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PSICOLOGIA EM SAÚDE 1 LIVRO TEXTO PSICOLOGIA EM SAÚDE PSICOLOGIA EM SAÚDE 2 SUMÁRIO 1. HISTÓRIA DA PSICOLOGIA ........................................................................................................................ 4 1.1 - INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS .................................................................................................................. 5 1.2 - PSICOLOGIA MODERNA ......................................................................................................................... 6 1.3 - NOÇÕES GERAIS DE PSICOLOGIA ......................................................................................................... 8 1.3.1 - O Objeto De Estuda Da Psicologia ................................................................................................. 8 1.3.2 - Psicologia do Senso comum X Psicologia enquanto ciência ....................................................... 9 2. AS TRÊS PRINCIPAIS TEORIAS DA PSICOLOGIA MODERNA ................................................................... 11 2.1 - BEHAVIORISMO OU COMPORTAMENTALISMO ....................................................................................11 2.2 - GESTALT ...............................................................................................................................................12 2.2.1 - Lei da Unidade ............................................................................................................................. 13 2.2.2 - Lei da Segregação ........................................................................................................................ 13 2.2.3 - Lei da Unificação .......................................................................................................................... 14 2.2.4 - Lei do Fechamento....................................................................................................................... 14 2.2.5 - Lei da Continuidade ..................................................................................................................... 15 2.2.6 - Lei da Proximidade ...................................................................................................................... 15 2.2.7 - Lei da Semelhança ....................................................................................................................... 16 2.2.8 - Lei da Pregnância ......................................................................................................................... 16 2.3 - PSICANÁLISE ........................................................................................................................................16 2.3.1 - Primeiro fundamento da teoria ................................................................................................... 17 2.3.2 - Segundo fundamento da teoria .................................................................................................. 17 3. DEFINIÇÃO DA PSICOLOGIA DA SAÚDE .................................................................................................. 19 3.1 - A PSICOLOGIA COMO UMA CIÊNCIA BIOPSICOSSOCIAL .....................................................................19 3.2 - A PRÉ-HISTÓRIA DA PSICOLOGIA DA SAÚDE, DA SAÚDE E DA DOENÇA .............................................20 3.3 - O INTERESSE DA PSICOLOGIA PELA SAÚDE E DOENÇAS NÃO MENTAIS ............................................21 4. O PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE ................................................................................................... 23 4.1 - O PAPEL DO PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE ................................................................................24 5. INTRODUÇÃO SOBRE SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE COLETIVA................................................................... 26 5.1 - AS DIFERENÇAS DA SAÚDE PÚBLICA E COLETIVA ...............................................................................27 6. O PAPEL DA PSICOLOGIA NA SAÚDE – ABRANGÊNCIA E NÍVEIS DE APLICAÇÃO .................................. 29 6.1 - PROMOÇÃO DE SAÚDE GERAL .............................................................................................................29 6.2 - A PREVENÇÃO DE ENFERMIDADES ......................................................................................................30 6.3 - PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO PRIMÁRIAS ...........................................................................................30 6.3.1 - Intervenção primária ................................................................................................................... 31 6.4 - PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO SECUNDÁRIAS .....................................................................................32 PSICOLOGIA EM SAÚDE 3 6.4.1 - Prevenção Secundária ................................................................................................................. 32 6.4.2 - Intervenção Secundária .............................................................................................................. 33 6.5 - PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO TERCIÁRIAS ..........................................................................................33 6.5.1 - Prevenção de Terceiro Nível ........................................................................................................ 33 6.5.2 - Intervenção de terceiro nível ....................................................................................................... 34 6.6 - RELAÇÃO EQUIPE PROFISSIONAL DE SAÚDE E PACIENTE/CLIENTE ..................................................34 6.6.1 - Paciente ........................................................................................................................................ 35 6.6.2 - Relação de ajuda e o papel da comunicação .............................................................................. 36 6.6.3 - Empatia ........................................................................................................................................ 38 6.6.4 - Informação ................................................................................................................................... 39 6.6.5 - Autonomia .................................................................................................................................... 39 6.6.6 - Suporte social .............................................................................................................................. 40 6.6.7 - Espiritualidade ............................................................................................................................. 40 7. HISTÓRICO DA HUMANIZAÇÃO E CUIDADOS ........................................................................................ 42 7.1 CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO E CUIDADOS ........................................................................................43 7.2 - A IMPORTÂNCIA DA HUMANIZAÇÃO E DOS CUIDADOS .......................................................................44 8. HUMANIZAÇÃO E POLÍTICAS DE SAÚDE ................................................................................................ 46 8.1 - POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PHN) ..................................................................................47 9. ATENÇÃO À SAÚDE DOS TRABALHADORES: CONCEITOS GERAIS ......................................................... 51 9.1 - CONHECENDO A SAÚDE DO TRABALHADOR .......................................................................................52 9.2 - COMPREENDENDO OS AGRAVOS E O ADOECIMENTO RELACIONADOS AO TRABALHO.....................54 10. A NOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO E SAÚDE DOS TRABALHADORES DA SAÚDE ... 58 10.1 - O PROFISSIONALDOS NOVOS TEMPOS E SUAS NECESSIDADES PSICOLÓGICAS ...........................59 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 63 PSICOLOGIA EM SAÚDE 4 Tema 01 PARTE 01 1. HISTÓRIA DA PSICOLOGIA A História da Psicologia como ciência teve no século XIX na Alemanha. Contudo, a psicologia vem sendo edificada desde os primórdios da vida, à medida que os homens foram construindo a si e ao seu mundo, e com isso buscando explicações para o que vem a ser a sua existência. A preocupação do homem com as chamadas atividades subjetivas é tão antiga quanto as primeiras formas do pensamento racional, ou seja, quando o homem pensa acerca do mundo, dos outros homens e de si mesmo, elabora ideias psicológicas, ideias que se referem a processos individuais e subjetivos, como, por exemplo, as percepções e as emoções. Sendo assim, é interessante iniciamos visualizando não apenas a psicologia em quanto ciência, mas também a história das idéias psicológicas, ou seja, aqueles saberes que, antes mesmo da psicologia, questionava-se sobre a vida humana, sua relação com a natureza e suas transformações. Predominante, até o surgimento da psicologia, foi na filosofia que o ser humano encontrava resposta na criação de concepções de mundo e de homem. Sendo assim, nosso estudo se inicia na antiguidade quando os primeiros filósofos gregos começaram a buscar respostas racionais para estas perguntas, deixando aos poucos o pensamento mítico, que era vigente desde as sociedades primitivas. Partindo dessa perspectiva, vamos definir que a filosofia buscou organizar e sistematizar o saber. Já que até então prevalecia o pensamento mítico de mundo, que se apoiava na fé daquele que estava narrando. A filosofia surgi propondo a investigação, a compreensão e organização do saber através da razão e não da crença. A filosofia é, pelo menos entre os gregos, a primeira forma racional de pensamento, podemos dizer que as ideias psicológicas nascem nesse mesmo momento. O homem, ao ter a atitude filosófica de se indagar, indaga seu próprio pensamento, indaga como se dá o conhecimento. Podemos considerar assim, a definição da filosofia como conhecimento racional, que tem como objetivo indagar, investigar, organizar e compreender o mundo. Ou ainda: [...] a filosofia surgiu quando se descobriu que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisava ser revelado por divindade a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos, através da razão que é a mesma em todos; quando se PSICOLOGIA EM SAÚDE 5 descobriu que tal conhecimento dependia do uso correto da razão ou do pensamento e que, além da verdade poder ser conhecida por todos, podia pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos. (CHAUÍ, 1995, p.23.) 1.1 - INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS Através da Filosofia grega, foi possível conhecer as bases e os princípios fundamentais de conceitos que conhecemos como razão, racionalidade, ética, política, arte, física, pedagogia, cirurgia, cronologia e, principalmente o conceito de ciência. Entre os vários filósofos gregos que contribuíram com suas ideias, temos: - Pitágoras (séc. V a.C.) – Para ele, a completa sabedoria pertencia somente aos deuses, mas era possível apreciá-la, amá-la e com isso, obtê-la. Dizia que a natureza é formada por um sistema de relações ou de proporções matemáticas, de tal modo que essas combinações aparecem aos nossos órgãos dos sentidos sob a forma de qualidades dualísticas. - Parménides (+/- 544 - 450 a.C.) – Segundo ele, para chegarmos à verdade não podemos confiar nos dados empíricos, temos que recorrer à razão. Nada pode mudar, só existe o ser imutável, eterno e único, em oposição ao não ser. Temos de ignorar os sentidos e examinar as coisas com a força do pensamento. O que está fora do ser não é o ser, é nada, o ser é um. - Heráclito (+/- 540 - 470 a.C.) – As suas ideias são contrárias às de Parménides e é considerado o mais importante dos pré-socráticos. É dele as frases: “Tudo flui”. “O LOGOS é o princípio cósmico”. “Não entramos no mesmo rio duas vezes”. “A verdade encontra-se no DEVIR e não no ser”. “A Alma não tem limites, pois o seu logos é profundo e aumenta gradativamente. “O pensamento humano participa e é parte do pensamento universal”. “Deus manifesta-se na natureza e é está cheio de opostos”. “A terra cria tudo e tudo volta para ela”. Estes são alguns dos muitos filósofos, chamados de pré-socráticos, que contribuíram para encerrar a visão mítica e religiosa que como já citamos anteriormente, que se tinha até então da natureza e a partir daí foi adoptada uma forma científica e racional de pensar. Sócrates é considerado um "divisor de águas" na Filosofia. Sócrates (470 - 399 a.C.), a sua biografia é contada por Platão em várias das suas obras, pois Sócrates, conforme dizem, era analfabeto. Usando um método próprio, chamado de “maiêutica” (Trazer à Luz - fazer parir), que partia de perguntas feitas às pessoas, ele fazia com que elas "parissem as suas próprias ideias" sobre as coisas. Comparava a sua técnica filosófica, a qual acreditava que ajudava a existência humana a aperfeiçoar seu espírito, com a atividade da sua mãe, PSICOLOGIA EM SAÚDE 6 que era parteira. Para Sócrates as etapas do saber são quatro: Ignorar a sua própria ignorância; conhecer a sua Ignorância, ignorar o seu saber e conhecer o seu saber. Teve vários seguidores, causou muita irritação por suas "ideias pervertidas", foi condenado à morte por envenenamento. Poderia ter fugido da prisão, ter pedido clemência ou ainda ter saído de Atenas, mas simplesmente não quis, tornando-se assim primeiro mártir da Filosofia. Após Sócrates, temos alguns filósofos cujas ideias foram de extrema importância para que a Psicologia se destacasse. Por exemplo, Platão, Aristóteles e outros filósofos gregos preocupavam- se com muitos dos problemas que hoje cabe aos Psicólogos tentarem explicar: a memória, a aprendizagem, a percepção, a motivação, os sonhos e principalmente o comportamento anormal. 1.2 - PSICOLOGIA MODERNA Até o século XVII, os filósofos estudavam a natureza humana mediante a especulação, a intuição e a generalização, pois baseavam-se na sua pouca experiência. Até este período, o homem olhava para o passado, a fim de obter as suas respostas. Somente aplicavam instrumentos e métodos científicos que já se tinham mostrado eficazes nas ciências físicas e biológicas. Contudo, ocorreu uma transformação substancial nos seus estudos, fazendo assim um estudo essencialmente científico, apoiado em observações e experimentações cuidadosamente controladas para estudar a mente humana, fazendo com que a Psicologia alcançasse uma identidade que a distinguiria das suas raízes filosóficas. Quando o empirismo se tornou dominante, surgiu uma nova desconfiança sobre todo o conhecimento até então obtido, dos conceitos e da visão que se tinha das coisas, dos dogmas filosóficos e teológicos do passado, aos quais a ciência estava presa. Vários homens contribuíram na elaboração de questões, tão importantes para a mudança. Dentre eles, um destacou -se por contribuir diretamente para a história da Psicologia Moderna, libertando-nos dos dogmas teológicos e tradicionais rígidos que dominaram desde a época aristotélica. Esse grande homem, que simboliza a transição da Renascença para o período moderno da ciência e que representa os primórdios da Psicologia Moderna foi René Descartes. A maior contribuição de Descartes para a História da psicologia Moderna foi a tentativa de resolver o problema ‘corpomente’ que era uma questão controversa e que perdurava desde o tempo de Platão, sendo que a maioria dos pensadores deixaram de adotar uma visão monista (mente e corpo como sendouma só entidade) e adotaram a sua posição dualista: mente e corpo sendo de naturezas distintas. Contudo, esta posição cartesiana implicava uma outra questão: Qual PSICOLOGIA EM SAÚDE 7 é a relação entre mente e corpo? A mente e o corpo influenciam -se mutuamente ou só a mente influenciava o corpo conforme se pensava até então? Descartes “absorveu” a posição dualista, mas defendia que a interação entre mente e corpo era muito maior que se imaginava e que não só a mente poderia influenciar o corpo, mas o corpo também influenciava a mente de um a forma muito maior do que se imaginava até então. Descartes argumentou que a função da mente era somente a do pensamento e que todos os outros processos eram realizados pelo corpo. Mente e corpo, apesar de serem duas entidades distintas, são capazes de exercer influências mútuas e interagir no organismo humano. Essa teoria foi chamada de interacionismo mente-corpo. Uma vez que o corpo está separado da mente e é formado por matéria física, este deve compartilhar então as suas características com todas as leis da Física que explicam a ação e o movimento. Após Descartes, a ciência moderna e a psicologia desenvolveram-se rapidamente e, em meados do século XIX, o pensamento europeu foi impregnado por um novo espírito: o Positivismo. Esse nome foi obra de Auguste Comte que para tornar os seus conceitos os mais viáveis possíveis, se limitou nessa obra a apenas fatos cujas verdades estavam acima de qualquer suspeita, ou seja, somente aos fatos que poderiam ser comprovados cientificamente, observáveis e indiscutíveis. Este espírito materialista gerou ideias de que a consciência poderia ser explicada através em termos da Física e da Química e os investigadores neste campo concentraram-se na estrutura anatómica e fisiológica do cérebro. Positivismo, materialismo e empirismo converteram-se nos alicerces filosóficos de uma nova psicologia, onde os fenómenos psicológicos eram constituídos de provas fatuais, observacionais e quantitativas, sempre baseados na experiência sensorial. O método dos empiristas apoiava -se completamente na observação objetiva e na experimentação, e diz que a mente se desenvolve através da acumulação progressiva das experiências sensoriais. Desta forma, é nítido que estas ideias foram de encontro às teorias de Descartes, que dizia que algumas ideias eram inatas. Os cientistas, no final do século X IX, passaram então à investigação e estudo dos órgãos dos sentidos, através dos quais, recebemos as informações acerca do mundo externo e temos as sensações e percepções. Vários foram os cientistas que recorreram ao método experimental para estudo da psicologia e realizaram estudos sobre o comportamento, os movimentos voluntários, involuntários e os movimentos reflexos. De entre eles, na Alemanha, tivemos quatro que são responsáveis diretos pelas primeiras aplicações desse método: Hermann von Helmholtz, Ernest Weber,Gustav T. Fechner e Wilhelm Wundt. Todos eles estavam integrados com o PSICOLOGIA EM SAÚDE 8 desenvolvimento da fisiologia e da ciência que ocorreu na metade do século XIX. Os seus trabalhos foram decisivos para a fundação da Nova Psicologia. 1.3 - NOÇÕES GERAIS DE PSICOLOGIA No sentido etimológico, a psicologia é a ciência da alma ou estudo da alma, seu nome é composto pelo prefixo grego psique (alma, mente) e logos (ciência, estudo). Assim, em outras palavras, psicologia significa o “estudo da alma ou da mente”. É a ciência que investiga o comportamento humano e seus processos mentais. Teles (2003) a define como a ciência que busca compreender o homem e seu comportamento, para facilitar a convivência consigo próprio e com os o outro. “Pretende-se fornecer subsídios para que ele saiba lidar consigo e com as experiências de vida. ” (p. 9). Os psicólogos estudam os mais variados assuntos entre eles: o desenvolvimento, as bases fisiológicas do comportamento, a aprendizagem, a percepção, a consciência, a memória, o pensamento, a linguagem, a motivação, a inteligência, a personalidade, o ajustamento, o comportamento anormal, o tratamento do comportamento anormal, as influências sociais, o comportamento social, etc. A psicologia é frequentemente aplicada na indústria, na educação, na engenharia, na saúde e muitas outras áreas. O futuro profissional da saúde precisa desses conhecimentos de psicologia, pois estará em constante contato com outras pessoas. Além do que, esses conhecimentos lhe ajudarem na reflexão dos seus próprios problemas, pois não tem como ajudar outra pessoa se sentir bem, se não estiver bem consigo mesmo. Qualquer pessoa que queira ingressar na área da saúde precisa conhecer as pessoas e antes de tudo, a si próprio. 1.3.1 - O Objeto De Estuda Da Psicologia Há na psicologia uma diversidade de objetos de estudo e isso se explicada pelo fato de que este campo do conhecimento ter sido constituído como área do conhecimento científico muito recentemente (final do século XIX). Quando uma ciência é muito nova, ela não teve tempo ainda de apresentar teorias acabadas e definitivas, que permitam determinar com maior precisão seu objeto de estudo. Um outro motivo que contribui para dificultar uma clara definição de objeto da Psicologia é o fato de o cientista confundir-se com o objeto a ser pesquisado. No sentido mais amplo, o objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste caso o pesquisador está inserido na categoria a ser estudada. PSICOLOGIA EM SAÚDE 9 O objeto de estudo ainda sobre variações de acordo com a teoria de quem é interpelado, se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: “O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano”. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: “O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente”. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, ainda, a personalidade. 1.3.2 - Psicologia do Senso comum X Psicologia enquanto ciência Do senso comum à ciência, a Psicologia trilhou um longo caminho. Contudo, ainda hoje é comum as pessoas tentarem analisar o próprio comportamento e o de outras pessoas. Não raro, alguns profissionais dizem usar a psicologia com seus clientes em função de conversarem com eles e de os ouvirem quando lhes prestam algum serviço. O senso comum entende que ouvir o outro é o trabalho do psicólogo. No entanto, a escuta de um leigo é totalmente diferente da escuta do profissional de Psicologia. Este se prepara para compreender a complexidade do indivíduo, a formação da personalidade e os diversos fatores que influenciam o comportamento. A escuta e a fala do psicólogo se distanciam enormemente das conversas informais. De acordo com Davidoff (2003), o que diferencia a escuta leiga da psicológica é que o senso comum é orientado pela intuição, e a escuta psicológica baseia-se em princípios científicos. Vale ressaltar que o termo intuição, como tratado por Davidoff (2003), não tem relação com o método intuitivo de Bergson (1972). Este filósofo francês compreende a intuição por meio da perspectiva constituída pela racionalidade, portanto, uma faculdade de conhecimento. A Psicologia é a ciência que estuda o comportamento humano a partir da compreensão da subjetividade do indivíduo, de sua constituição biológica e das relações interpessoais construídas no meio que o circunda. A ciência psicológica, no entanto, foi precedida pelo pensamento psicológico. Considera-se pensamento psicológico a forma de compreender o indivíduo a partir dos aspectos biológicos que ligam o comportamento humano aos fatores neurológicos e biológicos. Nesse sentido, a mente estaria subordinada à biologia enquanto o corpo estaria submetido aos comandos recebidos do sistema neuronal. O pensamento psicológico defende, portanto, uma ideia de indivíduo diferente da adotada pela psicologia atual, a qual compreende o homem enquanto um ser singular, dotadode possibilidades de respostas às demandas que recebe. Entende-se por ciência um método de investigação que visa avaliar evidências e verificar princípios. A ciência psicológica dispõe de um PSICOLOGIA EM SAÚDE 10 corpo de conhecimento consolidado, integrado e coerente, a partir do qual explica e descreve o comportamento humano e os processos mentais (DAVIDOFF, 2003). O campo do estudo psicológico alcançou o grau de ciência independente, como já citado anteriormente, no século XIX, a partir dos trabalhos de Wilhelm Wundt. O marco da Psicologia enquanto ciência foi a construção do laboratório de pesquisa de Wundt na Universidade de Leipzig, na Alemanha, em 1875. Além de estudar os fenômenos mentais, o pesquisador orientava estudantes oriundos de diversas partes do mundo. Esses alunos, ao voltarem para seus países de origem, disseminaram as ideias de Wundt. O laboratório recebeu o título de Primeiro Centro Internacional de Formação de Psicólogos. Figura 1: Wundt em seu laboratório, Universidade de Leipzig Fonte:<http://psychologie.biphaps.uni-leipzig.de/wundt/pictures/group03.jpg>. Acesso em: 25 mai. 2020 PSICOLOGIA EM SAÚDE 11 Tema 01 PARTE 02 2. AS TRÊS PRINCIPAIS TEORIAS DA PSICOLOGIA MODERNA 2.1 - BEHAVIORISMO OU COMPORTAMENTALISMO As teorias comportamentalistas, ou o behaviorismo, é uma teoria psicológica que objetiva estudar a psicologia através do comportamento observável e susceptível de ser medido. Para essa corrente, o comportamento é observável, mensurável e controlável cientificamente, tal como acontece com os factos estudados pelas ciências naturais e exatas. Baseado no condicionamento clássico de Ivan Pavlov, John Broadus Watson (1878-1958) foi considerado o pai do behaviorismo ao defender a Psicologia como um ramo puramente objetivo e experimental das ciências naturais, a aprendizagem é uma modificação do comportamento provocado por um estímulo proveniente do meio envolvente. Assim, de acordo com esta corrente e no contexto da FCT, é necessário que se criem estímulos que possibilitem a aprendizagem do formando, pois a aprendizagem implica uma conexão necessária entre estímulos e respostas. Skinner, o teórico mais importante desta corrente, sublinhado a importância das respostas e das suas consequências no processo de aprendizagem. Desenvolveu o que ficou conhecido por Condicionamento Operante, segundo o qual o comportamento que produz efeitos agradáveis tende a tornar-se mais frequente, enquanto que o comportamento que produz efeitos adversos tende a tornar-se menos frequente. Em síntese, se uma resposta for compensada é fortalecida e tende a manter-se; o que significa que a aprendizagem depende de consequências. O reforço, que assume uma importância basilar na teoria de Skinner, é uma consequência de um comportamento que condiciona a repetição ou a extinção desse comportamento. Skinner identificou 3 tipos de reforços: Reforço Positivo - consequência (feedback) de um comportamento que tem consequências agradáveis para o indivíduo, pelo que funciona como mecanismo para manter e fortalecer a resposta. Exemplo: O elogio do tutor ao bom desempenho do formando que executou corretamente uma tarefa, em virtude da atenção que prestou, terá como consequência o fortalecimento da atenção e do interesse do formando no período de FCT. PSICOLOGIA EM SAÚDE 12 Reforço negativo - o reforço negativo é um estímulo que prevê consequências não desejadas pelo indivíduo. Este tipo de reforço pretende enfraquecer um comportamento em proveito de outro, retirando um estímulo agradável. O estímulo negativo é devolvido após a obtenção da resposta pretendida. Exemplo: O chefe de equipa reclama com o trabalhador até este cumprir uma certa regra ou tarefa de forma correta. Após cumpri-la, o trabalhador escapa às reclamações (reforçando o comportamento desejado). Punição/Castigo - a punição visa reduzir a probabilidade que um determinado comportamento volta a ocorrer. Refere-se, em termos conceptuais, a um estímulo que é dado após um determinado comportamento não desejado, com vista à extinção deste mesmo comportamento, através de consequências que são desagradáveis para o indivíduo. Exemplo: Tomada de medidas coercivas para uma pessoa que ignorou as normas de higiene e segurança, gerando uma situação de perigo para ela e para os colegas de trabalho. A punição difere do reforço negativo no sentido que, não modifica o comportamento de quem a promove, nem - a longo prazo - de quem a recebe. Por exemplo, a punição de ser preso não modifica o comportamento do punido. Skinner defendeu o uso de reforços positivos (recompensas), como uma alternativa positiva às punições e aos esquemas repressivos, perante um comportamento correto, defendendo que é mais eficaz pedagogicamente. 2.2 - GESTALT A Gestalt é uma coerente teórica dentro da história da Psicologia. Seus articuladores se preocuparam em construir não só uma teoria consciente, mas também uma base metodológica forte, que garantisse a consistência teórica. É um termo alemão, em português, significa forma ou configuração, porém não é muito utilizado em Psicologia por não condizer com seu significado nesta área especificamente. O princípio da Gestalt foi desenvolvido no início do século XX por dois famosos teóricos: Wolfgang Köhler e Kurt Koffka. Eles observaram que a mente humana tem um comportamento bem padronizado ao perceber as formas vistas nos objetos, nas pessoas, nos cenários e em tudo o que enxergamos. O princípio básico da Gestalt, em termos mais gerais, é um conjunto de entidades físicas, biológicas, fisiológicas ou simbólicas que juntas formam um conceito, padrão ou configuração unificado que é maior do que a soma de suas partes. Os gestaltistas afirmam que, ao receber um estímulo visual, nosso cérebro não recebe uma excitação sensorial isolada, mas vários sinais complexos que agrupam todas as características que PSICOLOGIA EM SAÚDE 13 consideramos semelhantes, somando rapidamente todas as partes do item visto. Isso significa que, à primeira vista, percebemos os objetos em sua totalidade, para só depois nos atentarmos aos detalhes. Essa teoria é facilmente comprovada por ações da nossa rotina: ver desenhos nas nuvens e formas (de cruz, de animais e formas geométricas) nas constelações são exemplos disso. A Gestalt aplicada na percepção de objetos possui oito leis básicas. Inclusive, é possível que você já as tenha utilizado em alguma criação gráfica sem nem ter ideia dos seus reais significados. 2.2.1 - Lei da Unidade A lei da unidade consiste em afirmar que a percepção de um elemento pode ser construída por uma ou até mesmo várias partes que constroem o todo. Sendo assim, uma unidade é percebida como um elemento único. Essa lei se faz presente em diversas criações publicitárias famosas. Uma delas é o logo da Adidas. A disposição de faixas retangulares cortadas do símbolo é um exemplo fiel de como uma composição original pode ser feita a partir de pequenas unidades já existentes. 2.2.2 - Lei da Segregação Essa lei foca na capacidade perceptiva de isolar, evidenciar ou identificar objetos, ainda que sobrepostos, dentro de uma composição. Isso acontece por causa da variação estética (cor, textura, sombra, brilho, etc) que um elemento possui em relação ao outro. Na construção de anúncios, pôsteres e identidade visual de marcas é muito comum o uso de contrastes para obtenção de uma leitura visual impactante e melhor entendimento pelo público. Também é possível estabelecer “níveis” de segregação, hierarquizando os objetos na imagem para valorizar uma parte mais importante em relação à outra. Fonte:< https://blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-unidade-750x410.png>. Acesso em: 28 mai. 2020 Fonte:<https:// <blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-segregac%CC%A7a%CC%83o-750x410.png>.Acesso em: 28 mai. 2020 PSICOLOGIA EM SAÚDE 14 2.2.3 - Lei da Unificação A unificação pode ser definida pela igualdade ou equilíbrio de estímulos em todos os elementos de uma determinada composição. Desta forma, tem-se um objeto coerente e harmonizado. Símbolos como o yin-yang e as mandalas são exemplos desse tipo de lei. Eles utilizam uma proporção balanceada de proximidade e semelhança para criar a imagem de um todo harmônico e agradável aos olhos. 2.2.4 - Lei do Fechamento Esta é uma das mais aplicadas leis da gestalt. É possível encontrá-la em diversos logotipos famosos, tais como: Carrefour, NBC e Johnnie Walker, entre outros. A lei do fechamento parte do princípio de que o nosso cérebro “fecha” a formação de imagens completas quando vemos apenas formas inacabadas ou silhuetas. Isso significa que, ao deixar a mente se guiar pela continuidade de uma forma, ela já é capaz de prever toda a sua estrutura sozinha. Fonte:< https://<blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-unificac%CC%A7a%CC%83o-750x410.png> Acesso em: 28 mai. 2020 Fonte:< https://blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-fechamento-750x410.png> Acesso em: 28 mai. 2020 PSICOLOGIA EM SAÚDE 15 2.2.5 - Lei da Continuidade A continuidade diz respeito à forma como a sucessão de elementos e o fluxo de informações funciona em nosso cérebro. Ela representa, ainda, a tendência de que objetos acompanhem outros no sentido de alcançar uma forma — seja pelo uso de cores, volumes, texturas e formas estruturalmente estáveis. Muito presente na arquitetura de edifícios grandes, escalas de cores e diagramação de textos, a continuidade procura estabelecer a melhor percepção possível aos olhos. 2.2.6 - Lei da Proximidade Elementos distintos que se posicionam de formas muito próximas uns dos outros tendem a ser percebidos juntos. Consequentemente, também são interpretados como apenas uma unidade. Essa impressão é ainda mais forte quando esses elementos são semelhantes. Vários publicitários e arquitetos usam esta estratégia para unificar formas. Os exemplos então tanto em algumas logos famosas (como IBM e Unilever) quanto em detalhes de construções — como cúpulas de igrejas ou grandes edifícios com janelas padronizadas e paralelas. Fonte:< https://blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-continuidade-750x410.png> Acesso em: 28 mai. 2020 Fonte:< https://blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-continuidade-750x410.png> Acesso em: 28 mai. 2020 PSICOLOGIA EM SAÚDE 16 2.2.7 - Lei da Semelhança Aqueles objetos que possuem formas, cores ou aparência geral semelhante também tendem a ser interpretados como uma só unidade. Na publicidade, essa lei geralmente é utilizada para criar releituras a partir do agrupamento de outras formas que são iguais ou parecidas entre si. 2.2.8 - Lei da Pregnância Essa lei (também conhecida como “boa forma”) nada mais é do que o princípio básico da percepção visual da Gestalt. Sempre enxergamos a composição visual geral como um todo antes de nos aprofundarmos nos seus elementos mais complexos. Assim, existem composições que seu cérebro consegue ler rapidamente e com clareza, pois são homogêneas e harmônicas. Os objetos que possuem essas características são classificados como de alta pregnância. Por outro lado, um objeto de baixa pregnância tende a ter uma organização visual complicada e confusa. Sendo assim, é possível afirmar que quanto maior for a pregnância da forma, mais eficiente será a comunicação com o seu receptor. 2.3 - PSICANÁLISE O pai da teoria da psicanálise é Sigmund Freud (1856-1939). A psicanálise em primeiro lugar, é uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente humana. Além disso, a partir dessa explicação, ela se transforma num método de tratamento de diversos transtornos mentais. São dois os fundamentos da teoria psicanalítica: 1) os processos psíquicos são em sua imensa maioria Fonte:< https://blog.revendakwg.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Leis-da-gestault-continuidade-750x410.png> Acesso em: 28 mai. 2020 PSICOLOGIA EM SAÚDE 17 inconscientes, a consciência não é mais do que uma fração de nossa vida psíquica total; 2) os processos psíquicos inconscientes são dominados por nossas tendências sexuais. Segundo Colich (2005), Freud procurou construir uma ciência explanatória que pudesse provar seus achados, encontrando seus fatores e agentes causais, organizados em forma de leis e princípios gerais. Olhava o cérebro e a mente como fenomenologicamente idênticos e estava preocupado com o modelo neurofisiológico, a hidrostase, a termodinâmica e o conceito darwiniano de evolução da mente. Isso influenciou de forma decisiva o modelo de inconsciente construído por Freud, estabelecendo a centralidade dos conceitos de pulsão (formulação teórica para tentar expressar a transformação de estímulos em elementos psíquicos) e recalque. Decorre daí formulações sobre “investimento”, “representação”, “resistência”, “defesas”, fases do desenvolvimento da libido”, “a teoria inicial sobre ansiedade”, a “transferência” como revivência de uma memória passada, e a “realidade psíquica”. 2.3.1 - Primeiro fundamento da teoria A primeira concepção do aparelho psíquico formulado por Freud, conhecida como Primeira Tópica, esta era dividido em Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente. O inconsciente é a instância mais profunda e inacessível ao sujeito de maneira voluntária, onde existem os conteúdos "desconhecidos", aquilo que o sujeito sabe, mas não sabe que sabe. No pré-consciente estão os conteúdos que não estão na consciência no exato momento, porém podem ser acessados, ou seja, podem tornar-se facilmente conscientes. Segundo Freud (1996), o estar consciente é um fenômeno que repousa na percepção do caráter mais imediato, sendo um estado transitório, caracteristicamente. Uma ideia que esteja consciente em um momento, em outro não o está mais, porém pode vir a tornar-se consciente novamente em certas condições, facilmente ocasionadas. Outro conceito central da psicanálise desenvolvido ainda neste primeiro momento, foi a ideia de uma energia erótica que possibilita a vida, denominou-a libido. 2.3.2 - Segundo fundamento da teoria A segunda teoria do funcionamento do psiquismo, a sua Segunda Tópica. Esta, talvez, a mais conhecida e popular atualmente por termos que se popularizaram, como Id, Ego e Superego. A Segunda Tópica se apresenta um tanto mais complexa. O Id (ou Isso) é a fonte da energia pulsional (libido), sendo inconsciente, é a instância que busca a satisfação imediata/eliminação do desprazer. PSICOLOGIA EM SAÚDE 18 O Superego (Super Eu) é em partes consciente e em partes inconsciente, sendo herdeiro do Complexo de Édipo, é a instância da moral e da cultura. No meio das duas instâncias supramencionadas encontra-se o Ego (Eu), regido pelo Princípio da Realidade, é intermediador entre a busca imediata de satisfação do Id, as sanções do Superego e as possibilidades impostas pela realidade externa. O Ego está ligado ao Princípio da Realidade, assim como o Id está ao Princípio do Prazer. O Ego é que mantem o equilíbrio psíquico, tendo como fito a autopreservação, este não consente que algumas exigências sejam, nem mesmo, desejadas de maneira consciente. Enquanto o superego acusa o id, o ego tenda reprimi-las antes mesmo de chegarem à consciência, gerando sentimento de culpa, em um mecanismo conhecido como recalcamento. Para manter o equilíbrio das tensões, o ego lança mão de uma série de estratégias ou padrões na forma como lida com as pulsões, conhecidos como mecanismos de defesa do ego, que incluem substituição do objeto do prazer por outro acessível ou possível, ressignificação de desejos negativos, dentre outros. O modo comoesses mecanismos de defesa atuam, podem ser mais ou menos funcionais e levar a níveis de sofrimento psíquicos mais elevados pela não vivência da experiência da satisfação dos desejos primordiais advindos do Id. PSICOLOGIA EM SAÚDE 19 Tema 02 PARTE 01 3. DEFINIÇÃO DA PSICOLOGIA DA SAÚDE A Psicologia da Saúde é um ramo da Psicologia que aplica princípios e pesquisas psicológicas para melhoria, tratamento e prevenção de doenças. Inclui como variáveis de interesse as condições sociais (como disponibilidade de serviços de saúde), os fatores biológicos (como longevidade da família e suas vulnerabilidades hereditárias a certas doenças) e até mesmo os traços de personalidade ou padrões de personalidade ou padrões de comportamentos (como extroversão e sociabilidade) (STRAUB, 2005). A Associação Americana de Psicologia definiu a Psicologia da saúde como a área que aplica conhecimentos científicos sobre as inter-relações entre componentes comportamentais, emocionais, cognitivos, sociais e biológicos da saúde e da doença, para manutenção da saúde; prevenção, tratamento, reabilitação da doença e da incapacidade; e para melhorar o sistema de saúde. (APA, 2013). A Psicologia da saúde abrange o ensino e a prática de qualquer tipo de fenômeno de saúde e interações entre pessoas, como as relações profissionais-pacientes, as relações humanas dentro de uma de instituição de saúde, a questão das doenças agudas e crônicas, o papel das reações adaptativas ao adoecer, a perda, a morte e os recursos terapêuticos (MIYAZAKI et al, 2011). Aplicada à Saúde a Psicologia tem como objetivo apresentar como a psicologia compreende o ser humano e sua relação com os processos de saúde e doença; possibilitar a compreensão das variáveis que interferem na formação de sintomas e nos comportamentos de saúde; e abrir espaço para discussão da relação entre profissional de saúde e o paciente. 3.1 - A PSICOLOGIA COMO UMA CIÊNCIA BIOPSICOSSOCIAL A psicologia pode auxiliar na reflexão sobre o processo saúde-doença, na compreensão do homem como ser integral (biopsicossocial), na discussão sobre os limites da atuação profissional e na problematização de discursos científicos-hegemônicos, buscando a construção de uma relação de vínculo profissional-paciente que gere novos discursos e, com isso, construa novas prática profissionais e de saúde. Segundo Straub (2005), reflete que procurar apenas um fator causal produz uma imagem incompleta da saúde e da doença de uma pessoa. Sendo assim, a psicologia PSICOLOGIA EM SAÚDE 20 aplicada à saúde mostra que os profissionais de saúde precisam trabalhar a partir de uma perspectiva biopsicossocial (mente-corpo). Essa perspectiva reconhece que forças biológicas, psicológicas e socioculturais agem em conjunto para determinar a saúde e a vulnerabilidade do indivíduo à doença; ou seja, a saúde e a doença devem ser explicadas em relação a contextos múltiplos. De forma geral, a perspectiva biopsicossocial garante-se uma visão holística do sujeito em suas relações e em seu estado emocional, porém sem negar o biológico, onde a maioria das doenças se manifesta, até por que, como o nome diz é BIO (da biologia ou biológico), PSICO (de psicológico) e SOCIAL, ou seja, engloba todas as dimensões científicas inerentes ao homem. Qualquer doença altera a atuação interpessoal e social do indivíduo e tanto maior será essa alteração conforme for o valor físico, emocional e intelectual que a doença representa para o paciente e seus familiares. 3.2 - A PRÉ-HISTÓRIA DA PSICOLOGIA DA SAÚDE, DA SAÚDE E DA DOENÇA A Psicologia da Saúde foi criada com objetivo de estudar, de forma científica, as causas e origens de determinadas doenças, principalmente as de origens psicológicas, comportamentais e sociais da doença. Ela busca investigar porque as pessoas se envolvem em comportamentos que comprometem a saúde, como fumar e sexo inseguro, e como facilitar a prática de comportamentos que pode preservar, restabelecer ou promover a saúde, como ter uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos. Também se preocupa com a prevenção e tratamento de doenças, por meio de programas que auxiliem no processo de adaptação à enfermidade e estratégias para facilitar a adesão ao tratamento. Alguns fatores contribuíram para o surgimento de um campo da Psicologia que se ocupasse exclusivamente de investigar e promover saúde. Segundo Straub (2005), são quatro tendências que desafiam a medicina e a saúde pública e impulsionaram a criação da psicologia da saúde: Aumento da expectativa de vida: com a melhoria dos serviços de saúde e os avanços da medicina, a expectativa de vida aumentou na maioria dos países. Com as pessoas vivendo mais, existe maior consciência pública das questões relacionadas com saúde a preocupação com as questões psicológicas. Surgimento de transtornos relacionados ao estilo de vida: até o século 19, as pessoas morriam principalmente de doenças que eram causadas por falta de água potável, por alimentos PSICOLOGIA EM SAÚDE 21 contaminados, ou por infecções contraídas no contato com pessoas doentes. Não era incomum que centenas ou mesmo milhares de pessoas morressem em uma única epidemia de varíola, febre amarela, difteria, gripe ou sarampo. Melhorias em higiene pessoal, nutrição e saúde pública (como tratamentos de esgotos) levaram a um declínio no número de doenças infecciosas. Porém, apenas após a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, em 1928, a saúde pública deu um passo verdadeiramente decisivo. Isso levou a uma mudança no padrão das principais causas de morte, que, antes do século XX, eram transtornos agudos, como tuberculose, gripe e pneumonia, e atualmente está relacionado a doenças crônicas, nas quais a pessoa precisa tratar por muitos anos para prevenir mortes prematuras e manter a qualidade de vida (STRAUB, 2005). Modificação no modelo biomédico: os questionamentos em relação ao reducionismo do modelo biomédico levaram à necessidade de pensar em saúde e doença de forma mais abrangente. A medicina tradicional encontrou dificuldade para explicar por que o mesmo conjunto de fatores de risco algumas vezes desencadeia doenças e outra não. Isso induziu os pesquisadores a descobrir que fatores psicológicos, como a maneira como cada pessoa reage ao estresse, se combinam com fatores de risco físicos para determinar o risco à saúde do indivíduo (MIYAZAKI et al., 2011). Aumento dos custos do atendimento em saúde: o crescente aumento nos custos dos serviços de saúde ajudou a focar a atenção na eficácia do custo de promover e manter a saúde. A ênfase da psicologia da saúde em modificar os comportamentos de risco das pessoas, antes que eles causem doenças, tem o potencial de reduzir os custos com a saúde de forma expressiva (STRAUB, 2005). 3.3 - O INTERESSE DA PSICOLOGIA PELA SAÚDE E DOENÇAS NÃO MENTAIS Algo interessante a se ressaltar é: por que o aparente interesse inesperado da Psicologia pelas áreas tradicionais da saúde? Segundo Millon (1982), desde os primórdios da Psicologia, havia exemplos de colaboração entre os domínios médicos e psicológicos: no final do século XIX, são conhecidas as colaborações de Wundt com Kraepelin, nos EUA, e de Heymans com Weirsma, na Europa, embora estas colaborações focassem primordialmente as psicopatologias. Já dentro do século XX, esboçaram-se relações institucionais entre a Psicologia e a Medicina: em 1911, na reunião anual da American Psychological Association, houve encontros formais entre psicólogos e médicos com o intuito de discutir a participação dos profissionais de Psicologia nos contextos tradicionais de saúde e doenças. PSICOLOGIA EM SAÚDE 22 Apesar destas tentativas, as relações entre os dois domínios mantiveram-se incipientes até ao final da década de 70, concluindo o relatório da APA task force on health research (1976), que os psicólogosamericanos não se sentiam atraídos pelas áreas das doenças físicas e da saúde. Inesperadamente, na década de 80, verifica-se uma explosão do interesse da psicologia pela área. O que é que aconteceu que provocou tal mudança? Belar, Deardorff e Kelly (1987) enumeram algumas das razões possíveis para este interesse: a) Fracasso do modelo biomédico na explicação das doenças e da saúde; b) Crescimento da preocupação com a qualidade de vida e com a prevenção das doenças; c) Mudança da atenção dos profissionais de saúde das doenças infecciosas para as doenças crônicas, com o reconhecimento do papel fundamental que o estilo de vida tinha naquelas; d) Maturidade da investigação nas ciências comportamentais; e) Aumento dos custos dos cuidados de saúde e procura de alternativas aos cuidados de saúde tradicionais. PSICOLOGIA EM SAÚDE 23 Tema 02 PARTE 02 4. O PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE O conceito de trabalho em saúde poderia ser sintetizado em uma única palavra que lhe confere singularidade e grandeza: cuidar. ‘O trabalho em saúde produz o cuidado que as pessoas necessitam em algum momento da vida’. Cuidar, diminui sofrimento, salva vidas, contribui na construção de uma vida produtiva e feliz, funciona como o ‘cimento simbólico’ das organizações de saúde. Independentemente de se trabalhar em uma organização muito complexa como um hospital de ensino, ou atuando em uma equipe de saúde da família, o que dá a identidade de trabalhadores de saúde é o fato de que, de um modo ou de outro, o trabalho resulta em cuidado. São considerados profissionais da saúde toda pessoa que trabalha em uma profissão relacionada às ciências da saúde. Entre os diversos profissionais da área incluem-se os biólogos, nutricionistas, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, osteopatas, profissionais de educação física, assistentes sociais, fonoaudiólogos, dentistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, biomédicos, farmacêuticos, técnicos e tecnólogos em radiologia, agentes de saúde pública, entre outros que podem atuar de forma multidisciplinar. Uma profissão que precisa de um componente chamado “paixão”, sem dúvida nenhuma, é a da saúde. A área da Saúde é conhecida pela rotina de trabalho árduo e estressante e pela contínua pressão de reduzir sofrimentos e salvar vidas. Talvez, como futuro profissional da saúde possa estar se perguntando: Por que estudar psicologia? Porque a prática dos profissionais que lidam com saúde está intimamente relacionada ao cuidado e relacionamento com o paciente, e, logo, compreendê- lo pode facilitar seu trabalho, como também melhorar a sua qualidade de vida. Além disso, a compreensão do que é saúde hoje destaca que, além de fatores biológicos e sociais, ela é determinada, também, por fatores psicológicos. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de saúde define-se por um estado dinâmico de bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doenças, ou seja, o profissional de deve observar a saúde do indivíduo de forma integral, compreendendo sua complexidade e analisando-a sistematicamente. PSICOLOGIA EM SAÚDE 24 4.1 - O PAPEL DO PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE Nas últimas décadas, o mundo do trabalho vem passando por constantes transformações, a partir das quais as profissões vêm ganhando novos delineamentos e os profissionais enfrentando novos desafios. Nesse cenário, entram em jogo: autonomia, ética, vocação, identidade, status, posição econômica e reconhecimento dos profissionais. No caso da saúde, o trabalho tem especificidades que se expressam na sua organização institucional, quais sejam: a forma de articulação da prestação de serviços; o ritmo de avanço das inovações tecnológicas; as atividades altamente especializadas. O cuidado do olhar para o profissional da saúde é, portanto, um componente fundamental no sistema de saúde local, que apresenta os seus reflexos a nível regional e nacional e, por isso, também motivo de crescentes debates e novas significações. Trabalhar em saúde, nos dias atuais, tem se tornado um grande desafio a ser superado, devido à crescente demanda pelos serviços de saúde prestados. Os profissionais de saúde devem conhecer o contexto social no qual a população está inserida, pois se trata de um fator essencial, pois as ações devem analisar a relação entre a saúde da população, as diferentes condições de vida e o envolvimento da comunidade. As equipes de saúde devem ter cada vez mais caráter multidisciplinar, adquirindo assim o objetivo de unir os diferentes saberes com o propósito de aumentar a capacidade resolutiva dos problemas identificados pelas equipes de saúde, pois essa inter-relação possibilita que a prática de um profissional possa somar com a atividade do outro e os resultados sejam alcançados de modo mais satisfatório. O trabalho multidisciplinar na área da saúde é importante, pois favorece o aumento da percepção de problemas clínicos, visto que cada um deles avalia o paciente objetiva e subjetivamente. Isso possibilita diferentes abordagens de questões específicas e ajuda na escolha das terapias mais adequadas. Logo, quando a equipe é formada por muitos profissionais, maiores serão as chances de que o paciente tenha seu caso investigado de modo mais detalhado e com mais critério nas decisões. Por consequência, essa forma de trabalho eleva a qualidade da assistência e possibilita o alcance de melhores resultados nos tratamentos. Sob o âmbito hierárquico, a multidisciplinaridade é vista como uma excelente estratégia para otimizar serviços e processos. Essa equipe precisa ser composta por profissionais de diferentes áreas, mas que possam somar habilidades e competências para assegurar mais qualidade aos serviços oferecidos. As equipes multiprofissionais de saúde podem trabalhar diversas iniciativas em prol da prevenção e da promoção da saúde. Vale destacar mais uma vez, a importância de o paciente ser visto sob um contexto biopsicossocial, já que a interação mente e corpo influência bastante os PSICOLOGIA EM SAÚDE 25 resultados do tratamento. Assim, é de suma importância uma interação singular e o envolvimento de todos na adoção de medidas mais eficazes. O trabalho em equipe pode se tornar diferenciado ao ponto de olhar para o paciente como um todo e proporcionar um atendimento mais humanizado. PSICOLOGIA EM SAÚDE 26 Tema 03 PARTE 01 5. INTRODUÇÃO SOBRE SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE COLETIVA Em 1920, Charles Edward A. Winslow, então professor de Medicina Experimental da Universidade de Yale, foi procurado por dois estudantes da graduação que queriam uma orientação sobre as carreiras a seguir. Eles estavam particularmente interessados em entender o que era saúde pública. Winslow sentiu a necessidade de formular um a melhor definição que englobasse as tendências e possibilidades dessa estimulante área. Assim, elaborou um artigo para a revista Science definiu saúde pública: Saúde Pública é a ciência e a arte de prevenir a doença, prolongar a vida, promover a saúde física e a eficiência através dos esforços da comunidade organizada para o saneamento do meio ambiente, o controle das infecções comunitárias, a educação dos indivíduos nos princípios de higiene pessoal, a organização dos serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo da doença e o desenvolvimento da máquina social que assegurará a cada indivíduo na comunidade um padrão de vida adequado para a manutenção da saúde. (WINSLOW, 1920, p. 23). As origens da saúde coletiva são situadas por Nunes (1994) na década de 1950. Vieira-da- Silva, Paim e Schraiber (2014) reforçam o final da década de 1970 utilizando como marco o surgimento do termo saúde coletiva no Brasil e a criação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em saúde coletiva, semnegar as raízes apontadas por Nunes em períodos anteriores. A saúde coletiva consolidou-se, então, com esse nome e com suas especificidades no Brasil. Apesar de o nome não ter sido adotado em outros países, muitos autores percebem a saúde coletiva como parte de um movimento mais amplo da América Latina, como aponta o próprio Nunes (1994). No Brasil, as intervenções sobre a saúde da coletividade ganham força durante a República Velha, como estratégia de saneamento dos espaços de circulação da economia cafeeira. É a época de Oswaldo Cruz e das campanhas sanitárias, em que se destacam as medidas de saneamento voltadas à erradicação da febre amarela urbana e a vacinação obrigatória contra a varíola. Então, a saúde coletiva abrange as necessidades sociais de saúde (e não apenas as doenças, os agravos ou os riscos) e entende a situação da saúde como um processo social (o processo saúde - doença) PSICOLOGIA EM SAÚDE 27 relacionado à estrutura da sociedade. Por fim, a saúde coletiva concebe as ações de atenção à saúde como práticas simultaneamente técnicas e sociais. A saúde coletiva propõe a superação das intervenções sanitárias sob a forma de programas temáticos, volta dos a problemas ou grupos populacionais específicos, com base em uma epidemiologia meramente descritiva e em uma abordagem normativa de planejamento e administração. Verifica-se, então, que a saúde coletiva adota intervenções articuladas de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, com base em uma abordagem multidisciplinar, com a contribuição das ciências sociais, da epidemiologia crítica e do planejamento e da gestão estratégicas e comunicativas. Resumidamente, a Saúde Coletiva é um movimento que surgiu na década de 70 contestando os atuais paradigmas de saúde existentes na América Latina e buscando uma forma de superar a crise no campo da saúde. Ela surge devido à necessidade de construção de um campo teórico- conceitual em saúde frente ao esgotamento do modelo científico biologista da saúde pública. A saúde pública pode ser entendida a partir dos vários movimentos que surgiram tanto na Europa quanto nas Américas como forma de controlar, a priori, as endemias que ameaçavam a ordem econômica vigente e depois como controle social, buscando a erradicação da miséria, desnutrição e analfabetismo. Contudo os vários modelos de saúde pública não conseguiram estabelecer uma política de saúde democrática efetiva e que ultrapassasse os limites interdisciplinares, ou seja, ainda permanecia centrado na figura hegemônica do médico. 5.1 - AS DIFERENÇAS DA SAÚDE PÚBLICA E COLETIVA A preocupação com a saúde da sociedade remonta desde a antiguidade, a necessidade de criar um conceito sanitário que abrangesse essas necessidades foi se desenhando ao longo dos anos. Atualmente entre os inúmeros termos que permeiam a saúde da sociedade como um todo podemos citar a saúde pública e a saúde coletiva que são facilmente confundidos, uma vez que as diferenças entre eles são muito sutis, mas existentes. A saúde pública consiste em um conjunto de ações e serviços de caráter sanitário que tenham como objetivo prevenir ou combater patologias ou quaisquer outros cenários que coloquem em risco a saúde da população. Como é dever do estado assegurar serviços e políticas voltadas para a promoção da saúde e bem-estar da população, o termo saúde pública é consideravelmente mais conhecido e utilizado que o termo saúde coletiva. Na saúde pública, o homem é visto como corpo biológico. O homem é tomado como um ser “em geral”, e o coletivo um conjunto homogêneo de pessoas. Está ligado ao diagnóstico e PSICOLOGIA EM SAÚDE 28 tratamento de doenças e a tentativa de assegurar que o indivíduo tenha um padrão de vida que mantenha a boa saúde. A saúde coletiva consiste em um movimento sanitário de caráter social que surgiu no SUS, esse movimento é composto da integração das ciências sociais com as políticas de saúde pública. Identifica variáveis de cunho social, econômico e ambiental que possam acarretar no desenvolvimento de cenários de epidemia em determinada região, por meio de projeções feitas através da associação dos dados socioeconômicos com os dados epidemiológicos é possível elaborar uma eficiente política de prevenção de acordo com as características da região. Vale ressaltar que a saúde coletiva também possui aplicações dentro da iniciativa privada. Na saúde coletiva, o homem é visto como ser social. O coletivo é visto sob o aspecto de algo exterior ao indivíduo. A saúde coletiva vai mais do que a observação, diagnóstico e tratamento do paciente (como individual). Visa intervir na realidade, promover mudanças e melhorias na qualidade de vida da comunidade. Toda a saúde pública é coletiva, mas nem toda saúde coletiva é pública, grosso modo podemos dizer que o planejamento da saúde pública e mais amplo que o da saúde coletiva, além de dispor de mais recursos do estado, ao passo que a saúde coletiva é planejada de acordo com as particularidades da região, tornando-a mais funcional em especial no aspecto preventivo. PSICOLOGIA EM SAÚDE 29 Tema 03 PARTE 02 6. O PAPEL DA PSICOLOGIA NA SAÚDE – ABRANGÊNCIA E NÍVEIS DE APLICAÇÃO Nessa parte do livro texto, será dada ênfase a dois objetivos: o primeiro é de demonstrar a importância das ações da psicologia no nível da promoção de saúde. O segundo, e principal, é apresentar, explicar e justificar a pertinência da intervenção psicológica na prevenção de enfermidades no âmbito da saúde pública/coletiva. A partir do desenvolvimento desses dois argumentos, propõe-se, sem ânimo de exaustividade, uma lista de atividades voltadas à prevenção de doenças para orientar minimamente as atuações da psicologia nos três níveis de assistência de saúde. A prevenção de doenças é, entre todas as novidades das intervenções psicológicas na saúde pública/coletiva, a menos desenvolvida e conhecida. Motivo pelo qual lhe será dada maior ênfase. A ênfase sobre a prevenção indica, por um lado, uma pluralidade de ações e, por outro, uma dificuldade em adequar cada ação a seu nível de pertinência. Essa conjuntura deverá ter na Psicologia em Saúde seu suporte epistemológico e prático. 6.1 - PROMOÇÃO DE SAÚDE GERAL Apesar de todos os debates e avanços observados na formação acadêmica dos profissionais de saúde, atualmente, ainda se registram dubiedades quanto à compreensão dos conceitos de promoção de saúde e prevenção de doenças. Fenômeno que se explica pelo fato de que algumas vezes, uma mesma intervenção sirva aos dois casos Godoy (1999), preocupado em diferenciar a promoção de saúde da prevenção de doenças, define a promoção de saúde como: O conjunto de atuações dirigidas à proteção, manutenção e aumento da saúde e, em operativo, ao conjunto de atuações (centradas no indivíduo e/ou na comunidade) relacionadas com o desenho, elaboração, aplicação e avalição de programas e atividades direcionadas à educação, proteção, manutenção e acréscimo da saúde (dos indivíduos, grupos ou comunidades) p61-62) Definir estas duas etapas da intervenção é complicado em razão da existência de uma relação dialética entre elas e ainda a falta de consenso nos meios acadêmicos, em relação à existência de uma hierarquia entre si. Na perspectiva aqui estabelecida, há de ficar claro uma PSICOLOGIA EM SAÚDE 30 relação hierarquizada entre as ações de promoção de saúde e as de prevenção de enfermidades, fato que implica em ser a promoção da saúde uma intervenção anterior à prevenção de doenças. Assim, a promoção deve ser pensada sobre a base do perfil epidemiológico da comunidade ou grupo específico no qual se deseja intervir; voltada à proposição das assistências antes mesmo do aparecimento das enfermidades; e, finalmente, que tenham um caráter amplo e respondam ao compromisso ético de melhorar o potencial de saúde socioecológicodas comunidades (ALVES, 2008). 6.2 - A PREVENÇÃO DE ENFERMIDADES Como já foi explicado que a prevenção de doenças é posterior à promoção da saúde. Assim, depois de involucrar-se com a promoção de saúde, as intervenções psicológicas se voltam para a prevenção de doenças nos diversos níveis de atenção de saúde. Costa e López (1986), falando sobre prevenção, argumentam que esta pretende contribuir com a diminuição da incidência de enfermidades, a diminuição da prevalência, mediante o encurtamento do período de duração da doença ou a diminuição das sequelas e complicações da doença. De acordo com a compreensão até aqui desenvolvida, sobre os níveis de intervenção psicológicas na saúde, as ações que visam à diminuição da incidência das enfermidades são consideradas prevenção primária; as que visam à diminuição da prevalência são prevenção secundária; e a diminuição de sequelas e complicações das enfermidades são prevenção terciária (Alves, 2008; Alves et al, 2009). 6.3 - PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO PRIMÁRIAS O primeiro nível de intervenção psicológica se faz nos serviços de APS (Atenção Primária de saúde) e deverá ser realizada em duas etapas: no nível da prevenção primária e no da intervenção primária. A Prevenção primária deve estar diretamente relacionada e condicionada à promoção da saúde. Suas ações não devem dirigir-se a um indivíduo, senão aos planos de educação para a saúde, os quais devem ter como suporte conteúdos de outras áreas de aplicação da Psicologia (Psicologia do Trabalho, Psicologia Social, Psicologia Comunitária, Psicologia Educacional). Tem como característica central a atuação nos problemas epidemiológicos da população beneficiária e investe na construção de estilos de vida saudáveis e na evitação de comportamentos de riscos. Busca desenvolver práticas de prevenção que se prolonguem ou se utilizem durante toda a vida. Assim, a prevenção primária deverá ser realizada antes que se encontre um problema PSICOLOGIA EM SAÚDE 31 concreto. Para tal intervenção o conhecimento epidemiológico prévio do coletivo social a ser assistido deverá ser utilizado como guia das ações de saúde. Numa palavra: seria trabalhar com as possibilidades de que possa aparecer uma enfermidade. O trabalho de Vázquez e Méndez (1999) sobre os procedimentos comportamentais para o controle da diabetes pode ser aqui utilizado como exemplo. Estes afirmam que os programas de educação diabetológica não devem ser dirigidos somente aos indivíduos afetados, como também aos seus familiares e cuidadores. Os objetivos deste programa se voltam ao treinamento de estratégias tanto para evitar a enfermidade, no caso de filhos e netos dos enfermos, como ao desenvolvimento de condutas favoráveis à adesão aos programas de tratamento dos familiares enfermos. Ainda que se executem as ações de saúde mediante a observância dos planos elaborados a partir do conhecimento a priori do coletivo social beneficiário do serviço, o plano deve ter como meta o desenvolvimento da autonomia do coletivo em relação aos temas trabalhados e a ser melhorados. Quer dizer que o grupo deverá ser estimulado a tomar decisões no que se refere às atividades programadas no plano. 6.3.1 - Intervenção primária A intervenção primária pode ser explicada como uma intervenção direta sobre uma queixa detectada em um indivíduo ou em um coletivo social. Trata-se da primeira ação de saúde ante a presença de um problema que deverá ser identificado e orientado Em seguida, se o caso necessitar de uma intervenção psicológica especializada será encaminhado a um dos outros níveis de atenção de saúde, já que neste nível a intervenção nunca deverá ser especializada. A adequada abordagem dos problemas no nível primário poderia descongestionar os serviços de saúde nos níveis especializados. Nestes casos, dedicar-se-ia mais tempo para solucionar problemas mais complexos que necessitam maior atenção, já que muitos dos problemas trabalhados em APS seriam solucionados primariamente. Para se trabalhar neste nível de atenção de saúde, necessita transcender os conhecimentos de sua formação, precisa-se ter conhecimentos psicológicos, de epidemiologia, de políticas sociais, de antropologia da saúde, de sociologia da saúde, de educação para saúde, entre outros. PSICOLOGIA EM SAÚDE 32 6.4 - PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO SECUNDÁRIAS 6.4.1 - Prevenção Secundária Faz-se nos ambulatórios e/ou centros de especialidades. Seu principal objetivo é dar acompanhamento ao paciente ajudando-o no seguimento de seu tratamento, seja físico ou psicológico, com o objetivo de prevenir o agravamento da doença. Para atuar bem neste nível, as intervenções psicológicas devem lançar mão do conhecimento produzido através das investigações das causas e fatores associados à falta de adesão ao tratamento. Conhecer bem as características associadas à falta de adesão a determinados tratamentos facilita a formulação de programas preventivos, voltados à proposição de diversas atividades dedicadas a evitar comportamentos que reforcem a dificuldade de seguimento do tratamento. Vázquez e Méndez (1999) apresentam uma proposta de procedimentos comportamentais para o controle da diabetes. Em seus estudos, mostram a importância de conhecer os fatores que explicam tanto a adesão ao tratamento como a falta de seguimento do mesmo e apontam um conjunto de meios pelos quais se pode valorizar o apoio familiar no tratamento da diabetes e as habilidades de afrontamento. Assim, eles propõem alguns protocolos pertinentes às intervenções comportamentais para o manejo da diabetes, ou seja, para promover e melhorar a adesão ao tratamento. A condição crônica desse transtorno exige, de fato, o seguimento de algumas condutas durante toda a vida. Dentre os programas de Vázquez e Méndez (1999), é possível destacar os protocolos dedicados ao autocuidado para insulino-dependentes. O programa visa ao treinamento da autorregulação e o automanejo e consiste em reuniões semanais de uma hora de duração durante seis semanas Nessas reuniões, utilizam-se leituras e discussões de material informativo e exercícios de modelado e “role playing” (técnica de dramatização). Depois do treinamento, pede-se aos adolescentes que elaborem seu próprio programa de autorregulação para seu regime diabético. O referido programa, aqui compreendido como de prevenção secundária, é um exemplo do nível de integração existente entre os demais níveis de saúde considerados em seus status tanto de prevenção como de intervenção. Neste caso, para que se chegasse à elaboração, foi necessário antes uma investigação (intervenção de terceiro nível de saúde) da enfermidade e dos processos comportamentais que estariam em seu entorno. Também, ter-se-ão realizado as assistências primárias de saúde. De tal modo que a integração das assistências de saúde nos distintos níveis e seu caráter interdisciplinar é a condição básica para uma boa condução da saúde pública. PSICOLOGIA EM SAÚDE 33 6.4.2 - Intervenção Secundária Tem nas assistências especializadas a principal intervenção. Atende aos usuários derivados dos outros níveis de assistência proporcionando-lhes os tratamentos mais específicos. A atenção aos problemas de saúde mental tem aqui seus tratamentos mais específicos em lugares apropriados. É o campo tradicionalmente mais conhecido e desenvolvido tanto da Psicologia como das especialidades médicas em geral. Contraditoriamente, é o campo mais problemático quando se propõe sua aplicação em saúde pública/coletiva. Inúmeras investigações concluem que existe uma sobreutilização das intervenções especializadas no nível de APS. 6.5 - PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO TERCIÁRIAS 6.5.1 - Prevenção de Terceiro Nível Está involucrada com a assistência aos problemas de alta complexidade derivados dos outros níveis de atenção (1º e 2º) e com as pesquisas em saúde. Em geral, faz-se nos hospitais.Entretanto, pode também ser feita nos centros de especialidades. A prevenção terciária inclui o seguimento de pacientes em tratamento clínico, cirúrgico, quimioterápico e radioterápico. De acordo com Antón e Méndez (1999): As intervenções cirúrgicas são situações estressantes que implicam efeitos negativos ao funcionamento psicológico do enfermo, originando respostas de ansiedade, depressivas, transtornos do sono, da alimentação, etc. (p 227). Assim, a preparação para as cirurgias é uma atividade muito corrente nas assistências aos adultos, “a informação proporcionada antes da operação que, além de modificar as respostas cognitivas, pode produzir mudanças nas respostas psicofisiológicas” (op cit, p 228). As técnicas de redução ou enfrentamento da ansiedade são também muito utilizadas nestas situações. Com as crianças também se utilizam as informações preparatórias. Somam-se às informações, por exemplo, um passeio pelo hospital, a apresentação dos equipamentos hospitalares utilizados nas assistências. Técnicas que objetivam desmistificar a hospitalização e os procedimentos a que se lhes submeterá. As intervenções voltadas às famílias dos pacientes é uma importante intervenção preventiva. Promover a orientação e o preparo dos familiares ajuda a diminuir os impactos da notícia da doença e facilita a adaptação do grupo familiar à nova situação. O trabalho com as famílias é essencial, sobretudo, nos casos em que as enfermidades não são conhecidas pelas famílias. Considerando-se PSICOLOGIA EM SAÚDE 34 a importância do papel familiar na recuperação dos doentes, o trabalho desenvolvido junto a esta enquadra, de forma positiva, a condição geral do paciente. 6.5.2 - Intervenção de terceiro nível A intervenção de terceiro nível, no âmbito da Psicologia da Saúde, tem na pesquisa uma de suas mais importantes atividades. Nesse nível se investiga os fatores biopsicossociais que intervêm na etiologia dos problemas de saúde, analisando como o entorno sociocultural afeta a saúde/doença/cuidado/vida/morte em consequência dos estilos de vida. Através da epidemiologia é possível conhecer dados sobre a prevalência e incidência das enfermidades. A prevalência remete ao número total de casos de uma doença manifestada em uma população em um período específico de tempo. A incidência indica a frequência de novos casos em um espaço de tempo determinado. A prevalência e incidência das doenças são processos muito estreitos e o conhecimento destes é uma condição básica de pesquisa em Psicologia da Saúde já que “[…] permite ao pesquisador efetuar comparações entre diversos grupos de indivíduos. Ademais, a quantificação do risco constitui um elemento fundamental na formulação de políticas sanitárias […]” (ANDRASIK et al 1999, p 261). 6.6 - RELAÇÃO EQUIPE PROFISSIONAL DE SAÚDE E PACIENTE/CLIENTE A saúde passou por importantes mudanças ao longo do tempo. Essas transformações influenciaram, também, o modo como entendemos o cuidado e como compreendemos a formação dos profissionais que cuidam da saúde. Segundo Corradi-Webster e Carvalho (2015), pensar em saúde de modo positivo representa uma mudança grande de paradigma, já que o foco não é mais o déficit, a ausência da saúde ou ausência de enfermidade, e sim o bem-estar biopsicossocial. Com base nesta visão, serviços de saúde vêm sendo criados e reestruturados, aproximando- se das comunidades, oferecendo cuidados que vão além da cura, incluindo a promoção, a prevenção e a reabilitação. Vem sendo ampliada a participação de profissionais não-médicos no cuidado, já que o médico deixou de ser a única figura central da assistência. Ainda os autores, o cuidado também começa a ser compreendido como integral, ou seja, considera-se que as pessoas devam ter acesso a todos os serviços de saúde necessários e que sejam considerados os aspectos emocionais, físicos e sociais dos usuários. Nesta perspectiva, o usuário passa a ser considerado não como uma unidade individual, mas como alguém que está inserido em uma família, em uma comunidade, em um contexto histórico e social definido. PSICOLOGIA EM SAÚDE 35 A fim de garantir a plenitude da assistência, os profissionais da área da Saúde não podem trabalhar sozinhos. O trabalho em equipe se faz fundamental, no qual profissionais com formações e experiências diversas discutem situações, ampliam o olhar e as possibilidades de intervenção (CORRADI-WEBSTER; CARVALHO, 2011). Uma parte importante das atribuições de um profissional da saúde, será gerenciar e efetuar o cuidado com os pacientes. Esse cuidado por ser realizado de diversas formas, que vão desde um cuidado automático e impessoal até o estabelecimento de uma relação de ajuda. Existem diversas evidências científicas que mostram que a relação estabelecida entre o paciente e o profissional de saúde pode se tornar um adjuvante no processo de cura desse enfermo. 6.6.1 - Paciente Imagine uma pessoa que acaba de receber um diagnóstico de uma doença grave. Apesar de ainda estar chocada com a notícia, ela tem que tomar decisões rapidamente, pois como precisa ser operada com urgência, terá que ficar internada no hospital, e não terá tempo nem de voltar para casa para avisar sua família. Você consegue imaginar como ela se sente? Será que, se ela puder contar com algum profissional de saúde para ajudá-la a se organizar, faria diferença neste momento? Para o ser humano, a doença é a quebra da harmonia orgânica, interferindo, com todos os setores da sua vida, especialmente, na convivência com os familiares mais próximos. Quando a hospitalização se faz necessária, o indivíduo é retirado de seu ambiente familiar e no hospital encontra um mundo completamente estranho, onde rotinas e normas rígidas controlam e determinam suas ações. Ao ser hospitalizado, o paciente deixa sua família e seu ambiente para ser inserido em um mundo diferente, sendo obrigado, inclusive, a ter seus hábitos modificados para se ajustar às rotinas do hospital (PAULA; FUREGATO, SCATENA, 2000, p. 45). Quando uma pessoa precisa de um serviço de saúde, ela se vê num ambiente totalmente diferente do que está acostumada, onde tem que seguir regras e consequentemente adotar novas atitudes. Nessas situações, a comunicação entre o profissional de saúde e o paciente pode favorecer a adaptação e promover mais bem-estar a este, principalmente se o contato estabelecido favorecer a criação de uma relação de ajuda. PSICOLOGIA EM SAÚDE 36 6.6.2 - Relação de ajuda e o papel da comunicação Numa abordagem compreensiva sobre a questão de ajuda, Rogers (2015) afirma, a relação de ajuda é uma relação na qual pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, o melhor funcionamento e maior capacidade de enfrentar a vida. Desse modo, quando alguém necessita de amparo e outra pessoa é capaz de prestar auxílio, temos uma relação de ajuda. Nesse tipo de relação, o próprio indivíduo é o instrumento terapêutico, por meio da relação interpessoal. Em contextos de saúde, profissionais podem estabelecer relações de ajuda pelo uso de seus conhecimentos técnicos, de forma a oferecer alívio físico, mas também pelo uso de suas habilidades interpessoais, para oferecer apoio afetivo e informações. Para que o relacionamento estabelecido seja de ajuda, é necessário que o profissional de saúde se coloque em uma posição de igualdade em relação ao paciente, abandonando a postura de especialista, e divida seu conhecimento com o paciente. A compreensão das estratégias de enfrentamento que o paciente utiliza e o não julgamento moral também são fundamentais para facilitar a aproximação com o paciente. Além disso, é necessário cooperação, confiança, participação mútua e uma comunicação eficaz. Sem dúvida, a comunicação tem sido um dos pontos mais importantes quando falamos de relação profissional de saúde e paciente.
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