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ARTE DE BENZER E USO DAS PLANTAS MEDICINAIS - Giselda Silva

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A ARTE DE BENZER E USO DAS PLANTAS MEDICINAIS: PRÁTICAS E 
REPRESENTAÇÕES ORAIS DE BENZEDORES E RAIZEIROS ACERCA DO SABER 
FAZER EM JOÃO PINHEIRO (MG) 
 
Giselda Shirley da Silva 
 
O objeto de estudo são as representações dos benzedores e raizeiros1 de João Pinheiro, 
região noroeste de Minas Gerais acerca de suas práticas em relação à arte de Benzer2 a 
utilização de raízes e ervas medicinais. 
O estudo foi pautado em teóricos que partilham do solo da História cultural e no 
diálogo com outras áreas do saber, viabilizando assim, reflexões sobre os sentidos possíveis 
relacionados à arte de benzer e uso de ervas para a preservação da saúde, bem como, os traços 
culturais que estão presentes e demarcam e o modo de ver dos narradores. Roger Chartier em 
seu livro, a História Cultural: entre práticas e representações nos incita a refletir sobre essa 
forma de pensar a história, rompendo com determinismos e cristalizações. 
 
A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o 
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é 
construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa desse tipo supõe vários caminhos. O 
primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a 
apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de 
apreciação do real. Variáveis consoantesàs classes sociais ou os meios intelectuais 
são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São 
estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o 
presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado 
(CHARTIER, 1990: 17). 
 
Nesse sentido, pensamos que a História cultural nos permite ver a história de forma 
nova e plural. 
João Pinheiro localiza-se o noroeste mineiro3, região que ainda preserva muito das 
tradições oriundas do mundo rural. É o maior município em extensão territorial de Minas 
 
1Raizeiros são aqui definidos como os sujeitos sociais que utilizam a flora medicinal como forma terapêutica 
para manter a saúde. Usam plantas para fazerem chás, garrafadas e outros tipos de remédios. Muitas vezes essas 
práticas são feitas pela mesma pessoa. Benzeduras e utilização de ervas muitas vezes andam juntas. Benzedores 
são as pessoas que praticam o ofício de benzer. 
2O Benzimento é aqui entendido como uma atividade terapêutica, a qual se concretiza através da relação 
emissor/receptor, quem benze e quem é bento. Nessa relação o benzedor (eira) exerce um papel de interligação 
com divino pela qual se busca a cura. Essa prática tem como parte do seu rito o uso de algum tipo de oração, 
decoradas e algumas delas orações espontâneas e a utilização de algum tipo de objeto. 
 
 
Gerais abrangendo uma área de 10.727,471km². (IBGE: 2010) O município possui sete 
distritos e diversas vilas e povoados4. 
De acordo com o Censo de 2010, a população do município em 2010 é de 45.260 
habitantes. A área urbana composta de 36.761 pessoas, sendo, 18.262 homens e 18.499 
mulheres. A população rural composta de 8.499, sendo 4.786 homens e 3.713 mulheres. A 
densidade demográfica é de 4,22 habitantes/km²(IBGE, 2010). 
Estabelecemos como marcos temporal os anos de 1960-2013, sendo que, desde a 
década de 1960 houve um significativo aumento da população urbana da cidade de João 
Pinheiro em decorrência de diversos fatores, entre eles, a Construção da Br-040 que liga Belo 
Horizonte a Brasília, causando a migração dos moradores da zona rural para a urbana e a 
vinda de moradores dos outros municípios para João Pinheiro, o que possibilitou o 
desenvolvimento do município. Vandeir José da Silva, Maria Célia da Gonçalves e Giselda 
Shirley da Silva pesquisaram sobre a história local e escreveram que: 
 
Com o advento de Brasília fazia-se necessário ligá-la à antiga capital federal, a 
cidade do Rio de Janeiro; por isso, visando uni-las, investiu-se na construção da 
rodovia BR 040, conectando Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. O percurso 
dessa rodovia, rasgando o sertão das Minas, mudou a história do Noroeste mineiro. 
Um dos nossos narradores nos fala desse tempo: [...] Isso aqui era a maior 
 
3 O Noroeste de Minas constitui-se em uma enorme vastidão territorial. Engloba 19 municípios. Possui 
aproximadamente 340.000 habitantes e ocupa umterritório de 63.202,43 km². A região divide-se em duas 
microrregiões regiões. Micro-Região Paracatu: Brasilândia de Minas, Guarda-Mor, João Pinheiro, Lagamar, 
LagoaGrande, São Gonçalo do Abaeté, Varjão de Minas, Vazante. Micro-Região Unaí: Arinos, Bonfinópolis de 
Minas, Buritis, CabeceiraGrande, Dom Bosco, Formoso, Natalândia, Uruana de Minas. Esta é uma das maiores 
bacias leiteiras do Estado e possui um dos maiores rebanho bovino. O povoamento desta região deu-se em 
decorrência da mineração e da criação de gado e até pouco tempo era considerada um enorme vazio territorial. 
Devido a distancia entre os municípios e da capital do Estado, esta região teve que se adaptar e procurar 
alternativas para o desenvolvimento. Apresenta diversidades regionais e culturais e mantêm ainda muito da 
cultura do sertanejo, descrito por Guimarães Rosa em suas obras. (SILVA, 2007, p. 11) 
4 De acordo com o Diagnóstico Habitacional do Município (2011), além da sede, o município conta com sete 
distritos, sendo eles: Caatinga, Cana Brava, Luizlândia do Oeste, Olhos D’água do Oeste, Santa Luzia da Serra, 
São Sebastião e Veredas. Em decorrência do amplo território, além dos distritos, possui também diversos 
povoados e vilas: Almas, Malhadinha, Olaria, Parque das Andorinhas, Vereda Malhada, Bocaina, Roca Nova, 
Mandacaru, Mata da Cama, Tereza, Taquara, Facão, Barreiro dos Veados, Capão dos Cavalos, Pastinho, 
Buritizeiro/Buritis, Café-do-amigo, Terra-Azul, Cancela, Gurita, Taboca, Tauá, Riacho Fundo, São Joaquim, 
Tapera. Há também diversos núcleos de pequenos e médios produtores rurais e Assentamentos, os quais são aqui 
apresentados nominalmente conforme dados obtidos no Diagnóstico Habitacional (2011): Ruralminas I, 
Ruralminas ll, Fruta Dantas, Floresta, Nova Esperança, Formiga, Barreiro do Cedro Segredo, Campo Grande, 
Itatiaia, Rio Bonito, Danilo Coimbra, Diamante, Vista Alegre e Campo Grande de Cima. Diagnóstico 
Habitacional (2011) Documento pertencente ao acervo do Arquivo Publico Municipal “Genésio José Ribeiro” 
em João Pinheiro. 
 
 
dificuldade, era uma distância danada. Não tinha asfalto. Num tinha estrada. Num 
tinha ponte. Para ir para Belo Horizonte a gente gastava 2 a 3 dias de carro. Num 
tinha nada. Tinha de ir pra Patos de Minas, depois passava para a Serra da 
Saudade. Nas representações do narrador, compreendemos as dificuldades 
encontradas no acesso aos centros mais desenvolvidos. Nesse sentido, os municípios 
“cortados” por esta rodovia seriam beneficiados, viabilizando o transporte e o 
escoamento da sua produção. Foi construída no município no final da década de 
1950 e possibilitou a cidade um impulso rápido após sua construção, distanciando-
se urbanisticamente do arraial de outrora: “Muitos eram os viajantes que passavam 
por ela, fossem com destino ao Rio, Belo Horizonte ou Brasília, atraindo pessoas da 
região que vieram morar no município”, disse o Sr. João Batista Franco.(SILVA, et 
al, 2011:) 
Muitas dúvidas e questões permearam o estudo, fazendo-nos refletir sobre nas palavras 
da professora Tereza Negrão: “A inquietação parece ser um atributo daqueles que se dedicam 
a Clio, se entendemos que reverenciá-la significa sentirmo-nos permanentemente mobilizados 
por seus apelos, na polifonia dos sentidos que a palavra História encerra” (MELLO, 2.001, p 
40). Estas inquietações são aqui apresentadas sob a forma interrogativa:Quais são as 
representações dos benzedores e raizeiros em relação à utilização dos benzimentos e das ervas 
medicinais para a preservação da saúde? De onde são os benzedores/raizeiros inseridos na 
pesquisa? Qual a forma de repasse/aquisição desses saberes? Quais são os objetos e símbolos 
usados nos momentos das benzeções? Qual a relação do benzimento com as plantas 
medicinais e com a religiosidade local? Como estes saberes se entrecruzam nas práticas e 
representações dos narradores? Qual o papel desempenhado na saúde local ao usar tais 
saberes e a relação campo/cidade e cultura? 
Partindo dessas inquietações, estabelecemos os objetivos do estudo. Objetivamos 
analisar por meio das práticas e representações, como esses saberes/fazeres foram sendo 
criados/recriados ao longo da trajetória histórica local e a relação das mesmas e dos 
conhecimentos divinatórios voltados para o par saúde/doença e sua relação com o meio rural, 
bem como, elas foram sendo ressignificadas. 
Representações são aqui entendidas como definiu Sandra Pesavento (2004) 
 
As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste 
mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua 
existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotada de força 
integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão 
sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade. 
 
Nesse sentido, buscamos perceber nas representações dos benzedores os sentidos 
atribuídos por eles a essa prática, questões relacionadas à memória, identidade, o papel social 
 
 
e cultural na história local, Observamos nos embates cotidianos a preservação/recriação desse 
saber fazer herdado e repassado através da oralidade. Verificamos também a relação das 
práticas com a identidade dos benzedores. 
O argumento norteador pautou-se na concepção de que os benzimentos e uso de 
plantas medicinais para a preservação/restituição da saúde possuem relação com a cultura 
local, os ensinamentos (re) passados das gerações mais velhas as mais novas por meio da 
oralidade e fé/credibilidade a estas práticas atribuídas.Esses saberes oriundos do mundo rural 
foram sendo (re) construídos na cidade com a migração do homem do campo para o meio 
urbano em busca de melhores condições de vida. 
Como empírico, usamos fontes plurais, entre elas, documentos do Arquivo Municipal, 
iconografia, narrativas orais, objetos e símbolos usados nos momentos dos benzimentos, 
raízes e ervas empregadas com fins medicinais que fazem parte do acervo dos raizeiros. 
Salientamos a relevância da memória e das narrativas orais para perceber essa 
atribuição de sentidos possíveis àprática de cura5 e a relação com a história e as tradições 
locais. Percebemos que a história oral se apresenta como uma alternativa interessante para 
conhecermos os sentidos possíveis atribuídos à arte de curar. ParaLima (2005, p.22) “A 
história oral constitui-se como um dos caminhos que instaura, no reino de Clio, a pluralidade 
histórica e a polissemia necessária para os fazeres de uma narrativa comprometida com o 
bem-estar social dos diversos grupos formadores da sociedade brasileira”.História e 
memória estão intimamente ligadas e permitem refletir sobre o passado, inspirados por Clio e 
Mnemosyne 
Lucília Neves(2006:32) incita-nos a refletir sobre os domínios deMnemosyne ao 
escrever que:. 
 
Narrativas sob a forma de registros orais ou escritos são caracterizadas em 
palavras os registros da memória no tempo. São caracterizadas pelo movimento 
peculiar à arte de contar, de traduzir o importante como estilo de transmissão, de 
geração para geração, das experiências mais simples da vida cotidiana e dos 
grandes eventos que marcaram a História da humanidade. São suportes das 
identidades coletivas e do reconhecimento do homem como ser no mundo. 
 
 
5As expressões artes de curar e práticas de cura são aqui apresentadas relacionadas à arte de benzer e usar 
plantas medicinas. Estas expressões buscam apresentar de forma mais ampla esses saberes oriundos da vivencia 
cotidiana e que incorporam diferentes práticas de curar. 
 
 
A pesquisa foi desenvolvida por meio da história oral com entrevistas realizadas com 
06 benzedores e raizeiros que residem em João Pinheiro, buscando perceber nas suas 
narrativas a relação com a memória, à história e cultura local. Entre os narradores portadores 
do “dom de benzer” e o conhecimento acerca das ervas medicinais, estão inseridos homens e 
mulheres, sendo que todos possuem mais de 60 anos de idade. A escolha dos narradores deu-
se a partir da idade, sendo que praticam o ofício há mais de 30 anos. 
Buscamos analisar a partir da história oral, a manutenção dessas tradições antigas que 
ainda persistem no nosso cotidiano que são oriundas do mundo rural e são recriadas no 
contexto urbano: 
 
No alvorecer do século XXI a benzeção e o curandeirismo ainda são práticas 
religiosas populares, em plena vigência, mesmo que (re) significadas. [...]. Ao 
penetrar no território das doenças religiosas e, por consequência, da "medicina 
rústica", desvela-se um mundo de magia, cujos códigos de linguagem e rituais 
simbólicos permitem o contato entre o material e o espiritual. Nele, os dons de 
curar são astúcias que permeiam as práticas culturais de grande parte de sujeitos 
sociais que, contra as próprias limitações que cercam sua luta pela sobrevivência, 
recorrem a este lugar utópico, ao mesmo tempo palpável e real. 
 
Partindo do princípio da saúde como completo bem-estar, e a desarmonia significando 
doença, entram então a questão: os saberes e fazeres humanos como auxiliares na manutenção 
da saúde. 
Marcia de Melo Kuyumjian nos alerta de que a arte de escrever significa uma presença 
e uma ausência. Segundo ela, ao selecionarmos fontes e modos de narrar optamos por excluir 
do contexto outras fontes e maneiras de contar. Para ela, “o trabalho do historiador é como o 
trabalho do artesão. Ele é obrigado a escolher o tipo de argila e a confeccionar um artefato 
específico.” (2008: 09) Dessa forma, a tessitura desse texto deu-se a partir do aporte teórico-
metodológico e das escolhas efetuadas nas narrativas orais. 
As práticas de benzedura e utilização de ervas medicinais são antigase vão sendo 
recriados ao longo do tempo e nesta dinâmica constante de transmissão e recepção de saberes 
que não cessa nunca, há permanências, rupturas e apropriações no cotidiano. Como aponta 
Certeau (1994) “o homem inventa o cotidiano graças às artes de fazer, astúcias sutis, táticas 
de resistência pelas quais se altera os objetos e os códigos, se reapropria do espaço e do uso a 
seu jeito”. Oliveira afirma ainda que: 
 
 
 
E é nesse contexto de trocas sociais mais amplas que essa população subalterna 
afirma sua identidade de pobre, oprimida, desenraizada e expropriada do saber 
científico sobre o corpo eas funções vitais. É no próprio modo de produzir as suas 
medicinas populares que essa população resiste política e culturalmente a opressão 
imposta pelas classes dominantes. Através da sua vida e dos modos que esta 
população encontra para lidar com suas doenças é que afirmamos que não há uma 
única medicina popular. Mas várias, e, em constantes transformações. E através 
delas dá-se uma das maneiras possíveis desta população explicar o modo como 
vivem: o modo como é politicamente marginalizada e economicamente expropriada 
nesta sociedade. O modo como está concretamente inserida nas relações sociais 
mais amplas. (OLIVEIRA, 1984: 38) 
 
 É relevante analisar estas práticas e como elas vão se constituindo no seio da 
sociedade, principalmente a partir da visão de mundo, como interpretam a sua realidade, 
buscando meios para minimizar as dificuldades cotidianas. Darnton nos alerta que “as visões 
de mundo não podem ser descritas da mesma maneira que os acontecimentospolíticos, mas 
não são menos reais”. (DARNTON, 1986, p. 39). Assim, ao pensar sobre as visões de mundo 
não podemos deixar de refletir sobre a maneira como esses benzedores veem o mundo à sua 
volta, como interpretam sua prática e a missão que acreditam serem escolhidos de Deus para 
exercerem. Foi recorrente nas narrativas dos benzedores a concepção de que benzer é um dom 
divino e que a pessoa que possui o dom não deve negar quando alguém a procura para ser 
bento. Dona Judite, uma das benzedeiras inseridas na pesquisa afirmou também que a medida 
que vai praticando o ofício e vendo o resultado de suas orações, adquire mais confiabilidade 
no seu poder. Ela nos contou que: 
 
Eu aprendi a benzer porque eu tenho fé e acredito. Depois que eu aprendi fui 
praticando e tendo mais segurança. A gente benzia... Acho que a que era bom, né? 
Agora, não... A gente benze e quem recebe a oração vem e fala assim: Nossa! Mas o 
fulano dormiu bem. Melhorou né? O retorno da pessoa, para falar se a benzeção foi 
boa, ou não, é muito importante.” 
 
Observamos pelas palavras da benzedeira que o retorno das pessoas que recebem a 
oração é importante para perceber a eficácia de seu trabalho. 
Quando nós estamos falando em benzeção estamos falando em orações, em fé, mas 
abordamos também um saber que foi culturalmente sendo repassado através do tempo. Foi 
perceptível ao longo da pesquisa que o aprendizado também tem relação com o contexto 
cultural e econômico nos qual os benzedores estão inseridos sendo recorrente o aprendizado 
do ofício com pessoas mais velhas de onde moravam e a relação com o mundo rural. Todos os 
 
 
seis benzedores inseridos na pesquisa ao relatar sua história de vida, mencionaram ter nascido 
na roça e que migraram para a cidade de João Pinheiro na juventude ou depois de adultos. 
Assim disse o Sr. José Pompiano: 
 
Eu era rapazinho... Eu trabalhava com um cidadão por nome de Sr. Capoeira. E ele 
me ensinou a benzer de ofendido de cobra. Eu benzi muita gente ofendido de cobra. 
Eu aprendi... Com o Sr. Capoeira. Nois tava numa região ele subiu na porteira, no 
moirão da porteira. Ele subiu de um lado e eu subi de outro prá ele me ensinar. Cê 
vê como era as coisas. Ele deu um assobio, três assobios... Ficou quieto... Quando é 
fé... As cobras veio de dentro do mato, do pasto... Saindo da fazenda do homem. 
Aquilo, eu me invoquei com aquilo. Por isso que eu aprendi a benzer rápido. Que eu 
invoquei com aquilo. Que aquilo era uma realidade. Antes eu duvidava. 
 
Dona Judite nos contou que ela aprendeu a benzer com sua avó e que o aprendizado 
deu-se em decorrência das dificuldades vividas na labuta diária para criar os filhos quando 
ainda residia na roça, no interior do município. 
 
Eu aprendi com minha avó e acho que minha avó aprendeu com o pai, a avó dela... 
Não lembro com quem... Mas, foi por causa das dificuldades da vida também. Igual 
era eu... Foram as dificuldades. Nós tínhamos que atravessar o rio, para ir do outro 
lado, que era a casa dela, para ela benzer né? 
 
Já o Sr. Antônio afirmou ter aprendido a benzer por meio de uma inspiração divina. 
Ele nos contou que: 
 
Foi tipo um sonho que eu recebi esse comunicado, sabia? Era assim... Eu dormia e 
uma voz me chamava... Eu pensava assim: Gente... Parece que eu estou sonhando. 
Olhava e não via nada, sabe? Isto foi várias vezes dentro de uma noite, mas, foi 
resumido dentro de uma noite também. Por que quando falou que eu poderia ajudar 
alguém, né? Falaram para mim no sonho... Mas eu falei... Mas como eu posso 
ajudar? É fácil... Falou a oração no sonho para mim. Que ninguém sabe essa 
oração. Meu pai não sabia. Muita gente fala completamente diferente. Ela é 
pequenininha. 
 
Nas palavras deste benzedor, o aprendizado se deu por meio de um chamamento 
divino para ajudar as pessoas. Percebemos que o sagrado foge ao controle do humano, mas no 
imaginário popular, alguns são intermediários da cura, canais por meio dos quais, Deus 
concede a Bênção. Esse dom pode ser dado a uma pessoa super-letrada e a uma analfabeta, 
independende do seu conhecimento escolar. A bênção não está no benzedor. O efeito positivo 
dela é a fé do penitente ou do paciente, no Deus que tudo pode e no poder do benzedor como 
 
 
canal de benção. O benzedor no caso é só o mediador, pois quem cura é Deus, a pessoa é só o 
instrumento usado por ele Sempre à disposição de quem precisa e sem cobrar nada, nossos 
narradores disseram que “benzer é um dom gratuito de Deus”. Ponderou Dona Judith 
 
Para benzer... Se a pessoa tiver o dom e a vontade de aprender a benzer. A primeira 
vez que ela faz uma benzeção, ela vê o resultado. E eu vi. Por que quando a pessoa 
vai benzer e não tem nada, a pessoa não sente nada. Eu, quando eu vou benzer, me 
dá assim, sabe? Me dá um frio... Sei lá o quê que acontece... Dá só assim aqueles 
rupiaçõ, né? Se a pessoa tiver muito pesada, a gente benze e fica ruim. É como se 
puxasse para a gente. 
 
Maria Clara Machado em seu estudo sobre os benzimentos em Minas afirmou que: 
 
O sentido dessas práticas curativas advém da sua eficácia simbólica que só 
privilegiam aqueles portadores da fé. Estes agentes religiosos leigos, em 
contrapartida ao seu poder de cura não podem obter lucro de sua atividade, antes 
de tudo compartilham com o outro só o seu ritual de magia e preces, mas também a 
certeza de que para curar o corpo é preciso curar a alma. Para tanto, laços de 
afetividade e solidariedade se estabelecem e as frustrações, as decepções, a dor e os 
sofrimentos se articulam numa rede de significados, onde o mal pode ser vencido e 
a esperança se anuncia. Ao inverter o caos se ordena a sobrevivência, a 
continuidade da vida e do grupo. 
 
Nesse sentido, disse o Sr. Antônio: 
 
Você não acha bom encontrar a pessoa passando mal. Você acha bom encontrar é a 
vitória do companheiro. Você benze e amanhã ele te comunicar que melhorou. Dia 
a dia você quer ajudar. Não sinto cansaço, não sinto preguiça. Eu não ocupação 
que eu não posso parar e ajudar a pessoa. Se chegar alguém e eu estiver almoçando 
e alguém chamar, eu volto e largo o prato, vou lá, benzo e depois que a pessoa for 
embora, eu almoço. Não estou com pressa. Servir o outro. Esse é meu objetivo. Isto 
já aconteceu várias vezes. Não tem distancia... Não tem hora, não tem dia. 
 
Esses saberes são adquiridos principalmente por meio da oralidade e do exemplo de 
outros de outros benzedores, atrelado a questão do dom. Segundo eles, o ensinamento se dá 
principalmente quando o benzedor já sente que está velho e que precisa (re) passar para 
alguém o ofício. Dona Judith contou que: 
 
Eu ainda não ensinei ninguém a benzer. Ainda não. Só falo assim, igual eu falei 
para vc. Enquanto a gente tiver dando conta de usar as palavras, a gente não deve 
passar ensinar para outro. Porque tira a força. Vem um aqui para eu benzer ele e ai 
ele sai e fala... Olha aquela velha não está com nada mais. Se ensinar, tira a força. 
Minha avó dizia isso... Se ensinar tira a força. Minha avó me ensinou, ela estava 
com uns 90 anos. Ela me falou, Não ensina prá ninguém. Enquanto vc estiver bem. 
 
 
 
Em relação a esta questão, comentou também o Sr. José Pompiano: “A reza é um 
segredo né filha? O Sr. Capoeira me ensinou na época dele morrer. Quando a pessoa que sabe 
benzer e ele vê uma pessoa que ele confia nele para benzer, ele ensina. Na época dele morrer, 
ele ensina. E ele morre e a pessoa fica com aquele dom de benzer.” 
Conforme foi ensinado a Dona Judith, ao ensinar o ofício a outros, a pessoa que benze 
perde a “força” que possui para benzer. 
Estas práticas só continuam a existir no seio da cultura atual, porque encontra 
credibilidade por meio das pessoas com os quais convivem e que procuram com as mesmas, 
sendo a fé um importante requisito, pois as pessoas procuram pelas benzeções porque elas têm 
fé. Maria Clara Machado afirmou que “a validade da medicina popular está ligada à eficácia 
de suas práticasjunto á população e as estratégias manipuladas pelos próprios profissionais de 
cura sobre o seu trabalho” (OLIVEIRA, Op. cit, p. 62). Podemos relacionar à permanência 
destas práticas a questão da fé a credibilidade e eficácia das orações e no trabalho dos 
benzedeiros. 
Através da coleta dos dados, foi possível perceber que entre as enfermidades que as pessoas 
mais procuram pelos trabalhos dos benzedores são: mau-olhado, quebranto6, espinhela caída, vento-
virado7, carne quebrada8, dor de dente, cobreiro9, impigem10, mordida de cobra, dentre outros. 
Essas práticas culturais são amalgamadas em um saber fazer construído culturalmente e 
historicamente, representadas a partir de um código baseado na necessidade e na generosidade. 
Práticas essas embebidas em rituais, gestos, no poder e domínio das palavras, e no manuseio dos 
objetos a serem utilizados na hora do ritual, sejam eles, ramo verde, tolha branca, faca, machado, litro 
com água, etc. Para cada doença, uma oração diferente... Objetos diferentes. Santos diferentes são 
 
6 Acreditam que o quebranto é um tipo de mal causado pelo "excesso de amor" ou “quando alguém é admirado”. 
Os principais alvos de quebranto na visão dos rezadores são as criancinhas. Causa desânimo, abatimento, 
enfraquecimento. 
7 O vento virado é o resultado de sustos ou medos fortes sofridos pela criança. 
8 Carne quebrada é quando a pessoa machuca a carne do corpo e então o benzedor benze, costurando com um 
novelo de linha fiada em casa. Vai costurando e dizendo: "Carne quebrada, nervo rendido, osso partido. Isso 
mesmo é que eu benzo”. Carne quebrada. Dá sete pontos. Pergunta novamente: O que é que eu benzo? Carne 
quebrada. O benzedor repete a oração e dá mais sete pontos. Repete as costuras e a oração três vezes, em três 
dias consecutivos. 
9 O cobreiro é visto como sendo uma doença que se contrai através do contato direto com roupas por onde 
tenham passado certos insetos ou animais peçonhentos. Caracterizam-se irritações na pele acompanhadas de dor. 
10Impigem é um tipo de micose e se não for tratada ganha o corpo inteiro. 
 
 
aclamados. Todo um universo repleto de símbolos11 e gestos, que variam de oração, doença, 
benzedor, lugar e cultura. 
Os santos de devoção cujas intenções são feitas as orações variam de benzedor para 
benzedor. Dona Judith nos contou que para benzer de cobreiro ela faz as orações em intenção 
de São Bento e descreve as palavras e a forma do rito. O Sr. Geraldo nos contou que para 
benzer de mordida de cobra ele também benze em devoção a São Bento. 
 
Para benzer de cobreiro a gente pergunta o quê que eu corto? A pessoa responde 
cobreiro bravo. Você pega uma talinha, um talo fino e pergunta: De quê que corta? 
O quê que vai cortar né? Você pergunta? De quê que corta? Cobreiro brabo. Corto 
a cabeça, corto o meio e corto o rabo. Ai, eu cortei de cobreiro brabo. Mas ocê fala 
é pro ocê. Ocê num fala alto não. Vc fala baixo. Alto, ocê só pergunta: De quê que 
corta? A pessoa responde: Cobreiro Brabo. Ai, a gente reza. Para cobreiro, a gente 
reza em intenção de São Bento: A gente corta em intenção de São Bento. A gente 
corta a cabeça, corta o meio e corta o rabo. Do cobreiro. Porque pode ser aranha, 
pode ser cobra, lagartixa, qualquer bicho peçonhento que dá cobreiro. Eu corto o 
meio, a cabeça e o rabo. Corta em cruz. E faz a oração. A oração é o pai nosso. 
Não tem outra oração. Só que faz ela em intenção a São Bento. A de cobreiro. 
 
Podemos observar que existe diferenciação em relação às palavras usadas na oração. 
De acordo com o Sr Arnaldo, outro benzedor entrevistado, ao benzer de cobreiro ele assim 
reza: 
O que é que eu corto? 
Cobreiro brabo 
Assim mesmo eu corto; 
Corto a cabeça, meio e rabo. 
Cobreiro de lagartixa, cobra, 
Bicho preguiça, mandruvá, sapo, 
E todo bicho peçonhento, eu corto; 
A cabeça, meio e rabo. 
Na frente vai são Jorge, 
Cortando a goela do dragão, 
distrais eu vou cortando cobreiro bravo, 
corto a cabeça, meio e rabo. 
Em nome de Deus eu corto. 
 
Percebemos também a preocupação em demonstrar que as suas orações objetivam 
fazer o bem e ajudar próximo. Assim nos conta o Sr. Geraldo12, 
 
11 Símbolo é aqui entendido como o fez DURAND (1988) como qualquer signo concreto que evoca, através de 
uma relação natural, algo de ausente ou impossível de ser percebido: Ou então conforme Jung: A melhor figura 
possível de uma coisa relativamente desconhecida que não se saberia logo designar de modo mais claro ou 
característico. 
12 É um senhor de 51 anos. Trabalhador rural e exerce também o ofício de benzedor. 
 
 
 
Eu benzo, mas só pra fazer o bem. [...] Benzo de dor de dente, espinhela caída, pra 
tirar lagarta de roça, mordida de cobra... Mas eu num benzo pra matar a cobra não, 
só pra sarar a pessoa que tá ofendida. Benzo pra fechar o corpo contra mordida de 
cobra a hora que vou sair pra trabalhar, bater pasto. Eu limpo cada capoeira suja, 
num encontro com uma cobra... Só rezo pra coisa boa, pra fazer o mal, não. Tem 
gente que faz oração pra pôr dor de dente nas pessoas. Pra mandar cobra, lagarta, 
pra roça dos outros. Eu só benzo prá tirar das roças. [...] A gente reza em três cantos 
da fazenda e deixa um que é para as cobras, insetos, seja lá o que for que a gente 
tiver benzendo, sair da roça. Ai a gente manda eles pra um lugar que num tem gente, 
onde num vai fazer mal pros outros. Eu procuro fazer minhas orações só pra ajudar 
os outros. 
 
Em relação a este tipo de benzimento em relação a picadas de cobra e para afastar as 
cobras de propriedades de outros, contou o Sr. José Pompiano: 
 
Graças a Deus, toda pessoa que eu benzi que foi ofendido de cobra, ele escapou. 
Agora eu vou às fazendas, faço uma benzeção ali. Costuma dar certo... Deus 
ajudando dá certo. Eu tenho... Quando as cobras estão demais numa fazenda, eu 
pego as cobras, faço uma benzição pra elas, mando elas encostarem na beira de um 
córrego. Elas ficam lá... E tem essa experiência aqui... Na fazenda Campo grande 
ali, tem as cobras amontoada lá. Lá no Paracatu também tem umas cobras 
amontoadas lá. Nas fazenda lá. 
 
Desta forma, percebemos que estes se reconhecem como pessoas que tem o dom da cura 
através das suas orações, reafirmam sua identidade social como benzedores, 
E preciso estabelecer uma relação do ato de benzer as pessoas de mais idade. O ato de 
benzer. Já a procura pela benzeção ela diversifica. Há pessoas de todas as faixas etárias. 
Como eu disse anteriormente. Justamente porque as pessoas tem fé. Às vezes é porque são 
bentas desde criança, porque aprenderam no seio familiar, ou, no próprio convívio social. 
Mas, como gestores da prática, como benzedores mesmo nesse rito, geralmente há uma 
associação às pessoas de maior idade. Um dos fatores que tem causado isto é o desinteresse 
dos mais jovens pelo aprendizado do ofício. 
O benzimento está muito ligado à prática da solidariedade. Ajuda ao outro. E, talvez 
pela própria necessidade que foi sendo historicamente construída. Ela está mais associada às 
classes mais populares, as pessoas mais humildes, mais simples. Entre os benzedores que eu 
conheço, não há pessoas de poder aquisitivo mais elevado. Talvez por esta inter-relação que 
há muitas vezes entre as pessoas de menor poder aquisitivo. Há uma predominância de 
pessoas de poder aquisitivo mais baixo. Mas, a procura não. A procura pelo benzimento, já há 
pessoas de diversos níveis e classes sociais. Contou o Sr. Antônio Congo: 
 
 
 
Qualquer pessoa que vem até minha presença para oração, ou mesmo, para ensinar 
um remédio de plantas, a primeira coisa que eu vou pedir é que aumente três 
coisas: a humildade, a fé e a esperança. Não esqueça. Quando sair para vir me 
visitar, procure... Fale que a Virgem Maria venha na sua frente. Venha na sua 
frente até encontrar comigo. Ela e seu filho Jesus também. Venha e venham tambémseus assessores, né? A importância maior que existe são essas. 
 
Muitas pessoas pensam que, às vezes, a benzeção pode desaparecer com esse 
desinteresse do amis jovens no aprendizado, mas, nós observamos que ela não desaparece. Ela 
é, na verdade, reconstruída, revista a cada novo fazer, a cada novo aprendizado. 
São práticas baseada em códigos, valores e significações historicamente 
compartilhadas, bem diferentes dos novos remédios laboratoriais como ‘as tal de injeção’. 
Trata-se de um discurso que revela as resistências engendradas, a recusa da população que 
utiliza a terapêutica da medicina popular, baseada nas propriedades curativas da fauna, da 
flora e dos minerais para a cura de várias doenças, em relação às novas verdades sobre a 
doença, o tratamento e a cura. 
Muitas vezes há uma interligação destas práticas relacionadas à natureza e ao 
conhecimento divinatório, sobrenatural. Baseando-se no relato o benzedor parte dos indícios 
percebidos nas queixas de quem os procuram, receitam remédios caseiros, fazem orações ou 
indisciplinas, simpatias, Há uma inter-relação entre os saberes, existente principalmente a 
partirda coletividade e necessidade de ajuda mútua. É um conhecimento baseado na 
observação e experiência visando minimizar as dificuldades, doenças e sofrimentos da 
população mais carente. Em João Pinheiro há muitos benzedores e pessoas que lidam com 
plantas medicinais, e eles são procurados por pessoas de diversas idades e com diferentes 
problemas, buscando a cura através das orações e das ervas. 
O ato de benzer é carregado de simbolismo. Em um dos dias da realização da 
pesquisa, observamos o Sr. Antônio em um momento de benzimento. Ele dirige-se para o 
lado de fora da sua casa. Solicita que a pessoa que quer ser bento para que fique de costas, de 
pé, mãos abertas. Usando o rosário como objeto simbólico, o benzedor inicia o rito. 
Primeiramente ele faz o nome do pai no seu rosto. Depois, faz o mesmo procedimento, 
gestual e simbólico nas costas da pessoa que está sendo benta, ele faz o nome do pai e dá 
prosseguimento a sua oração em tom baixo.Pede ao seu “paciente” para prestar bem atenção e 
 
 
busque rememorar aquilo que ele está mais precisando... Saúde... Paz... Depois, ele descreve o 
rito e como se baseia nas evidencias para detectar se a pessoa está necessitando da oração. 
 
Eu pego o cordão, meço aqui, da ponta do dedo ao cotovelo da pessoa, (mostra por 
meio das palavras e do gesto como é que se faz) que é de cima aqui e vou trazer 
aqui( mostra por meio das mãos como ele pega o cordão e mede o tamanho dos 
ombros. Geralmente antes da oração, a distancia medida por meio do cordão, que 
vai desde a ponta do dedo ao cotovelo é maior que a medida do ombro. Ele diz que, 
quanto maior é a diferença entre ambos, maior é o mal que de que a pessoa está 
acometida). Já fiz várias vezes. Então, deu certinho igual está aqui, é porque não 
está caído não. Não tem nada errado. É outro problema, né? Agora, se tiver fora do 
esquadro, a gente mede e faz isto aqui... Dá diferença. (Ele fala mostrando como 
essa diferença é perceptível ao comparar as medidas feitas antes e depois da 
oração.) Vc viu a do menino? Viu como estava caída? (ele se refere ao cinegrafista 
o qual foi bento durante a entrevista e que de acordo com as medidas efetuadas 
antes de depois da oração deu um diferença grande no cordão conforme as medidas 
do braço e do ombro). Faz aquilo mesmo. Ai, eu faço a oração e voltas para o 
lugar. Ao final da oração, eu desejo que a paz de Jesus e que a virgem Maria o 
acompanhe. 
 
Após a realização do rito. ele pergunta ao rapaz que foi bento, o que ele estava 
sentindo durante o período em que estava fazendo a oração. Depois, pede a mão esquerda para 
conferir: - agora é que está o milagre do cordão. (Refaz as medidas feitas anteriormente e 
mostra que agora as medidas estão iguais, braço e ombro) e pergunta: _ Conferiu, ou não? 
Desafiou ele ao mostrar a diferença na medida do cordão feita antes e depois da oração. 
O ritual é uma forma de representação visual e exterior dos poderes mágicos 
legitimando a prática. Sem a encenação há perda do brilho e o contato entre o espiritual e o 
terreno, o mágico e o concreto não se realiza. O fortalecimento da crença está na força do 
ritual e, consequentemente, naquele que o dirige. Os fenômenos naturais pertencem, nesta 
ótica, ao mundo mágico. Doença, morte, alegria e tristeza, nascimento e crescimento são 
produtos de um mesmo poder. Ilusão e realidade se confundem. Basta que se tenha fé nas 
palavras e ações empreendidas pelo portador do dom para que os resultados possam ser 
obtidos. Para cada mal existe uma oração correspondente. Para cada oração, um santo de 
devoção, um ritual, um número de vezes que deve ser repetida o benzimento, objetos 
simbólicos que variam de acordo com a cultura, com a crença e com o espaço geográfico 
ignificados existentes em um gesto ou uma palavra. 
Segundo o Sr. Antonio, o relato do doente, contando o que houve antes e depois que 
adoeceu ajuda a entender o que a pessoa está sentindo. Dona Maria contou que: “Se a pessoa 
 
 
está com dores de cabeça, pode ser que seja uma dor de cabeça de origem estomacal, por 
causa de algum alimento ingerido, neste caso, aconselha que se tome chá de flor de mamão, 
marcelão, boldo, entre outras espécies de chá, algumas vezes acompanhadas de bicarbonato 
de sódio. Em outras ocasiões, de acordo com os relatos do doente, a dor de cabeça pode ser de 
sol, então se faz uma benzeção para tirar o sol da cabeça.” 
Os raizeiros possuem um saber sobre as funções terapêuticas das plantas, conhecem as 
espécies, suas características, qual parte utilizar de cada espécie, seja ela raiz, caule, folha, 
flor, semente ou erva. Identificam para qual tipo de doença a planta deve ser utilizada, bem 
como a forma correta de utilização de cada parte com as devidas combinações, pois a 
aplicação desses remédios da mesma forma que o medicamento da farmácia, também tem as. 
dosagens certas e a forma de preparo adequado. 
Ao refletir sobre o valor social do benzedor e da relevância do seu trabalho, 
relembramos das palavras do Sr. Antônio ao afirmar que na sua casa não há um dia que não 
vai ninguém para pedir para ser bento. 
Dona Roxinha dedica a vida a atender as pessoas que muitas vezes fazem fila na porta 
de sua casa, chegam cedo e o fluxo de pessoas permanece durante todo o dia, entram para sua 
cozinha e área, sendo este geralmente o espaço da casa destinado ao trabalho, rompendo com 
as barreiras do público e do privado. Ali as pessoas chegam efica a espera do seu 
atendimento, observam-na atender os outros que chegaram primeiro. Neste lugar da casa ela 
permanece durante todo o dia, atendendo e servindo o próximo. Uma senhora que 
estavaesperando para ser atendida disse à outra que chegou posteriormente: “Pode acreditar 
no que ela te falar, que o que falar, acontece. Eu venho aqui há anos e ela sempre me ajudou”. 
Essa credibilidade por parte de muitos moradores da cidade e região perceptível no fluxo de 
pessoas que vão a casa dessa benzedeira. Segundo sua filha, na sua casa vai gente de todo o 
Brasil, sendo que, algumas vezes, vem ônibus repletos de pessoas de diversos lugares do país 
para que ela faça suas orações. Em um só dia em que fizemos a observação do seu trabalho, 
ela atendeu em média 15 pessoas, cada uma com uma questão ou pedido diferente, sendo 
possível perceber a relação entre curandeirismo e benzeção. Ela afirmou que muitas vezes não 
necessita que a pessoa conte o que está sentindo. Ela fecha os olhos, se concentra, antecede a 
descrição da pessoa e diz o que ela pressentiu sobre a pessoa. Então, com base neste 
 
 
pressentimento, ela orienta receita algum remédio geralmente feito à base de plantas, sugere 
simpatias ou que depois de recebida a graça, a mesma realize alguma tarefa. 
Interessante notar a forma como ela atende a cada pessoaque a procura como se fosse 
única, independente do tamanho da “fila de espera”. É como se não estivesse ninguém ali 
presenciando o rito ou esperando pelo atendimento. Enquanto ela não resolve o problema 
daquela pessoa que esta atendendo no momento, não atende outra, mesmo que a fila de espera 
esteja grande. Observamos também o poder de concentração da mesma que não se deixa 
atrapalhar no seu ofício, mesmo diante de conversas dos presentes, das pessoas da sua família 
que partilham do mesmo espaço onde realiza seu ritual. 
Observamos também que além de benzer a pessoa que está presente, todos os 
benzedores que foram entrevistados benzem uma pessoa que está distante através do pedido e 
da posse do nome, foto ou objeto da pessoa que irá receber as orações. Nesse sentido, foi 
interessante observarmos que as mudanças em relação aos pedidos de oração que muitas 
vezes vem por intermédio do telefone. Sr. Antônio disse que já benzeu pessoas até nos 
Estados Unidos fazendo as orações na sua casa e que a pessoa liga depois para agradecer. 
Segundo ele, a pessoa liga no seu celular, pede a benção, conta do mal que está acometido, 
então ele faz as orações e indica se a pessoa necessita adotar algum procedimento posterior, 
como por exemplo, um banho ou tomar algum remédio. Dona Roxinha que disse receber 
vários telefonemas com pedidos de orações afirmou adotar o mesmo procedimento. 
 
Considerações finais 
 
O argumento norteador assentou-se na convicção de que a lida entre fontes e 
referenciais desvelaria um cotidiano pleno de permanências, reelaborações, táticas e embates 
em relação a essas práticas. 
A pesquisa desvelou por meio das representações dos benzedores e raizeiros que estas 
práticas permanecem, sendo, recriadas no cotidiano em decorrência de diversos fatores e que 
contribuem para a preservação da saúde das pessoas da localidade, mantendo a relação com a 
fé e religiosidade, a cultura local e a preservação de saberes repassados de geração em 
geração, o conhecimento/uso das plantas e ervas retiradas cerrado. 
 
 
Os ritos são repletos de significados, sentidos muitas vezes não compreendidos por 
quem não partilha do mesmo entendimento ou valores. Essas crenças e práticas estão 
presentes nas ações cotidianas em João Pinheiro, pois ainda existem muitas pessoas que 
benzem e um número significativo daqueles que lançam mão dos conhecimentos e dons das 
pessoas que sabem benzer para restabelecer a saúde e afastar os males. Essa forma de 
combater “as doenças é revificada porque ela é transformada. Recria-se com o seu mundo, as 
suas necessidades e seus valores.”. Percebemos que com a saída do homem do campo para as 
cidades estes conhecimentos são também presentes na vida urbana, sendo ali recriados e 
ressignificados de acordo com a realidade. 
Estas práticas possuem suas raízes no meio rural e na solidariedade, todavia, com a 
migração do homem do campo para a cidade, esses saberes permanecem no seu cotidiano, 
adaptadas a realidade na cidade e as transformações que ocorrem no seio social, como por 
exemplo, um número maior de pessoas que os procuram pelo agrupamento de pessoas na área 
urbana, o uso dos meios de comunicação e a mistura dos remédios caseiros com os 
medicamentos comprados em farmácias. Mesmo entre percalços, permanências, reelaborações 
dessas práticas, elas persistem e atravessam o tempo, pois a fé permanece. Enquanto as 
pessoas acreditarem em um poder superior para estabelecer a harmonia e a ordem; crerem que 
através da força divina podem encontrar equilíbrio e paz, estas práticas encontrarão 
legitimidade no seio social. 
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