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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL DE GÊNERO GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ........................................ 4 2 NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ....................................... 5 3 TRATADOS .............................................................................................................. 6 4 COSTUME ............................................................................................................... 7 5 DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES ETC. ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS ....................................................................................................... 7 6 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS ................................. 8 6.1 O Iluminismo ......................................................................................................... 9 6.2 Revolução Francesa ............................................................................................. 9 6.3 O término da Segunda Guerra Mundial ............................................................... 10 7 DOCUMENTOS IMPORTANTES PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES ................................................................................................... 12 8 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS ................................................................... 16 9 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS ....................................................................... 18 10 ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:.......... 19 11 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL ..................................................................................................................... 25 11.1 A Origem Do Conceito De Cidadania E Sua Importância Para O Advento Dos Estados Modernos .................................................................................................... 27 12 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS ................................................................................................... 30 13 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ....... 34 14 SOCIEDADES MULTICULTURAIS ...................................................................... 36 14.1 Cenário Pós-Colonial ........................................................................................ 37 15 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ................................ 40 15.1 Identidade Cultural ............................................................................................ 42 15.2 Igualdade E Diferença ....................................................................................... 44 15.3 Universalismo e Relativismo ............................................................................. 46 16 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO ............................................................................................... 50 17 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO .................................... 53 18 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL .......................................................................... 63 19 CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE ........................................................... 65 19.1 Origem da Atenção à Multiculturalidade ............................................................ 67 19.2 A Educação Intercultural na renovação de um currículo que concretize o Princípio da “Escola para Todos” ............................................................................................. 68 19.3 A Educação nas Respostas ao Multiculturalismo .............................................. 69 19.4 Estratégias Pedagógicas e Perspectiva Intercultural ........................................ 72 20 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ....................................... 75 21 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR ................................................................................................. 79 21.1 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) ......................... 83 22 OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA ........................................................... 85 22.1 Conquista da Babilônia ..................................................................................... 86 22.2 O Império Romano ............................................................................................ 87 22.3 Idade Média ....................................................................................................... 89 22.4 Idade Moderna .................................................................................................. 92 22.5 Revolução Gloriosa e a Petition Of Rights ........................................................ 93 22.6 Declaração dos Povos da Virgínea ................................................................... 94 22.7 Declaração de Independência dos EUA ............................................................ 95 22.8 Revolução Francesa.......................................................................................... 96 22.9 Idade Contemporânea ....................................................................................... 96 22.10 Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar .......................... 97 22.11 Liga das Nações e a Criação da ONU............................................................. 97 23 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO ........... 98 23.1 Quais os princípios da ONU? .......................................................................... 102 23.2 Por que a ONU foi criada? .............................................................................. 103 23.3 Como é a estrutura da ONU ............................................................................ 104 23.4 Onde a ONU está sediada .............................................................................. 104 23.5 Como são as reuniões da ONU? ..................................................................... 105 23.6 A Assembleia-Geral da ONU ........................................................................... 105 23.7 O Conselho de Segurança da ONU ................................................................ 107 24 CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL .............................................................. 108 25 CONSELHO DE TUTELA ................................................................................... 109 26 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ........................................................... 110 27 SECRETARIADO ............................................................................................... 111 28 BIBLIOGRAFIA BÁSICA .................................................................................... 112 4 1 CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Fonte:significados.com.br Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos inerentes ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser humano pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de nascimento ou riqueza. Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos, protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana. Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, conjuntos de princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos humanos obriga os Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados de se envolverem ematividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece os direitos humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa simplesmente por ela ser um humano. Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger formalmente os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos governos, que interferem no desfrute de seus direitos humanos. Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são: http://www.un.org/en/sections/issues-depth/human-rights/index.html 5 Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa; Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal; Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros; Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa. 2 NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS A expressão formal dos direitos humanos inerentes se dá através das normas internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais dos direitos humanos e outros instrumentos surgiram a partir de 1945, conferindo uma forma legal aos direitos humanos inerentes. A criação das Nações Unidas viabilizou um fórum ideal para o desenvolvimento e a adoção dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Outros instrumentos foram adotados a nível regional, refletindo as preocupações sobre os direitos humanos particulares a cada região. A maioria dos países também adotou constituições e outras leis que protegem formalmente os direitos humanos básicos. Muitas vezes, a linguagem utilizada pelos Estados vem dos instrumentos internacionais de direitos humanos. As normas internacionais de direitos humanos consistem, principalmente, de tratados e costumes, bem como declarações, diretrizes e princípios, entre outros. 6 3 TRATADOS Um tratado é um acordo entre os Estados, que se comprometem com regras específicas. Tratados internacionais têm diferentes designações, como pactos, cartas, protocolos, convenções e acordos. Um tratado é legalmente vinculativo para os Estados que tenham consentido em se comprometer com as disposições do tratado – em outras palavras, que são parte do tratado. Um Estado pode fazer parte de um tratado através de uma ratificação, adesão ou sucessão. A ratificação é a expressão formal do consentimento de um Estado em se comprometer com um tratado. Somente um Estado que tenha assinado o tratado anteriormente – durante o período no qual o tratado esteve aberto a assinaturas – pode ratificá-lo. A ratificação consiste de dois atos processuais: a nível interno, requer a aprovação pelo órgão constitucional apropriado – como o Parlamento, por exemplo. A nível internacional, de acordo com as disposições do tratado em questão, o instrumento de ratificação deve ser formalmente transmitido ao depositário, que pode ser um Estado ou uma organização internacional como a ONU. A adesão implica o consentimento de um Estado que não tenha assinado anteriormente o instrumento. Estados ratificam tratados antes e depois de este ter entrado em vigor. O mesmo se aplica à adesão. Um Estado também pode fazer parte de um tratado por sucessão, que acontece em virtude de uma disposição específica do tratado ou de uma declaração. A maior parte dos tratados não são auto-executáveis. Em alguns Estados tratados são superiores à legislação interna, enquanto em outros Estados tratados recebem status constitucional e em outros apenas certas disposições de um tratado são incorporadas à legislação interna. Um Estado pode, ao ratificar um tratado, formular reservas a ele, indicando que, embora consinta em se comprometer com a maior parte das disposições, não concorda com se comprometer com certas disposições. No entanto, uma reserva não pode derrotar o objeto e o propósito do tratado. 7 Além disso, mesmo que um Estado não faça parte de um tratado ou não tenha formulado reservas, o Estado pode ainda estar comprometido com as disposições do tratado que se tornaram direito internacional consuetudinário ou constituem normas imperativas do direito internacional, como a proibição da tortura. Todos os tratados das Nações Unidas estão reunidos em treaties.un.org. 4 COSTUME O direito internacional consuetudinário – ou simplesmente “costume” – é o termo usado para descrever uma prática geral e consistente seguida por Estados, decorrente de um sentimento de obrigação legal. Assim, por exemplo, enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é, em si, um tratado vinculativo, algumas de suas disposições têm o caráter de direito internacional consuetudinário. 5 DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES ETC. ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS Normas gerais do direito internacional – princípios e práticas com os quais a maior parte dos Estados concordaria – constam, muitas vezes, em declarações, proclamações, regras, diretrizes, recomendações e princípios. Apesar de não ter nenhum efeito legal sobre os Estados, elas representam um consenso amplo por parte da comunidade internacional e, portanto, têm uma força moral forte e inegável em termos na prática dos Estados, em relação a sua conduta das relações internacionais. O valor de tais instrumentos está no reconhecimento e na aceitação por um grande número de Estados e, mesmo sem o efeito vinculativo legal, podem ser vistos como uma declaração de princípios amplamente aceitos pela comunidade internacional. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por exemplo, recebeu o apoio dos Estados Unidos em 2010, o último dos quatro Estados- membros da ONU que se opuseram a ela. https://treaties.un.org/ 8 Ao adotar a Declaração, os Estados se comprometeram a reconhecer os direitos dos povos indígenas sob a lei internacional, com o direito de serem respeitados como povos distintos e o direito de determinar seu próprio desenvolvimento de acordo com sua cultura, prioridades e leis consuetudinárias (costumes). 6 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS Não há dúvidas de que os direitos humanos são dotados de indeclinável e inegável importância; eles são base de todos os ordenamentos jurídicos, requisito indispensável para se qualificar, verdadeiramente, um Estado como Democrático. Como já restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, no Estado de Direito democrático “devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos”[1]. Dessa ideia inicial extrai-se uma das justificativas para o desenvolvimento de uma Teoria Geral dos Direitos Humanos. Um dos tópicos mais relevantes para compreensão da Teoria é a leitura dos direitos dos homens partindo-se de diferentes perspectivas históricas. Dessa forma, almeja-se no presente artigo vislumbrar a historicidade dos direitos partindo-se de pontos não iguais, embora conectados. Tais perspectivas são: os marcos mais citados, os pensamentos mais significativos e os documentos mais relevantes. É importante sublinhar que aqui se campeia em terrenos de suma imprescindibilidade dentro da supracitada Teoria Geral, cujo enfoque atende a uma das principais características dos direitos humanos, qual seja: a sua historicidade. Esta vem sempreacompanhada de tantas outras características citadas pela mais vasta doutrina (v.g.: universalidade, essencialidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, indisponibilidade, inesgotabilidade, inexauribilidade, imprescritibilidade, efetividade, inviolabilidade, complementaridade, limitabilidade, vedação ao retrocesso, indivisibilidade e inter-relacionaridade). Adentra-se, então, no estudo da evolução histórica dos direitos humanos partindo-se da perspectiva relacionada aos marcos mais citados. 9 Podem ser destacados três marcos históricos fundamentais, quais sejam: o Iluminismo, a Revolução Francesa e o término da Segunda Guerra Mundial. 6.1 O Iluminismo O Iluminismo (ou Era da Razão) configurou revolução intelectual que se efetivou no continente europeu, particularmente na França, durante o século XVIII. Esse movimento representou o auge das transformações culturais iniciadas no século XIV pelo movimento renascentista, e colocou em destaque os valores da burguesia, favorecendo o aumento dessa camada social. O Iluminismo procurava uma explicação por meio da razão para todos os acontecimentos; rompendo, assim, com as formas de pensar que até o momento eram aceitas. Alguns princípios podem ser destacados como norteadores da sociedade à época, quais sejam: a busca da felicidade; a garantia dos direitos, da liberdade individual e da livre posse de bens pelo governo; a tolerância para a expressão de ideias; e a igualdade perante a lei[5]. Entre os principais filósofos do movimento, podem ser citados: John Locke (1632-1704); Voltaire (1694-1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-1755); Denis Diderot (1713-1784); e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783). Cabe, nessa altura, também fazer referência ao movimento do Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu- se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode construir seu próprio destino 6.2 Revolução Francesa Eis que ganha importância a Revolução Francesa, que foi um movimento político e social que questionava os privilégios da nobreza e do clero, bem como o poder absoluto do monarca. Por volta de 1789, a França enfrentava uma grave crise econômica, sendo que a maioria dos trabalhadores rurais pagava excessiva carga 10 tributária. Já a indústria funcionava de forma muito artesanal e o comércio também enfrentava dificuldades. Dentre as principais vitórias dos revoltosos franceses, está a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento dos mais indispensáveis para a evolução concreta dos direitos humanos. Ele assegura, dentre outros direitos, a liberdade, a igualdade e a propriedade. A Declaração, inspirada em ideias iluministas, serviu de base para a construção de diversas Constituições de Estados Democráticos. A Revolução Francesa incentivou muitos outros movimentos revolucionários nas décadas seguintes, marcando a luta pelo fim dos privilégios sociais e pela promoção da dignidade humana. O lema da Revolução Francesa era: liberdade, igualdade e fraternidade. Tais ideias representam as três primeiras e clássicas gerações ou dimensões de direitos. Nessa conjuntura, calha sublinhar a doutrina de Immanuel Kant, exposta em suas obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo (1790). Com arrimo em uma vertente racionalista, Kant definiu o Estado como instrumento de produção das leis, representando os cidadãos, sendo a liberdade o principal fundamento para se valorizar a dignidade humana. 6.3 O término da Segunda Guerra Mundial Por fim, o terceiro marco histórico que merece destaque é o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O período pós-guerra instaurou uma nova lógica planetária, exaltando a importância do indivíduo como um dos novos sujeitos do Direito Internacional. O Estado não é mais o único ator internacional, o instituto da soberania é flexibilizado e o Direito Internacional dos Direitos Humanos emerge. Este é materializado pelo sistema global de proteção aos direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), posteriormente complementado pelos sistemas regionais (europeu, americano e africano). Dos marcos históricos mais citados lança-se, a partir de agora, ao estudo dos pensamentos mais significativos. Findada a Segunda Guerra em 1945 exalta-se uma nova corrente de pensamento, a qual normalmente é aprofundada nas obras de Direito Constitucional. Todavia, merece aqui destaque, porque além de fortemente influenciar a salvaguarda https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos 11 interna dos direitos (fundamentais), também respingou suas balizas nas normativas internacionais (direitos humanos). Trata-se do pós-positivismo. Transpassados o jusnaturalismo e o positivismo, ocupou lugar o pós- positivismo. Todavia, entender os dois primeiros pensamentos é premissa para se chegar à compreensão do terceiro. Conforme Barroso, o jusnaturalismo está fundado na existência de um Direito natural, sua concepção consiste no reconhecimento de que há valores e pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, i.e., independem do Direito positivo. Esse Direito natural tem validade em si, legitimado por uma ética superior que estabelece limites à própria norma estatal[11]. Já o positivismo “foi fruto de uma idealização do conhecimento científico, uma crença romântica e onipotente de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana. (...) O positivismo comportou algumas variações e teve seu ponto culminante no normativismo de Hans Kelsen”. Ainda de acordo com a doutrina do professor Barroso, a “superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais”. Com o pós-positivismo, distinguem-se dois institutos: o princípio e a regra. Ambos são espécies do termo norma e, ambos, possuem normatividade. Na linha desse pensamento, Canotilho refere-se ao sistema jurídico do Estado Democrático português como um “sistema normativo aberto de regras e princípios”. A mudança “de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das ideias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional da matéria”. Em complemento, e já em fase conclusiva, levando em conta sua importância para a compreensão evolutiva dos direitos dos seres humanos, calha abordar a perspectiva histórica dos direitos partindo do estudo sobre os documentos mais relevantes indicados pela doutrina especializada. Por derradeiro, o rol não é taxativo, https://jus.com.br/tudo/jusnaturalismo 12 meramente exemplificativo, contudo, o arcabouço de fontes a seguir delineado ocupa papel de realce para a consolidação de direitos básicos, garantidores de um mínimo existencial. 7 DOCUMENTOS IMPORTANTES PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES Como outrora indiciado, a historicidade também pode ser representada pela cronologia dos documentos importantes para a formação e reconhecimento das liberdades. Magna Carta O primeiro documento majoritariamente referido pela doutrinaquanto aos direitos humanos é a Magna Carta, de 1215. Trata-se de um acordo entre reis e barões revoltados. Ela direciona-se à proteção dos direitos dos ingleses, originários da law of the land (lei da terra). Embora restrita aos ingleses, ela é o nascedouro dos direitos, tendo influenciado inúmeros outros documentos. Seu principal desiderato é a limitação do poder do rei. A judicialidade é um dos princípios do Estado de Direito. Prevê, v.g., direito de ir e vir, propriedade privada e graduação da pena do delito. Petition of Rights Em 1628 adota-se a Petition of Rights. Ela reafirmou os direitos da Magna Carta, dando ênfase à, v.g., propriedade e à proibição da detenção arbitrária. Habeas Corpus Act O Habeas Corpus Act data de 1679, remete ao habeas corpus, uma das mais relevantes garantias aos direitos humanos já criadas na história da Humanidade. Este documento foi fortemente influenciado pela Magna Carta e almejava, principalmente, garantir o direito de ir e vir. Bill of Rights A Declaração de Direitos de 1689, ou Bill of Rights, submete a monarquia inglesa à soberania popular. Ela limita a autoridade real. Ao rei não mais é permitido https://jus.com.br/tudo/propriedade 13 suspender leis ou as descumprir, muito menos pode cobrar tributos sem o consentimento do Parlamento. Assegura-se a supremacia do Parlamento. Neste momento, são dados passos importantes para a definição da separação de poderes. Rule of Law Os quatro documentos citados (Magna Carta, Petition of Rights, Habeas Corpus Act e Bill of Rights) exaltam a regra da Rule of Law, que dispõe sobre a necessidade de todos se sujeitam ao Direito (Estado de Direito), inclusive os detentores do poder. Declaração de Virgínia Uma noção mais clara de direitos individuais é instaurada com a Declaração de Virgínia, de 1776, a qual abre caminho para a independência dos Estados Unidos. Ela preceitua sobre o direito de igualdade, o poder emanado do povo, o direito à felicidade, a separação de poderes, o direito geral ao sufrágio e o direito à propriedade. Em 04 de julho de 1776 há também a Declaração Americana da Independência. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão No ano de 1789, aprova-se a, importante é já citada, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na França. É a mais famosa de todas as Declarações. É curioso ressaltar que ela ainda está em vigor na França e integra o bloco de constitucionalidade daquele país. Sua finalidade principal é proteger os direitos dos homens contra os atos do governo. Seu objetivo imediato é instruir os indivíduos de seus direitos fundamentais; possuindo, para tanto, interessante caráter pedagógico. Como é uma Declaração, os direitos nela são apenas recordados, pois preexistem a ela. A igualdade perante a lei é o elemento essencial da Declaração, conforme seu art. 6º. O presente documento, decorrente da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), foi a base para a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948. Constituição Francesa Outra fonte histórica dos direitos humanos é a Constituição Francesa, de 1848, fundamental para a futura consagração dos direitos econômicos e sociais (segunda geração) nas Leis Fundamentais dos demais países. https://jus.com.br/tudo/separacao https://jus.com.br/tudo/habeas-corpus https://jus.com.br/tudo/habeas-corpus 14 Constituição do México Mais recente, mas mesmo assim influenciadora, foi a Constituição do México, de 1917. Ela constitucionalizou de forma expressa os direitos econômicos, sociais e culturais[17] e exaltou a função social da propriedade. O seu art. 123 tratava de vários assuntos inéditos em âmbito constitucional, tais como a limitação da jornada de trabalho, a disciplina do trabalho de menores, bem como a limitação de horas diárias para os menores, a limitação de horas de jornada de trabalho noturno, o descanso semanal, o salário mínimo, a igualdade salarial, o direito de greve e outros institutos inovadores que vieram proteger os hipossuficientes integrantes das relações de trabalho. Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado A Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, merece destaque, já que visava, conforme seu Capítulo II, “principalmente a suprimir toda exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar a organização socialista da sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os países (...)”. Constituição alemã de Weimer A Constituição alemã de Weimer, de 1919, surgiu como fruto da Primeira Guerra Mundial. O Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido delineados pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã uma melhor estruturação. E, tal como a Constituição do México, os direitos trabalhistas e previdenciários ganharam o status de direitos fundamentais. Ela estabeleceu um novo modelo constitucional para os direitos sociais e influenciou muitas outras, como a Constituição brasileira de 1934. Tratado de Versalles, Carta da ONU, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos É possível, por fim, realçar outros documentos, como o Tratado de Versalles, de 1919 (que criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho – https://jus.com.br/tudo/jornada-de-trabalho https://jus.com.br/tudo/jornada-de-trabalho 15 OIT), a Carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. As atrocidades resultantes da Primeira Grande Guerra (1914-1918) geraram um sentimento de necessidade de pacificação mundial. Dessa forma, celebrou-se o Tratado de Versailes, em 28 de junho de 1919. Em anexo a esse documento foi aprovado o Pacto da Sociedade das Nações ou Liga das Nações. Além da Liga das Nações foi criada a Organização Internacional do Trabalho, em 1919, também pelo Tratado de Versailes, ou Tratado de Paz, resultado da Conferência da Paz. Esse documento entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920. A disciplina da OIT constava, mais especificamente, na Parte XIII do Tratado. Carta de São Francisco ou Carta da ONU Em razão do fracasso da Sociedade das Nações em evitar a Segunda Grande Guerra, celebrou-se a Carta de São Francisco ou Carta da ONU, de 1945. A atual Organização das Nações Unidas veio substituir a combalida Liga. Declaração Universal de 1948 Além da Carta da ONU merece referência a Declaração Universal de 1948. Entretanto, aconselha-se sua compreensão dentro da noção de Carta Internacional dos Direitos Humanos ou Declaração Internacional de Direitos (International Bill of Rights)[19]. Carta Internacional dos Direitos Humanos A Carta Internacional dos Direitos Humanos é constituída por três documentos, os mais importantes do sistema global, de alcance generalizado, ou seja, integram o sistema homogêneo[20] ou geral do sistema global da ONU. Analisar a Carta internacional coincide com a análise de três grandes instrumentos internacionais de salvaguarda aos direitos humanos em escala global: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Nessa tessitura, gize-se que o processo “universal dos direitos humanos teve início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, (...) afirmando serem os direitos humanos (...) universais, indivisíveis, https://jus.com.br/tudo/processo 16 interdependentes, inter-relacionados e dotados de unidade (....)”, e se consolidou com os dois Pactos de Nova York, ambos de 1966. A despeito da perspectiva adotada (marcos, pensamentos ou documentos), o estudo da evolução histórica dos direitos humanos conduz à conclusão de queeles estão em constante processo de enriquecimento, haja vista que a “conquista e a ampliação do rol de direitos é uma imperativa e constante necessidade mundana, sob pena de a figura humana, com o passar do tempo, ser relegada a segundo plano; o que é inconcebível”. 8 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS O movimento contemporâneo pelos direitos humanos teve origem na reconstrução da sociedade ocidental ao final da segunda guerra mundial. Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco que veio responder às atrocidades que aconteceram durante a segunda guerra mundial. Na verdade, os direitos humanos não surgiram com a declaração universal dos direitos humanos. Duas histórias podem ser contadas a respeito da sua origem. A primeira história associa a ideia de direitos humanos a um certo consenso cultural e religioso. De acordo com essa abordagem, há uma ética ou uma moral comum a todas as culturas e religiões e que pode ser expressa em termos de direitos. A segunda história considera os direitos humanos como o resultado de um longo processo de evolução, que implica numa promessa de progresso e almeja a um futuro feliz. Esta ideia de progresso inevitável da sociedade humana ganhou força com o debate filosófico que precedeu e inspirou a Revolução Francesa e resultou na primeira grande declaração de direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi promulgada em 26 de agosto de 1789, na França. Ela está intimamente relacionada com a Revolução Francesa. Para ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao tema dos direitos, basta constatar que os deputados passaram uma semana reunidos na Assembleia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da declaração. Isso com o país ainda a ferro e a fogo após a tomada da Bastilha em 14 de julho daquele mesmo ano. Havia urgência em divulgar a declaração para legitimar o governo que se iniciava com o afastamento do rei Luís XVI, que seria decapitado 17 quatro anos depois, em 21 de janeiro de 1793. Era preciso fundamentar o exercício do poder, não mais na suposta ligação dos monarcas com Deus, mas em princípios que justificassem e guiassem legisladores e governantes daquele momento em diante. No dia 20 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional francesa começou a discutir os 24 artigos rascunhados por um grupo de quarenta deputados. Após seis dias de debates intensos, os deputados haviam aprovado somente 17 artigos. Diante das medidas urgentes a serem tomadas, no dia 27 de agosto de 1789 os deputados decidiram encerrar a discussão e adotar os artigos já aprovados como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Sem mencionar o rei, a nobreza ou o clero, a declaração afirmava que “os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem são a fundação de todo e qualquer governo”. Quem passa a deter a soberania é a nação, e não o rei. Todos são proclamados iguais perante a lei, eliminando todos os privilégios de nascimento. Termos como “homens”, “homem”, “todo homem”, “todos os homens”, “todos os cidadãos”, “cada cidadão”, “sociedade”, e “todas as sociedades”, asseguram a universalidade dos direitos afirmados naquele documento. A reação à sua promulgação foi imediata, chamando a atenção da opinião pública nos países vizinhos para a questão dos direitos. A reação do inglês Edmund Burke em Reflections on the Revolution in France, de 1790, constitui inclusive o texto fundador do conservadorismo. A importância desse documento nos dias de hoje é ter sido a primeira declaração de direitos e fonte de inspiração para outras que vieram posteriormente, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1948. Prova disso é a comparação dos primeiros artigos de ambas: O Artigo primeiro da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, diz: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”. O Artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 proclama: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. 18 Fonte: docplayer.com.br Ambas as declarações de direitos acima mencionadas ecoam a fórmula solene de Thomas Jefferson na Declaração de Independência de 1776: “Tomamos estas verdades como auto evidentes, de que todos os homens foram criados iguais, e que foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, dentre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca pela Felicidade. ” 9 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS As declarações de direitos se apresentam de maneira parecida: após um preâmbulo que introduz a temática geral do texto, segue uma lista de artigos que explicitam vários direitos. Faz-se necessário ressaltar, contudo, que uma declaração de direitos é muito mais do que uma enumeração de direitos. O preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, revela a intenção dos seus autores: eles “expõem”, “declaram”, “lembram”. » a Declaração é um ato de reconhecimento: não se trata de um ato criador. Os direitos por ela enunciados existem, são inerentes à natureza humana. Seria, portanto, absurdo pretender criá- los. Basta constatar a sua existência. Este fato é importante porque estabelece a diferença clara entre as declarações de direitos e os textos legais: uma lei pode ser revogada pela mesma autoridade que a promulgou, enquanto que um direito não pode ser eliminado porque ninguém é responsável pela sua criação. O que podemos fazer é constatar a sua existência e reconhecê-los. » a Declaração tem um caráter pedagógico: estes direitos foram esquecidos ou ignorados. 19 Faz-se necessário torná-los incontestáveis. Para este efeito, um simples enunciado não basta, é preciso uma exposição que forneça explicações que convençam o leitor. A Declaração propõe uma sistematização das relações entre o homem e a sociedade. O seu caráter doutrinal, sua intenção pedagógica, contrasta com o empirismo característico dos documentos mais recentes. » Nesta declaração de direitos constata-se a ausência de um caráter efetivador: os constituintes sabiam perfeitamente que a constatação dos direitos humanos não basta para assegurar o seu respeito. Depois de declará-los, é ainda preciso garanti-los. Trata-se, contudo, de duas etapas distintas. A Declaração indica os direitos que implicam numa garantia, mas a efetivação dessa garantia incumbe à Constituição, de acordo com a fórmula do artigo 16 da própria Declaração: “Toda sociedade na qual (…) a garantia dos direitos não é assegurada não tem constituição.” Constata-se aqui que um certo paradoxo cerca a ideia de direitos humanos tal qual explicitada pelas declarações de direitos. Com efeito, se por um lado trata-se de uma ideia bastante utópica e sonhadora, por outro lado, a efetivação dos direitos remete a várias questões práticas que têm influência direta na nossa vida cotidiana. Além disso, como conciliar a ideia filosófica de que os direitos humanos existem desde sempre, pois estão inevitavelmente associados à própria existência do ser humano, e a possibilidade de progresso das condições e da consequente libertação do gênero humano da opressão e das injustiças que os direitos humanos podem promover na medida em que passam a ser reconhecidos? Este paradoxo explica porque os direitos humanos foram considerados por muito tempo como um capricho de sonhadores incorrigíveis. 10 ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2° 20 Todos osseres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4° Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Artigo 5° Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 6° Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica. Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo 8° Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Artigo 9° 21 Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10° Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Artigo 11° 1- Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2- Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido. Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei. Artigo 13° 1- Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2- Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. Artigo 14° 1- Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países. 22 2- Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 15° 1- Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo 16° 1- A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 2- O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos. 3- A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado. Artigo 17° 1- Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade. 2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Artigo 19° Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. 23 Artigo 20° 1- Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas. 2- Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo 21° 1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2- Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3- A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país. Artigo 23° 1- Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2- Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3- Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4- Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. 24 Artigo 24° Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas. Artigo 25° 1- Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2- A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social. Artigo 26° 1- Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2- A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3- Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos Artigo 27° 1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida culturalda comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 25 2- Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria. Artigo 28° Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração. Artigo 29° 1- O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2- No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3- Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 30° Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados. 11 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL No Brasil, o Estado nacional foi um projeto implantado pelas elites políticas, desde o Brasil Reinado, passando pelo Brasil Imperial, até a instalação da República. O povo brasileiro não teve participação direta nesse processo de formação do Estado 26 nacional. Assim, os direitos fundamentais, tal como aparecem pela primeira vez na Constituição Imperial de 1824, foram outorgados pelas elites políticas e adquiriram pouca efetividade. Nesse contexto histórico, a cidadania foi privilégio de poucos e ainda hoje se encontra em um processo de formação que se dá em decorrência dos movimentos sociais e populares que fazem surgir os direitos fundamentais. No Brasil, desde seu nascimento como Estado independente, foram os movimentos sociais que deram sentido e efetividade aos direitos fundamentais e à cidadania. Verificou-se, em nosso processo histórico, uma inversão, pela qual os direitos fundamentais criados nos textos constitucionais, doados de cima para baixo pelas elites, nunca foram conhecidos pela população e adquiriram muito pouca efetividade. Somente na atualidade os movimentos sociais geram e tornam efetivos alguns direitos fundamentais existentes no País. Essa inversão, aparentemente contrária a quase tudo o que se tem dito e ensinado sobre direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil, procura denunciar a teoria individualista dos direitos humanos, a qual, sob a roupagem da subjetividade, banalizou conquistas históricas da população brasileira, esvaziando os direitos humanos em seu significado político e jurídico. Quando um povo não produz os movimentos revolucionários ou perde a memória histórica de movimentos populares que geraram direitos fundamentais, pode-se dizer que perdeu parte de sua soberania e cidadania. Quando os direitos fundamentais não decorrem de conquistas sociais e populares, mas são concedidos em Cartas Constitucionais, num movimento vertical de normatização que não conta com a efetiva participação popular no processo legiferante, como ocorreu no Brasil, eles tornam-se meras ideologias, que banalizam os significados dos direitos fundamentais e ocultam seu significado jurídico e político. A possibilidade de tal reflexão só foi possível ao nos depararmos com a situação histórica e atual dos direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil. Trata-se de se admitir uma dura realidade: a cidadania e os direitos fundamentais no Brasil jamais alcançaram o sentido histórico, político e jurídico que representaram nos países europeus ou nos Estados Unidos da América do Norte. E isso se deve, por um lado, à habilidade de nossas elites políticas de protagonizar um processo civilizatório patrimonialista e patriarcal e, por outro, à baixa adesão da população a movimentos 27 sociais, quase sempre derrotados e apagados ou desfigurados em sua importância histórica e política. Nos estados nacionais europeus ou mesmo nos Estados Unidos da América do Norte, as revoluções burguesas foram decorrência do efetivo exercício da cidadania e fizeram surgir declarações de direitos. No Brasil, onde o projeto de Estado nacional foi criado artificialmente por uma elite política imperial, não se verificou o efetivo exercício da cidadania em seus primeiros séculos de existência. Dessa forma, não houve no País uma revolução burguesa e os direitos fundamentais foram importados de constituições e declarações de direitos de nações europeias ou norte-americana. A ideia de cidadania possui uma origem muito antiga, mas que foi reconstruída e aperfeiçoada em diferentes momentos da história da civilização ocidental, até tornar- se um conceito fundamental na luta pela reconstrução dos Estados absolutistas em Estados democráticos, nos séculos XVII e XVIII. 11.1 A Origem Do Conceito De Cidadania E Sua Importância Para O Advento Dos Estados Modernos A origem do conceito de cidadania é grega. Foi em Atenas, aproximadamente no VIII século a. C., que surgiu no Mediterrâneo uma experiência singular: a ideia de Polis, espécie de cidade autônoma, independente e soberana que era governada, em última instância, por uma Assembleia de Cidadãos (politai). É verdade que essa Assembleia de Cidadãos não contava com a participação de todos, mas apenas dos homens livres e nascidos na própria Polis. Daí decorria que cidadão entre os gregos antigos era o homem livre, senhor de si e que tinha direito de participar da Assembleia de Cidadãos. Esse direito de participar da politica, portanto, não era extensivo aos escravos, mulheres e crianças, mas apenas aos homens livres que exerciam a prática do direito de decidir sobre os destinos políticos, culturais e econômicos da Polis. A esse direito de participar da politai e influenciar nos destinos políticos, culturais e econômicos da cidade se podia compreender como cidadania na Polis grega antiga. Então, como foi possível que uma invenção tão antiga como a cidadania, nascida na Grécia há mais de 2.500 anos, chegou até os dias atuais, adquirindo características próprias e assumindo importância sine qua non para a vida dos Estados democráticos 28 modernos? Como esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos? A resposta para a primeira questão deve ser encontrada na historicidade dos movimentos sociais dos povos europeus, e que, mais tarde, estendeu-se por todo o mundo ocidental. Ocorre que a experiência grega de cidadania, entre outras descobertas do povo grego antigo, influenciou Roma. Os romanos, depois de terem vivenciado experiências de reinados por um longo período de sua história, fizeram de Roma uma cidade poderosa belicamente a qual expandiu seus domínios para além de seu território peninsular. Contudo, ao conquistarem a Grécia, os romanos foram por ela conquistados, porquanto, apesar de seu grande poderio militar, sob o aspecto cultural, filosófico e político encontravam-se muitos séculos de atraso em relação aos gregos. Os romanos logo perceberam essa verdade e passaram a receber significativa influência do mundo grego em sua vida cultural, política e filosófica. A elite romana enviava os filhos para estudarem filosofia, oratória e retórica em Atenas. E não era só isso: a arte da medicina, da arquitetura, da pedagogia, tudo era estudado em Atenas ou contava com a participação de mestres gregos. Esse encontro da cultura greco- romana ficou conhecido como helenismo.Roma tornou-se, sob vários aspectos, uma extensão do mundo grego antigo e, em decorrência da expansão do Império, introduziu entre os povos europeus (então denominados bárbaros) muitos de seus valores culturais, jurídicos e econômicos. O cidadão romano possuía um status diferenciado dos demais povos conquistados. Adquirir cidadania romana implicava em transitar livremente por todo o Império Romano sem ser detido ou molestado. Esse processo histórico, como se sabe, perdurou por vários séculos, até a queda de Roma, no século V d. C. e o início da Idade Média. Com o advento da Idade Média, a ideia de cidadania quase desapareceu, porquanto o fim do Império Romano significou também um período de fragmentação política e cultural, propiciando o predomínio político gradual da Igreja Católica. Nos períodos da alta à média Idade Média, as vilas e cidades europeias formaram-se aos pés dos mosteiros e igrejas. A vida dos homens ilustres e letrados formava-se sob a influência das ordens religiosas. Os destinos políticos das cidades já não eram decididos pelas Assembleias dos Cidadãos, mas pela autoridade religiosa e pelo poder secular, exercido por um príncipe ou rei coroado pelo Papa. Nesse 29 cenário, a ideia de cidadania foi substituída pela ideia de súdito, que representava o homem livre submetido ao poder político do Rei. Contudo, a ideia de cidadania ressurgiria por volta do século XIV com o Renascimento. Como se sabe, este representou um retorno de muitos dos valores culturais, jurídicos e filosóficos que eram próprios ao mundo greco-romano. A partir de então, as cidades e vilas europeias deram início a um lento e gradual processo de emancipação política em relação ao poder exercido pela Igreja Católica. Ora, esse processo emancipatório das cidades e vilas europeias deu-se por meio dos movimentos sociais, entre os quais um de grande importância foi a Reforma Protestante, verificada no início de 1517 a partir das teses de Martinho Lutero. Para a resposta à segunda indagação, isto é, de que forma esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos, é preciso destacar a importância da Reforma Protestante e o modo pelo qual contribuiu para muitos dos fundamentos do surgimento do Estado moderno. Ocorre que a Reforma Protestante foi um marco histórico que inaugurou valores éticos e políticos inovadores: o fim do domínio político da Igreja Católica; o surgimento de liberdades políticas; liberdade de culto e de religião; liberdade de imprensa, liberdade de pensamento e,principalmente, liberdade de cátedra nas universidades. Evidentemente o fim do predomínio político da Igreja Católica foi conquista de uma cidadania efetiva que propiciou um movimento social de grande importância. Lutero jamais esteve só! Com ele a população alemã enfrentou o poder da Igreja Católica de sua época e as reformas religiosas deram causa a muitas reformas políticas, as quais influenciaram outros povos e Estados, como a Inglaterra e a França. Ora, nesse momento histórico da civilização ocidental, a liberdade de cátedra nas universidades foi fundamental para o surgimento de novas ideias jurídicas e políticas. Dentre elas, talvez a mais importante tenha sido a que se propôs a reconstruir o conceito de cidadania, o qual passou a ser discutido direta ou indiretamente em inúmeras obras acadêmicas que se popularizaram entre os jovens e acadêmicos de então. Merece ser mencionadas aquelas de autores iluministas, como Montesquieu, Locke, Rousseau e Kant, entre outros, que influenciaram no surgimento das revoluções burguesas e, consequentemente, no aparecimento dos Estados modernos fundados na cidadania, na democracia constitucional e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. As ideias jurídico-filosóficas que propiciaram a Revolução Americana e a Revolução Francesa propagaram-se por todo o mundo e pelo novo mundo. 30 12 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS No Brasil não se verificou uma Revolução Burguesa nos moldes como se deu na América do Norte ou na Europa. A primeira revolta com significado de natureza semelhante às revoluções burguesas ocorridas na Europa foi a Inconfidência Mineira (1790). Todos os demais movimentos sociais anteriores, como a Confederação dos Tamoios (1562), a formação do Quilombo de Palmares (1602), a Guerra dos Bárbaros (1682), a Insurreição Pernambucana (1645), a Revolta do Maranhão (1684) ou mesmo a Guerra dos Mascates (1710), não objetivavam a construção da cidadania e de um Estado independente nos moldes dos movimentos sociais e revolucionários europeus e norteamericanos. A Inconfidência Mineira trouxe em sua base ideológica ideias semelhantes àquelas divulgadas pelos filósofos iluministas e concretizadas pela Revolução Francesa e pela Americana, mas seus líderes foram presos e deportados e as iniciativas não foram vitoriosas. Não caberia aqui uma análise aprofundada das razões que levaram à derrota dos insurgentes ou as teses sobre a ausência de uma classe burguesa no Brasil de então. Os fatos significativos decorrentes do movimento inconfidente foram a construção artificial dos primeiros valores inerentes à ideia de cidadania moderna e de aspirações por um país independente, republicano, sem que esse Estado fosse construído sobre fundamentos constitucionais democráticos. Contudo, a Inconfidência Mineira foi um marco histórico significativo, pois a ela se sucederam a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817). Esse último movimento defendia a independência de Portugal e reuniu religiosos, comerciantes e militares que conseguiram prender o governador e constituir o primeiro governo republicano no Brasil. O movimento se estendeu à Paraíba, Rio Grande do Norte e parte do Ceará, mas durou menos de três meses. Os revoltosos foram presos e condenados à morte pelo fuzilamento. Durante o Império, outros movimentos sociais ocorreram, mas todos saíram derrotados e desmantelados e seus líderes fuzilados ou enforcados. O primeiro deles ficou conhecido como a Confederação do Equador (1824) e verificou-se novamente 31 em Recife. Logo que os insurgentes conquistaram o poder estabeleceram um governo republicano, que deveria inaugurar um Estado independente, democrático e constitucional. Todavia, no dia 19 de setembro do mesmo ano os revolucionários já estavam derrotados e receberam penas diversas: fuzilamento, forca ou prisão perpétua. A partir desse movimento, outros irromperam ao longo do período Imperial, como a Cabanagem (1833) no Pará, a Revolução Farroupilha (1835) no Rio Grande do Sul, a Sabinada (1837) na Bahia, a Balaiada (1838) no Maranhão e parte do Piauí e Ceará, e a Revolução Praieira (1848) que se estendeu por vários estados brasileiros e exigia voto livre e democrático, liberdade de imprensa e trabalho para todos. Contudo, todos foram derrotados e poucos contribuíram para a formação de um Estado nacional fundado em valores modernos de cidadania. Em vez disso, o que se viu foi a construção de um Estado Imperial fundado uma economia escravista e uma elite formada por bacharéis de tradição coimbrã, que era o oposto dos ideais revolucionários vitoriosos na França Bonapartista ou na América de George Washington. Proclamada a República, outros tantos movimentos sociais se instalaram no Brasil, como a Revolta Armada de 1893 e a Revolução Federalista, ocorrida no mesmo ano, no Rio Grande do Sul. Contudo, o movimento social mais radical e que abalou a nascente República brasileira foi Canudos, no interior da Bahia, onde viviam, em 1896, cerca de 20 mil pessoas sob o comando do beato Antônio Conselheiro. Ele iniciou-se em novembro de 1896 e a derrota se deu em outubro de 1897. Foram necessárias quatro expedições militares para sufocar 25 mil revoltosos. Canudos contribuiu paradenunciar a grande exclusão social existente no Nordeste brasileiro, mas foi compreendido e classificado pelas elites brasileiras como um movimento messiânico, comandado por um fanático religioso, sem qualquer fundamentação iluminista ou revolucionária burguesa. Outros movimentos sociais menores ocorreram durante os primeiros anos da República Velha, como a Revolta da Vacina, de 1904 e a Revolta da Chibata, de 1910, ambas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, a Revolta de Juazeiro, de 1914, em Juazeiro do Norte, interior do estado do Ceará, sob a liderança do padre Cícero, em que sertanejos pegaram em armas para derrubar o interventor do Estado. O governo cedeu, devolvendo o poder ao grupo político que antes controlava o Ceará. A Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, na região dos estados do Paraná e Santa Catarina, foi um movimento messiânico, com milhares de mortos. Todos esses 32 movimentos populares, derrotados e desmantelados, possuíam na verdade uma natureza messiânica reacionária. Todos esses movimentos sociais verificados na história colonial, imperial e republicana do Brasil não foram decisivos para a construção da cidadania no Brasil. E não o foram porque não se fundavam em pressupostos teóricos e revolucionários semelhantes àqueles que inauguraram os estados burgueses modernos, como se deu na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa; na França, com a Revolução de 1789; ou nos Estados Unidos da América em sua Revolução da Independência. Assim sendo, as ideias e ideais de cidadania e de direitos fundamentais no Brasil foram importados e transladados do continente europeu diretamente para a Constituição Imperial de 1824, que inaugurou um capítulo próprio para os Direitos e Garantias Individuais, e que, no entanto, em outros capítulos de seu texto consolidava um Estado monárquico, patrimonialista e escravagista. Essa contradição inexorável contribuiu para que os direitos e garantias individuais fossem compreendidos no ideário nacional como uma ideologia liberal sem qualquer efeito concreto sobre a vida política e social do Brasil Imperial. O problema maior foi que essa ideologia liberal prosseguiu na vida política do País e passou a constar em todas as Constituições Republicanas, mesmo naquelas elaboradas sob regimes políticos totalitários, como se deu com a Carta Constitucional de 1937 e a Carta Constitucional de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969. A cidadania no Brasil, portanto, pode ser compreendida como um fenômeno de formação recente decorrente de movimentos sociais e sindicais iniciados na primeira década do século XX e que, sob lideranças anarquistas, exigiram jornadas de trabalho de oito horas, descanso semanal remunerado, pagamento de horas extras e outras conquistas trabalhistas que, posteriormente, seriam incorporadas na CLT. Além desses movimentos sociais das classes trabalhadoras, ocorreram também levantes militares nas três primeiras décadas do século XX, primeiro no Rio de Janeiro (1922) e depois em São Paulo (1924). Foi o movimento tenentista, que exigia reformas profundas no sistema político republicano. Parte desse movimento originou a famosa Coluna Prestes, que até 1927 foi causa de revoltas por todo o País. Por onde passava, ateava fogo em Cartórios de Registro de Imóveis, para por fim à propriedade privada injusta, e organizava triagens nos presídios para colocar em liberdade parte dos detentos que eram considerados vítimas de um sistema capitalista desigual e excludente. 33 Foram os movimentos sociais, em suas várias modalidades e categorias, que propiciaram em outubro de 1930 a Revolução de 30. Para alguns historiadores e cientistas políticos, foi a primeira Revolução Burguesa ocorrida no Brasil. Apenas dois anos depois, no dia 9 de julho de 1932, as oligarquias cafeeiras do estado de São Paulo se rebelaram contra a ditadura Vargas, organizando um movimento popular conhecido como Revolução de 1932. Apesar da derrota,o movimento representou um marco nas lutas pelos direitos fundamentais no Brasil e fez que o País construísse a segunda Constituição Republicana, a Constituição de 1934. Nas décadas de 1940 e 1950 o Brasil viu florescer seu período de ouro. Na economia, nas artes, na música e nos esportes surgiu uma geração que construía uma sociedade justa e igualitária, procurando diminuir as desigualdades sociais existentes nos segmentos de classes, intensificando a luta para extinguir o analfabetismo, instituindo um salário mínimo que buscava concretizar a ideia de direitos mínimos aos menos favorecidos. O avanço dos movimentos sociais urbanos e o aparecimento das Ligas Camponesas, no início da década de 1960 exerceram forte pressão política por reformas de base na sociedade brasileira, como a exigência de reforma agrária, erradicação do analfabetismo e fim da desigualdade entre homens e mulheres nas relações trabalhistas, dentre outras reivindicações políticas. Como reação a esses movimentos sociais crescentes, as elites políticas, em conjunto com a Igreja Católica, organizaram o evento denominado “Marcha da família com Deus pela liberdade”, o qual significou o sinal verde para que as forças militares levassem a termo um golpe de Estado ocorrido no dia 1º de abril de 1964, fazendo com que o presidente João Goulart abandonasse o poder e se exilou no Uruguai. Após o golpe de Estado, os movimentos sociais foram proibidos e duramente reprimidos, e as lideranças camponesas e sindicais perseguidas e presas. A Lei de Segurança Nacional foi utilizada para prender as forças oposicionistas e as lideranças dos movimentos sociais que se erguiam contra a ditadura militar. Milhares foram assassinados e desaparecidos, mas os movimentos sociais nunca desapareceram totalmente na luta pela redemocratização do País. Na década de 1980, a sociedade civil brasileira reorganizou-se em seus diversos segmentos e deu início a um processo de manifestações políticas que exigiam o fim do governo militar e a redemocratização. Importante foram os papéis desempenhados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que, em suas reuniões 34 anuais, fazia publicar documento exigindo a normalização da vida política do País e denunciando os abusos praticados pelo regime militar. De igual importância foram as atuações da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Por fim, em 1984 o governo militar viu-se amplamente derrotado nas eleições gerais para governadores, deputados federais e senadores. Era o fim da ditadura militar e o início da redemocratização do Estado brasileiro. Esse momento da história brasileira foi marcado pela construção de uma nova Constituição Federal, a Constituição de 1988, a mais democrática e representativa Carta Constitucional do Estado brasileiro. Contudo, um dos efeitos nefastos do período de governo militar no Brasil foi a desmobilização dos movimentos sociais existentes no Brasil. 13 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Na semana de 21 a 24 de janeiro de 1984 ocorreu na cidade de Cascavel, Paraná, o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)., como ficou conhecido, surgia com objetivos bem definidos: lutar pela terra, pela reforma agrária e pela construção de uma sociedade justa e igualitária. Até dezembro de 2010 o MST contabilizava aproximadamente 350 mil famílias assentadas e 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Além disso, o MST já registra 108 cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, 65 unidades agroindustriais e uma história de luta contra a fome e a mortalidade infantil. Destaca-se também que cerca de 120 mil crianças e adolescentes frequentam escolas construídas em terras que antes pertenciam a latifúndios improdutivos. O MST tem contribuídopara a questão da cidadania no Brasil lutando pela terra, pois quanto maior for o número de famílias assentadas, menor será o êxodo rural e o número de famílias morando em favelas nas cidades. Ademais, ao combater o latifúndio e ao assentar famílias sem-terra, o MST propicia o surgimento de cooperativas para sustentar o trabalho dessas famílias e a escolaridade para crianças e adolescentes, contribuindo para a questão dos direitos humanos e da cidadania no Brasil. O MST é um movimento social que trabalha com populações excluídas, procurando assentar famílias em propriedades rurais improdutivas, criando cooperativas e propiciando trabalho para milhares de trabalhadores rurais. 35 Em 1997 surgiu no seio da sociedade brasileira o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com o objetivo de garantir o direito à moradia e construir uma cidade justa e igualitária. O movimento não visa somente àqueles que não têm moradia, mas alcança também os desprovidos de condição humana digna e que vivem em estado de miserabilidade. A falta de moradia é o principal fator contrário a uma vida com dignidade. Desde 1940 o problema da moradia tornou-se muito grave no Brasil, pois as habitações dos grandes centros urbanos tornaram-se insuficientes para abrigar a população expulsa do campo no processo de êxodo rural. Historicamente o MTST iniciou suas atividades em 1997, quando 5.200 famílias construíram casas em um terreno desapropriado na cidade de Campinas/SP. Esse movimento foi considerado a maior ocupação em área urbana da América Latina, conhecido como Parque Oziel. Em 1998, o MTST passou a realizar ocupações nas cidades de Guarulhos, Diadema, Itapevi e também no Nordeste e no Rio de Janeiro, e as ocupações chegaram a representar a conquista de 10 mil casas populares. Entre os anos de 2001 a 2003 a atuação estendeu-se a todo o Brasil. Em Guarulhos/SP, próximo da Rodovia Presidente Dutra, houve a ocupação conhecida como Anita Garibaldi, que teve a participação de 10 mil pessoas. Em Osasco/SP, ocorreu a ocupação Carlos Lamarca, onde ficava o antigo Lar Consolador da Verdade; e, em São Bernardo do Campo/SP foi feita a ocupação Santo Dias, localizada num terreno de propriedade da Volkswagen, porém no dia 9 de agosto do mesmo ano a Tropa de Choque da Polícia Militar invadiu o terreno e expulsou os ocupantes sem- teto. Atualmente, o MTST vem contribuindo para um dos mais importantes direitos fundamentais: o direito à moradia que é condição sine qua non para a cidadania. 36 14 SOCIEDADES MULTICULTURAIS Fonte: diegobrandao.jusbrasil.com.br O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito comum em nossa época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao desenvolvimento das comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, todas as sociedades podem receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o crescimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades. As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser de aceitação e tolerância ou de conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do território é imposta ou se impõem para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes. Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias de comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais e financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa às fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a 37 hegemonizar culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas de ver as coisas se espalham globalmente gerando o que se chama de “americanização” do mundo. Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as culturas tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de ser. Por outro lado, apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais locais são capazes de se apropriar de partes da cultura americana, transformando-as em uma algo novo e diferente do original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo claro dessa possibilidade. Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias da segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia. 14.1 Cenário Pós-Colonial Fonte: cartacapital.com.br O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais locais e, ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento migratório para os países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, 38 religiosa e política, além das deficiências econômicas, são fatores que aumentam o fluxo migratório. Incentivado por tudo isso e pelo próprio cenário criado pela globalização, esse movimento migratório transforma de modo profundo as nações que receberam os imigrantes, colocando em cheque a capacidade dos estados modernos de gerirem sua nova configuração multicultural. Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação de culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se constituírem enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação de direitos sociais e a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas vezes, ainda que exista uma política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada por pessoas comuns, inflamadas por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao outro. Os ataques violentos organizados por civis aos abrigos de refugiados de origem árabe na Alemanha são um exemplo disso. O multiculturalismo emerge a partir das reivindicações de minorias étnicas que sofrem de opressão histórica em seus territórios, como os negros e as populações indígenas por todo continente americano, incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e traz à tona a forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais e religiosas que nos cercam. De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato a partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscam- se melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as denominadas minorias. O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de expressão de identidade(s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporia a toda forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções monoculturais das sociedades etnocêntricas. Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir 39 formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas públicas como formas de gestão da pluralidade cultural.
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