Buscar

A MÚSICA E O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO BRASILEIRO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 72 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 72 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 72 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS 
Programa de Graduação em Psicologia 
 
 
 
 
Bárbara Luiza Silveira 
Paloma Fernanda Paiva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A MÚSICA E O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO 
BRASILEIRO: 
Possíveis diálogos e contribuições 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Betim 
2020 
 
 
 
Bárbara Luiza Silveira 
Paloma Fernanda Paiva 
 
 
 
 
 
 
 
A MÚSICA E O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO 
BRASILEIRO: 
Possíveis diálogos e contribuições 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de Psicologia 
da Pontifícia Universidade Católica de Minas 
Gerais, como requisito parcial para obtenção do 
título de Bacharel em Psicologia. 
 
Orientador: Prof. Manoel Deusdedit Júnior 
 
Área do conhecimento (CNPq): Psicologia 
Social: Papéis e Estruturas Sociais; Indivíduo. 
(7.07.05.03-8). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Betim 
2020 
 
 
 
Bárbara Luiza Silveira 
Paloma Fernanda Paiva 
 
 
 
 
 
 
 
A MÚSICA E O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO 
BRASILEIRO: 
Possíveis diálogos e contribuições 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de Psicologia 
da Pontifícia Universidade Católica de Minas 
Gerais, como requisito parcial para obtenção do 
título de Bacharel em Psicologia. 
 
Área do conhecimento (CNPq): Psicologia 
Social: Papéis e Estruturas Sociais; Indivíduo. 
(7.07.05.03-8). 
 
 
 
 
 
 
Prof. Dr. Manoel Deusdedit Júnior (Orientador) 
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
 
 
 
Prof (a). Dr (a). Karla Gomes Nunes (Banca Examinadora) 
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
 
 
 
 
Betim, 04 de dezembro de 2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicamos este trabalho às mulheres que com força e garra lutaram por mudanças. 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Primeiramente, agradecemos a todas as mulheres fortes que nos inspiraram e 
ainda nos inspiram. 
Agradecemos ao nosso orientador Manoel Deusdedit Júnior por aceitar nos 
conduzir com tanta dedicação e zelo nesse trabalho. 
Aos nossos pais, familiares e amigos que sempre estiveram ao nosso lado nos 
apoiando ao longo dessa trajetória. 
Agradecemos a todas as figuras singulares que fizeram parte do nosso 
crescimento, nos impulsionando através da música. Agradecemos por aprender a 
ouvir sons tão diversos ao longo da vida, e sermos tocadas por eles. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Somos, Pagu indignada no palanque! 
(Rita Lee) 
 
 
 
RESUMO 
 
A presente monografia discute quais são os possíveis diálogos e contribuições da 
música ao processo de emancipaçao da mulher no contexto brasileiro, pois entende-
se que desde a antiguidade a mulher é culturalmente reprimida e desvalorizada, e 
vivencia cotidianamente a misoginia, o preconceito e os impactos de uma cultura 
sexista e patriarcal. Diante deste contexto, o texto analisa a construção e 
desenvolvimento do movimento feminista, tendo em vista que este foi importante 
marco no processo de emancipação da mulher, uma vez que aparece questionando 
o sistema opressor e o padrão social idealizado a partir do gênero masculino. Por 
meio da narração das mudanças sociais provocadas pelo movimento feminista e da 
análise das consequências dessa construção na subjetividade feminina, manifesta 
pelos meios artisticos, os objetivos deste estudo incluem uma investigação sobre a 
música enquanto um fazer sublimatório. Este estudo culminou com uma análise 
sobre a música como um dos caminhos para a transformação social, e apontou o 
relevante papel desta, no movimento feminista na construção do processo de 
emancipação da mulher no Brasil. Nesse cenário, são apresentados os percursos da 
música enquanto forma de expressão subjetiva da mulher em diferentes épocas e 
contextos, considerando-a, ainda, como meio de comunicação e expressão 
intersubjetiva e, ressaltando a necessidade do olhar da psicologia para a arte menos 
interpretada pela psicanálise. Provou-se ser de grande relevância para a reflexão 
sobre os avanços conquistados nesse processo e na ruptura dos estigmas 
construídos ao longo dos anos. Os resultados da pesquisa mostraram que por meio 
da música as mulheres podem efetivamente modificar o contexto social. 
Palavras-chave: Mulher, Música, Feminismo, Emancipação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This monograph discusses the possible dialogues and contributions of music to the 
emancipation process of women in the Brazilian context, as it is understood that since 
ancient times, women have been culturally repressed and devalued, experiencing on 
a daily basis misogyny, prejudice and the impacts of a sexist and patriarchal culture. 
Given this context, the text analyzes the construction and development of the feminist 
movement, considering it an important milestone in the emancipation process of 
women, once it questions the oppressive system and the idealized social pattern from 
the male gender. Through narration of social changes caused by the feminist 
movement and analysis of the consequences of this construction on female 
subjectivity, manifested by artistic means, the objectives of this study include an 
investigation of music as a sublimation. This study culminated in an analysis of music 
as one of the paths to social transformation, and pointed out its relevant role in the 
feminist movement on constructing the emancipation process of women in Brazil. In 
this scenario, the trajectories of music are presented as a form of women’s subjective 
expression in different times and contexts, considering it, still, as a mean of 
communication and intersubjective expression and, emphasizing the need from a 
psychological point of view to the less interpreted art by psychoanalysis. It proved to 
be of great relevance to reflect on the advances achieved in this process and the 
rupture of stigmas built over the years. The results showed that through music women 
can effectively modify the social context. 
Keywords: Women, Music, Feminism, Emancipation. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 17 
2. A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA MULHER E O FEMINISMO ........................ 19 
2.1. Ser mulher no Brasil ............................................................................... 24 
3. PSICANÁLISE, MÚSICA E SOCIEDADE ........................................................... 34 
4. A MÚSICA ENQUANTO FACILITADORA DO PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO 
DA MULHER ........................................................................................................ 47 
4.1. A atuação da mulher na música brasileira ........................................... 49 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 61 
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 65 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
17 
1. INTRODUÇÃO 
Ainda que os direitos, as conquistas e a emancipação da mulher tenham 
crescido ao longo dos anos, a inviabilidade feminina no espaço musical ainda é 
legitimada pela sociedade. A primeira edição do estudo “Por Elas que Fazem a 
Música”, realizado em 2017, pela União Brasileira de Compositores (UBC) mostra que 
apenas 14% dos associados à UBC são mulheres. Quanto aos valores arrecadados, 
a renda média das mulheres associadas é 28% menor do que a dos homens. Ainda, 
do total dos rendimentosde direitos autorais distribuídos para produtores 
fonográficos, apenas 3% são de mulheres, contra 97% de homens1. 
Com esses dados, é possível inferir que os números desiguais se apresentam 
como reflexo de uma sociedade sexista e patriarcal. Entretanto, apesar da disparidade 
de gênero significativa no mercado musical, a mulher utiliza do recurso musical como 
forma de expressão e luta. Aos poucos, mulheres têm conquistado destaque por seus 
talentos musicais, dando voz a outras mulheres e escrevendo através de canções 
suas vivências subjetivas, históricas e culturais. 
Segundo Lopes (2005), ao longo da história da psicanálise, a música continua 
sendo a arte menos interpretada e ainda poucos autores se ousaram a “psicanalisar” 
a música. Compreendendo a música como importante recurso de expressão, que 
permite ao sujeito manifestar sentimentos, pensamentos, desejos, fantasias e 
emoções, consideramos de grande relevância manifestar sobre as contribuições da 
música no processo de emancipação da mulher pelo olhar psicanalítico, pois 
reconhecemos que existe forma de expressão subjetiva que se origina através da arte, 
da poesia, do som, dos estilos e meios em que a música pode ser produzida e ser 
propagada. 
A vivência no meio feminino nos impulsiona a olhar para toda a forma de 
representatividade e entender as diferenças de papel entre homens e mulheres na 
sociedade. É notório o predomínio patriarcal em nossa cultura e no âmbito artístico, e 
consideramos que a participação de mulheres no ambiente musical, ainda que 
reduzida, pode ser vista como forma de expressão e luta. 
 
1 Disponível em 
http://www.ubc.org.br/anexos/publicacoes/arquivos_noticias/porelasquefazemamusica2018.pdf. 
(Acesso em 17 de março de 2020). 
 
 
 
http://www.ubc.org.br/anexos/publicacoes/arquivos_noticias/porelasquefazemamusica2018.pdf
18 
Diante desse contexto, esse trabalho busca compreender as contribuições da 
música para o processo de emancipação da mulher no contexto brasileiro. Por meio 
de um resgate histórico sobre o movimento feminista, e abarcando a música enquanto 
um fazer sublimatório e instrumento de influência social, buscamos relacionar a 
música e o movimento feminista ao processo de emancipação da mulher. 
O estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica, embasada em 
materiais já elaborados em livros e artigos científicos, que oferecem como vantagem 
a obtenção de dados históricos e a compreensão do fenômeno de forma mais ampla 
que em uma pesquisa de campo. Ressaltamos que foi necessário analisar 
cuidadosamente as fontes e os dados, para assegurar uma pesquisa bibliográfica 
adequada (GIL, 2002). 
Os passos seguidos para realização da pesquisa bibliográfica incluíram a 
escolha do tema, o levantamento bibliográfico, a formulação do problema, a 
elaboração do plano de redação, a busca das fontes, a leitura do material, a 
elaboração de fichamentos, a organização lógica do assunto e a redação do texto 
(GIL, 2002). 
A redação do texto está organizada por meio de três seções, sendo que a 
primeira seção apresenta um resgate histórico sobre o feminismo no mundo e no 
contexto brasileiro, enquanto movimento e fenômeno que acarreta mudanças sociais 
e na condição feminina. A segunda seção apresenta a música sob a luz da 
psicanálise, compreendendo-a enquanto um fazer sublimatório e, portanto, um 
evoluído mecanismo de defesa. Na terceira seção buscamos relacionar a música e o 
processo de emancipação da mulher, voltando-se para a inserção e valorização da 
mulher dentro do meio musical, abordando a sua autonomia através das 
representações femininas na música, que é uma expressão artística e que tem 
influência e impacto, tanto no grupo, como na sociedade. 
 
19 
 
2. A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA MULHER E O FEMINISMO 
A misoginia se faz presente na história do ocidente, relacionada, 
principalmente, à sexualidade feminina culturalmente reprimida e desvalorizada desde 
a antiguidade que cita a dominação sobre o corpo feminino no sentido de que o espirito 
deveria se sobrepor ao físico e no domínio político do masculino sob o feminino 
 
(...) na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu 
sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em 
consequência, as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo 
tipo de desgraça. A religião é outro dos discursos de legitimação mais 
importantes. As grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os 
âmbitos e condutas próprios de cada sexo. Na tradição judaico-cristã, o relato 
da expulsão do Paraíso tem essa função. Eva é a Pandora judaico-cristã 
porque, por sua culpa, fomos desterrados do Paraíso (PULEO, 2004, p.1). 
 
Segundo Jarschel (1994), na Idade Média isso se acentua e através do 
cristianismo, passa-se a ter uma leitura do corpo masculino como uma criação do 
sopro divino direto, e a mulher como criação da carne, e portanto muito mais suscetível 
à perdição, ou seja, o homem como a perfeita união entre espirito e carne e a mulher 
por ser vinda da costela masculina, foi fabricada a partir da carne e portanto seria 
mais carnal. Diante disso, foram então atribuindo cargas pejorativas ao que se 
relaciona a mulher, como o sangue menstrual e também relacionando a mulher a 
fragilidade e por isso a atuação do demônio sobre elas 
 
a razão natural para isto é que ela é mais carnal que o homem, como fica 
claro pelas inúmeras abominações carnais que pratica. Deve-se notar que 
houve um defeito na fabricação da primeira mulher, pois ela foi formada por 
uma costela de peito de homem, que é torta. Devido a este defeito, ela é um 
animal imperfeito que engana sempre (MALLEUS MALLEFICARUM, apud, 
JARSCHEL1994, p.10). 
 
Tal concepção depreciativa da mulher, como um corpo diabolizado, pecador e 
sem a capacidade de dominação da mente sobre o corpo, mantem o domínio do 
homem sobre a mulher, que muitas vezes se submetia e aceitava essa dominação 
e controle por medo de ser seduzida pelo diabo; constrói-se, assim, uma cultura 
ancorada na desigualdade de gênero que é legitimada por antigos discursos. 
Ainda na Idade Média, segundo Lins (2012), havia o controle sobre a beleza 
feminina, sendo que as mulheres não podiam ser belas pois despertariam o desejo do 
diabo; portanto, quanto mais uma mulher negasse a beleza, mais estaria protegida 
20 
das tentações do diabo, e mais próxima de Deus ficaria. 
A sociedade ocidental é marcada por muitos discursos de legitimação da 
desigualdade entre homens e mulheres; que foram constituidos, conforme dito acima, 
desde a Grécia Clássica até a tradição judaico-cristã, procura-se demonstrar, por 
Pandora e Eva, que “a curiosidade feminina é a causa das desgraças humanas e da 
expulsão dos homens do Paraíso” (GARCIA. 2011, p.12). A inquisição, segundo Pinto 
(2010), foi atroz às mulheres que desafiassem os princípios pregados como dogmas 
incontestáveis. A ciência e a filosofia ocidentais também legitimam a desigualdade, 
pois o ocultamento do trabalho feminino ao longo da história da humanidade foi tão 
intenso, que muitas histórias de mulheres foram escondidas e silenciadas, e por isso 
seus nomes e trabalhos ainda continuam desconhecidos. 
Na modernidade, a dominação masculina sobre o feminino ganha novos 
contornos para além da espiritualidade, uma vez que a sociedade revoluciona o 
pensamento em relação ao teocentrismo, que pensa a sociedade fundamentada na 
religião e em Deus para o mundo. Segundo Garcia (2011), o mundo é, então, definido 
pelo masculino e a representação da humanidade é atribuída ao homem com base no 
androcentrismo. Nesse contexto, a dominação sobre as mulheres passa a ser 
principalmente no campo do trabalho através do capitalismo, pois as mulheres saíram 
da Idade Média em uma condição de subalternidade espiritual e adentram a 
Modernidade desprovidas da possibilidadede se inserir como trabalhadoras da 
classe superior, se inserindo então como segunda classe, sem a possibilidade de se 
tornar livre por meio de seu trabalho. Tal condição é acentuada com a Revolução 
Industrial na manipulação do mercado de trabalho, uma vez que as mulheres pobres 
sempre trabalharam e se tornam mão de obra muito mais barata que o homem, sendo 
submetidas a trabalhos degradantes e desumanos por serem obedientes e submissas 
(LINS, 2012). Posteriormente, sobretudo na atualidade, a dominação sobre o feminino 
se apresenta também pela padronização física por meio dos padrões estéticos e da 
beleza. 
Diante do exposto, percebe-se que a sociedade se construiu de maneira 
patriarcal, sendo o patriarcado uma estrutura hierárquica entre gêneros, podendo ser 
pensada a partir da definição do termo androcentrismo, que considera o homem como 
único paradigma de representação coletiva (SANTOS; KAUSS, 2017). Cabe ressaltar 
que segundo Beauvoir (1980), o termo mulher se refere a uma categoria socialmente 
construída e diante disso, o conceito gênero trata-se de uma construção social, ou 
21 
seja, este ultrapassa a percepção do sexo anatômico. 
Segundo Oliveira (2002), o patriarcado provoca a influência do androcentrismo 
como postura que parte de uma perspectiva unicamente masculina, que é tomada 
como válida para homens e mulheres e legitima a construção social de uma imaginária 
soberania do homem em relação à mulher, colocando esta como inferior ao homem. 
Portanto, pode-se dizer que 
 
o patriarcado é entendido como pertencendo ao extrato simbólico e, em 
linguagem psicanalítica, como a estrutura inconsciente que conduz os afetos 
e distribui valores entre os personagens do cenário social. A posição do 
patriarca é, portanto, uma posição no campo simbólico, que se transpõe em 
significantes variáveis nas distintas interações sociais. Por esta razão, o 
patriarcado é, ao mesmo tempo, norma e projeto de auto-reprodução, o que 
o leva a censurar e controlar a fluidez, as circulações, as ambivalências e as 
formas de vivência de gênero que resistem a ser enquadradas na sua matriz 
heterossexual hegemônica (ALMEIDA, 2004, p4). 
 
O patriarcado, portanto, é institucional e se apresenta em todas as esferas da 
sociedade; e, assim como as demais hierarquias impostas a uma sociedade, a 
hierarquia de gênero se apresenta de forma cruel e opressora, dado que as funções 
dentro de uma sociedade muitas vezes são baseadas no gênero, e assim 
estabelecem também uma hierarquia social que comumente acarreta em 
desigualdade, violência e discriminação. 
Por muitas décadas a redução da mulher à reprodução e a submissão em 
relação aos homens foram dadas como naturais. “Esse ser tido como inferior até 
mesmo pela ciência sempre esteve à mercê dos comandos e diretrizes ora do pai, 
enquanto provedor do lar, posteriormente do marido, como proprietário, da sociedade, 
da Igreja e também do Estado” (SANTOS; KAUSS, 2017, p.42). 
Contudo, a partir do século XIX, as mulheres começaram a desenvolver teorias 
feministas que explicassem a hegemonia masculina, fazendo menção ao patriarcado 
no seu sentido crítico (GARCIA, 2011). Tais análises provocaram questionamentos 
sobre o controle e o domínio dos homens sobre as mulheres e a partir da 
compreensão de que o controle patriarcal se estendia também para as outras esferas 
de forma opressora; e, uma vez que durante séculos as mulheres estiveram em uma 
posição social inferior aos homens, tiveram seus direitos negados e acreditaram 
serem culpadas pela violência que sofriam. 
Nesse sentido, o feminismo se articula como filosofia política e movimento 
social, uma vez que existem diversas correntes que compõem o pensamento 
22 
feminista, sendo uma característica que o diferencia de outras correntes de 
pensamento político, o fato de que ele é constituído por práticas de mulheres em toda 
parte do mundo (GARCIA, 2011). Desse modo, o feminismo pode ser definido como: 
 
a tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, 
dominação e exploração de que foram e são objeto por parte do coletivo de 
homens no seio do patriarcado sob suas diferentes fases históricas, que as 
move em busca da liberdade de seu sexo e de todas as transformações da 
sociedade que sejam necessárias para este fim (GARCIA, 2011, p. 13). 
 
Essa tomada de consciência feminista transforma a vida das mulheres, visto 
que a consciência da discriminação promove uma necessidade de mudança diante 
dos fatos, e nisso consiste a capacidade emancipadora do feminismo (GARCIA, 
2011), pois, através disso, provocam-se transformações nas relações de gênero e 
consequentemente, impactos nos discursos patriarcais. 
Ao longo da história, o feminismo foi considerado pela sociedade patriarcal um 
inimigo a ser combatido e não enquanto um movimento, que, segundo o contexto da 
época e de cada sociedade, tem o objetivo em comum de “lutar pelo reconhecimento 
de direitos e oportunidades para as mulheres e, com isso, pela igualdade de todos os 
seres humanos” (GARCIA, 2011, p. 12). Portanto, essa consideração deturpada do 
feminismo se dá, sobretudo, quando as mulheres começaram a afirmar 
concretamente sua independência, questionar os mitos sobre o feminino e o papel 
social desempenhado por estas, desde o Período Medieval, em uma sociedade 
fundada pelo patriarcado e marcada por uma autoridade imposta institucionalmente 
dos homens sobre mulheres. 
Para compreensão do movimento feminista se faz necessário considerar que 
este “é um movimento que produz sua própria reflexão crítica, sua própria teoria” 
(PINTO, 2010, p.15). A sincronia entre o ativismo e teoria no feminismo perpassa, 
entre outras coisas, pelo tipo social de ativista que pelo menos inicialmente reforçou 
o feminismo na segunda metade do século XX, sendo este formado por 
 
mulheres de classe média, educadas, principalmente, nas áreas das 
Humanidades, da Crítica Literária e da Psicanálise. Pode-se conhecer o 
movimento feminista a partir de duas vertentes: da história do feminismo, ou 
seja, da ação do movimento feminista, e da produção teórica feminista nas 
áreas da História, Ciências Sociais, Crítica Literária e Psicanálise. Por esta 
sua dupla característica, tanto o movimento feminista quanto a sua teoria 
transbordaram seus limites, provocando um interessante embate e 
reordenamento de diversas naturezas na história dos movimentos sociais e 
nas próprias teorias das Ciências Humanas em geral (PINTO, 2010, p.15). 
23 
 
Em meio à repressão e desigualdade de gênero, o feminismo, contudo, na 
história ocidental surge por meio dos questionamentos das diversas mulheres que se 
rebelaram contra essa condição imposta e lutaram por liberdade. Portanto, “o 
feminismo tem uma longa história como movimento social emancipatório, sendo este 
um discurso capaz de impugnar, criticar, desestabilizar e mudar essa relação injusta 
por conta de sua força crítica” (GARCIA, 2011, p. 12). 
A primeira onda do feminismo se inicia nas últimas décadas do século XIX, 
quando as mulheres, inicialmente na Inglaterra, organizaram-se para lutar por seus 
direitos, sendo que 
 
o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto. As sufragetes, como 
ficaram conhecidas, promoveram grandes manifestações em Londres, foram 
presas várias vezes, fizeram greves de fome. Em 1913, na famosa corrida de 
cavalo em Derby, a feminista Emily Davison atirou-se à frente do cavalo do 
Rei, morrendo. O direito ao voto foi conquistado no Reino Unido em 1918 
(PINTO, 2010, p15). 
 
No entanto, o termo feminismo foi empregado nos Estados Unidos por volta de 
1911, quando 
 
escritores, homens e mulheres, começaram a usá-lo no lugar das expressões 
utilizadas no século XIX tais como movimento das mulheres e problemas das 
mulheres, para descrever um novo movimento na longa história das lutas 
pelos direitos e liberdades das mulheres (GARCIA, 2011, p.12). 
 
Essetermo visava ir além do sufrágio e de campanhas pela moral e pureza 
social, pois buscava determinação intelectual, política e sexual. As feministas 
americanas buscavam o equilíbrio entre as necessidades de amor e de realização, 
sendo esta individual e política. De certo modo, pode-se afirmar que “sempre que as 
mulheres - individual ou coletivamente - criticaram o destino injusto e muitas vezes 
amargo que o patriarcado lhes impôs e reivindicaram seus direitos por uma vida mais 
justa estamos diante de uma ação feminista” (GARCIA, 2011, p.13). 
O feminismo inicial perdeu força a partir da década de 1930 na Inglaterra e nos 
Estados Unidos, e retorna novamente na década de 1960. Segundo Pinto (2010), 
nesse espaço de trinta anos, Simone de Beauvoir, com o livro “O segundo sexo” 
publicado em 1949, entre outros aspectos, através da máxima “não se nasce mulher, 
se torna mulher”, marca as mulheres e se torna fundamental para a nova onda do 
24 
feminismo. 
Para compreensão da nova onda do feminismo, faz-se necessário um resgate 
histórico sobre a importância da década de 1960 para o mundo ocidental: 
 
os Estados Unidos entravam com todo o seu poderio na Guerra do Vietnã, 
envolvendo um grande número de jovens. No mesmo país surgiu o 
movimento hippie, na Califórnia, que propôs uma forma nova de vida, que 
contrariava os valores morais e de consumo norte-americanos, propagando 
seu famoso lema: “paz e amor”. Na Europa, aconteceu o “Maio de 68”, em 
Paris, quando estudantes ocuparam a Sorbonne, pondo em xeque a ordem 
acadêmica estabelecida há séculos; somou-se a isso, a própria desilusão 
com os partidos burocratizados da esquerda comunista. O movimento 
alastrou-se pela França, onde os estudantes tentaram uma aliança com 
operários, o que teve reflexos em todo o mundo. Foi também nos primeiros 
anos da década que foi lançada a pílula anticoncepcional, primeiro nos 
Estados Unidos, e logo depois na Alemanha. A música vivia a revolução dos 
Beatles e Rolling Stones (PINTO, 2010, p.16). 
 
Em meio a tantos acontecimentos revolucionários, Betty Friedan, em 1963, 
lança o livro “A mística feminina”, considerado um norteador do feminismo. Na Europa 
e nos Estados Unidos, o novo movimento feminista aparece com toda a força, e as 
mulheres começam então a falar diretamente, pela primeira vez, sobre a questão das 
relações de poder entre homens e mulheres. Desta vez, o feminismo aparece como 
um movimento libertário, que, além de espaço para a mulher no trabalho, na vida 
pública e na educação, também luta por uma relação e direitos igualitários entre os 
gêneros, para que as mulheres tenham liberdade e autonomia sobre sua vida e seu 
corpo (PINTO, 2010). 
 
2.1. Ser mulher no Brasil 
Assim como nas demais sociedades patriarcais, a posição social da mulher, no 
Brasil, foi perpassada pelo pensamento machista e embasado nos dogmas da Igreja 
Católica e da ciência, seguindo a hierarquia de gênero que a coloca enquanto inferior 
ao homem, sendo que, 
 
quando afirmamos que a mulher é subserviente não apenas ao marido como 
também ao Estado, o fazemos porque em toda a história ele se faz presente, 
legitimando a soberania do “primeiro sexo” em relação ao “segundo”. No 
Brasil, as leis previam e estimulavam a permanência da mulher no ambiente 
doméstico, sendo responsáveis pela conservação da família ou pela ruína 
desta (SANTOS; KAUSS, 2017, 44-45). 
 
Segundo Santos e Sacramento (2011), o casamento era visto como uma 
25 
instituição que promovia a visão da ascensão social e manutenção do status, onde as 
mulheres tinham como papel, exercer uma função social de dona de casa, e esposa, 
mas a autoridade suprema, no ambiente familiar, continuava a pertencer ao marido. 
No século XIX, a mulher deveria se dedicar a propagar e fortalecer o amor familiar, 
que, visto de uma forma romântica, considerava-a como a base da moral da 
sociedade, ou seja, a mulher deveria satisfazer os desejos sexuais do marido, além 
de proteger a virgindade de suas filhas, até que se casassem. A sexualidade feminina, 
que era controlada de forma intensa, se vinculava a uma visão de propriedade privada; 
ou seja, a mulher virgem era considerada como mais valorosa, tanto pela igreja quanto 
pela sociedade, como um todo. 
 
No Brasil as mulheres viviam reclusas sob o poder de seus pais até o 
momento de passarem ao poder de seus maridos. Os pais combinavam as 
bodas dos filhos levando em consideração somente a condição financeira. 
No Brasil o acordo matrimonial estava nas mãos do pai da moça e obedecia 
aos interesses familiares. Se a jovem é rica já está preparada para o 
casamento e o pai trata logo de apresentar-lhe algum de seus amigos. 
(SANTOS; SACRAMENTO, 2011 p.6). 
 
As mulheres, nessa época, não se dedicavam a aproveitar a sua adolescência, 
pois, de alguma forma, deveriam se preparar para a maternidade, tendo a lição de 
aprender, durante a sua juventude, a ser mãe e dona de casa, se dedicando assim, a 
tais tarefas desde cedo para logo após se casarem com homens que, em muitas das 
vezes, eram bem mais velhos do que elas. Nessa realidade, os relacionamentos 
dessas mulheres, no caso, os namoros, eram fiscalizados, e isso aconteceu até que 
se iniciasse o século XX, garantindo assim uma falsa ideia de poder sobre os corpos 
das mesmas, pois, ao serem fiscalizados, por seus pais enquanto estavam juntas de 
seus pretendentes, acreditava-se que isso estava impedindo a aproximação dos 
corpos e, por consequência, preservando a virgindade dessas mulheres. 
 
O costume da vigilância e do controle exercido sobre as mulheres e o 
seu posterior afrouxamento no decorrer do século XIX, com a ascensão 
dos valores burgueses, estavam condicionados ao sistema de 
casamento por interesse. O afrouxamento da vigilância e do controle 
sobre os movimentos femininos foi possível porque as próprias 
pessoas, especialmente as mulheres, passaram a se autovigiar. 
Aprenderam a se comportar. (SANTOS; SACRAMENTO, 2011 p.6). 
 
Portanto, também no Brasil a mulher por muitos anos esteve reduzida à 
reprodução e aos cuidados domésticos, e, além disso, não podiam andar 
26 
desacompanhadas pelas ruas, deveriam se casar cedo com o marido escolhido pelo 
seu pai de acordo com interesses financeiros; e as que quebravam com esses dogmas 
eram marginalizadas (SANTOS; SACRAMENTO, 2011). 
Ainda que nessa posição reduzida à reprodução e cuidados domésticos, as 
mulheres brasileiras aos pouco foram se organizando em prol de mudanças nesse 
cenário; embora esses primeiros movimentos da história do feminismo no Brasil, 
sejam conhecidos por fragmentos encontrados por historiadores e que deixam muitas 
lacunas, pois, como citado anteriormente, o ocultamento do trabalho feminista foi 
muito intenso no mundo, e isso não foi diferente em nosso país. No entanto, alguns 
importantes dados, embora pouco conhecidos, são pontos fundamentais para a 
compreensão das mudanças na posição social da mulher e da luta feminina no país. 
Em 1868, foi publicado segundo Ribeiro (2018), o Tratado Sobre a 
Emancipação Política da Mulher e Direito de Votar, escrito por Anna Rosa Termacsics 
dos Santos, que buscava trabalhar questões relacionadas à participação política, ao 
mundo do trabalho, casamento, educação e à participação das mulheres na imprensa 
periódica diária. O tratado contém 
 
128 páginas escritas em forma de manifesto e repletas de uma insatisfação 
feminina, baseada em experiências conjuntas sobre uma dependência a que 
estiveram impostas, contrapondo de forma contundente os argumentos que 
excluíam as mulheres de espaços como educação, trabalho e política, além 
de questionar o casamento como finalidade na vida de todas. A reivindicação 
do voto não foi, nesse caso, um ato isolado, mas inserido numa denúncia 
sobre a arbitrariedade de todo o sistema legislativo que, segundo o impresso, 
alienava as mulheres a aceitarem tal condição como se esta fosse natural 
(RIBEIRO,2018, p 15). 
 
Em 7 de setembro de 1873, o periódico mensal O Sexo Feminino começou a 
circular as ruas de Campanha em Minas Gerais. Neste, 
 
e nos quarenta e quatro números publicados em seguida, a editora D. 
Francisca Senhorinha da Motta Diniz e suas colaboradoras – constituidoras 
de uma pequena elite de mulheres letradas dentro e fora de Campanha – 
tinham como motivação comum a melhoria da condição da mulher na 
sociedade. Essas e outras mulheres estavam impulsionadas por um amplo 
movimento de redefinição da mulher na modernidade e vinham a utilizar-se 
do meio impresso como espaço para suas várias reivindicações 
(NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2007, p 431). 
 
Após a experiência em Minas Gerais, Francisca Senhorinha muda-se com suas 
filhas para o Rio de Janeiro, onde continua a publicar jornais, em meio a efervescência 
27 
da imprensa dirigida e editada por mulheres. 
 
Em 1852, a argentina Joana Paulo Manso de Noronha fundava, no Rio de 
Janeiro, o Jornal das Senhoras, com o subtítulo Modas, Literatura, Bellas-
Artes, Theatros e Crítica. No decênio seguinte, em 1862, aparece o Bello 
Sexo: Periódico Religioso, de Instrução e Recreio, Noticioso e Crítico 
Moderado redigido por D. Julia de Albuquerque Sandy Aguiar, também no 
Rio de Janeiro. Apesar de manter o tom ponderado de seu antecedente, o 
próprio subtítulo revela que sua aceitabilidade se apoiava em tradições 
religiosas e moderadas, mas apresenta algumas inovações, como a reunião 
semanal de suas colaboradoras e artigos assinados – prática incomum no 
Jornal das Senhoras –, acenando para a maior tolerância da escrita feminina 
(NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2007, p 431). 
 
No entanto, no Brasil, assim como na Inglaterra, o feminismo se manifestou 
publicamente por meio da luta pelo voto. Inicialmente o feminismo no Brasil aparece 
representado por duas correntes: a primeira, liderada por Bertha Lutz, compreendia o 
movimento das mulheres que se uniram de forma política, lutando por seus direitos e 
afirmações dos mesmos, para participarem ativamente da cidadania, este foi 
considerado uma tendência “bem comportada” do feminismo, por se tratar de um 
movimento de caráter conservador que não questionava a opressão da mulher 
 
Esse viés do feminismo era considerado a área conservadora do movimento, 
visto que não abordava a temática da repressão sobre a mulher, lutando por 
direitos somente porque a sociedade seria mais igualitária e se desenvolveria 
de forma satisfatória. (PINTO, 2003, p. 378). 
 
Segundo Pinto (2010), Bertha Lutz, bióloga e cientista, após estudar no exterior, 
retornou ao Brasil na década de 1910, liderando a luta pelo voto. Foi um importante 
nome do feminismo no Brasil, sendo uma das fundadoras da Federação Brasileira 
pelo Progresso Feminino, que fazia campanha pública pelo voto feminino, direito este 
que foi conquistado em 1932 após Getúlio Vargas assinar uma prerrogativa que 
garantia essa concessão. A partir disso, o voto feminino era visto como facultativo, ou 
seja, não obrigatório, e somente com a Constituição de 1934 promulgada é que o voto 
feminino se tornou, então, um dever. Foi na primeira corrente do feminismo que houve 
as reivindicações a respeito da igualdade jurídica, do direito ao voto, do acesso à 
instrução e profissões, além de ser o momento em que as mulheres começaram a se 
opor aos chamados casamentos arranjados, não aceitando mais serem vistas como 
propriedade de seus maridos. 
A segunda corrente do feminismo, considerado como feminismo 
28 
malcomportado”, reunia intelectuais, líderes, operárias entre outras, que, além dos 
direitos políticos, defendiam o direito à educação e abordavam temas considerados 
tabus, sendo então um movimento mais rebelde das mulheres, perante a forma como 
começaram a conversar com a sociedade, através das atitudes que podiam ter em 
conjunto, como por exemplo discussões sobre igualdade e sexualidade. Cabe 
ressaltar, dentro da segunda corrente, o movimento das operárias de ideologia 
anarquista, reunidas na “União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas”, que 
em 1917 proclamam sobre a situação das mulheres nas fábricas e oficinas que eram 
constantemente rebaixadas (PINTO, 2003). Nesta corrente havia ainda uma vertente 
considerada “o menos comportado dos feminismos”, manifesto compreendendo assim 
que as participantes desse movimento eram mulheres extremistas, por muitas vezes 
anarquistas e comunistas, sendo Maria Lacerda de Moura considerada comandante 
dessa vertente. 
O feminismo inicial no Brasil perdeu força a partir da década de 1930, assim 
como na Inglaterra e Estados Unidos. O golpe de 1937 e a instauração do Estado 
novo foi um momento em que, ainda que houvesse importantes momentos de 
participação feminina, como ,por exemplo, o movimento contra a alta do custo de vida 
em 1950, houve um regresso no movimento feminista que se estendeu até as 
primeiras manifestações nos anos 1970 (OTTO, 2004).Ainda que nos primeiros anos 
da década de 1960 o Brasil seguisse as manifestações socioculturais, principalmente 
pela revolução da música através da Bossa Nova. Não obstante, em 1964 aconteceu 
o golpe militar, inicialmente moderado, pois nos quatro primeiros anos da ditadura as 
medidas repressivas do regime autoritário não possibilitavam uma distinção clara 
entre o que era proibido ou permitido. Com o fortalecimento das organizações e 
movimentos populares em oposição ao regime, o governo militar instaurou uma 
atmosfera de medo, silêncio e repressão em 1968, com a promulgação do Ato 
Institucional n. 5 (AI-5), que transformava o Presidente da República em ditador 
(PINTO, 2010). Em contraposição à Europa e aos Estados Unidos, que mantinham 
um cenário propício para o surgimento de movimentos libertários, o Brasil vivia um 
momento “de repressão total da luta política legal, obrigando os grupos de esquerda 
a irem para a clandestinidade e partirem para a guerrilha” (PINTO, 2010, p.16). 
Entretanto, foi nesse ambiente de repressão que aconteceram as primeiras 
manifestações feministas no Brasil, na década de 1970, ainda que “o regime militar 
[visse] com grande desconfiança qualquer manifestação de feministas, por entendê-
29 
las como política e moralmente perigosas” (PINTO, 2010, p.16-17). 
No período da ditadura, o movimento feminista volta às discussões no Brasil; 
porém, devido à repressão social que o país estava sofrendo, tanto no governo como 
nas ruas, essa era uma época delicada para discutir a liberdade da mulher. Ainda 
assim, acompanhando os movimentos que ocorriam na América Latina, e tirando por 
base as ocorrências da evolução do movimento feminista não só no Brasil, a luta pode 
ser vista como mais intensa, frente à soberania militar. Nesse contexto, 
 
(...) além de buscar direitos e igualdade, o que se buscava também era o fim 
do pior tipo de desigualdade, a falta de alimentos. É preciso entender que 
nesse momento além de direitos, as mulheres precisavam se preocupar com 
a carestia, a saúde, manter sua liberdade, etc (PINTO, 2003, p. 379). 
 
O movimento das mulheres nesse período lutava também contra o regime 
autoritário que a ditadura impunha. Entende-se assim, pois, com a ausência de 
democracia que havia no Brasil, o que não era a realidade de outros países, as 
brasileiras deveriam então encarar a realidade de lidar com um sistema repressor e 
extremista. 
O avanço do feminismo internacional e as mudanças na situação da mulher no 
país na década de 60 contribuiu para a eclosão do feminismo brasileiro nos anos 70, 
que surge como consequência da resistência das mulheres à ditadura militar. Essa 
participação feminina, além de modificar a ordem política vigente, representou uma 
transgressão feminina, o que foi relativamente aceito na época. Assim, as mulheres 
negavam o lugar tradicionalmente “atribuído à mulher ao assumirem um 
comportamento sexual que punha em questão a virgindade e a instituição do 
casamento,‘comportando-se como homens’, pegando em armas e tendo êxito neste 
comportamento” (SARTI, 1998, p.3). 
Ainda nesse cenário de repressão vivido durante os anos de ditadura militar, 
“as ideias que inspiravam o movimento de reconstrução sociopolítico do país tiveram 
que encontrar novas formas de existência” (GIANORDOLI-NASCIMENTO, 2013, 
p.31). Assim, a oposição ao regime militar era realizada por meio da militância política 
e por diversos setores da sociedade, reagindo às tentativas de silenciamento e 
buscando reestabelecer a possibilidade de expressão. Diante disto, “o cenário cultural 
foi atingido por um intenso movimento de renovação que alcançou os meios de difusão 
cultural, da música popular ao cinema novo, passando também pelo teatro e pela 
30 
literatura” (GIANORDOLI-NASCIMENTO, 2013, p.31). Tal renovação possibilitou 
maior espaço para a trajetória de mulheres na militância política por meio da cultura, 
rompendo com os códigos e valores sociais da época. 
Nesse contexto cultural, a dança também entra como uma importante forma de 
manifestação cultural presente na cultura popular brasileira. Em especial, no âmbito 
do empoderamento feminino, a dança é vista como forma de expressão de resistência 
e autoafirmação, a partir do movimento do corpo. Partindo disso, a dança não é 
somente um processo de criação, mas também um processo de representação do 
poder feminino. 
 
O corpo que dança não tem problemas com a condenação ao erótico, ao 
drama, ao sexual, que pode transgredir discursos sobre formas ideais, 
adequadas, encerradas em papéis prédeterminados. O corpo é, antes de 
qualquer contenção, prova de liberdade e de fruição. O corpo que dança 
rematerializa, recorrentemente, aquela sua parte capturada pelas amarras da 
tradição. (SILVA, MARIN, 2017 p. 172). 
 
O movimento de mulheres no Brasil também teve a participação da Igreja 
Católica, uma vez que as organizações femininas de bairro ganharam força como 
parte do trabalho pastoral inspirado na Teologia da Libertação (SARTI, 1998). Os 
grupos feministas politizados estiveram nos enfrentamentos com a Igreja na busca de 
hegemonia nos grupos populares. Embora se tratasse de uma aliança entre o 
feminismo e a Igreja Católica contra a corrente do regime autoritário, assuntos que 
poderiam gerar atritos eram evitados. “A atuação da Igreja, no que se refere à 
perspectiva feminista, sempre teve limites claros, prevalecendo a rigidez de princípios 
morais, ainda que a atuação cotidiana nas comunidades de base pudesse comportar 
alguma flexibilidade” (SARTI, 1998, p.5). 
À experiência de resistência das mulheres à ditadura somaram-se as 
mudanças vividas pelo país, como a expansão do mercado de trabalho e do sistema 
educacional, e, ainda que de forma excludente, proporcionaram novas oportunidades 
para as mulheres, pois 
 
Este processo de modernização, acompanhado da efervescência cultural de 
1968, de novos comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao acesso 
à métodos anticoncepcionais e ao recurso às terapias psicológicas e à 
psicanálise, impactou o mundo privado. Novas experiências cotidianas 
entraram em conflito com o padrão tradicional de valores nas relações 
familiares, sobretudo por seu caráter autoritário e patriarcal. Nessas 
circunstâncias, o Ano Internacional da Mulher, 1975, oficialmente declarado 
pela ONU, propicia o cenário para [retomada] do movimento feminista no 
Brasil, ainda fortemente marcado pela luta política contra o regime militar 
31 
(SARTI,1998 p 4-5). 
 
Em 1975, ainda que a ditadura se mantivesse, o movimento feminista ganha 
força, pois, com o reconhecimento oficial da ONU acerca da questão da mulher como 
um problema social, retira-se o movimento que até então atuava na clandestinidade, 
“abrindo espaço para a formação de grupos políticos de mulheres que passaram a 
existir abertamente, como o Brasil Mulher, Nós Mulheres, o Movimento Feminino pela 
Anistia, citando apenas os de São Paulo” (SARTI,1998, p 5). As mulheres aparecem 
então atuando contra o conservadorismo, na luta por direitos e abordando em estudos 
temas, como sexualidade, homossexualismo, violência sexual e doméstica, aborto, 
igualdade de gênero e o lugar social da mulher, dando ao movimento força política, 
além de força social. 
 
Com o advento da redemocratização, muitas mulheres acabam segregadas 
por partidos políticos, essa nova onda leva as feministas a criarem laços 
partidários, principalmente com o Partido do Movimento Democrático 
Brasileiro (PMDB) que estava se formando (PINTO, 2003, p. 381). 
 
Nesse período democrático, surgiu o que podemos chamar de feminismo 
acadêmico, que foi apoiado pelo Departamento de Pesquisas da Fundação Carlos 
Chagas. Foi então a partir daí que o movimento feminista começou a ganhar forças 
no Brasil, debatendo questões, como desigualdade de gênero, e se consolidando a 
prática das políticas públicas em prol da mulher. Nesse progresso, segundo Pinto 
(2010) em 1984, surge o Conselho Nacional da Condição da Mulher, que conquista a 
inclusão dos direitos da mulher na Carta Constitucional. Em 1988 a promulgação da 
nova Constituição Federal permite a criação de espaços, como as Delegacias da 
Defesa da Mulher, o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres e a destituição do 
pátrio poder. Já na década de 1990 a principal luta do movimento feminista foi contra 
a violência doméstica, ganhando força, quando em 2006 a Lei Maria da Penha foi 
criada com o objetivo de estipular punição adequada e cessar atos de violência 
doméstica contra a mulher. 
A história do feminismo no Brasil, segundo Carneiro (2003), é uma das mais 
respeitadas e referenciadas mundialmente, além de ser um dos movimentos sociais 
de melhor performance dentro do Brasil. Muitas são as contribuições que o movimento 
trouxe ao longo dos anos de luta, dentre eles, podemos destacar as contribuições no 
processo de democratização do Estado, as inovações nas políticas públicas na 
promoção de igualdade de gênero, a luta ao combate à discriminação contra as 
32 
mulheres, a luta contra a violência doméstica e sexual, a conquista de autonomia 
sobre o próprio corpo, a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos, a conquista e 
participação ativa do seu direito à cidadania. 
 
Sua participação nas últimas seis décadas tem sido um dos fatos mais 
marcantes ocorridos na sociedade brasileira: Entre os brasileiros que 
trabalham, as mulheres são quase a metade, e são responsáveis pelo 
sustento de aproximadamente 33% das famílias no Brasil. Tudo isso 
conseguido inicialmente quando nos fins dos anos 60 foi franqueado a elas o 
ensino popular. A chefia da família feita por mulheres também foi uma 
conquista. Ela se deu desde muito cedo, normalmente quando elas 
passavam por dificuldades econômicas por terem sido abandonadas. 
Quebrando então com a ideia da medicina social que dizia que as 
características femininas eram a fragilidade, o recato, o predomínio do afeto 
sobre o intelectual, a subordinação da sexualidade e a vocação maternal 
(SANTOS; SACRAMENTO, 2011 p.7). 
 
Atualmente, o universo feminino não se restringe somente à esfera doméstica; 
ainda que seja necessária sua expansão, hoje a mulher ocupa lugares que lhe foram 
negados por muitos anos, “a mulher atual passou a conduzir suas ações e se 
tornou multifuncional, bem resolvida, tendo em primeiro lugar sua liberdade e 
uma melhor condição de vida,” (SANTOS, SACRAMENTO, 2011 p.6). Entretanto, 
apesar das conquistas obtidas por meio do movimento feminista ocorrido no Brasil e 
no mundo no decorrer de décadas, ainda vivemos em uma sociedade patriarcal, 
marcada pelo preconceito e machismo, provocando desigualdades sociais entre 
homens e mulheres. Ou seja, mesmo que muitos tenham sido os avanços do 
movimento feminista nas últimas décadas em prol dos direitos e liberdade para as 
mulheres, a desigualdade de gênero ainda é uma marca da sociedadeBrasileira, pois 
mulheres são discriminadas profissionalmente: o gênero feminino ainda possui 
salários inferiores aos de pessoas do gênero masculino exercendo a mesma função; 
ainda prevalecem hierarquias familiares onde mulheres são subordinadas a um ente 
de gênero masculino. Outro problema enfrentado diz respeito à taxa de feminicídio que 
cresce a cada ano. Em suma, 
 
As mulheres foram e continuam sendo objetos de opressão em todas as 
partes do mundo. Como vemos ao longo da história, são suprimidas do prazer 
sexual, da exibição do rosto, são escravizadas e prostituídas etc. No entanto, 
as mulheres conquistam cada vez mais seu lugar numa sociedade de forte 
resistência aos novos conceitos de gênero, protagonizando diversas causas 
femininas, reivindicando e discutindo questões que abordam esses conceitos 
(ALVES; ALVES, 2013, p.117). 
 
33 
As mulheres continuam na luta contra a opressão e sua exploração, que se 
confirma pela ordem patriarcal e capitalista; e diante disso, cabe não cometermos os 
equívocos em pensar o movimento feminista enquanto um movimento singular, mas 
enquanto um movimento plural, diga-se feminismos, dado que este apresenta 
interseções em relação à classe e raça, e deve “ser refletido como um 
posicionamento, um modo de agir político, e nesse sentido deve ser pensado no 
plural, para garantir a incorporação das diferenças nas relações de poder, vivenciadas 
entre mulheres que guardam interesses diversos e até contraditórios” 
(FOUGEYROLLAS-SCHWEBE et. al, 2005, p. 830). Portanto, ainda hoje o movimento 
feminista busca a conquista do que foi negado a mulheres por séculos, que inclui ter 
o poder de escolha para exercerem sua vocação, seja enquanto profissional, mãe, 
dona-de-casa ou mesmo em todas as funções simultaneamente. 
34 
3. PSICANÁLISE, MÚSICA E SOCIEDADE 
A datar da Pré-História a arte está atrelada aos seres-humanos por meio de 
pinturas rupestres, esculturas, estatuetas etc., em que a humanidade registra sua 
história cotidiana e rituais; com o decorrer da história da humanidade, as artes foram 
sendo aprimoradas e utilizadas como forma de expressão através das artes plásticas, 
sonora, literária, dramática e corporal, tornando-se, assim, um caminho para a 
transformação subjetiva, intersubjetiva e social. 
Desde o seu nascimento, a psicanálise mantém uma aproximada ligação com 
o campo artístico. Segundo Tavares (2014), por meio das artes foi possível encontrar 
as mais variadas possibilidades da expressão humana, e dessa forma, se tornando 
passíveis de análise pela ótica psicanalítica, “podendo por fim compreendê-las como 
resultantes de processos de subjetivação característicos daqueles que empreendem 
os processos criativos de tais obras” (TAVARES, 2014, p.12). 
Freud, ao longo das suas obras, além das evidências clínicas, utilizou em seus 
estudos 
 
conteúdos culturais forjados e expressos pela literatura, mitologia, contos 
populares, contos de fadas etc., visto serem tão frequentemente encontrados 
em sua obra menções e citações de Goethe, Dostoievski, Proust, Thomas 
Mann, E. Allan Poe, entre tantos outros escritores. Da mesma forma, 
desenvolveu análises de obras provindas das artes plásticas, como as de 
Michelangelo e Leonardo da Vinci, como em Leonardo da Vinci e uma 
Lembrança de sua infância (FREUD, 1910), de onde metodologicamente se 
fazia possível uma decifração das formações do inconsciente, partindo-se de 
materiais culturais, no intento de rastrear-se aquilo que nos remete ao plano 
individual/particular do sujeito criador. Método privilegiado pela psicanálise – 
o retorno e assento à história individual desvelariam as marcas constitutivas 
do ser de desejo (TAVARES, 2014, p. 12). 
 
Freud utilizou das artes como possível fonte de representações dos variados 
aspectos subjetivos, seja analisando artes plásticas ou analisando os diversos 
significados de determinada palavra em diferentes contextos culturais, expressos por 
artistas, e observou que estas expressavam manifestações inconscientes e 
considerando-as uma forma de comunicação simbólica que apresenta uma função 
catártica 
o desenvolvimento das ideias psicanalíticas e todo o impacto por elas 
produzido, fez-se paulatinamente que todo o cenário cultural do séc. XX 
sofresse sua impressão, de modo que, a partir de então, as mais diferentes 
manifestações artísticas já traziam em si as influências das descobertas 
freudianas (TAVARES, 2014, P. 12). 
35 
 
Freud chegou a considerar sendo da mesma natureza os fazeres da ciência, 
das artes, da filosofia e da religião, em relação ao sentido sublimatório atribuído a 
essas atividades criativas. O próprio saber teórico da Psicanálise, segundo Tavares 
(2014), se relaciona ao campo das artes, uma vez que seu saber-fazer enquanto 
práxis se aproxima muito aos processos criativos. A prática psicanalítica, como 
atividade de reconstrução das lacunas psíquicas dos indivíduos através da 
simbolização necessita de certa dose de criatividade do analisando, ou seja, o 
processo analítico pressupõe como condição para sua possibilidade, uma 
potencialidade criativa inerente ao sujeito falante constituído que é pelo universo 
simbólico. “A espontaneidade discursiva foi eleita por Freud como a via régia e 
condição primeira para a possibilidade de acesso ao inconsciente” (TAVARES, 2014, 
p13). 
O método psicanalítico inaugura o “acesso aos conteúdos recalcados do 
sujeito, os quais contêm em si as razões de ser que a própria razão desconhece” 
(TAVARES, 2014, p.13). A Psicanálise encontra por meio da associação livre, sendo 
esta dependente da espontaneidade e criatividade do sujeito, a possibilidade de 
produção de um saber sobre aquilo que escapa ao próprio sujeito, buscando mais que 
uma remoção dos sintomas, mas também sendo uma aposta em novas possibilidades 
de subjetivação por parte do sujeito. Portanto, o método psicanalítico em si é uma 
proposta que demanda um processo criativo por parte do sujeito, este que é 
constituído através do universo simbólico, uma vez que o processo interpretativo 
depende “do movimento da cadeia significante (associação livre), no qual o sujeito 
dividido assume a tarefa de uma produção de sentido” (TAVARES, 2014, p 14). Assim, 
a Psicanálise se aproxima da arte como forma de apreensão e representação do 
mundo em que o sujeito está inserido. 
No âmbito das produções artísticas, estas são compreendidas como produtos 
derivados de um processo criativo, subjetivo e intersubjetivo de quem as executa, e 
que podem ser consideradas como uma favorecida via de acesso ao inconsciente, 
uma vez que escapam mais da censura do que a palavra e podem ser lidas através 
do conceito formulado por Freud citado por Tavares (2014): Sublimação. 
Sublimação trata-se de uma palavra que remete a dois discursos teóricos 
importantes no século XIX, sendo o primeiro constituído na alquimia durante a Idade 
36 
Média, onde a sublimação se associa à passagem direta de uma substância do estado 
sólido para o estado gasoso; o segundo formulou-se no século XVIII e seus campos 
teóricos de referência são a estética e a teoria da literatura. Segundo Birman (2008) 
a palavra sublimação foi previamente citada em uma correspondência de Freud a 
Fliess, quando ele afirma que o abjeto e o sublime teriam a mesma origem psíquica, 
opondo-se à representação presente nos discursos filosófico e do senso comum, que 
os consideravam opostos. Então, a partir disso, o discurso freudiano inscreve esse 
conceito nos registros do pulsional e do sexual. “É nessa perspectiva que Freud 
retoma tal oposição entre o belo e o sublime na psicanálise. Enquanto a sublimação 
é o processo psíquico pelo qual o sexual abjeto se transforma no sublime” (BIRMAN, 
2008, p. 19). 
No entanto, a palavra Sublimação enquanto conceito da teoria psicanalítica se 
concebe apenas em “A moral sexual civilizada” (1908), quando Freud apresenta o 
conceito comoalgo que, ao mesmo tempo em que se inscreve no registro da pulsão 
sexual, se contrapõe a ela no campo da cultura (BIRMAN, 2008). Este tão crucial e 
controverso conceito sofreu modificações ao longo das obras freudianas e diz sobre 
as possibilidades criativas do sujeito. De acordo com Metzger (2008), inicialmente a 
sublimação foi interpretada como uma defesa histérica e posteriormente como a 
dessexualização, ou seja, uma inibição dos fins sexuais, sendo este processo um dos 
pilares da civilização. Tavares (2014) cita que tal conceito se manteve apresentado 
por Freud como um dos possíveis destinos da pulsão 
 
Isso implica que nesse processo estaria envolvida uma mudança de meta, de 
objeto, como caminho para a pulsão, ao contrário de seu pensamento inicial 
que versava sobre uma dessexualização das pulsões sublimadas. Como 
destino possível, a sublimação seria um processo em que as intensidades 
pulsionais poderiam encontrar satisfação e representação, não sendo 
represadas pelo mecanismo do recalque (TAVARES, 2014, p 15). 
 
O conceito de sublimação, segundo Nasio (1995), perpassa diferentes 
elaborações conceituais, como a teoria metapsicológica da pulsão e a teoria dinâmica 
dos mecanismos de defesa do eu. Diante disso, para compreensão do processo 
sublimatório se faz necessário relacionar os conceitos “pulsão de morte” e 
“sublimação”. Tavares (2014), com base nos postulados de Freud e Lacan, cita que a 
pulsão de morte seria aquela não passível de representação e suas manifestações se 
dão, entre outras coisas, por meio da compulsão à repetição ou do automatismo 
37 
repetitivo, por meio do gozo correspondente daquele real impossível de ser escrito. 
Assim sendo, 
 
A sublimação é o conceito psicanalítico de maior alcance ético justamente 
porque permite o enfrentamento do problema, aparentemente incontornável, 
da relação do sujeito com a pulsão de morte. A pulsão de morte, pulsão “por 
excelência”, produz efeitos destrutivos e desorganizadores porque resiste a 
ser inteiramente dominada pelas pulsões sexuais, pulsões de vida, 
articuladas ao significante. Ou seja: articuladas aos outros e à cultura. As 
pulsões de vida apontam sempre para onde estão os outros, “dentro” ou fora 
do psiquismo; e no mundo humano, onde os outros estão (ainda que na 
fantasia), estão os significantes que os representam. (KEHL, 2002 apud 
TAVARES, 2014, p. 43). 
 
A Sublimação se relaciona então à plasticidade da força pulsional, ao mesmo 
tempo que, ao nos referirmos à capacidade plástica da pulsão, não significa 
possibilidade de toda sublimação (SIMÕES, 2007). A simbolização de conteúdos 
psíquicos, segundo Tavares (2014), é sempre da ordem de uma produção de sentido. 
A atividade artística é um exemplo das diversas maneiras de criar sentido e fecundar 
um exercício infinito de tentativa de simbolização do real (TAVARES, 2014). Desta 
forma, na impossibilidade de a pulsão de morte ser expressa pelo meio discursivo, o 
processo sublimatório aparece como uma possibilidade, mesmo que parcial, de saída 
“de condições de mal-estar ou como destino dos excessos das intensidades 
pulsionais” (TAVARES, 2014, p 16). Logo, o artista transmite sua própria linguagem 
do inconsciente em forma de cultura, visto que 
 
Sublimar é encontrar satisfação para a pulsão em outro lugar que não o do 
sintoma, que não o do retorno do recalcado, que não o da contínua 
substituição significante. É um certo tipo de realização movida por um desejo 
que não visa manifestamente a uma satisfação sexual, tais como a criação 
artística, a investigação intelectual, atividades humanitárias e culturais que 
são muito valorizadas pela sociedade (SIMÕES, 2007, p?). 
 
O fazer sublimatório é um destino possível das pulsões e, por meio da criação 
artística, pode-se constituir destinos possíveis para as forças pulsionais e inscrever a 
pulsão no registro da simbolização, de forma que a sociedade aceite e lhe conceda 
valor (TAVARES, 2014). As manifestações artísticas se apresentam das mais 
variadas maneiras, uma vez que a arte é um reflexo da sociedade e permite que 
artistas expressem suas ideias, opiniões, sentimentos e vivências, explicitamente ou 
por entrelinhas. Dessa forma, o homem ao longo da sua evolução realizou as mais 
variadas manifestações artísticas. Dentre essas maneiras de expressão 
38 
destacaremos a música, tomando como base a hipótese de que 
 
a criação musical estaria amparada nessa ruptura, permitindo novos 
investimentos, ou “outra forma de gozar”, trazendo a sublimação como 
suporte desse ato de criação, que poderia ser submetido até ao critério do 
sentimento oceânico (...), sem qualquer ligação místico-religiosa (BERTELLI, 
2012, p 64). 
 
A música é um modo de expressão, de estruturação do psiquismo e possibilita 
mudanças no meio social; de acordo com Sandler citado por Duarte (2017), a música 
é um modo de dizer o que não pode se dizer e ouvir o que é inaudível. No entanto, 
desde o nascimento da psicanálise, ela foi a arte menos interpretada por seus 
estudiosos. Segundo Lopes (2006), os grandes nomes da psicanálise, como Freud, 
Lacan, Melaine Klein não voltaram seus estudos à música, e poucos foram os 
psicanalistas que aprofundaram sobre esta. Freud, o grande nome da psicanálise, 
apresentou resistência à música e declarou que, o que não poderia reduzir a conceitos 
não o comovia (MARCELA, 2008). Entretanto, segundo Duarte (2017), ainda que 
tivesse a opinião de que havia o perigo, ao se envolver com a música, de perder o 
controle racional, aceitava que a música também oferecia uma via régia para o 
inconsciente. Freud tinha atração pela ópera, teve um encontro psicanalítico e musical 
com Mahler, onde cantarolou junto a ele e ficou admirado com a capacidade 
psicológica de compreensão de um compositor; e ao analisar um de seus sonhos, 
escreveu para Fliess sobre a canção de ninar tcheca que ouviu aos 17 anos e que 
fixou em sua memória. Ainda segundo Duarte (2017), o encontro com Mahler 
possibilitou a Freud lidar melhor com a representação musical e favoreceu uma ponte 
com seu sonho, através do encontro do profissional com seu paciente. 
Além dos grandes nomes da psicanálise, grandes autores da Estética, bem 
como disciplinas de Filosofia da Arte, também não conseguiram explicar a música. 
Portanto, a música, ainda hoje, permanece uma arte profunda e enigmática. Arthur 
Schopenhauer foi o primeiro a considerar a música como algo a mais em sua teoria 
estética, levando em conta seu sistema filosófico e tornando-a o núcleo de sua 
metafísica. “Os que se aventuraram a desbravá-la – Hegel, Schopenhauer, Nietzsche 
– não solucionaram o mistério e abriram mais um problema: a relação entre a música 
e a palavra” (LOPES, 2006, p. 74 – 75). 
Apesar disso, a música é uma das formas de atividade artística que está 
inserida na cultura e nos processos de subjetivação, e está atrelada a todas as etapas 
39 
da vida humana, constituindo-se como uma linguagem possível que permite 
compartilhar o mundo a nossa volta por produções que envolvem sons, palavras, 
silêncios, pausas que produzem ritmos, melodias, gêneros, capazes de contar 
histórias, fazer denúncias, questionar sistemas e promover reflexão social. 
Mas, para darmos continuidade a essa discussão, cabe uma reflexão sobre o 
que é a música, de forma a diferenciar esta do som emitido pelos meios de fontes 
sonoras. As músicas são produções artísticas produzidas e consumidas por pessoas. 
Outro ponto a se ressaltar é que a música tem sido chamada erroneamente de 
“linguagem universal”, sendo esse termo ilusório, pois a música não diz de uma 
linguagem universal, pois está enraizada nas culturas de sociedades de forma 
específica, tal como a comida, a roupa e a linguagem (SEEGER, 2008). Portanto, 
falamos da música enquanto produção artística que se relaciona ao contexto em que 
o artista está inserido. De uma maneira geral, a música pode ser definida como “umsistema de comunicação que envolve sons estruturados produzidos por membros de 
uma comunidade que se comunicam com outros membros” (SEEGER, 2008, p. 239). 
Há indícios de que desde a pré-história já se produzia música, possivelmente 
por consequência da observação dos sons da natureza. Ao longo da história da 
humanidade o homem foi aprimorando sua capacidade musical e criando 
instrumentos musicais. No ocidente, a música, como a conhecemos hoje, está 
atrelada à cultura desde o Período Renascentista (1450-1600), onde quase não 
existiam orquestras, mas apenas instrumentos isolados. A partir desta época começou 
a surgir interesse entre os compositores em escrever música não religiosa, ainda que 
as grandes produções musicais deste período estivessem ligadas à Igreja Católica. 
Durante o Período Barroco (1600-1750) começam a se formar as primeiras 
orquestras, que dariam origem à Orquestra Sinfônica. Durante este período o estilo 
musical apresentava ritmos enérgicos, melodias ornamentadas, alternância entre 
sons fortes e fracos e contraste em instrumentos de timbres diferentes. No Período 
Clássico (1750-1810) novos instrumentos foram inseridos nas orquestras, tornando-
as maiores. A música deixa de ser tão complicada quanto à barroca, realçando a graça 
e a beleza das melodias, de modo a se apresentar mais elegante e distinta. No 
Período Romântico (1810-1900) a Orquestra Sinfônica atinge seu ápice, em 
quantidade e tipos de instrumentos. Os compositores deste período buscavam romper 
com a música da era clássica, considerada por eles como ultrapassada, promovendo 
40 
maior expressividade das emoções. Ainda nesse período, houve preocupação em 
consolidar a Música Nacional, que valorizasse a história dos países. No Período 
Moderno (1900 em diante) introduziram-se nas orquestras a música eletro-acústica e 
sintetizadores. Esse período é dividido em várias subdivisões, tais como Neoclássico, 
Contemporâneo e Vanguarda (PALISCA, 2007). 
Ainda considerando aspectos conceituais, Tavares (2014) expõe que as 
definições do senso comum sobre a música colocam-na esta como o produto final de 
um trabalho artístico com sonoridade agradável ao ouvinte, sem considerar o 
processo criativo envolvido até esta produção final. Assim, se faz necessário trabalhar 
com a noção de musicalidade para uma compreensão ampla da produção musical. 
O termo musicalidade nos ajuda a compreender as variadas definições do que 
é a música, devido ao fato de que abrange de forma mais ampla os significantes de 
representação da música, indo além dos significados do senso comum. 
 
o termo musicalidade nos parece mais propício a vislumbrarmos o que seria 
uma possibilidade expressiva de musicar o mundo e o existir. A musicalidade 
seria entendida para nossos propósitos como um processo, um devir, que, 
independente de formação musical, parece habitar o ser humano como uma 
exigência à expressão (TAVARES, 2014, p.17). 
 
O homem está ligado à arte musical desde o processo de seu nascimento. Isso 
acontece, pois a musicalidade está ligada ao processo de subjetivação do ser 
humano; ou seja, quando contemplamos a arte e a música, estamos suscetíveis a 
experimentar diversas sensações de diferentes formas. Os chamados melômanos, 
que são os amantes da música, as pessoas que têm “mania musical”, experimentam 
um gozo a partir da escuta musical, de forma qualitativamente diferente dos que têm 
uma audição superficial; porém, ambos são afetados pela produção de subjetivação 
a partir da escuta da música, e nisso está o processo de musicalidade. Assim, “a 
música abriga uma dimensão enigmática, no que se refere ao modo como toca os 
sujeitos, especialmente pelo fato de seu registro (sonoro-musical) apresentar-se como 
aquilo que está aquém e além das palavras” (TAVARES, 2014, p.18). 
Dentro da musicalidade, podemos refletir sobre o conceito de Pulsão Invocante, 
que, para a psicanálise, é o que nos faz compreender a sonoridade presente no 
psiquismo a partir de um registro primitivo. Ou seja, a voz, como objeto primário de 
contato da criança com o mundo, proporciona uma inscrição sonora dando vida à 
pulsão invocante. 
41 
 
A fala materna forja uma inscrição sonora no psiquismo e, a partir de então, 
a pulsão invocante passa a ser aquela força que conduz o sujeito em direção 
ao que TAVARES chama de “ponto azul”, inspirado no conceito de “nota azul” 
batizada por Delacroix em carta dirigida à Chopin. A nota azul ou “blue note”, 
como conhecida no sistema de composição dos músicos de blues, seria 
aquela nota musical que transcende as expectativas temporais e previsíveis, 
ou, como poderíamos compreender em termos psicanalíticos, seria a nota 
que resgata o sujeito de sua clivagem simbólica, lançando-o novamente ao 
tempo anistórico antecedente ao recalque originário (TAVARES, 2014, p.18). 
 
 A musicalidade, segundo Tavares (2014), está diretamente ligada à 
composição de subjetividade a partir da melodia da fala materna. É a partir da voz 
materna que a pulsão invocante se torna marca mnêmica da produção de sonoridade 
melódica. Ou seja, a voz materna é internalizada pela criança e se torna um primeiro 
referencial de sonoridade musicante. Isso explica como o ser humano se atrai pela 
musicalidade, já que se encontra inserido nesse processo, e tendo a subjetividade 
estruturada desde essa fase primária do seu desenvolvimento. 
 A ligação do ser humano com esses fatores primitivos do que pode ser 
chamado de existência da sonoridade, e posteriormente musicalidade, leva o sujeito 
a ir além do simbólico, dado que na música, assim como na nota azul e no blues, 
acontece a transcendência temporal. Isso explica que a pulsão invocante presente 
na musicalidade e que estrutura a subjetividade se encontra em um tempo 
considerado anterior ao que é a clivagem simbólica, a partir, primeiramente, do 
contato com a voz materna, o que torna o sujeito um ser que é também um “sujeito 
musical” (TAVARES, 2014). 
Considerando isso, a psicanálise é uma linha de pensamento com métodos 
aplicáveis que pode cooperar no auxílio do entendimento da produção de 
subjetividades, dentro da arte e da música. As novas formas de vivências sociais e os 
novos modelos de configurações determinam novas formas de vivenciar a arte e a 
música, e novas possibilidades de formação de laço entre os sujeitos. Ou seja, dessa 
forma, ocorre também uma mudança nas relações dos sujeitos entre si. Segundo 
(TAVARES 2014), existem a partir daí novos modos de construção subjetiva no que 
se refere à coletividade e às trocas intersubjetivas. 
 
Neste sentido, não seria a música (a despeito de outras qualidades e 
finalidades) uma forma privilegiada de invocação do outro, na medida em que 
esta é capaz de transformar os espaços (contextos culturais, espaços 
virtuais, espaços internos, psíquicos, físicos, acústicos etc.) em lugares 
deflagradores de encontros? Em suma, não seriam também as invocações 
musicantes propícias a reinventar o chamamento do próprio laço social entre 
42 
os sujeitos no registro da cultura? (TAVARES, 2014, p.147). 
 
A música como instrumento que atua sobre a produção da subjetividade, 
segundo a psicanálise, tem uma importante função social não só de forma individual 
para compor e alterar crenças e pensamentos dos sujeitos, mas também de forma 
grupal e social. O que para (TAVARES 2014) é chamado de ressonância 
metapsicologia no tecido cultural e no enlace social significa então a interferência e 
influência da música nesses dois universos. 
O músico também atua como participante dessas interferências e atuações da 
música no grupo e no sujeito; porém, a relação entre músico e ouvinte é, segundo 
Tavares (2014), uma relação onde o músico é sujeito invocante, e o ouvinte o sujeito 
invocado, sendo que, para que o sujeito seja passível de ser invocado dentro dessa 
realidade, é necessário que o mesmo reconheça que isso está ocorrendo.Desta maneira, em especial na invocação musicante, o outro é aturdido, 
contagiado e então elevado à condição de próximo, de onde, a partir desta 
função, poderá (à sua maneira: processos de subjetivação desencadeados) 
prestar sentidos e sanções às mensagens cifradas da linguagem musical pela 
via do laço social entre músico e ouvinte. (TAVARES, 2014, p.153). 
 
Seguindo a lógica desse conceito psicanalítico, só é possível conceber a 
existência do outro quando compreendemos que estamos nos relacionando e sendo 
também enxergados por ele. É na medida em que o outro me enxerga que o sujeito 
consegue entender que está se relacionando. Assim, a música como instrumento de 
objetificação e alteração cultural é vista como a caracterização de uma forma de 
linguagem, expressada a partir de instrumentos musicais e poesias, além de todo o 
conjunto que vai dizer sobre variados estilos de produção sonora, ou seja, a música é 
em si uma invenção humana. 
 
É também razoável considerar que tanto o melômano (em especial) quanto 
àquele que desfruta singelamente do prazer da escuta musical 
experimentam, pela via da fruição estético-musical, atravessamentos páticos 
significativos deflagradores de sentidos possíveis, frutos da dimensão 
invocante inerente aos contágios musicantes. (TAVARES, 2014, p.154). 
 
 Passível de vivenciar todas essas influências, é na música que o sujeito 
experimenta o deleite musical (TAVARES, 2014), que influencia diretamente no que 
é do âmbito relacional social, e na transformação da cultura, além de ter sua 
subjetividade construída e também alterada. Dessa forma, como o sujeito é 
influenciado pela música que consome, pode vir a ampliar sua bagagem simbólica de 
43 
acordo com o que as mensagens que ouve e com as quais se conecta ao ouvir a 
melodia. 
 Entretanto, a função social da música vai além dessas reflexões. Como forma 
de expressão emocional, a música pode ser condutora do que, segundo Merriam 
citado por Hummes (2004), diz ser a função de expressão emocional, que vai 
proporcionar não só a expressão dos sentimentos e ideias, mas também das 
revelações através da fala. É dessa forma, que surgem oportunidades do sujeito se 
descarregar emocionalmente pela música, alcançando muitas vezes até mesmo uma 
sensação de alívio ou solucionando conflitos internos. Acontece uma forma de 
desabamento ou desabafo do sujeito através da música, e isso surge, tanto na visão 
do músico quanto na visão do sujeito que a consome. Dessa forma, a música permite 
que ambos os sujeitos participantes ampliem, sintam e externem uma variedade do 
que pode ser visto como suas expressões a partir de emoções. 
 Há também, através da música, o que podemos considerar a função que 
proporciona divertimento, de entretenimento. Dessa forma, é destacado que nas 
sociedades, entre os sujeitos, a música impulsiona o prazer a quem toca instrumentos 
e a quem ouve. Além disso, cantar também é considerado uma fonte de divertimento 
e entretenimento. 
 
Necessário esclarecer apenas que a distinção deve ser provavelmente entre 
entretenimento “puro” (tocar ou cantar apenas), o que parece ser uma 
característica da música na sociedade ocidental, e entretenimento combinado 
com outras funções, como, por exemplo, a função de comunicação. 
(MERRIAM apud HUMMES, 2004, p.18). 
 
O prazer estético também se encontra presente na música, na medida em que 
é criada e contemplada. Dessa forma, cada cultura aborda formas diferentes de fazer 
música e de expressar a escuta. Algumas culturas expressam essa forma de consumir 
a música através da escuta, representando-a com danças. Para Merriam citado por 
Hummes (2004, p. 22), “música e estética estão claramente associadas na cultura 
ocidental, tanto quanto nas culturas da Arábia, Índia, China, Japão, Coréia, Indonésia 
e outras tantas”. 
A comunicação a partir da música é também uma forma de função social, 
devido ao fato de que, por meio dela, os sujeitos se comunicam entre si. A partir do 
momento em que a música expressa linguagem que se referencia à cultura em que 
estão inseridos, os sujeitos presentes e participantes dessa cultura entendem a 
mensagem e, assim, com a linguagem que está sendo expressa, conseguem se 
44 
comunicar transmitindo não só emoções, mas também pensamentos através do 
código entendido por eles, participantes dos grupos (HUMMES, 2004). 
No que diz respeito à função da música como representação de simbologia, ou 
representação simbólica, segundo Hummes (2004), nas sociedades, os sujeitos 
encontram na música ideias e comportamentos, e são também os sujeitos que 
proporcionam essas perspectivas, pois são agentes construtores de letras. A música 
emprega, comunica informações, transmite emoções da linguagem, constituindo 
assim a função simbólica de dada cultura que a partir das suas vivências produziram 
e consumiram a música. 
 
Há pouca dúvida de que a música funciona em todas as sociedades como 
símbolo de representação de outras coisas, ideias e comportamentos sempre 
presentes na música. Ela pode cumprir essa função por suas letras, por 
emoções que sugere ou pela fusão dos vários elementos que a compõem 
(MERRIAM apud HUMMES, 2004, p.19). 
 
A reação física a partir da música surge como função social, na medida em que 
gera hesitação, seja em um sujeito ou em um grupo de indivíduos. Isso acontece de 
forma contínua na sociedade, sendo essas reações moldadas a partir da cultura de 
cada sociedade, podendo ter, por exemplo, uma função de excitação de 
comportamento de guerreiros e caçadores. Apesar disso, a reação física como função 
social é questionada, por não poder ser listada de forma essencial como 
necessariamente uma função, “a produção da resposta física da música parece ser 
uma importante função; para Merriam, a questão se esta é uma resposta biológica é 
provavelmente anulada pelo fato de que ela é culturalmente moldada” (HUMMES, 
2004, p.19). 
A música também estabelece uma função social voltada à imposição da 
conformidade às normas. Assim sendo, é possível que uma música carregue uma 
bagagem cultural que contenha advertências a comportamentos e a sujeitos que não 
são desejáveis dentro de determinada norma social. Como exemplo disso podemos 
considerar as músicas que são voltadas a incentivar protestos, chamando a atenção 
para algo que se quer discutir, algo que esteja sendo inconveniente. Segundo Merriam 
citado por Hummes (2004, p. 19), “a obtenção da conformidade com as normas sociais 
é uma das principais funções da música”. 
É importante salientar que, atualmente, a tecnologia tem proporcionado que o 
acesso à música seja muito fácil e rápido, instantâneo, assim como a internet. E é 
45 
exatamente devido à internet que conseguimos nos conectar uns com os outros, 
compartilhando músicas, além de apenas acessá-las e digeri-las. Assim como a 
informação se propaga rapidamente, a música também chega ao seu público alvo de 
forma ágil e rápida; dessa forma, as pessoas que produzem a música também têm se 
adaptado a esses meios tecnológicos. Com isso, as funções sociais da música 
atualmente estão enquadradas em formas também tecnológicas, atingindo cada vez 
mais sujeitos e sociedades, possibilitando que diversas culturas também se conectem 
através dela. 
 
Certamente essa convivência com as novas tecnologias, com os multimeios 
e com os variados suportes onde a música está presente influenciam a 
educação musical tanto no sentido pedagógico, estético, funcional como no 
de valorização da mesma (HUMMES, 2004, p. 18). 
 
 A função social da música não se volta necessariamente ao que ela foi criada 
e composta para fazer ou atingir, mas se trata de uma possibilidade e forma de ser 
empregada ou utilizada. 
 Em diferentes culturas, o folclore e a tradição, tanto quanto os rituais religiosos, 
são passados de geração a geração por contos, mas também por meio da música.

Outros materiais