade de expressão e liberdade de associação”. Ergon Bittner (2003), outro criminólogo americano, destaca que as polícias são comumente responsáveis por tarefas bastante distintas. São exemplos a emissão de identidades e de passaportes, ocorrências de cárcere privado, explosivos, manifestações populares, controle de trânsito, primeiros socorros médicos, contenção de doentes mentais, entre outros. Diante de tantas atividades, é natural que sua definição seja discuti- da entre os especialistas. Não há um conceito único, por isso, vejamos a seguir algumas definições. Em 1970, Bittner (2003, p. 138) defendeu que a polícia tem como papel ser “um mecanismo de distribuição de força coerciva não nego- ciável de acordo com os preceitos de uma compreensão intuitiva das exigências da situação”. Logo, destaca-se o uso da força como central para o trabalho policial. Outro aspecto relevante é a discricionariedade 2 dos policiais que devem agir, muitas vezes, de maneira “intuitiva” de acordo com cada caso. Já em 1985, David Bayley, criminólogo da Universidade de Albany, Nova Iorque, argumentou que o termo polícia se referia “a pessoas au- torizadas por um grupo para regular as relações interpessoais deste grupo através da aplicação da força física” (BAYLEY, 2001, p. 22). Nova- mente, reitera-se o uso da força assinalando a autorização coletiva, em oposição aos criminosos, e o uso dentro do território, em oposi- ção ao uso externo pelas forças armadas. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro produziu um relatório que organiza as diferentes ocorrências atendidas pela instituição. O resultado foi um documento de mais de 1.116 páginas, mais de 900 códigos de ocorrências policiais e o desenvolvimento de um app (PMERJ, 2013). Disponível em: https://play. google.com/store/apps/ detailsiid-br.gov.rj.pmerj. policialoficialsv&hl-pt_BR. Acesso em: 27 maio 2020. Curiosidade A discricionariedade é a noção de liberdade ou autonomia da autoridade na tomada de decisão dentro de um quadro normativo. É como se houvesse um espaço livre entre as normas para a autoridade tomar uma decisão (DWORKIN, 2002). 2 Origens da polícia comunitária 13 Em 1992, Robert Reiner (2004, p. 167) assinalou que a arte em se fazer polícia está “em usar a possibilidade subjacente da coerção le- gítima, e de forma tão hábil que ela não precise ser exposta”. Dessa forma, o criminólogo da London School of Economics, no Reino Unido, reconheceu a capacidade do uso da força para diversas atividades sob a alcunha policial, contudo, destacou a noção de manutenção da ordem, subjacente à prestação de serviço, como central ao mandato policial. Já em 1996, o sociólogo francês Dominique Monjardet (2002, p. 27, grifos nossos) ponderou que a polícia é “a instituição encarregada de possuir e mobilizar os recursos de força decisivos, com o objetivo de garantir ao poder o domínio do emprego da força nas relações sociais internas”. Com isso, o autor chama a atenção para a questão de que a polícia não detém o monopólio factual do uso da força, apesar de requerê-lo. Outras instituições, como as forças armadas, utilizam a for- ça internamente em contextos específicos. De fato, o que caracteriza a polícia, na visão do autor, é o uso da força em relação a todos, ou seja, sua oponibilidade irrestrita em nome dos interesses coletivos. Tomadas em conjunto, essas definições apresentam argumentos que se complementam. Buscando estabelecer um denominador co- mum entre elas, parece existir um consenso mínimo sobre algumas de suas características principais, a saber: centralidade do uso da força, limitação a um dado território, legitimidade da atuação, finalidade de manutenção da ordem e oponibilidade a todos de maneira irrestrita. Com isso, podemos detalhar o conceito de polícia da seguinte forma: • Uso da força: os policiais podem utilizar a força como instru- mento de trabalho, logo, não se trata de um recurso excepcio- nal, mas algo que está na essência da atividade policial. Isso não implica dizer que a força é sempre usada, o mais comum é que a possibilidade de usá-la seja suficiente para dissuadir comportamentos. • Localização ou uso interno: as polícias atuam em âmbito in- terno, onde os territórios são definidos legalmente. No Brasil, por exemplo, as polícias militares e civis atuam no âmbito dos Estados, já as polícias federal e rodoviária federal podem atuar em todo o território nacional em relação a alguns crimes específicos. (Continua) A realidade brasileira prevê situações em que as forças armadas são utilizadas em questões internas de segurança pública, chamadas de missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A previsão legal se encon- tra no artigo 142 da Constituição (1988), que foi regulamentada por meio da Lei Complementar n. 97/1999 e pelo Decreto n. 3897/2001. Durante as GLOs, que são autorizadas exclusivamente pelo presidente da república, os militares atuam com poder de polícia com o ob- jetivo de restaurar a normalidade nos contextos de sua aplicação. Desde 1992, ocorreram cerca de 141 operações de GLOs, das quais 49 foram motivadas por situações de violência urbana ou greves das polícias militares (BRASIL, 2020a; 2020b). Importante 14 Polícia comunitária e segurança pública • Legitimidade ou autorização coletiva: os policiais podem fazer valer as leis, pois essas são a expressão da vontade da maioria da sociedade. Criminosos, por exemplo, utilizam a força para realizar crimes, contudo, essas atividades não são legítimas, ou seja, não são aprovadas socialmente. • Manutenção da ordem: as atividades mais rotineiras das po- lícias têm, como pano de fundo, questões relacionadas à ma- nutenção da ordem e, algumas vezes, ao controle do crime. • Oponibilidade irrestrita: o mandato policial, em uma socie- dade, inclui todos os indivíduos, mesmo que com caracterís- ticas distintas entre si. Todos os cidadãos de um país estão sujeitos às leis e à atuação das polícias. Em suma, o conceito de polícia, que vamos utilizar nesta obra, refe- re-se às atividades que reúnem os requisitos sistematizados na Figura 1: Figura 1 Elementos do conceito de polícia O quê? Possibilidade de uso da força física contra todos os indivíduos. Como? Autorizado pela vontade da maioria. Onde? Âmbito interno, segundo a legislação específica. Quem? Agentes públicos no exercício da atividade profissional. Finalidade? Manutenção da ordem e controle do crime. Fonte: Elaborada pelo autor. Com base nessa definição, é possível distinguir as características que marcam as polícias nas sociedades modernas. Como em outras áreas do conhecimento, os conceitos são dinâmicos, pois buscam con- templar uma realidade em constante alteração. As polícias atuais são complexas e atuam em realidades sociais com um fluxo de informa- ções sem precedentes, por isso é importante que as definições concei- tuais sejam situadas no tempo e no espaço. 1.1.3 Características da polícia moderna Como vimos, as polícias são instituições centrais para o funciona- mento do Estado, pois viabilizam o exercício legítimo da força em uma sociedade. Na verdade, as polícias são garantidoras da normalidade das trocas cotidianas entre as pessoas, desde a liberdade de ir às com- Origens da polícia comunitária 15 pras ou sair para trabalhar até o direito à propriedade, quando temos algum bem subtraído (MONET, 2006). Depois de definir o que são as polícias, recorreremos à taxono- mia de Bayley para apresentar as principais características das for- mas modernas de policiamento. Após anos de análise comparativa, Bayley (2001) propôs uma teoria que definiu os padrões de policia- mento em torno de três características principais: caráter público, especialização e profissionalização.Em relação ao caráter público, o autor destaca a orientação coletiva do trabalho. Diferentemente de polícias privadas, as insti- tuições públicas colocam em primeiro plano os interesses da coleti- vidade e do bem comum. Com isso, as regras de funcionamento, os controles e os limites da atuação policial são estabelecidos por meio do consenso público e da submissão às leis comuns a todos; aqueles que pagam, custeiam e controlam as polícias são os cidadãos que compõem a coletividade. Os sherifs, na Inglaterra, a Maréchaussée, na França, a Santa Hermandad e a Somatent, na Espanha, são formas iniciais de polícias públicas na Europa. Todas representam nuances do processo de centralização política e administrativa de seus paí- ses, conforme estudamos no início deste capítulo. As polícias públicas estão longe de serem recentes na história mundial. Historiadores revelaram que muitas sociedades primitivas possuíam formas de policiamento público. No clássico trabalho de Schwartz e Miller (1964), por exemplo, 20 entre as 51 sociedades ana- lisadas tinham polícias públicas, dentre elas os maori, hopi, cheyenne, creek, cuna, sírios e thonga. Todavia, o entendimento mais comum é que o policiamento público exige uma estruturação social mais complexa, tornando-se mais frequente com o advento do Estado Moderno. Na Grécia, a centralização política nos Estados-Nações é decisiva na diferenciação da função policial das demais atividades do governo. Foi na Antiguidade Clássica que se construiu um espaço público organi- zado em torno de valores e interesses que não se confundiam com os particulares dos súditos ou governantes. As polícias helênicas eram múltiplas, pouco profissionalizadas e pouco coordenadas entre si, mas eram orientadas por interesses públicos. Já em Roma, no período de 27 a.C. a 14 d.C., o governo de Augusto determinou o surgimento de funções especializadas na administração policial pública. Os responsá- A obra Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa discorre sobre os dife- rentes modelos policiais existentes no mundo. Nela, Bayley realiza um minucioso estudo sobre os padrões policiamento de várias polícias, cujos resultados compõem uma teoria geral do policiamento. BAYLEY, D. H. São Paulo: Edusp, 2001. Livro 16 Polícia comunitária e segurança pública veis pela ordem pública e por seus subordinados eram funcionários nomeados e pagos pela autoridade política central, diante da qual eram responsabilizados por seus atos. Em oposição ao policiamento público, temos as estruturas infor- mais de policiamento privado existentes até os dias atuais, apesar de menos frequentes. No passado, as estruturas de policiamento pri- vado eram realizadas de maneira pouco sistematizada, por meio de cidadãos convocados ou mesmo voluntários. Como exemplo, podemos citar as atividades de coleta de tributos na Idade Média, as quais se confundiam com outras atividades de controle. Foi com a queda do Império Romano que assistimos ao desaparecimento dos órgãos espe- cializados de polícia do período clássico. Com isso, a função policial se tornou descentralizada em vários po- deres autônomos. Cada senhor feudal 3 Os senhores feudais eram nobres ou clérigos com domínio sobre terras comumente utilizadas para o cultivo durante a Idade Média. Possuíam poderes sobre as pessoas em suas terras, inclusive com características de servidão. Os senhores feudais também eram responsáveis pela segurança das terras e o faziam por meio da constituição de exércitos particulares (HOBSBAWM, 2015). 3 constituía sua segurança pri- vada de acordo com suas posses para mantê-la; o homem medieval se encerrava em relações sociais muito densas, não sendo de forma alguma livre para agir. A segurança era tratada em nível privado por meio de confrarias, guildas e fraternidades (BAYLEY, 2001). A segunda característica das polícias modernas é a especialização da atividade policial. Esse conceito está relacionado ao desenvolvi- mento de técnicas para o uso da força, as quais incluem os limites para o seu uso. Segundo Bayley (2001, p. 50), “uma polícia especializada de- dica toda a sua atenção à aplicação da coerção física; uma polícia não especializada faz muitas coisas além disso”. A aplicação desse conceito se dá por meio de um gradiente e de maneira comparativa, ou seja, não existem polícias totalmente especializadas ou não especializadas. Vários são os exemplos das origens de polícias especializadas. O constables e os posse comitatus da Inglaterra medieval, o lensman dos países escandinavos e os delegados norte-americanos do século XVIII ilustram a diversidade de países e épocas em que as polícias especiali- zadas se desenvolveram. Um aspecto importante da especialização policial é a relação com a defesa da soberania nacional. A diferenciação em relação às tarefas das forças armadas foi decisiva na especialização das polícias. Nem sem- pre as relações são rompidas, apenas modificadas; um exemplo são as gendarmeries, estruturas policiais francesas designadas no século XVIII, durante a Revolução Francesa, para cuidar do policiamento de áreas Pense sobre o caráter das polícias atuais e indique pelo menos dois exemplos de polícias privadas, segundo a definição de Bayley (2001). Desafio Guildas: “associação que agrupava, em certos países da Europa durante a Idade Média, indivíduos com interesses comuns (negociantes, artesãos, artistas) e visava proporcionar assistência e proteção aos seus membros” (HOUAISS, 2009). Glossário Origens da polícia comunitária 17 rurais. Ainda hoje, algumas características simbólicas e organizacionais permanecem em polícias como os Carabinieri, da Itália, a Guardia Civil, da Espanha, e a Landespolizei, da Alemanha (BAYLEY, 2001). De modo geral, a especialização das atividades policiais acompa- nhou movimentos da administração estatal. O desenvolvimento de no- vas formas de pensar e oferecer os serviços públicos, ou seja, de novas teorias sobre administração pública, impactou em mudanças na orga- nização das próprias polícias. Particularmente, a partir da segunda me- tade do século XIX, as polícias foram influenciadas pelo que se fazia em outras políticas públicas, momento em que a segurança pública emer- ge como uma área do conhecimento com conceitos próprios. Nesse sentido, o surgimento do policiamento comunitário está relacionado à mudanças na própria concepção de Estado, na prestação de serviços e na inserção social das polícias na sociedade. Por fim, a profissionalização é uma característica essencialmente contemporânea. Ela diz respeito à qualidade de desempenho e tem como indicadores de seu desenvolvimento critérios como recrutamen- to e seleção de acordo com padrões específicos, remuneração e estabi- lidade, definição de uma carreira com níveis estabelecidos em torno de hierarquias, treinamento formal e supervisão sistemática por controles internos e externos (BAYLEY, 2001). A Polícia Metropolitana de Londres, criada em 1829, é um pon- to de inflexão na trajetória de profissionalização das polícias euro- peias, sendo reconhecida como a primeira polícia profissional. Os princípios de Sir Robert Peel, Ministro do Interior à época, são orien- tações morais com valores que defendiam preceitos democráticos, particularmente a defesa de direitos e liberdades individuais. Além disso, a polícia que se formava tinha seus direitos também observa- dos, contemplando desde a seleção até critérios de remuneração, promoção e controle (MANNING, 2005). Outro exemplo notável foi a Polícia Metropolitana de Tóquio, criada em 1878 durante a dinastia Meiji 4 A Dinastia Meiji (1868-1912) marcou o final do feudalismo japonês, que foi iniciado sob o governo do monarca Mutsuhito, caracterizado pelas rápidas industrialização e modernização tecnológica (MEIJI, 2020). 4 , na qual o governo japonês desenvol- veu uma polícia profissionalizada a exemplo do modelo europeu, mas foi além. A recém-criada políciatinha atribuições em todo o território nacional e adotou rigorosos processos de seleção e controle interno. A formação e o aperfeiçoamento dos policiais japoneses merecem desta- que por incluírem escolas para todos os níveis, inclusive aqueles iniciais Inflexão: mudança importan- te, momento em que houve uma mudança de rumos em dada instituição. Glossário 18 Polícia comunitária e segurança pública e de patentes mais baixas, os códigos de orientação dos policiais japo- neses eram rígidos e ensinados exaustivamente (BAYLEY, 2001). Como dissemos, o modelo europeu trouxe consigo a influência dos princípios de Robert Peel. É possível que essa influência tenha impactado a pro- fissionalização de atividades da polícia japonesa, inclusive por meio do modelo local de polícia comunitária. Em suma, as polícias podem ser definidas como instituições públi- cas, especializadas e profissionais, as quais são autorizadas, pela so- ciedade, a realizarem atividades de manutenção da ordem e aplicação da lei, por meio da força física. Ainda que Bayley (2001) considere o aumento da complexidade social apenas como fator básico para o de- senvolvimento da nova polícia, pode-se observar que somente com o ganho acentuado de complexidade tornou-se possível a implementa- ção do tripé de sustentação dessa agência que se modernizava. Essas características podem ser resumidas da seguinte forma: • Caráter público: agência pública com formação própria, custeio e controle por parte do Estado. Com isso, Bayley (2001) nos lem- bra que, antes do Estado Moderno, as polícias eram comumente privadas, ou seja, pagas e orientadas por quem as pagava, como senhores feudais. • Especialização: ao longo do tempo, os policiais desenvolveram técnicas para o uso da força, as quais incluem limites para seu uso. A especialização ocorre quando a polícia se dedica principal- mente à aplicação da força física. • Profissionalização: a atividade policial constituiu uma carreira de Estado, com características típicas de outras profissões, como recrutamento, treinamento formal, plano de carreira, critérios de disciplina e jornadas de trabalho. A distinção entre polícia moderna e polícia contemporânea é uma tarefa essencial para a configuração dos sistemas policiais existentes no mundo. A teoria de Bayley (2001) facilitou a com- preensão da complexa realidade das polícias no mundo. A polícia comunitária é uma inovação nessas características, o que se torna mais claro com o aprofundamento dos conhecimentos sobre o sis- tema político em que se inserem. Origens da polícia comunitária 19 1.2 Sistema político e polícia Vídeo Na seção anterior, discutimos as polícias como produtos das socie- dades em que se inserem. As características e as formas de atuação das polícias estão relacionadas ao exercício do poder político 5 em uma sociedade. Como vimos, as polícias são instituições centrais para o funcionamento estatal, desse modo, a manutenção da ordem e a aplicação da lei são ta- refas que definem a qualidade de vida das pessoas, contudo, as sociedades se estruturam de maneiras diferentes ao longo do tempo. Essas diferenças es- tão inseridas no que se denomina sistemas políticos, os quais condicionam o trabalho das polícias. Com isso, as polícias agem de modos diferentes de acor- do com o contexto político em que se inserem. Segundo Bobbio (1987), as instituições políticas e a sociedade funcionam como polos em uma relação de trocas ou, nos termos do autor, demandas e res- postas. O papel das instituições políticas é tratar as demandas e oferecer respostas, ou seja, responder aos estímulos do contexto social, alocando os recur- sos disponíveis. Essa lógica de relacionamento ficou conhecida na ciência política como input-output. Uma dimensão fundamental dos sistemas po- líticos é a distribuição dos recursos, os quais são definidos como a capacidade de influenciar o com- portamento das pessoas e, consequentemente, in- terferir no funcionamento do sistema político. Nesse contexto, é decisiva a capacidade de influenciar o funcionamento das instituições. O exercício do poder em uma sociedade é reali- zado por meio de suas instituições. As formas como os governos executam suas atividades são, em última medida, as regras do jogo de um sistema político. As instituições reali- zam os fins de um governo por meio de atividades corriqueiras, como o recolhimento de impostos, a criação de leis e a prestação de serviços O poder político consiste na habilidade de se fazer prevalecer a vontade e os interesses, mesmo diante de resistências. Dessa for- ma, o poder é uma característica de todas as relações sociais. O poder político, conforme utiliza- mos nesse capítulo, é mais restrito e se refere ao exercício de governo por meio de políticas públicas. Para mais informações, sugerimos a leitura da obra de Norberto Bobbio, Dicionário de Política, de 1998 (BOBBIO, 1998). 5 A teoria do sistemas políticos foi desenvolvida na década de 1950 e, desde então, tem influenciado a ciência política. O autor central dessa tradição é David Easton, o qual, em seus estudos, popularizou alguns termos como ambiente, entradas, saídas e feedback. De modo geral, essa teoria é uma ferramenta importante para a compreensão dos processos de formulação de políticas públicas. Para se aprofundar nessa temática, o texto fundamental é Modalidades de análise política, de Easton (1970). Saiba mais 20 Polícia comunitária e segurança pública públicos, como a administração da justiça e a aplicação das leis. Logo, o conjunto de regras, processos e práticas de um governo que, juntamen- te com as instituições, caracteriza o funcionamento do sistema político e estabelece como os indivíduos são governados (GIDDENS, 2008). Analisando diferentes sociedades e seus modelos políticos, o sociólogo inglês Anthony Giddens (2008) propôs um critério útil de classificação dos sistemas políticos. Apesar de não haver um con- senso, a tipologia de Giddens estabelece três tipos principais de sistema político: monarquia, autoritarismo e democracia liberal, os quais discutimos a seguir. • Monarquia O sistema monárquico é centrado no poder exercido por uma só pessoa, o qual lhe foi conferido por sua descendência familiar; o po- der advém do costume, e não do aparato legal. Como destaca Giddens (2008), as monarquias perderam espaço na maioria dos países e se tornaram figuras simbólicas nos dias atuais. Em muitos casos, como nas realezas da Inglaterra, Bélgica, Japão, Espanha e Suécia, o monar- ca encontra severas limitações constitucionais, de modo que o poder político está sob controle dos representantes eleitos pelo povo, sendo conferida à realeza funções cerimoniais, de representação diplomática e de causas filantrópicas. • Autoritarismo O sistema autoritário é conhecido pelo repúdio à participação po- pular. Os interesses dos governantes são mais importantes do que os dos cidadãos, logo, as necessidades daqueles que estão no poder são prioridade, o que não inclui mecanismos de críticas ou controle sobre o exercício do poder. Dentre os exemplos contemporâneos de regimes autoritários estão o Irã e a Venezuela. • Democracia A origem da palavra democracia remete ao “governo do povo”, no qual demo (do grego) está relacionado a povo e kratos, a poder. O sis- tema político democrático é definido pela ascendência dos interesses e das prioridades do povo, e não dos monarcas ou dos aristocratas. O respeito às liberdades individuais e aos direitos dos cidadãos ocupam espaço central no contexto democrático. Origens da polícia comunitária 21 Atualmente, a maioria das sociedades se declara democrática, mas assume características diferentes entre si. A ideia de variações dentro do espectro democrático é discutida na ciência política e comumente é interpretada com base em cada contexto. De alguma forma, é como se existisse um gradiente de características democráticas utilizadas de acordo comos valores e normas de cada sociedade. Ainda assim, a democracia é considerada como o sistema político que permite variações, sendo “capaz de assegurar a igualdade política, de proteger a liberdade e os direitos, de defender o interesse comum, de satisfazer as necessidades dos cidadãos, de promover o autodesen- volvimento moral e de permitir uma tomada de decisão eficaz que leve em consideração os interesses de todos” (HELD, 1987 apud GIDDENS, 2008, p. 343). As características destacadas por Giddens (2008) podem ser resumi- das da seguinte forma: • participação do povo de maneira igualitária, em que o voto é um instrumento central; • garantia de liberdade e direitos individuais e coletivos; • primazia do interesse comum sobre os interesses privados; • autodesenvolvimento moral; • Estado de direito. Ainda, segundo a tipologia de Giddens (2008), duas formas de democracia merecem destaque: a democracia participativa e a de- mocracia representativa. No primeiro modelo, as decisões são tomadas por meio da autoriza- ção e da participação daqueles impactados por elas. Os plebiscitos são exemplos de recursos utilizados sob a lógica da democracia participa- tiva. Trata-se do voto direto das pessoas sobre uma proposta, uma lei ou uma medida sobre um problema específico. No Brasil, por exemplo, em 1993, foi realizado um plebiscito para que os eleitores opinassem sobre o sistema de governo a ser adota- do no país: monarquia parlamentar ou república; parlamentarismo ou presidencialismo. Conforme previsto na Constituição (BRASIL, 1988), o plebiscito foi realizado e o sistema de governo brasileiro continuou a ser republicano e presidencialista. A discussão sobre demo- cracia, suas característi- cas, formas de avaliação e distinção é uma das mais intensas na ciência política. Esse tema foge dos objetivos dessa obra, mas, para quem quiser se aprofundar na discussão, sugerimos a obra A demo- cracia e seus críticos. DAHL, R. São Paulo: Martins Fontes, 2012. Livro Plebiscito é diferente de referendo. O referendo é utilizado quando os eleitores são chamados a opinarem sobre um assunto já definido, ou seja, após a existência da norma. O papel dos eleitores, nesse caso, é ratificar ou não a norma. Por exemplo, em 2005, foi realizado um referendo para consultar a população sobre uma cláusula do Estatuto do Desarmamento, que proibia a comercialização de armas de fogo e munições, salvo para algumas pessoas. Na época, a maioria da população manteve a proibição. Importante 22 Polícia comunitária e segurança pública O segundo modelo é a democracia representativa, forma mais comum dentre os regimes democráticos contemporâneos. Diferen- temente do regime participativo, as decisões são tomadas por repre- sentantes eleitos especificamente para esse fim. Esses representantes integram as instituições representativas em cada nível de governo – na- cional, estadual, distrital, municipal e outras regiões. No caso brasileiro, o congresso é composto pela câmara dos deputados e pelo senado federal; os estados e municípios contam com assembleias legislativas. 1.2.1 Polícia e democracia A democracia é um sistema político dinâmico e complexo, com isso, as polícias desempenham funções centrais em regimes democráticos. Como vimos na seção anterior, o monopólio do uso legítimo da força fí- sica é uma das características centrais do Estado Moderno. A defesa de liberdades e garantias fundamentais é um dos elementos definidores dos sistemas democráticos. Além disso, vimos que as polícias utilizam a força como instrumen- to de trabalho, logo, concluímos que não se trata apenas de utilizar a força, mas de como fazê-lo. Os limites democráticos são, em última medida, defendidos pelas polícias em suas rotinas diárias. Ao deter al- guém que cometeu um roubo ou realizar o policiamento a pé em uma área residencial, os policiais não estão apenas prestando serviços, mas também garantindo direitos definidos coletivamente. Assim, a democracia depende da qualidade do trabalho de suas polícias. E as polícias não podem desempenhar suas funções sem que outras instituições democráticas também o façam. Por exemplo, os tribunais e as prisões, além de órgãos de saúde, assistência social e educação, são instituições nas quais o funcionamento impacta direta- mente no trabalho das polícias. Desse modo, podemos compreender o funcionamento do sistema democrático como um conjunto de ins- tituições dependentes entre si, cujos valores que lhes orientam re- presentam ao máximo a vontade das pessoas (DAHL, 2012). Nesse sentido, todas as instituições são garantidoras da realização demo- crática de uma sociedade à medida que a dependência mútua gera formas de controle entre elas. Com o passar do tempo, as polícias desenvolveram habilidades e técnicas de controle social interno. Como vimos no início do capítulo, as Origens da polícia comunitária 23 polícias são as instituições autorizadas pelo Estado a utilizarem a força de maneira legal, legítima e profissional com o fim de manter a ordem (MATTOS, 2016). Assim, as polícias fazem parte de uma estrutura es- tatal que tem se especializado em suas atividades. Como não poderia ser de outra maneira, as polícias têm desenvolvido formas de realizar suas funções de acordo com a crescente complexidade da sociedade; é nesse contexto que a polícia comunitária pode ser enquadrada. Como discutiremos nas próximas seções, o desenvolvimento da po- lícia comunitária é tanto uma resposta a necessidades externas – um estímulo do ambiente nos termos da teoria dos sistemas – quanto uma alteração burocrática na cultura organizacional das polícias. 1.3 Histórico da polícia comunitária Vídeo O surgimento da polícia comunitária pode ser interpretado de di- ferentes perspectivas. Nesta seção vamos destacar duas abordagens principais: a primeira está relacionada ao sentido da profissionalização das polícias e a segunda diz respeito a contextos de crises de legitimi- dade social das polícias. Vejamos cada uma delas. 1.3.1 Alienação da polícia em relação à comunidade O sentido assumido pela profissionalização é uma perspectiva que analisa características das polícias ocidentais ao longo do século XIX. Esse foi o período em que o modelo reativo de policiamento, também co- nhecido como modelo profissional – ambos os conceitos designam as mes- mas características das polícias, fazendo menção ao trabalho de Kelling e Moore (1988) –, se tornou predominante na maior parte dos países. O impulso para esse movimento foi uma resposta a mudanças sociais im- portantes, como o crescimento populacional, o adensamento territorial nos centros urbanos e mudanças da matriz econômica em favor dos se- tores de serviços e industriais. Esses processos foram concentrados nos mesmos territórios (as metrópoles), o que modificou a forma como as pessoas viviam e levou à diversificação dos tipos criminais e ao aumento de criminosos. As polícias reagiram com o aumento de efetivos e utilização de novas tecnologias. Segundo Reiss Jr. (2003), sociólogo americano da Universidade de Yale, Connecticut, foi quando as polícias passaram a contar com algu- 24 Polícia comunitária e segurança pública mas inovações tecnológicas – como viaturas, telefones e rádios de co- municação – que o modelo reativo se consolidou. Em outras palavras, a inovação propiciada por esses recursos desenvolveu técnicas específi- cas de policiamento que ficaram conhecidas como radiopatrulhamento. Uma das consequências foi a solidificação da centralização burocrática do comando e do controle. É importante destacar como o policiamento era realizado antes des- sas inovações. Segundo Reiss Jr. (2003, p. 65-66): o policiamento exercia-se em bairros e comunidades locais das grandes cidades. O oficial da ronda servia para prevenir ocor- rências, buscar e dar respostas a crimes e disputas civis em seu turno [...] Com o crescimento do acesso aos telefones, os cida- dãos podiam mobilizar a patrulha policialpara responder ao que os policiais apelidaram de “solicitações por serviço”. A polícia, através de uma central de comunicação, reagia a estes chama- dos através de comunicadores, enviando ao local o patrulheiro que estivesse mais próximo. A forma de policiamento foi modificada com o tempo: em lugar do patrulheiro a pé, vieram as viaturas; em vez do conhecimento dos mo- radores e seus problemas, os policiais se tornaram impessoais por es- tarem dedicados a áreas mais extensas. Os postos policiais deixaram de existir, pois se tornaram obsoletos, uma vez que reduziam a mobi- lidade dos policiais. Com isso, os moradores não tinham mais a refe- rência dos postos, local onde apresentavam suas queixas e buscavam soluções para os seus problemas. Reiss Jr. (2003) destaca que os postos policiais e os patrulheiros a pé foram as primeiras vítimas dessas inovações tecnológicas, mi- nando a lógica de descentralização do policiamento em torno dos postos. Nos anos 1970, o modelo dominante de policiamento, em grande parte dos países ocidentais, era o reativo, baseado no tempo resposta ao atendimento de ocorrências. As respostas rápidas eram um sinal de bom trabalho realizado. Nessa perspectiva, é como se tivesse havido uma troca que favore- ceu a criação de um modelo para controlar a corrupção e responder rapidamente aos chamados em detrimento do isolamento da polícia em relação à comunidade. A maneira como o policiamento passou a ser realizado foi modificada e, de certa forma, priorizou a quantidade e o tempo em função da qualidade dos contatos com os cidadãos. A Origens da polícia comunitária 25 esse respeito, o autor afirma que “o oficial de patrulha, em um carro com ar-condicionado e aquecimento, não saía mais dele para fazer pa- trulha preventiva ou para saber mais sobre a comunidade que estava policiando” (REISS JR., 2003, p. 67). Desse modo, o surgimento da polícia comunitária é interpretado como uma reação contra a centralização de comando e de controle nas burocracias policiais. Para autores como Reiss Jr. (2003), a reapro- ximação com a comunidade representava uma volta ao passado que buscou evitar a alienação de uma polícia a qual os cidadãos conheciam pelas janelas de uma viatura (quando ligavam para o 190) ou quando faziam algo de errado. Os símbolos daquele policiamento, é importan- te destacar, são o posto policial e o patrulhamento a pé. 1.3.2 Crise de legitimidade Outra perspectiva interpreta o surgimento da polícia comunitária a partir da configuração de cenários de crises de legitimidade 6 A legitimidade diz respeito à aceitação de uma ordem de dominação baseada nas disposi- ções dos sujeitos em aceitar essa ordem e, por outro lado, reflete a capacidade dessa ordem de se fazer consensual. Ou seja, é legítimo aquilo que encontra aceitação ou obediência e promove o consenso diante da ordem de coisas que sustenta (WEBER, 2004). 6 das polícias. Em alguma medida, as duas perspectivas se complementam, contudo, autores como Skolnick e Bayley (2002) enfatizam o questiona- mento às próprias instituições e suas motivações, e não apenas aos re- sultados obtidos pelos modelos de policiamento, como faziam aqueles que criticavam o sentido da profissionalização das polícias. A burocratização das polícias durante o século XX desenvolveu es- truturas cada vez mais impessoais. O modelo reativo de policiamento repercutiu internamente em mudanças nos padrões educacionais, com foco no controle do crime, na redução de atividades de prevenção e na limitação dos controles externos (MOORE, 2003). Dentre as limitações desse modelo estava a crença de que a polícia deveria ser independen- te das influências políticas, orientando-se estritamente pela lei e pelos padrões de sua profissão. Uma crítica relevante a essa ideia é a falta de parâmetros e controles externos na definição dos critérios de avaliação do trabalho policial. Segundo Mark Moore (2003), cientista político da Universidade de Harvard, Boston, o problema é agravado por desprezar as avaliações ex- ternas que, querendo ou não, eram feitas. Em um contexto democrático, a legitimidade de instituições públicas não se dá por avaliações internas, mas por avaliações externas, isto é, pela opinião das pessoas. Nesse sen- tido, as crises de corrupção e a truculência policial não ajudavam. 26 Polícia comunitária e segurança pública Esse é um aspecto destacado por Skolnick e Bayley (2002). Os auto- res analisaram diferentes experiências de polícia comunitária no mun- do e observaram que vários casos tinham em comum um tom crítico ao modelo reativo. Por exemplo, na Inglaterra, tornaram-se conhecidos tumultos no final dos anos 1970, motivados por críticas à atuação dis- criminatória e violenta da polícia. Algo semelhante ocorreu em Detroit e em Los Angeles (Estados Unidos) também na mesma década. As manifestações contra as formas de atuação das polícias nos Estados Unidos chegaram ao ápice no final dos anos 1970: centenas de greves e protestos ocorreram em diferentes cidades americanas. Dentre as motivações mais frequentes estavam as formas de abor- dagem a minorias étnicas, como negros e latinos, a truculência nas abordagens, a dificuldade de obter informações sobre investigações e o aumento da criminalidade. Um dos casos mais emblemáticos ficou conhecido como “Protestos de Watts”, que iniciaram em 11 de agosto de 1965 após uma aborda- gem de trânsito em um bairro da periferia de Los Angeles, na California. O bairro de Watts era composto majoritariamente pela população ne- gra e pobre. Segundo registros da época, a abordagem ocorreu por volta das 19h: um policial parou o carro dos irmãos Marquette e Ronald Frye e pediu que realizassem o teste de alcoolemia. Marquette testou positivo e seria preso quando uma confusão começou. Os irmãos se juntaram a outras pessoas para impedir a prisão de Marquette. No ápi- ce do tumulto, mais policiais e pessoas se envolveram em uma briga na rua, ao final, várias pessoas foram presas, incluindo os irmãos. Contudo, o episódio iniciou uma série de protestos na cidade ale- gando discriminação racial por parte dos policiais e pediam mudanças na polícia. Ao longo de seis dias de manifestações em Los Angeles, cer- ca de 34 pessoas morreram, 1.032 ficaram machucadas e 4.000 foram presas, além disso, centenas de prédios foram destruídos. Os protestos de Watts não foram episódios isolados. Na época, vários outros ocorreram em cidades em todo o país e continuariam a ocorrer com o passar do tempo. Outro episódio que se tornou conhecido em Los Angeles foram os protestos após a prisão de Rodney King em 1992. Nesse caso, mais de 60 pessoas morreram nas manifestações que também reclamavam de discriminação ra- cial por parte dos policiais. Caso queira conhecer mais sobre esse assunto, sugerimos o filme Rodney King (2017), que descreve os episódios de 1992. Além disso, o documen- tário L.A 92, também de 2017, conta a história do julgamento de Rodney King. Filme Origens da polícia comunitária 27 No Brasil, alguns casos se tornaram conhecidos nos anos 1990. Em conjunto, esses episódios retratam uma década em que o modelo po- licial brasileiro foi fortemente criticado. Um deles foi o ocorrido em 2 de outubro de 1992, quando a Casa de Detenção Carandiru foi local de uma rebelião de presos. A polícia militar entrou no pavilhão 9 da pe- nitenciária e o resultado do confronto foram 111 presos mortos. Uma das consequências do episódio foi a mobilização de organizações ma- nifestando-se por mudanças nos protocolos de atuação das polícias. No ano seguinte, mais precisamente em 23 de julho de 1993, houve o episódio conhecido como Chacina da Candelária. Naquela noite, um grupo de jovens estava próximo à Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, quando crianças e adolescentes foram mortos por inte- grantes de carros que passaram atirando. No decorrer das investiga- ções policiais, foram julgadas e condenadas sete pessoas, dentre eles dois policiaismilitares e um ex-policial militar. A investigação indicou que eles eram integrantes de uma milícia carioca. Já em 1996, em 17 de abril, ocorreram os eventos que ficaram co- nhecidos como o Massacre de Eldorado dos Carajás. Durante uma ação da Polícia Militar do Pará, 19 pessoas integrantes do movimento dos sem-terra morreram. A motivação da ação policial teria sido a rein- tegração da posse de terras e a desobstrução da BR-155. Ao final, cerca de 154 policiais militares foram denunciados pelos crimes, tendo sido os comandantes da operação condenados a mais de 150 anos de prisão. Segundo Skolnick e Bayley (2002), o surgimento da polícia comu- nitária é presente em um contexto de críticas ao sistema policial, nas quais são reivindicadas reformas institucionais que aproximem a polí- cia e a sociedade. Além disso, os contextos sociais são caracterizados pelo aumento das taxas de criminalidade, pelo aumento da sensação de insegurança e por uma grande exposição nos meios de comunica- ção de episódios que demonstravam a insatisfação popular com ações policiais e os enfrentamentos mais frequentes. Com isso, a crise de legitimidade é lastreada por um distanciamento das aspirações, desejos e preocupações dos cidadãos. A esse quadro se somam episódios de violência policial – os quais sugerem falta de controle externo – e mecanismos de profissionalização falhos. Nos ter- mos de Moore (2003, p. 134), esse distanciamento era evidente, pois, “cada vez mais, o trabalho importante a ser feito era definido pela pró- pria polícia, ao invés de ser decidido pelos contribuintes”. 28 Polícia comunitária e segurança pública CONSIDERAÇÕES FINAIS A história das polícias se confunde com a história das sociedades mo- dernas. Essa relação é importante para compreender por que e como os comportamentos são regulados nos dias atuais. Ao longo do tempo, as polícias foram se desenvolvendo e assumindo características próprias em cada país. As mudanças sociais, políticas e econômicas dos séculos XIX e XX foram decisivas para a formação das polícias na sociedade moderna. Alguns dos aspectos mais importantes dizem respeito a características de caráter público, especialização e profissionalização das polícias. Como vimos, essa trajetória foi repleta de disputas e questionamentos das pessoas sobre a atuação policial. Nesse sentido, o surgimento da po- lícia comunitária está diretamente relacionado à insatisfação popular com as polícias e às consequentes crises de legitimidade do trabalho policial. ATIVIDADES 1. Com base na discussão sobre o surgimento das polícias modernas, descreva os elementos que definem as polícias e suas principais características. 2. Relacione quais são os tipos de sistemas políticos estudados e, com base nas referências que analisamos, caracterize os elementos centrais do sistema democrático. 3. Discorra sobre o surgimento da polícia comunitária e apresente exemplos de suas principais características, relacionando-as ao caso brasileiro. REFERÊNCIAS BAYLEY, D. H. Padrões de Policiamento: uma análise internacional comparativa. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm BRASIL. Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999. Diário Oficial, Brasília, DF, 10 jun. 1999. Disponível em: https://bit.ly/3fAK6bs. Acesso em: 2 jun. 2020. BRASIL. Decreto n. 3.897, de 24 de agosto de 2011. Diário Oficial, Brasília, DF, 27 ago. 2001. Disponível em: https://bit.ly/3bkkqML. Acesso em: 2 jun. 2020. BRASIL. Ministério da Defesa. Garantia da Lei e da Ordem. 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Nesse sentido, este capítulo é dedicado à apresentação das teorias de polícia comunitária, suas características e estratégias de policiamento. Toda teoria busca explicar uma realidade ou um con- junto de fatos de maneira sistematizada, utilizando métodos repli- cáveis e formulando hipóteses sobre o seu funcionamento. Assim, vamos ver como isso funciona no caso da polícia comunitária, por meio dos princípios de estudiosos sobre o assunto. 2.1 Definição de polícia comunitária Vídeo O conceito depolícia comunitária é central para compreender como as polícias se inserem nas sociedades modernas. Trata-se de um conceito que, de tão popular nas últimas décadas, corre o risco de se tornar impreciso. Para iniciarmos nossos estudos, imagine a seguinte situação: Você está passando por uma rua que fica às margens de um rio. Olhando para o curso d’água, você percebe que uma criança está se afogando e grita por socorro. O que você faria? Provavelmen- te, pularia na água para resgatá-la, fazendo uma boa ação para a criança inocente. Em seguida, sem sequer se recuperar, você percebe outra criança sendo levada pela correnteza. Qual seria sua atitude? Talvez, repetiria a ação de antes e tentaria salvar a outra criança; mas, mesmo antes de sair da água, você escuta outra criança gritando por socorro no meio do rio. E se essa situação se repetisse ao longo de todo o dia, o que você faria? Pense que, ao longo do tempo, você estaria se colocando em risco e as chances de resgatar as crianças seria menor. Sua capacidade de nadar e trazer as crianças para a margem ficaria menor a cada novo salvamento. Ao final, exausto, você provavelmente se perguntaria: o que está acontecendo neste rio? Por que as crianças continuam a se afogar e descer a correnteza? 32 Polícia comunitária e segurança pública Essa parábola foi utilizada por Dennis Rosenbaum (2002), criminó- logo da Universidade de Illinois, para ilustrar a base de sustentação da polícia comunitária: o foco nas causas, e não nas consequências dos problemas de segurança. Nessa analogia, mais importante do que saltar ao rio e salvar as crianças, é buscar saber as causas dos afoga- mentos sucessivos. Em outras palavras, o papel das polícias nas so- ciedades modernas deve ser mais amplo do que apenas reagir aos problemas, incluindo a prevenção deles com ações em suas causas. O modelo de polícia comunitária representa justamente essa mudança de paradigma no trabalho policial. Uma das definições mais conhecidas de polícia comunitária foi pro- posta por Robert Trojanowicz e Bonnie Bucqueroux (1999, p. 4). A polícia comunitária é uma filosofia e uma estratégia organiza- cional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como a co- munidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e re- solver problemas contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida geral daquela área. De maneira mais simples e baseada na definição anterior, o Departamento de Justiça dos EUA (COPS, 2009, p. 3, tradução nossa) definiu polícia comunitária como “uma filosofia que promove estraté- gias organizacionais, que embasam o uso sistemático de parcerias e técnicas de solução de problemas para lidar de forma proativa com condições que possibilitam questões relacionadas à segurança pública, como crime, desordem social e medo do crime”. Em conjunto, nessas definições, dois pontos são importantes e vão nortear nosso entendimento. O primeiro deles é a diferencia- ção entre duas dimensões: filosofia e estratégia organizacional. Por filosofia, os autores buscam designar os valores que orientam as polícias, ou seja, a forma como o trabalho, os objetivos e as fina- lidades da polícia são percebidos socialmente. Para os autores, os policiais orientados por valores comunitários se percebem como parceiros dos cidadãos na produção da segurança. paradigma: algo que serve de exemplo ou modelo; padrão. Glossário A obra Policiamento comunitário: como começar trata sobre essa temática de maneira dire- ta, objetiva e baseada em exemplos de experiências práticas. Os autores desenvolvem argumentos que se tornaram clássicos sobre a definição da polícia comunitária e de suas características com base na experiência norte-americana. TROJANOWICZ, R. C.; BUCQUEROUX, B. São Paulo: Ed. Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1999. Livro Teorias sobre polícia comunitária 33 Nesse sentido, a polícia comunitária é um conjunto de valores, que representam uma forma de pensar a relação entre a polícia e a so- ciedade, que extrapola a mera prestação de serviço público. Por meio desses valores, os policiais se colocam à disposição para resolverem problemas locais com os moradores, não para eles. Assim, sob o ponto de vista da filosofia, a polícia comunitária representa um conjunto de valores compartilhados por seus integrantes, independentemente das diferentes formas de desenvolver o policiamento. A esse respeito, Roth e Ryan (2000) enfatizam que os valores estão relacionados a como os policiais percebem suas funções, suas tarefas principais, a sociedade a que servem e como devem ser avaliados os seus serviços. Em outras palavras, como afirma Beato (2001, p. 2), a polícia comunitária representa uma “espécie de apelo moral em favor da mudança no relacionamento da polícia com a sociedade”, em que sejam estabelecidas relações de confiança, compreensão e respeito. Com isso, são três os elementos principais da dimensão filosófica da polícia comunitária: participação da comunidade, função ampliada do policiamento e serviços pessoais ou não impessoais (CORDNER, 2014). A participação da comunidade é vista como valiosa e necessária para o trabalho policial. A polícia comunitária reconhece que os cidadãos devem se manifestar sobre como são controlados em contextos demo- cráticos. Alguns exemplos da participação da comunidade ocorrem por meio de Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEGs), pesquisas de vitimização 1 São questionários aplicados a uma dada amostra da popula- ção, com o objetivo de investigar características e tendências de eventos e comportamentos relacionados à segurança pú- blica, como crimes, desordens, medo do crime, incivilidades, avaliação do trabalho policial, além de questionar sobre as características socioeconômicas de moradores e de vizinhanças. 1 e reuniões de vizinhos. O policiamento projetado com funções ampliadas supera a visão do policial que combate o crime. Dentre as funções da polícia estão atividades como resolução de conflitos, ajuda às vítimas de crimes, pre- venção de acidentes, redução do medo do crime, aumento da sensação de segurança, além da redução do crime por meio de prisões e apreen- sões. São funções relacionadas que compõem um quadro mais amplo sobre o trabalho policial. Dentre os exemplos práticos de diferentes funções assumidas pelas polícias estão a segurança de trânsito, os pro- gramas relacionados à prevenção ao uso de drogas, como o Proerd, e a prevenção à violência doméstica. Polícia comunitária é diferente de policiamento comunitário. A polícia comunitária diz res- peito aos valores (teoria) que orientam as polícias, enquanto o policiamento comunitário é composto pelas formas de co- locar esses valores em prática, por meio de atividades policiais. Importante Os Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEGs) são órgãos de natureza consultiva que reúnem moradores, lideranças comunitárias, comerciantes, entre outras pessoas de uma vizinhança para a discussão e a resolução de problemas locais de segurança pública. Para saber mais a respeito, sugerimos a lei- tura do texto Pesquisa Nacional dos Conselhos de Segurança, de Luciane Patrício Moraes (2009). Saiba mais 34 Polícia comunitária e segurança pública Por fim, os serviços pessoais dizem respeito à crença de que a for- ma de trabalho dos policiais não pode ser mecanizada ou impessoal. Esse tipo de crença reduz a percepção de que o policial não se importa com as pessoas, o que pode ser alcançado por “formas de satisfazer o cliente” (CORDNER, 2014, p. 155) e reduzir barreiras burocráticas do atendimento, como evitar prestar explicações, agir com descortesia ou mesmo lentidão. São exemplos de técnicas utilizadas para tornar os serviços mais personalizados a confecção decartões de apresentação e a adoção de slogans e símbolos das polícias. O Pipo-Kun é a mascote da Polícia Metropolitana de Tóquio, no Japão. A personagem é utilizada em vídeos preventivos, nos materiais de divul- gação da polícia e também participa de eventos com os policiais, como atividades realizadas nas escolas. M ár ci o M at to s Curiosidade A segunda dimensão é a estratégia organizacional, que diz respei- to à forma de organizar e prestar os serviços. Isso está relacionado à realização do trabalho policial e envolve desde questões como centra- lização e descentralização, autonomia e relações com outras agências públicas e privadas, até as diferentes modalidades de policiamento, como o patrulhamento a pé, de carro, a cavalo, dentre outros. Vale ressaltar, ainda, que Trojanowicz e Bucquerox (1999, p. 6) an- tecipam uma importante característica do policiamento comunitário, a descentralização. Vejamos: O policiamento comunitário baseia-se também no estabe- lecimento dos policiais como “minichefes” de polícias des- centralizados em patrulhas constantes, onde eles gozam de autonomia e liberdade de trabalhar como solucionadores lo- cais dos problemas da comunidade, trabalhando em contato permanente com a comunidade, tornando-as locais melho- res para morar e trabalhar. O segundo ponto relevante na definição é o objetivo do trabalho policial. De acordo com Trojanowicz e Bucquerox (1999, p. 6), o objeti- vo é “melhorar a qualidade de vida geral daquela área”, o que enseja lidar com problemas “como drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro”. Assim, as polícias se ocu- O Proerd é a versão brasileira do programa originalmente desen- volvido nos Estados Unidos, na década de 1980. Conhecido como D.A.R.E (Drug Abuse Resistance Education), o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) é realizado por policiais militares com crianças e adolescentes. Atualmente, está presen- te na maioria dos estados brasileiros. Para mais informações, visite o site do D.A.R.E. Disponível em: https://dare.org/. Acesso em: 1 jun. 2020. Site Teorias sobre polícia comunitária 35 pam com várias atividades, inclusive com o controle do crime. Este é um ponto central de distinção com o modelo reativo de policiamento: os indicadores de desempenho e o resultado do trabalho policial sob a ótica da polícia comunitária não podem ser limitados ao controle do crime, devem incluir a satisfação em relação ao serviço e à redução do medo do crime e das desordens. Essa definição de polícia comunitária reconhece uma visão parti- cular sobre o controle social. Segundo Kasarda e Janowitz (1974), o controle social se refere à capacidade de autorregulação da comuni- dade de acordo com princípios compartilhados coletivamente. Em outras palavras, trata-se, comumente, de um resultado alcançado por comunidades coesas e que compartilham os mesmos valores. Existem mecanismos formais e informais de controle social. Os mecanismos formais dizem respeito às agências públicas de controle social, como as polícias, os tribunais e as prisões. O controle social informal se refere a formas de socialização 2 A socialização é o principal canal para transmissão da cultura ao longo do tempo e das gerações. Por exemplo, os processos pelos quais as crianças aprendem o modo de vida de uma sociedade são mecanismos de socialização (GIDDENS, 2008). 2 não relacionadas à aplicação da lei, como relações entre vizinhos, amigos de escola, nas igrejas e nos templos, práticas de esportes etc. Assim, as polícias são apenas mais um dentre os mecanismos de controle social existentes na sociedade. A esse respeito, o argumento de Jane Jacobs (2000, p. 32) é especialmente apropriado: A primeira coisa para se entender é que a paz pública nas cida- des não é mantida pelas forças policiais, mesmo que elas sejam necessárias. É mantida, em primeiro lugar, por uma rede intrin- cada e quase inconsciente de controles e padrões voluntários entre as próprias pessoas, e que elas próprias se encarregam de fazer com que sejam cumpridos. Jacobs (2000) defende que as comunidades têm características pró- prias que interferem na capacidade de exercer controle social, ou seja, de controlar e evitar crimes. Para a autora, em primeiro lugar, essa é uma tarefa dos cidadãos, apesar de a polícia desempenhar papel relevante. Essa perspectiva é reconhecida na teoria criminológica e foi adotada, por exemplo, por autores da chamada teoria da desorganização social. De acordo com essa teoria, as atividades criminais são favorecidas em contextos de desorganização social, ou seja, quando as condições de socialização são tão precárias que os controles sociais formais e in- formais não conseguem ser efetivos. Ao defender a responsabilidade dos cidadãos na construção da segurança, essa perspectiva reserva à A teoria da desorganização social é uma influente corrente crimi- nológica que busca explicar a incidência criminal com base em características das vizinhanças, como concentração de desvan- tagens, mobilidade residencial, heterogeneidade e coesão social. A teoria foi desenvolvida origi- nalmente por Shaw e McKay, em 1942, na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Desde então, diferentes autores resgataram essa ideia em suas próprias teorias, como Robert Sampson, ao elaborar a teoria da eficácia coletiva. Saiba mais 36 Polícia comunitária e segurança pública polícia o papel de catalisadora da mobilização dedicada à resolução de problemas relacionados à qualidade de vida, como crimes, desordens e medo do crime. Dessa forma, a definição de polícia comunitária reúne elementos de tradições de pesquisa distintas. De modo geral, a polícia comunitária pode ser definida por dimensões que incluem: • elementos de filosofia e estratégia organizacional, contemplando a centralidade da participação da comunidade na definição dos problemas e nas soluções; • novos objetivos para o trabalho policial, que incluem desordens, medo do crime e sensação de segurança junto com o controle do crime, ampliando as funções do trabalho policial; • estabelecimento de relações pessoais e não mecanizadas na prestação de segurança. Por fim, é importante assumir que o controle social é realizado por meio de mecanismos formais e informais que envolvem instituições sociais, como família, vizinhança, igrejas, escolas e agências do sistema de justiça criminal, como as polícias. 2.2 Características e objetivos da polícia comunitária Vídeo A definição de polícia comunitária envolve diferentes elementos que compõem um verdadeiro novo paradigma em segurança pública. Nesta seção, buscaremos descrever de que modo a polícia comunitária implica, em termos práticos, as atividades de policiamento. Para tanto, gostaríamos que pensasse na seguinte situação: Após um dia movimentado no trabalho ou na escola, você percebe que uma viatura policial está parada em frente à sua casa. Ainda pouco distante da entrada, você tem tempo de pensar sobre aquela cena. O que lhe vem à cabeça? Quais são os pensamentos que lhe ocorrem? Por experiência própria, as respostas mais fre- quentes denunciam uma espécie de alarde, como se algo ruim tivesse acontecido; um crime, uma emergência médica ou outra fatalidade são respostas comuns. Contudo, ao chegar em casa, você se surpreende. Ao se aproximar, percebe dois policiais conversando amistosamente com seus vizinhos no portão. De maneira descontraída, falam sobre temas corriqueiros da vida no bairro, como a rotina do vizinho que viajou, do barulho que um cachorro insiste em fazer quando motoqueiros passam na rua, da necessidade de podar árvores e trocar a lâmpada do poste da esquina... Os policiais perguntam sobre grupos de jovens fazendo festas durante a noite e orientam sobre incidentes que ocorreram no bairro. Ao final, eles terminam a conversa deixando um cartão com o telefone da viatura responsável pelo policiamento daquela
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