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EPIDEMIOLOGIA Amanda de Ávila Bicca Martins Corpo, saúde e doença Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Diferenciar o corpo saudável do corpo doente. � Analisar o conceito de doença e de saúde na visão antropológica. � Reconhecer a motricidade humana sob a ótica do corpo pela sua perfeição, vitalidade e estado da doença. Introdução Você sabe diferenciar um corpo saudável de um corpo doente? Sabe o que influencia essa condição? A partir da analogia em que o corpo é a “casa do indivíduo”, tudo que está ao seu redor (p. ex., cultura, religião, ambiente) influencia de forma positiva ou negativa. O modo como o paciente vivencia o distúrbio determina se ele está doente ou saudável. Neste capítulo, você vai estudar a identificação e a diferença entre o corpo saudável e o doente. As influências de um corpo que não se movimenta (sedentarismo) e o que utiliza de toda a capacidade motora para gerar saúde e bem-estar. Conceitos gerais em saúde e doença Se você perguntar para qualquer pessoa “o que é saúde?”, a grande maioria definirá saúde como “a ausência de doença”. Por outro lado, boa parte das pessoas resume o conceito de doença como “o mau funcionamento do corpo”. Esse entendimento genérico de saúde e doença é o que chamamos de senso comum. Senso comum pode ser compreendido como a construção de conceitos a partir das experiências cotidianas do indivíduo. O sentido geral de uma ideia é formulado pelo senso captado. Contudo, mesmo não estando totalmente incorreto, esse modo de entendimento constitui uma visão incompleta do que de fato significam esses termos. O contexto em que um indivíduo está inserido é de grande importância na formação de conceitos. O que você entende por saúde e doença, por exemplo, pode ser significativamente diferente da ideia de uma pessoa que mora na Índia. Assim, a compreensão de mundo a partir do senso comum é norteada pelas referências sociais que circundam um indivíduo. Como profissional da área da saúde, é importante você ter conhecimento do que realmente significam termos relacionados à saúde. Para isso, entenda o que a palavra corpo significa. Partindo do Modelo Biomédico (Figura 1), o corpo humano é resultado do conjunto do funcionamento de vários sistemas, cada um composto por vários órgãos, em que cada órgão é composto por diferentes tecidos que, por fim, é composto por diferentes células. O Modelo Biomédico é caracterizado por dividir o homem entre corpo e mente, e compreender o físico como uma máquina, que em seu funciona- mento equivaleria a um relógio bem regulado. Essa modelagem entende que saúde corresponde ao funcionamento pleno do maquinário físico, enquanto a doença seria uma necessidade de reparo desse maquinário. A partir disso, para entender, de maneira eficaz, a metodologia de desmembramento sugere isolar e avaliar os fenômenos físicos. Nestes termos, muitas vezes, a investigação, conduta médica e tratamento se resumem ao enfoque no sistema avaliado, mesmo tendo consciência de que todos os sistemas estão interligados e influenciam uns aos outros. Assim, é possível concluir que esse tipo de abordagem pode, em boa parte das vezes, não contemplar a solução real de um problema de saúde. Dessa forma, mesmo sabendo que se trata de uma metodologia que impul- sionou grandes descobertas, é notória a necessidade de uma visão mais global do ser humano, bem como de todos os processos que o envolvem. Corpo, saúde e doença2 Figura 1. Analogia do Modelo Biomédico em que o corpo é comparado a uma máquina. Fonte: Digital Storm/Shutterstock.com Saúde e doença na era antropológica Com o objetivo de entender os processos de saúde e doença de modo mais global, passou-se a adotar uma reflexão antropológica a respeito do assunto. Aos olhos da antropologia médica, o corpo expressa a situação de saúde. Ela entende que, além dos segmentos físico e mental, existem também os segmentos cultural e social e que todos se complementam de tal forma que um não existe sem o outro. Assim, além da constituição biológica, o corpo também é caracterizado pelo contexto cultural e social, de modo que interage estabelecendo relações com o mundo. Corporeidade é o conceito que caracteriza essa interação, uma vez que representa a visão unitária de todos os segmentos que compõem o ser humano. Partindo desse conceito, os profissionais da saúde passam a entender que o adoecimento não se resume a um processo estritamente físico, mas também sociocultural. 3Corpo, saúde e doença Um indivíduo que desenvolve fibromialgia (síndrome crônica caracterizada por fortes dores em regiões anatomicamente determinadas, podendo ainda apresentar mani- festações, como fadiga, perturbações do sono), não necessariamente apresentará só sintomas físicos. A dor pode ser de tal intensidade a ponto de se tornar incapacitante e, com isso, dar início a um processo depressivo. Nesse caso, você pode perceber que há impacto não só na saúde física, como também na saúde mental. Esse impacto influencia o ambiente familiar, mudando a rotina das pessoas de convívio direto, gerando preocupação, maiores cuidados com o indivíduo, gastos e demanda de atenção. No âmbito profissional, o indivíduo pode ficar impossibilitado de trabalhar por tempo indeterminado. Como resultado de sua ausência, a empresa perde produti- vidade sobrecarregando os demais funcionários. Em termos econômicos, pessoas que deixam de trabalhar, ainda que temporariamente, têm seu poder aquisitivo diminuído, impactando na sua capacidade de consumo. Como você viu, o adoecimento reflete na vida daquele que foi acometido, no seu círculo de convivência pessoal, ambiente profissional e na atividade econômica. Partindo desse raciocínio, se os efeitos do adoecer afetam vários setores da vida das pessoas, o termo saúde não pode se resumir à integridade física. Hoje, a saúde é um conceito que compreende todos os setores da vida de uma pessoa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a saúde representa “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou invalidez”. Nesse mesmo contexto, doença é o termo que representa desequilíbrio de um órgão, mente ou do organismo em seu todo, sendo manifestada por sinais e sintomas específicos. Assim, a associação de conceitos antropológicos à área da saúde faz com que o foco deixe de ser exclusivamente a doença, passando a ser o indivíduo. Quando o paciente está no centro da prática médica, o contexto exerce influ- ência decisiva no diagnóstico, tratamento e relação com os sistemas de saúde (Figura 2). Desse modo, paciente e profissional da saúde buscam entrar em acordo sobre a melhor abordagem para manejo e prevenção da doença. Corpo, saúde e doença4 Para que isso ocorra, é essencial que as equipes de saúde tenham competên- cia cultural. Essa competência permite o estabelecimento de uma comunicação interpessoal eficaz, em que o profissional adquire uma postura sem preconcei- tos. A partir daí, é possível que, respeitadas as diferenças, haja consenso entre as partes sobre como a dinâmica do tratamento vai ocorrer. Como resultado, é possível observar maior adesão às orientações médicas, obtendo melhora a partir da relação bem-sucedida entre paciente e profissional da saúde. Figura 2. A corporeidade inserida na abordagem terapêutica. O paciente é avaliado como um todo e a abordagem terapêutica efetiva é resultado do diálogo entre as partes. Corporeidade e motricidade na saúde A expressão do ser humano em seu todo está intimamente atrelada aos movi- mentos de tal forma que a compreensão do movimento humano tem diferentes dimensões de impacto em nossas vidas. Mais do que a simples execução de uma ação física, a motricidade representa o conceito essencial da expres- são corporal, não só orgânica como também psíquica. Quando falamos em motricidade, estamos falando sobre como o corpo interage com o mundo e estabelecerelações de linguagem por meio do movimento. 5Corpo, saúde e doença O movimento é a resultante da vinculação entre os campos corporal, mental e concreto. Na sociedade atual, a ideia de motricidade remete à representação corporal por meio das intervenções humanas no ambiente, de modo que cada experiência corporal vivida tem aspecto polissêmico. Esses aspectos são aqueles alheios aos controles mecânicos e estáticos do movimento, de tal forma que abrange a porção humanizada dos movimentos. Ao compreender que o movimento sempre contém elementos, como postura, presença e inten- cionalidade, é possível perceber o homem como um todo. A linguagem é a resultante transformacional do dinamismo expressivo do ser por suas ações motoras. Ainda assim, existem distorções na visão objetiva da motricidade como elemento de saúde. Os atuais padrões estéticos, erroneamente associados à saúde pelo senso comum, resultam no estabelecimento de uma condição de narcisismo, visto que o padrão tido como belo e saudável não é sustentado pela cultura que o estabeleceu. Essas buscas por medidas, muitas vezes, extremas e surreais, deturpam o papel social do movimento como elemento de promoção da saúde. Os benefícios psicossociais que o desenvolvimento de atividades motoras saudáveis proporciona extrapolam as benesses físicas, uma vez que oferecem melhora considerável no desenvolvimento cognitivo e emocional. Além disso, sabemos que a motricidade é elemento chave da integração do indivíduo em seu contexto social, uma vez que ela permite expressão e inte- ração com aqueles a sua volta. Sabe-se que o desenvolvimento de doenças que interferem no desenvolvimento de atividades motoras tem peso considerável no estado mental dos pacientes. Indivíduos cerceados da liberdade de movimentos em decorrência de eventos patológicos apresentam maiores dificuldades de relação com a rotina, estabelecem relações de dependência com outras pessoas e acabam, muitas vezes, alterando não só seu estado mental, mas o modo como se expressam perante o mundo. Como você pode perceber, a associação da visão antropológica na área da saúde auxilia os profissionais a enxergar o doente e não a doença. O indivíduo dentro de todo contexto físico e social, e não apenas como um sintoma a ser solucionado. Essa visão mais completa do ser humano permite que possamos não apenas manejar os desafios associados à condição de saúde de um indi- víduo de maneira mais eficaz, como também proporciona um trabalho mais humanizado em todo processo saúde e doença. Corpo, saúde e doença6 BELLAGUARDA, M. L. dos R. et al. O corpo humano em uma aproximação à antro- pologia da saúde. Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 11, n. 3, p. 1113-1129, set. 2011. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S1518-61482011001300009>. Acesso em: 20 nov. 2017. CHATTERJI, S. et al. The conceptual basis for measuring and reporting on health. Global Programme on Evidence for Health Policy Discussion Paper, US, n. 45, 2011. Disponível em: <www.who.int/healthinfo/paper45.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017. 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