Prévia do material em texto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Formação de Professores Departamento de Ciências Humanas Docente: Luís Reznik Discente: Pedro Vitor Rebelo Martins Memória, Cultura Política e Carisma: Lavoura, Ezequiel e Aparecida Panisset na política de São Gonçalo São Gonçalo 2019 Introdução Esta obra busca analisar o processo de formação de lideranças políticas e seu experimento com a vida pública em São Gonçalo a partir de atores sociais de importância local entre os anos 1950 e a primeira década dos anos 2000, tendo como eixo a vida e obra de três mandatários distintos com diferentes estilos de governos que, ao seu modo, consagraram-se como fenômenos de seu próprio tempo. O modo como estas figuras relacionam-se com seus eleitores e a população de modo geral revelam carcterísticas em comum da cultura política e do conceito de carisma desenvolvido por Max Weber para compreendermos a ascensão de suas figuras equanto força política e seu desgaste ao longo do tempo. No primeiro capítulo abordo o conceito Cultura Política desenvolvido no campo da Antropologia por autores como Gabriel Almond e Sidney Verba; Karina Kuchnir; Bárbara Goulart. Também busco aplicar o conceito de Weber acerca do carisma para compreensão de características fundamentais dos governantes estudados. A conexão de nossas personagens com o povo e também com a esfera da política estadual e federal têm destaque para que se possa compreender as articulações que consolidaram estes dirigentes como os prefeitos mais expressivos na História da cidade. O segundo capítulo tem como tema a consolidação política de Joaquim Lavoura a partir de seu primeiro mandato como vereador em 1947 e o aprofundamento em seu primeiro mandato como prefeito a partir de 1955. Esta fase é essencial para a compreensão do fenômeno deniminado como Lavourismo. Fenômeno que dirigiu a cidade por quase três décadas. No terceiro capítulo abordo a São Gonçalo pós Lavoura e sigo a análise com Edson Ezequiel à frente da cidade entre 1989-1992 e 1997-2000; homem letrado, detentor de premiações acadêmicas no exterior e com lastro de popularidade proporcinado por seu alinhamento a Leonel Brizola. Neste aspecto diferencio Ezequiel de Lavoura pelo fato de Ezequiel projetar a partir de uma figura consolidada a nível nacional, enqunto Lavoura, apesar de relacionar-se com as demais esferas políticas, consolida-se a aprtir de dinâmicas locais. Por fim, mas não menos importante avalio Aparecida Panisset, prefeita duas vezes seguidas entre os anos de 2005-2012; figura controversa e ainda muito viva no imaginário popular. Divinizada por uns, desprezada por outros, mas inegavelmente a ex- prefeita mais popular desde Lavoura. Primeira mulher a governar a cidade cuja representação política é majoritariamente masculina, alvo de inúmeros escândalos, e ainda assim a única a se reeleger ao cargo consecutivamente desde a aprovação da Emenda Constitucional proposta pelo Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997. O contexto histórico de cada período é levado em conta para explicar a dinâmica dos votos da cidade. Deste modo, é possível identificar as transformações pelas quais a cidade passa desde seu auge nos tempos de Maanchester Fluminense, passando pleo processo de esvaziamento industrial a partir dos anos 1970 em um processo de precarização da população em paralelo com o crescimento das igrejas neopenecostais e a formação de um eleitorado evangélico na cidade até a retomada do sonho dourado com os rumores do COMPERJ. Esta análise não se propõe a ser panfletária nos marcos da militância como quem faz uma análise de conjuntura mas nem por isso floreio as ilusões da dita imparcialidade. Este é um estudo dos governantes na tentativa de compreender os fenômenos sociais que fizeram destes ex-mandatários atores protagonistas em sua participação e experimento da vida política local. Se estes líderes foram bons ou ruins, não é papel desta obra desferir a sentença. Cabe ao povo, à militância organizada e aos intelectuais orgânicos da política fazer o balanço, e talvez encontrem nesta obra alguma utilidade no futuro. A História não é feita de consensos. Capítulo 1: Os conceitos de Memória, Cultura Política e Carisma Antes de mergulharmos na vida e nos marcos históricos deixados por Lavoura, Ezequiel e Aparecida, pretendo fazer uma análise conceitual e teórica do significado de Carisma, Memória e Cultura Política, as quais utilizo como base do tema tratado nesta obra. O que três figuras tão distintas de diferentes épocas e orientações políticas poderiam ter em comum? Talvez encontremos alguma inspiração na célebre frase atribuída ao líder comunista Joseph Stálin: Líderes vão e vem, mas o povo permanece, apenas o povo é imortal. Ao contextualizar esta frase com o tema aqui desenvolvido, deparamo-nos com um dos mais importantes patrimônios da História que é a própria memória. Falar de memória é navegar por águas imprecisas e por isso a teoria exerce o papel de bússola na busca por legitimidade e verossimilhança dos fatos que, analisados à luz de um bom conceito podem gerar uma síntese confiável e científica. A memória se faz importante nas lacunas em que a falta de fonte documental deixa em certos processos na História recente do país ou de uma localidade como no caso de São Gonçalo em que determinados registros são praticamente impossíveis de se recuperar ou sequer existem. A memória serve de elo entre o fato e a historicidade do mesmo. Já no campo da Cultura Política, o estudo teórico tem como contexto os conflitos com a tradição evolucionista durante a passagem do Século XIX para o XX. Neste período, o foco recai sobre as chamadas “sociedades primitivas”, e seu eixo é a análise de como estas sociedades organizavam-se politicamente em comparação com as “sociedades modernas”. Nessa época e até o início da década de 1920 a maior parte dos estudos antropológicos não tinha a política como tema central de interesse e sequer a antropologia política era pensada ou formalizada como uma área de estudo. O avanço do estrutural-funcionalismo, modelo crítico ao evolucionismo, possibilitou que a política ganhasse espaço próprio e seus estudos não dependessem mais da necessidade da presença do Estado em sua concepção Moderna. Também é importante destacar que a própria definição de “Poder” ganha significativa amplitude, e a abordagem antropológica da política assume que não se pode de definir homogeneidade no interior das sociedades. De fato, este é um conceito bastante complexo embora o nome seja bastante simples. Ele tem por base dois pressupostos na visão da antropóloga Karina Kuschnir; um levando em conta a heterogeneidade da sociedade que se forma a partir de redes que sustentam e permitem o desenvolvimento de múltiplas percepções da realidade; e o outro, que vê o mundo da política como fruto de formulações e comportamentos de seus atores sociais em um determinado contexto. É como se fossem fenômenos complementares as percepções populares e o comportamento de seus atores sociais na política. Uma relação dialética. A construção de um conceito é também uma construção histórica; por isso este primeiro capítulo faz uma análise teórica do conceito em seu processo de construção, utilizando- se de alguns dos principais autores do campo da Antropologia da Política. Os cientistas políticos Gabriel Almond e Sidney Verba foram pioneiros ao forjar este conceito na década de 1960, de modo que antropóloga brasileira Karina Kuschnir atribui aos autores em questão a definição de cultura política como expressão do sistema político de determinada sociedade, englobando sentimentos e avaliações de sua população. Para eles a ação dos indivíduos é fruto da influência dosvalores e costumes da cultura dominante. Desde a publicação de “Cultura Cívica” em 1963 até os dias atuais, inúmeras discussões se deram sobre sua aplicabilidade e aproximação com a realidade. A intenção de Almond e Verba era forjar um conceito que combinasse o campo da política com a variável cultural, incorporando, nas análises da política da sociedade de massas contemporânea uma abordagem comportamental, que levasse em conta os aspectos subjetivos das orientações políticas, tanto do ponto de vista das elites, quanto do público dessa sociedade. (Kuschnir 2007 p.19) O desenvolvimento deste conceito é também o resultado de contribuições de outras áreas da ciência como História, Psicologia e da Sociologia ; mas é na Escola de Cultura e Personalidade que Almond e Verba bebem da fonte que lhes proporciona as bases do que chamam de Cultura Cívica. Nos anos seguintes do pós-guerra a Escola de Cultura e Personalidade, que tem seus primórdios na década de 1930, destaca-se por dar centralidade a elementos subjetivos, se comparados ao costume materialista da época. Um dos principais expoentes desta escola é a antropóloga Ruth Benedict que em 1934 lança “Padrões de Cultura”, obra considerada como marco fundador da Escola de Cultura e Personalidade. Uma de suas características centrais é o relativismo cultural, contrário ao pensamento marxista predominante na época. Padrões de Cultura tem como eixo a ideia de cultura enquanto reguladora da personalidade humana, contrapondo os pilares do materialismo histórico: A noção de cultura utilizada por Almond e Verba tem inspiração direta na formulação do conceito de cultura por parte desse grupo de antropólogos. Uma das referências chave é Patterns of Culture (Padrões de Cultura), de Ruth Benedict, de 1934. Cultura ali era entendida como uma articulação de padrões de comportamento apreendidos socialmente por meios de processo de transmissão de tradições e ideias sem qualquer determinação biológica (Kuschnir 2007 p. 20) Embora a Antropologia da Política seja assídua em perseguir padrões universais, o relativismo terá como proposta a ruptura com o padrão ocidental e sua aplicabilidade em qualquer realidade. Ao contrário; para este tipo de pensamento emergente, é necessário despir-se dos “pré-conceitos” estabelecidos para melhor entender uma sociedade. Nesse sentido, é de fundamental importância entender que apesar da influência que a Escola de Cultura e Personalidade exerce sobre Almond e Verba, estes dois teóricos têm como base as democracias ocidentais do pós-guerra, utilizando-se do termo “Cultura Cívica” em suas obras. No entanto, se pensarmos na América Latina do período histórico que estes autores desenvolveram suas ideias, inevitavelmente seremos postos em xeque, pois não há nenhuma aproximação entre os regimes ditatoriais vigentes e a ideia plena de democracia. Por este motivo é que somente nos anos 1990 a antropologia brasileira retoma seu interesse pelos estudos no campo da Antropologia da Política. Na década de 1990, encerrando o regime militar e restaurada a democracia, os antropólogos brasileiros parecem ter renovado seu interesse pela política. (Kuschnir 2007 p. 31) É de igual importância destacar a análise que Bárbara Goulart faz em “O Conceito de cultura política nas Ciências Sociais e as especificidades brasileiras” a partir da leitura de diversos teóricos como Eliana de Freitas R. Dutra que aponta falhas na concepção de Almond e Verba ao menosprezar a análise das democracias de países não europeus. A grande crítica a essa análise pioneira da cultura política é que todos esses sistemas são sempre referidos ao funcionamento das democracias liberais do ocidente, principalmente os Estados Unidos e Grã-Bretanha, tratadas como modelos fixadores dos parâmetros, ou de um quantum de modernidade. (Dutra, 2002, p. 16) Em alguns períodos sequer podemos definir os regimes estabelecidos em nossa região como democráticos, mas é possível afirmar que estes dispunham de métodos nem sempre totalitários na microescala. Tomamos como exemplo o período que compreende a consolidação do lavourismo e sua relação com o povo nos tempos do Regime Militar. De acordo com Kuschnir (2007), nos anos 1950, os estudos de Edmund Leach levam a Antropologia Política a pensar sobre a influência de uma nova conjuntura mundial onde novas forças políticas e culturais como o comunismo, capitalismo, movimentos sociais e anticolonialistas emergiram e conviveram entre si, levando a estudos que contribuíram para outras reflexões acerca do Poder. Nos dias atuais, com o fim do socialismo real e a extinção do mundo bipolar, outras forças emergem como as organizações religiosas fundamentalistas com expressão no mundo político, as lutas identitárias e de gênero; o advento de novas tecnologias de comunicação e informação dos fatos em tempo real, entre outras mudanças que têm levando o mundo acadêmico a novos estudos. A consolidação do voto evangélico como consequência do fortalecimento de organizações religiosas no espaço da política brasileira é algo que exploraremos mais adiante ao tratarmos de Aparecida Panisset. Os estudos desenvolvidos pelo Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) do Museu Nacional da UFRJ tinham como ponto de partida a concepção que a categoria política é sempre etnográfica, ou seja, que o estudo e compreensão da política é parte do conjunto de hábitos, valores e comportamento de um povo dentro de uma compreensão integrada de fenômenos sociais e não como uma esfera separada. (Kuschnir 2007) Leandro Piquet Carneiro e Karina Kuschnir (1999) afirmam que cultura política pode ser encarada como o conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência, regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores. Mas é em sua obra “Antropologia da Política” que encontramos a expressão máxima que define nossa busca por compreensão de um universo político tão complexo como o de São Gonçalo. A antropologia da política tem por objetivo entender como os atores sociais compreendem e experimentam a política, isto é, como interagem e atribuem significado aos objetos e às práticas relacionadas ao universo da política (Kuschnir, 2007 p.9) Experimentação da política é o ponto de partida desta obra. O que desejam os gonçalenses de uma época, a capacidade destes desejos transporem as barreiras do tempo; a esperança depositada em suas lideranças políticas… Tudo isso é visto como elementos de importância central. É nesse sentido que Karina Kuschnir (2007) nos traz o pensamento de Mariza Peirano ao afirmar que a categoria política é sempre etnográfica, pois é pela vontade popular do povo com as peculiaridades de seus segmentos que se forja e conduz lideranças ao poder de forma tão expressiva. Não quero com isso perseguir a fórmula do sucesso, pois creio ser impossível de achá- la. Está mais para a linha do horizonte de Eduardo Galeano que algo realmente palpável. Então pensemos nesta obra como um retrato da caminhada em direção ao horizonte, e para isso talvez seja preciso subir a montanha de Gaddis e olhar para nosso passado a fim de estabelecer relação com nossos comportamentos atuais cientes deles não estarem desprendidos de uma escala maior. O estudo do passado não é um guia seguro para o futuro. Porém, ele nos prepara para o futuro, expandindo nossas experiências, fazendo com que possamos aumentar nossas habilidades, nossas energias – e se tudo for bem, nossa inteligência. (Gaddis 2003 p. 26) A perspectiva do olhar não é um dado imutável. Mesmo que as informaçõescristalizadas no passado assim permaneçam, o ato de revisitar várias vezes os fatos históricos ao longo dos anos permite novas possibilidades, novos olhares e novas interpretações. De certa forma, a ideia de Cultura Política sofre a mesma questão. Na obra pioneira de Almond e Verba a análise de diferentes culturas não é estimulada como um exercício constante, mas é dado como um movimento fixo e por isso recebe críticas de teóricos como Iglehart que preocupam-se em aperfeiçoar o conceito. Uma vez que as mudanças de mentalidade que uma sociedade sofre são cíclicas, pode- se afirmar que a própria cultura política é também mutável pois carrega consigo elementos passivos de flexibilização, tais como noções de justiça, religiosidade, senso moral etc. Para Inglehart (1988), o grande limite do estudo de Almond e Verba (1963) estava no fato de que os países foram analisados em apenas um dado momento. Deste modo, a cultura política era tratada como estática e, portanto, uma variável constante. Ele conclui então que é necessário analisar as culturas políticas nacionais ao longo dos anos, possibilitando uma análise melhor sobre sua relação com os macro-fenômenos e os eventos externos que causam mudanças culturais. (Goulart 2015, p.117) Ao aplicar conceitos utilizados nos estudos da sociedade de forma holística e reduzi-los para a escala de um município como São Gonçalo deparamo-nos com outro desafio da Antropologia da Política, a tentativa de definir aquilo que é universal através de práticas compreendidas como regras gerais. É fato que cada cultura possui sua própria forma de dominação e manipulação política, no entanto, é importante frisar a crítica da Socióloga Bárbara Goulart acerca de resultados generalizantes e pouco analíticos que corroboram com estereótipos culturais prévios. […] O grande problema dos estudos de cultura política não está no conceito em si, mas em sua aplicação metodológica e na produção de resultados, muitas vezes por demais generalizantes e pouco analíticos. (Goulart 2015 p.122) Toda sociedade humana é dotada de complexidade, de modo que toda estrutura social, como nos afirma Kuschnir, está em permanente mutação (Kuschnir 2007 p.14). O Brasil é exemplo concreto de multiculturalismo étnico, social, religioso, econômico e político. O município de São Gonçalo, décimo sexto do país e o segundo maior colégio eleitoral do estado do Rio de Janeiro é uma reprodução menor deste universo de comportamentos e recortes sociais diversos que podem permanecer inalterados por décadas, mas nunca imutáveis. No Brasil a centralidade do Estado e das instituições públicas na vida das pessoas exerce o papel de organizar a sociedade. Não trato aqui da eficácia ou ineficácia de determinados serviços, embora autores como Baquero (2008) abordem a questão da ineficiência das instituições governamentais como fator estimulante à desconfiança popular das regras do contrato social vigente. Falo aqui da presença do Estado em quase todos os aspectos do cotidiano da população, que nos levam a pensar sobre a importância das instituições municipais para a organização da sociedade civil em torno da questão pública. Desde a sesmaria nos tempos da colônia até a ideia de progresso trazida pelo positivismo que influenciou intelectuais da cidade como Luiz Palmier; a questão pública teve papel central na estrutura municipal, de modo que se constrói um formato de relação entre figuras da política gonçalense e o eleitorado local que nos dão base para observações etnográficas que podem trazer e fomentar debates no campo da cultura política brasileira como o clientelismo e sua relação com o poder local. É nesta direção que o estudo de Bárbara Goulart evoca autores que questionam o nível de democracia estabelecido no Brasil desde sua consolidação republicana. Este fato reforça a busca pela compreensão dos costumes e vontades que conduziram diferentes atores ao poder local, numa perspectiva que dialoga com a cultura política da sujeição. De acordo com Kuschnir e Carneiro (1999) este subtipo se dá quando os indivíduos depositam seus sentimentos, avaliações e necessidades na estrutura política [administrativa, executiva e legislativa], responsáveis por dar respostas aos seus anseios pessoais e coletivos. Acerca do clientelismo abordado sob a ótica crítica de diversos autores, Kuschnir (2007) alega que com esta prática a política passa a ser entendida como meio de acesso aos recursos públicos e o político como mediador entre as comunidades locais e os diversos níveis de Poder de modo a fomentar a existência de um sistema de trocas reguladas por obrigações como dar, receber e retribuir. Um fenômeno denominado como “Lógica da dádiva” por Marcel Mauss. Outra observação que Karina Kuschnir faz acerca deste ponto é sobre os integrantes desta rede de relações, seja como político ou eleitor, não concordarem que sua relação social estabelecida seja algo negativo. Do ponto de vista destes, o político local não limita ou monopoliza seu acesso aos bens considerados públicos. Ao contrário, o bom político garante-lhe o acesso que jamais seria obtido de outra forma ou mesmo por conta própria. O “público”, neste caso, já não significa recursos de todos, mas recursos monopolizados pelas elites políticas e econômicas. Com efeito, estas redes sociais não se caracterizam apenas pelo acesso e intermediação dos bens públicos, mas também da oferta de bens e serviços por parte do político que depende inteiramente de relações com setores que detenham algum poder econômico e lhe forneçam as condições necessárias para ofertar bens e serviços à população. Em troca, a ajuda é retribuída em forma de favores em prol destes setores de poder econômico, tais como licenças, alvarás etc… Embora as práticas mencionadas sejam um grande desserviço à democracia, é importante compreender a verdadeira natureza destas relações e conter o ímpeto de desejar melhorar a qualidade da democracia do alto de nosso privilégio intelectual. Uma vez que os intelectuais permitem-se criticar e rotular tais práticas, o fazem segundo uma lógica de superioridade acadêmica. Em outra perspectiva, na visão de Kuschnir (2007) o clientelismo pode ser entendido como uma relação que envolve noções de honra, gratidão e dívida moral, e nunca são a principal fonte de recursos da população, já que a moeda de troca é sempre um bem supérfluo. Com este ponto, abre-se o debate sobre neutralidade ao abordar figuras que despertam diversos sentimentos na população, principalmente figuras da História recente. Eliana de Freitas Dutra situa muito bem o lugar da História na Cultura Política: Um esforço de definir cultura política do lugar da História, de uma perspectiva distinta da sociologia compreensiva - embora em diálogo com a sociologia e a antropologia – nos vem sobretudo de Serge Bernstein. Partindo do esclarecimento que o termo cultura política não se equivaleria ao de ideias políticas ou forças políticas e afirmando que o interesse do historiador das culturas políticas seria o de trazer respostas ao problema fundamental das motivações do político, o autor assinala que o ato político enquanto fenômeno complexo que ele é, se explica frequentemente por referência a um conjunto de representações compartilhadas por um grupo bastante amplo no seio de uma sociedade. (Dutra 2002) Debruçar-se sobre a vida e o legado de figuras públicas, bem como sua relação com a população pode contribuir nesse debate porque sua principal tarefa é estudar não o que a política deve ser, mas o que ela é para um determinado grupo em um contexto histórico e social específico. Assim, descartamos o velho juízo de valor que mede o bom ou o mau político sem a falsa ideia de que a História é neutra. O que se pretende negar aqui é o proselitismo político, nãoa neutralidade do estudo. Exercer a democracia é cobrar, fiscalizar, prezar por novas práticas e até mesmo resgatar a História. Isso o fazemos de forma mais direta na condição de cidadãos, militantes ou intelectuais orgânicos de alguma luta política. Compreender o ponto de vista local sobre as práticas muitas vezes diferentes daquelas que idealizamos, e transcrevê-las fielmente como elas são é tarefa inglória mas necessária O modo de viver e experimentar a política são hoje reconhecidos como elementos importantes na busca por compreensão do modo como se organizam as sociedades. O conjunto de sensações e ações políticas de um povo com base em seu contexto local e sempre em estado de troca com o outro nos dá uma ligeira ideia de como se estabelece a cultura política. É com base nisto que avalio o cenário vivido em São Gonçalo que vai dos anos 50 até a primeira década dos anos 2000, perseguindo as pistas de como esta sociedade criou suas lideranças ao longa da História. Mesmo sem unanimidade, o discurso popular, as pesquisas eleitorais e as próprias urnas evidenciam que os ex-prefeitos Joaquim Lavoura, Edson Ezequiel e Aparecida Panisset foram centrais na construção de uma cultura política local expressa em grupos que protagonizaram por certo tempo a política da cidade, além de servirem como mediadores estre as demais esferas públicas. As crises mundiais e o advento de novas bandeiras políticas nunca passaram despercebidos por São Gonçalo, e é justamente no seio do movimento pendular que a História exerce através e sobre os indivíduos que surgem as apostas de dias melhores e mais estáveis personificadas em líderes políticos que têm sua capacidade testada nas urnas a cada quatro anos. Ainda que nem sempre essas apostas se traduzam no melhor, elas são, sem dúvida, o reflexo de um povo e seus anseios e resistências ao longo do tempo. É neste ponto que, por fim, relaciono o conceito de carisma empregado por Weber em seus tipos de dominação. Embora o carisma por si só não sustente uma figura política nos padrões de democracia que seguimos, este relaciona-se com a forma de dominação denominada por Weber de “dominação legal”, uma vez que o carisma dos mandatários não contraria o rito eleitoral mas utiliza-se dele ao estabelecerem a capacidade de decidir os rumos eleitorais. No caso de Lavoura, uma hegemonia de grupo por praticamente três décadas, em Ezequiel através de três mandatos seguidos do PDT e com Aparecida Panisset duas eleições expressivas consecutivas e uma profunda evocação de elementos históricos do imaginário popular. Capítulo 2: Lavourismo Joaquim de Almeida Lavoura é a mais emblemática das lideranças políticas de São Gonçalo. Sua consolidação enquanto mito político deve-se ao legado que começou a construir na década de 1950 quando São Gonçalo atingia altos níveis de sua capacidade industrial. É fato que exista grande dificuldade na preservação da memória local, fazendo de Lavoura uma referência cada vez mais distante e quase apagada, não fosse o trabalho incansável de pesquisadores, estudiosos ou mesmo amantes da História da cidade que mantém, de alguma forma, a figura de Lavoura viva junto às histórias passadas de uma geração para outra sobre o líder que governara o município como ninguém. Os grandes líderes têm o distanciamento histórico, quase sempre, como aliado pois este é o fenômeno que garante apaziguamento dos ânimos e permite análises mais sóbrias de seus atos. No caso de Lavoura, a falta de preservação da memória local pode fazer do distanciamento histórico uma grave ameaça. Contudo, ainda é possível observar, em um canto ou outro da cidade a menção de seu nome, vestígios de uma liderança quase esquecida. O Centro Cultural Joaquim Lavoura, mais conhecido como “Lavourão” é o símbolo máximo do lavourismo, inaugurado em 1988 durante a gestão de Hairson Monteiro, hoje o prédio abriga a secretaria de cultura e a biblioteca pública municipal em estado precário. Outro símbolo importante, mas constantemente esquecido é o monumento em sua homenagem na Praça Estephânia de Carvalho, a popular “Praça do Zé Garoto”, inaugurado em 1976 pelo prefeito Zeyr Porto um ano após sua morte. Tanto a estátua como o prédio do “Lavourão” são monumentos idealizados por prefeitos posteriores à Lavoura e eleitos na onda política do lavourismo, movimento assim chamado pelos seguidores de Lavoura. “Décadas depois, mais precisamente no início do século XXI, o nome Joaquim de Almeida Lavoura, para uma expressiva parcela dos munícipes, é uma referência apenas a algum indivíduo cuja desconhecida importância está perpetuada através do edifício onde funciona o Centro Cultural Joaquim de Almeida Lavoura, popularmente chamado de 'Lavourão'. Provavelmente também ignoram que a estranha estátua de um homem com chapéu e uma picareta, delineando o estereótipo do homem simples e trabalhador, escondida na Praça Estephânia de Carvalho é fruto de uma homenagem póstuma àquele que foi um dos mais destacados de todos os políticos gonçalenses no século XX.” (REZNIK, 2013. p.12). Joaquim de Almeida Lavoura nasceu em 04 de abriu de 1913 na cidade do Rio de Janeiro, à época capital do Brasil, mas instalou-se em São Gonçalo com sua família ainda criança, de modo que fora classificado por Salvador Mata e Silva como um “gonçalense adotivo”. Sua trajetória pessoal até que ocupasse a vida pública em 1947 no contexto com sua vitória para o legislativo é cercada de incertezas e de relatos imprecisos e contraditórios. Aliás, parte determinante do levantamento histórico de fontes sobre sua vida até este momento é baseada em relatos de contemporâneos, tornando o trabalho uma verdadeira investigação apurada dos fatos. Fosse Lavoura ainda um líder messiânico poderia se dizer sua vida antes da política é tal como a juventude de Cristo, ocultada pelos evangelhos. É comum que em conversas informais sobre a política local a memória de Lavoura seja evocada como ideal de homem vindo do povo e aquele que melhor administrou a cidade. Deste modo, existe no discurso popular a narrativa de que fora pescador. Há ainda a versão de que tenha trabalhado como lenhador e ajudara seu pai durante a infância no transporte de legumes e verduras vindos da Ilha dos Macacos. Acerca das variadas versões, a mais confiável é a que descreve sua amiga de infância Odete Valentim Moscozo ao jornal “O Fluminense”; segundo seu relato Lavoura teria sido operário em uma fábrica de sardinhas enlatadas. “As probabilidades de que Lavoura tenha trabalhado como operário são grandes, principalmente como apontam a maioria das fontes, numa fábrica de sardinhas. Posteriormente trabalhou como comerciante, não sendo possível precisar se antes ou depois de suas primeiras atuações na política. Lavoura adquiriu um armazém de secos e molhados e mais alguns imóveis, o que não fazia dele um homem abastado, mas possivelmente lhe proporcionava um padrão de vida ligeiramente superior ao de uma parcela significativa da população local.” (REZNIK, 2013 p. 18) O fato é que pouco importa a verossimilhança ao senso comum, Lavoura veio de uma família de trabalhadores simples e forjou-se como mito popular a partir de sua eleição à vereança em 1947. Eleição esta que se constitui como um fenômeno de difícil compreensão, afinal não há indícios de que Lavoura tenha tido influência no cenário político local até então. O que se sabe é que ingressara na União Progressista Fluminense em 1934, fato que torna provável a ideia de uma atuação política classista ligada ao operariado gonçalense por parte de Lavoura, mas cabe ressaltar que a mesma União Progressistaseria extinta em 1937 com a instauração do Estado Novo, dez anos antes de sua primeira vitória eleitoral. Nenhuma notícia ou nota de jornal, nenhum registro sobre sua atuação política até então; assim o ilustre desconhecido Joaquim de Almeida Lavoura elegeu-se vereador pelo PSD sob as regras da Lei Agamenon que acabara de implantar o sistema pluripartidário de base nacional, dificultando a vida dos partidos de base regional. “Neste ano, Joaquim Lavoura candidatou-se à vereança pelo PSD, conseguindo eleger-se sem ter campanha publicada ou comentada nos jornais da época. Sua candidatura, aliás, somente foi homologada após a cisão ocorrida no PSD, uma vez que seu nome esteve presente apenas na segunda lista de candidatos do partido, publicada pelo Jornal O São Gonçalo.” (REZNIK, 2013. p.22) A exaltação do homem comum como marca política surge a partir de seu primeiro mandato como vereador e consolida-se em seu primeiro mandato como prefeito. Lavoura desponta como um homem modesto, de trajes simples com sua cigarrilha de palha na boca e em cima de um trator, uma espécie de Lavoura mítico que pouco conhece das letras e muito conhece do fazer, outro fato que não corresponde à realidade. Lavoura pode não ter sido um político intelectual, ou mesmo um quadro político de formação teórica, mas certamente fora um homem bem informado e detentor de opiniões com tendência a um conservadorismo perfeitamente identificável com a classe trabalhadora. No aspecto ideológico, um anticomunista confesso com fonte comprovada nos anais da Câmara Municipal durante seu primeiro mandato. Por inúmeras vezes emitiu opinião favorável ao rompimento de relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética, ainda que isto não fosse da alçada de um vereador, além de pedir a cassação de seus maiores adversários políticos, os vereadores comunistas Armando Leão Ferreira e Theobaldino Avelino da Silva. Sobre estes, cabe dizer que compunham a legenda concedida pelo PSB, uma vez que o PCB caíra novamente na ilegalidade após as eleições estaduais de 1947. No posicionamento acerca da política nacional, uma série de narrativas contraditórias permeiam a imagem do líder político. Edila Gomes Barreto alega um certo antigetulismo por parte de Lavoura em “Joaquim de Almeida Lavoura: o nome que virou lenda e suas eleições”, com direito a participação na campanha por sua derrubada. Outra narrativa que se apresenta é de neutralidade, mais coerente com a atitude de Lavoura já como prefeito, de prestar homenagem ao ex-presidente em ato solene na câmara dos vereadores em 1956, em rememoração aos dois anos de sua morte. “Na ocasião, Lavoura teria discursado, definindo-se como não getulista, contudo um admirador do nacionalismo e do amor de Getúlio à pátria, comparando o político gaúcho a figuras como Pedro II e Deodoro da Fonseca” (REZNIK, 2013. p.19) No entanto, segundo Luís Reznik, em seu primeiro mandato Lavoura expressava-se como defensor do legado de Vargas sob o argumento do ex-chefe de Estado ter convocado eleições após seu período de quinze anos no poder, fato que inviabilizaria o discurso de que seu período no poder pudesse ser configurado como ditadura. Também apoiava seus correlegionários, o presidente Dutra e o prefeito Egylio Justi, fato que despertara fortes críticas da bancada udenista da câmara. “Outro motivo de discordância política entre Lavoura e alguns vereadores era a constante defesa que fazia a Getúlio Vargas, a Eurico Gaspar Dutra e ao prefeito Egylio Justi, que constatemente eram atacados.” (REZNIK,2013. p. 23) Decerto sua relação política com Vargas é rodeada por questões inquietantes, fazendo- se necessária uma verdadeira investigação sobre o tema. O fato é que Lavoura elegeu-se prefeito pela primeira vez em 1954, cerca de dois meses após o suicídio de Getúlio, datado em 24 de agosto do referido ano em um contexto de aumento do índice de popularidade do ex-presidente após o suicídio e uma forte campanha do candidato situacionista, Flávio Monteiro de Barros, colocando-se como o candidato do getulismo. Cabe ressaltar que o estado do Rio de Janeiro legou à Vargas nas eleições de 1950 um total 65% dos votos contra 26,3% do candidato da UDN Eduardo Gomes. Neste sentido, parece pouco provável e complemente imprudente que Lavoura tenha tido uma atuação antigetulista em sua carreira. O perfil eleitoral da Cidade. Na ocasião das eleições estaduais de 1947 o PCB sagrou-se como o partido mais votado da cidade conforme revela a edição de 02 de fevereiro do referido ano do jornal O São Gonçalo. Após as eleições estaduais o PCB caiu novamente na ilegalidade, não disputando o pleito municipal. Coube ao PSB emprestar sua legenda aos candidatos comunistas, o que não garantiu permanência de votos. O prefeitável comunista, Paulo Pimentel, amargou o terceiro lugar daquela eleição com 3.383 votos atrás de Gilberto Pires do PTB em segundo lugar e de Egylio Justi eleito com 5.346 votos pelo PSD em coligação com a UDN e o PRP. Na câmara, o processo de não permanência de votos no PSB-Comunista seguiu a mesma lógica elegendo apenas três vereadores, embora Armando Ferreira, o mais notável quadro comunista da cidade tenha sido o candidato mais votado, em uma legislatura de hegemonia udenista com oito vereadores eleitos, sendo assim a maior bancada. A aparência contraditória de uma cidade que no mesmo ano vota em massa no Partido Comunista e também elege como maior bancada de sua câmara o polo político mais anticomunista da época, a UDN, revela uma descontinuidade no perfil ideológico do eleitorado da cidade e isto se dá pela preferência a partidos mais progressistas, no caso da eleição de 1947 o voto em massa no PCB no pleito estadual, e a vitória de Armando Ferreira como vereador mais votado, ainda que com a permanência da hegemonia udenista da câmara. Nota-se que em apenas três anos, nas eleições de 1950 a câmara municipal sofre outra mudança em seu perfil, rebaixando a bancada udenista de oito para apenas quatro representantes, ao passo que a expressão política progressista de maior alcance da massa na época, o PTB, sobe de dois para sete representes. Esta quebra de hegemonia, cada vez mais concreta nos anos seguintes, é explicada pela cientista social Maria do Carmo Campello de Souza pela lógica de urbanização da cidade em “Estado e partidos políticos no Brasil (1945-1960) que atribui ao processo de urbanização que atinge o auge nos anos 1950, constituindo uma população majoritariamente urbana, a formação de um perfil político mais simpático à plataformas reformistas e progressistas que conservadoras, fazendo de partidos como o PTB um polo de aglutinação de forças . Segundo Reznik (2013) o censo de 1940 indicava a população gonçalense com um total de 89.528 habitantes, sendo 67.620 moradores do perímetro urbano, ou seja, 75,5% da população, o que explica o cenário eleitoral de 1950 que elegeu como prefeito o petebista Gilberto Pires além da legislatura de sete vereadores correlegionários do prefeito e uma diminuição de 50% da bancada udenista. Ainda em 1947 quando os sinais de mudança da representação político-partidária davam indícios de um novo perfil eleitoral, o improvável Lavoura é eleito para seu primeiro cargo político pelo PSD, partido pelo qual Getúlio falava às classes médias e empresariais, reforçando ainda mais a inviabilidade de uma militância antigetulista por parte de Lavoura que daí por diante construiria sua imagem e popularidade até chegar à prefeitura em 1954. Nasce o mito. A construção do Lavourismo enquanto fenômeno político tem seus primórdios com o início de Lavoura na vida pública. Luís Reznik dá ênfase ao primeiro mandato de Lavoura na prefeitura,período em que consolidou sua política de rearranjo financeiro e desenvolvimento urbano na cidade, no entanto sua chegada até o cargo máximo da política local não é um raio em céu azul. Sua eleição improvável em 1947 não possui fontes que possibilitem uma análise de sua trajetória até então, fato que leva a muitas especulações sobre o que teria possibilitado sua vitória, mesmo não sendo um dos mais votados no pleito. A atuação política de Lavoura através da União Progressista Fluminense, extinta em 1937, não foi sinônimo de nenhuma grande projeção de sua imagem como quadro político da cidade. O mais provável é que tenha sido eleito com os votos de sua região, o quarto distrito, englobando bairros como Gradim, Porto Velho, Madama, Paraíso, Vila Lage e Neves, onde possuía amigos, familiares, conhecidos e a rede de contatos destes. Em sua primeira passagem pela câmara municipal entre 1947 e 1951, Lavoura foi um dos vereadores mais ativos e com um dos menores índices de faltas, bem como um dos que mais pediu a fala durante as sessões. Seu discurso austero, contrário ao aumento de salários de parlamentares e funcionários públicos, bem como seu posicionamento pela diminuição dos gastos da máquina pública lhe renderam uma série de aliados e assim como inimigos políticos. Também legislou para as grandes empresas quando São Gonçalo crescia industrialmente. Uma de suas bandeiras era a diminuição de impostos para que as empresas se instalassem na cidade, gerando mais emprego para a população. Sua atuação na vereança contava ainda com uma empreitada anticomunista em busca da cassação dos vereadores da bancada PSB-Comunista. Estes fatos, por si só, contrariam a ideia de um homem ignorante. Ao contrário, o mito Lavoura constitui-se a partir de um homem muito bem articulado e ciente de suas ações políticas. Deste modo, o ponto a ser discutido neste tópico é a importância do primeiro mandado mandato de Lavoura na câmara para a constituição do Lavourismo como força política que dirigiu os rumos da cidade por duas décadas. A análise que Reznik faz é centrada na primeira gestão do líder à frente da prefeitura, no entanto, como bem demonstra em sua obra, os jornais de grande alcance da população da época, sobretudo o jornal O São Gonçalo, sequer deram atenção à candidatura de Lavoura ao pleito em 1954, com exceção do Correio Gonçalense que à época era o único veículo de comunicação a apontar o favoritismo de Lavoura nas pesquisas, ao passo que O São Gonçalo contava como certa a eleição do sucessor de Gilberto Pires, o petebista Flávio Monteiro de Barros. Na ocasião da vitória, não apenas o partido de Lavoura chama atenção, afinal deixara o PSD para compor o nanico PTN, sem lastro ou base pela cidade. Chama atenção também sua vacância na vida política entre 1951 e 1954, período recheado de especulações sobre sua vida política. A versão mais verossímil é de que ao término de seu mandato na câmara, Lavoura teria se dedicado à campanha de Egylio Justi para a Assembleia Estadual, ao contrário do que afirma Edila Barreto sobre seu insucesso na tentativa de candidatura própria como Deputado Estadual. O fato é que não há registro deste período sobre nenhuma atuação política de Lavoura na cidade, portanto uma lacuna que não explica o fenômeno de votos em 1954. Por este motivo, é legítimo considerar convincente a narrativa adotada pelos jornais da época que resgataram sua atuação parlamentar ainda presente na memória da população, traduzida em votos e mais votos na eleição de 54. “É perfeitamente admissível destacar o papel do tipo político elaborado por Lavoura como uma das razões para a vitória. Sua singular imagem pública, construída nos moldes do ‘trabalhador braçal’ e o ‘homem do povo’, tipo comum ao munícipe e destoante dos demais políticos, contribuía para sua visibilidade, mesmo considerando-se que até sua chegada ao executivo Lavoura não fosse conhecido por muitos.” (REZNIK, 2013. p. 39) A fonte que melhor descreve isto é o artigo “Venceu Lavoura” de Jayme Nunes, publicado pelo jornal O São Gonçalo. Nele, Nunes resgata a atuação política de Lavoura em seu primeiro mandato na câmara a serviço do povo e já enaltece, por exemplo, características do personagem mítico em cima de seu trator, consertando ruas e trajado de forma modesta. O “vereador de tamanco”, apelido que ganhara, segundo Edila Gomes. O homem humilde trabalhando junto aos operários da cidade, fora do padrão de político tradicional. Outro fato que não se pode negar é a influência da insatisfação com o governo de Gilberto ter aberto caminho para o improvável. Num cenário de políticos tradicionais, o matuto Lavoura despontava em sua campanha sob o lema do trabalho e do progresso em uma complexa conjuntura envolvendo o loteamento de novos bairros que surgiam na cidade. Sobre este tema, é importante ressaltar sua complexidade que não dá conta de ser explicada nesta breve análise acerca do Lavourismo, mas há de se considerar sua importância para a projeção de Lavoura como um caminho viável nas eleições de 54. Isto se dá pelo desandamento do ideal que norteara a política de loteamentos: o progresso. Esta prática tem início ainda nos anos 1920 e toma proporções ainda maiores com a crise de 1929, período em que fazendas exportadoras de gêneros agrícolas perdiam sua capacidade de produção, abrindo espaço para que seus antigos proprietários investissem em um novo negócio, a venda de suas terras para moradia. O Governo de Gilberto Pires demonstra interesse em surfar na onda dos loteamentos, franqueando aos vereadores de São Gonçalo a organização dos moldes desta prática. Em pouco tempo, a cidade começara a crescer de forma rápida e desordenada. O próprio Lavoura categorizou este processo como um processo de favelização: “Absoluta falta de planejamento, onde a administração encontra-se desaparelhada, onde nada existe de prático no setor de urbanismo, tendo como consequência núcleos isolados desprovidos do mais elementar requisito técnico, favelas, enfim, numa cidade em formação como São Gonçalo” ( Mensagem 35/55 de autoria de Joaquim de Almeida Lavoura. In REZNIK, 2013 p. 101) Já como prefeito, Lavoura tem como uma de suas primeiras medidas a renegociação das dívidas do contribuinte gonçalense, uma medida importante para sanar o deficit herdado de Gilberto Pires. Sua linha política manteve-se semelhante ao discurso enquanto vereador: austeridade, redução da máquina pública, redução de impostos para grandes empresas e captação de recursos estaduais para pavimentação das principais vias da cidade, Porto Velho e Alcântara. Na câmara havia uma ferrenha oposição mas um certo equilíbrio na correlação de forças. O bloco situacionista era composto pelas bancadas do PTN, PSP e PDC, enquanto a oposição cabia às bancadas do Partido Libertador, de esquerda, representado pelo comunista Armando Ferreira, PTB e PSB. Na zona neutra, ora pendulando para um lado, ora para outro haviam os parlamentares da UDN e do PSD. Apesar do forte discurso de oposição tentar associar Lavoura como inimigo do funcionalismo público, a cidade crescia e desenvolvia-se, além disso a insatisfação da população com o governo do petebista Gilberto Pires ainda era muito recente em um momento político em que as duas representações partidárias não só não forjavam quadros à altura do poder executivo como estavam em processo de declínio, como o caso da UDN a esta altura com apenas três mandatos. Lavoura continuaria a andar pela cidade com seus trajes simples, montado em seu trator, fiscalizando de perto as obras que expandiam-se pela cidade, conquistando assim ainda mais a simpatia da população. Sobre seu carisma junto ao povo, não se pode dizer que estenão é um processo forjado com contradições. Lavoura acumulava algumas e aqui cabe destacar duas das mais importantes. A primeira delas é a polêmica em torno das linhas de bonde que circulavam na cidade. No auge da pavimentação das vias Porto Velho e Alcântara, pedra da cora de sua gestão, os trilhos que davam vida aos bondes deram lugar às linhas de ônibus, uma vez que não foram mais reinstalados após sua retirada para a realização das obras sob o pretexto de demanda por ônibus para que atendessem as populações dos novos bairros oriundos dos loteamentos. Na câmara e no seio do senso comum dizia-se que Lavoura jogava o jogo das empresas de ônibus. A tensão em torno do tema foi tanta que o próprio Lavoura optou por uma escolta ao realizar a última e simbólica viagem do bonde da linha Alcântara. “A oposição valeu-se da questão dos bondes para incitar a população contra o prefeito, o que surtiu efeito, quando da última viagem do bonde para Alcântara. Temendo manifestação acintosa por parte da população, Lavoura realizou a última viagem sob a proteção de Guarda Municipal, pronta para evitar depredações aos ônibus que circulariam em substituição aos bondes” (REZNIK, 2013. p.111) O combate ao comércio ambulante foi outra marca contraditória do governo Lavoura. Com uma forte aproximação à Associação Comercial ainda em seu primeiro ano de mandato, o prefeito Lavoura decidiu regulamentar o comércio na cidade, um dos setores de maior arrecadação aos cofres públicos. Extinguiu as barracas que entendia como comércio irregular, ligadas à Comissão de Abastecimento de Preços (COAP), para que não houvesse concorrência com o comércio estabelecido em lojas. Sua medida também apoiava-se em argumentos ligados à higiene da cidade, despertando ainda mais a fúria da oposição e a satisfação do interesse dos lojistas. “Como se sabe, o Chefe do Executivo gonçalense, atendendo as reclamações gerais e aos nossos foros de cidade civilizada, empreendeu vitoriosa campanha contra os mocambos e barracas de caixotes no perímetro urbano com toda sorte de instalações precárias de mercadorias ambulantes de ruas e calçadas.” (O São Gonçalo, 08 de março de 1956 In: REZNIK p. 107) Em que pesem suas contradições, inegavelmente Lavoura constituiu-se como fenômeno político. Um fenômeno que fez do nome um patrimônio maior que a pessoa. Isto fica evidente com a fundação da União Política Joaquim Lavoura – UPJL, fundada em 1959, após o término de seu primeiro mandato. Está consolidado o lavourismo como um importante campo político da cidade que conduziria seus rumos por mais duas décadas, dando à lavoura o sentido histórico de imortalidade. A constituição deste fenômeno é constituído por bases importantes, uma delas é a pavimentação das vias Porto Velho e Alcântara, artérias principais da cidade, possibilitando maior mobilidade e integração da cidade com seus cantões. Apesar de as dificuldades alegadas por Lavoura, tais como atraso nas quotas estaduais de recursos, problemas com empresas de obras e afins, as vias foram entregues ao fim de seu mandato. Um mandato encerrado com um tímido superavit, mas, ainda assim, um importante elemento no discurso de que entregara a prefeitura no azul. Também não se pode menosprezar o papel decisivo para a consolidação de Lavoura na mentalidade gonçalense que a mídia fez. Especificamente o jornal O São Gonçalo cumpriu seu papel histórico de situacionista; fato que não seria diferente com Lavoura. Assim, os constantes artigos e matérias avaliando sua gestão positivamente são, um dos maiores instrumentos de consolidação do mito Lavoura. Sua hegemonia na política gonçalense fica evidente nas eleições de 1958, quando elege seu sucessor Geremias Mattos Fontes, seu ex chefe de gabinete, com 24.854 votos, além de se reconduzido à câmara municipal como vereador mais votado com 3.546 votos. Um cenário bem diferente das eleições de 1954 que o elegeu com 13.888 votos. O Lavourismo contou ainda com outros dois mandatos do próprio Lavoura (1963-1967 e 1973-1975), morrendo em exercício a 12 de novembro de 1975. Morreu sem uma vida luxo e entrou para História como quem mais fez por São Gonçalo. Seus sucessores mantiveram-se no poder até finais da década de 1980. A prova de que o lavourismo foi maior que Lavoura está na continuidade de sua política ainda após sua morte. Hairson Monteiro, o último dos lavouristas no poder, deixou como símbolo arquitetônico da cidade o Centro Cultural Joaquim Lavoura, o Lavourão. Mais que um partido, o Lavourismo representava um conjunto de ideias e práticas expressas por um campo político que ora deixava-se representar por uma legenda, ora por outra. Assim foi a prática da UPJL que ora optava por uma legenda para representar seus candidatos, ora outra. Nos anos do Regime Militar o grupo lavourista esteve na ARENA, com a redemocratização e a volta do pluripartidarismo, alguns quadros lavouristas chegaram a compor o PDS, sucessor do ARENA e predecessor do extinto PFL, mas maior concentração dos últimos mandatos lavouristas esteve no MDB. Cabe ressaltar que a sucessão do grupo lavourista pelo mandato pedetista de Ezequiel, eleito em 1988, não se deu um por um antagonismo político que levou o lavourismo à derrocada, mas a um desgaste temporal de não renovação de quadros devido ao distanciamento da memória de Lavoura em paralelo com a ascensão de um novo fenômeno político em todo estado do Rio de Janeiro, o Brizolismo. Sobre isto falaremos no próximo capítulo. Capítulo 3: São Gonçalo pós Lavoura: a construção de novos símbolos políticos. Em 12 de dezembro de 1988 o último dos lavouristas a governar São Gonçalo, Hairson Monteiro, renunciava o mandato de prefeito por motivos incertos há poucos dias de completar em definitivo sua gestão. Diferente dos anos de glória do lavourismo em que São Gonçalo despontava como potência industrial oriunda de uma ascensão dos índices de produção e ofertas de emprego que elevaram a cidade à alcunha de “Manchester Fluminense” dada por Luiz Palmier ainda na década de 1940, os anos 1980 chegavam ao fim com uma cidade ainda mais desordenada, demograficamente maior e sem mais da metade das empresas que aqui instalaram-se nos anos de incentivos fiscais do governo de Lavoura. “Embora em 1940 São Gonçalo tenha alcançado o nível máximo de participação no produto industrial estadual, registrou, em 1950, um aumento na participação no nível de empregos no setor a uma taxa superior à média estadual. Este crescimento, no entanto, parece ter chegado a um ponto de esgotamento: nos anos seguintes, a indústria gonçalense segue, a partir daí, uma trajetória inexorável de perda de participação relativa, ora crescendo a taxas inferiores à média estadual, ora decrescendo, sem jamais retomar à posição de destaque dos períodos de Manchester.” (ARAÚJO, Victor Leonardo de; MELO, Hildete Pereira de. 2004. p. 78). A construção da Ponte Costa e Silva e da BR 101 gerou impactos populacionais e habitacionais na cidade, o já desenfreado crescimento urbano com os loteamentos dos anos 1950 potencializou-se como um forte processo de favelização com o surgimento de comunidades em torno da BR que corta toda a extensão do município, assim como o esvaziamento industrial sofrido pela cidade causa profundas mudanças sociais no perfil dos habitantes de distritos voltados para a indústria, como Neves. São Gonçalo salta de pouco mais de 100 mil habitantes nos anos 1950 para quase 800 mil nos anos 1990 segundo o IBGE. Embora os impactos da desindustrialização fossem sentidos em São Gonçalo com mais força a partir da década de 1970, é importante ressaltar que o processo de esvaziamento começa ainda nos anos 1950 com crescimento da indústria abaixo do padrão em um contexto de fragilidadeda indústria fluminense. Este processo abre ainda mais o abismo social entre trabalhadores e elite financeira, aumentando consideravelmente a parcela de indivíduos mais precarizados e marginalizados pelo sistema de produção vigente. Cidadãos subempregados, desempregados e destituídos das condições de integração plena ao mercado de trabalho. Uma parcela caracterizada pela teoria marxsista de lúmpen-proletariado. Após o retorno do exílio e a perda do PTB para o grupo de Ivete Vargas, Leonel Brizola volta para o Rio de Janeiro para dar seguimento ao seu projeto político nacional sob a bandeira de um novo partido, o PDT. Brizola havia tido projeção na política nacional no início dos anos 1960 com a campanha pela legalidade, assegurando a Jango o direito de posse do mandato de presidente com a renúncia de Jânio Quadros. Antes disso, elegera- se prefeito de Porto Alegre em 55 e governador no Rio Grande do Sul em 58, quando Lavoura atingia o auge de sua popularidade em São Gonçalo. Durante os anos do exílio, Brizola estreitou laços com as ideias da social-democracia, desvincilhando-se do comunismo para aderir a uma proposta de economia de mercado com preocupação social. A maior dificuldade para pôr em práticas suas ideias estava na disputa pelo comando do PTB com a volta do pluripartidarismo em 1979. O antigo partido encontrava-se imerso em uma disputa que culminou com a vitória de Ivete Vargas, diante do reconhecimento de seu domínio da legenda pela justiça em 1980, forçando Brizola a fundar o Partido Democrático Trabalhista, inspirado na social- democracia e no trabalhismo de Alberto Pasqualini. O que estava posto era muito mais que a fundação de um novo partido, mas as bases de um novo fenômeno político caracterizado como Brizolismo por João Trajano da seguinte maneira: “… Caso típico de adesão ao líder carismático [Brizola] e há nele indícios mais do que eloquentes do personalismo que o sustenta…” (SENTO-SÉ, 1999. p.18). Brizola escolhera o Rio de Janeiro, antiga capital, justamente pela relevância que a cidade possuía para o cenário político local e por ser o domicílio eleitoral que escolhera em 62 quando fora eleito deputado federal pelo Estado da Guanabara. A aposta de Brizola pós-exílio concentrou-se justamente na parcela de desvalidos e marginalizados da sociedade, caracterizado por João Trajano Sento Sé como “banguelas”. Em publicação de campanha dedicada à biografia de Brizola, José Arthur Poerner faz a seguinte observação ‘Os comícios de Brizola são o lugar de maior concentração de desdentados por metro quadrado do Brasil’. A “afirmação entusiasmada é reveladora de um projeto político, de uma ideologia e do estético que a orientam” (SENTO-SÉ, 1999. p.155). O projeto de Brizola tornara-se um fenômeno popular e em pouco tempo o PDT despontava um partido aglutinador das camadas mais invisíveis da população. Neste mote, Brizola consolidou-se como uma liderança carismática e popular de modo a eleger-se governador do Rio em 1982. Nesta mesma eleição, o PDT elegera dois senadores e vinte e quatro deputados federais, consolidando-se como uma das principais forças políticas do Brasil. Além de seu discurso ajustado às minorias políticas e marginalizadas da sociedade, Brizola inovou fazendo do PDT o primeiro partido utilizar a cadeia nacional de rádio e televisão para difundir suas ideias, atingindo com maior alcance os mais distintos rincões do país. Do Lavourismo ao Brizolismo: A São Gonçalo de Ezequiel. Na onda Brizolista dos anos 80 uma figura importante para São Gonçalo engaja-se no PDT, passando a ser um dos principais articuladores de sua campanha na cidade. Trata- se de Edson Ezequiel de Matos, um acadêmico respeitado em processo de formação enquanto liderança e quadro da política gonçalense. Ezequiel, como era popularmente conhecido, tal qual Lavoura não nasceu no município. Nasceu em Recife em 13 de julho de 1945. Filho de ex-dirigentes do Partido Comunista (PCB), possuía um perfil distinto de Lavoura. Formou-se em Engenharia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1967, possuindo importante carreira profissional e acadêmica no meio. Chegou a lecionar como professor convidado nas Universidades da Bahia (UFBA), Sergipe (UFSE) e Rio Grande do Sul (UFGS), além de possuir especialização na Universidade de Minessotta (EUA) e atuar como engenheiro da Petrobras entre 1969 e 1984. Sua atuação política começa em 1981 quando filia-se ao PDT e assume a presidência do diretório de São Gonçalo, no ato de fundação do partido no município em 1982. Era o início da onda brizolista em São Gonçalo que garantiu vitória nas eleições municipais por três vezes seguidas nos respectivos anos de 1988, 1992 e 1996, conforme relata Eveline Martins Xavier de Almeida: “A História do Brizolismo em São Gonçalo é marcada pela atuação constante e expressiva de brizolistas que ‘cultuam’ seu líder […] Por tais razões o município de São Gonçalo foi marcado por três administrações pedetistas seguidas, caracterizadas pela presença constante do líder esquerdista Brizola e por seus discursos sempre voltados para a classe dos excluídos, a maioria formada pelos mais pobres.” (Eveline Martins Xavier de Almeida in: O fenômeno do Brizolismo manifestado na política do município de São Gonçalo, através do Partido Democrático Trabalhista (PDT), no período de 1988 a 2000. Monografia UERJ 2004. p.29) A carreira política de Ezequiel teve seu início vinculado ao projeto de Brizola, de modo que uma de suas primeiras tarefas, além de presidir o diretório municipal do PDT fora a de dirigir a seção gonçalense da Fundação Alberto Pasqualini, braço teórico do partido. Para o desempenho de tais tarefas, Ezequiel contava com um arco de lideranças comunitárias e trabalhadores gonçalenses engajados na política. “… Formado por ex-sindicalistas, presidentes e membros de associações de moradores, com expressiva influência em suas comunidades, o PDT em São Gonçalo acompanhou seu líder Brizola em suas lutas pela causa trabalhista […] das classes populares, as quais representavam: operários, funcionários públicos, subempregados e desempregados…” (Eveline Martins Xavier de Almeida in: O fenômeno do Brizolismo manifestado na política do município de São Gonçalo, através do Partido Democrático Trabalhista (PDT), no período de 1988 a 2000. Monografia UERJ 2004. p.27) A consolidação e formação do PDT em São Gonçalo está atrelado ao cenário econômico e social da cidade nos anos 1980, impactada pelo esvaziamento industrial e pelas consequências da crise mundial do petróleo que afetaram as ofertas de emprego no setor das indústrias. Ainda que haja dificuldade para se achar uma pesquisa consistente sobre o índice de desemprego no município durante a década de 1980, é comum supor que a evasão de indústrias tenha causado sérios impactos na oferta de empregos da região, levando em conta a alta taxa de desemprego a nível nacional, conforme os dados abaixo: A construção da Ponte Costa e Silva e da BR 101 serviram ainda de fortalecimento do crescimento desordenado da cidade através da migração de uma massa de trabalhadores pobres e desempregados em busca de um custo de vida mais barato em relação ao Rio e Niterói. Além disso, a evasão de indústrias muda definitivamente o perfil de bairros industriais como Neves, acelerando sua degradação social. “Contudo, o que deveria servir como fator de atração e estímulo à economia local contribuiu para o maior crescimento populacional sem ordenamento: em vez de indústrias, há hoje um grande número de favelas às margens da rodovia. Cortando também boa parte dos 22 km de litoral do município, a rodovia causou ainda problemas ambientais,degradando os manguezais que até então encontravam-se preservados e abundantes.” (Almeida, 2001). É voltado para esta massa de desvalidos que o PDT concentra sua estratégia de projeto político, deixando de lado o debate sobre luta de classes e encampando o discurso de bem-estar social. Um discurso perfeito para antiga Manchester Fluminense, agora detentora de cada vez menos operários e cada vez mais desempregados, trabalhadores informais e subempregados. O primeiro êxito do partido na cidade foi a eleição de Ezequiel a deputado estadual em 1986. Seu mandato fora marcado por uma constante presença nos meios de comunicação prestando contas à população, além destinar recursos necessários à cidade. “Enquanto deputado estadual em 1987, Ezequiel mantém-se atuando na política de acordo com os interesses dos gonçalenses. Desta forma, está sempre presente nos meios de comunicação, prestando contas de sua atuação. O interesse de Ezequiel em conseguir melhorias para sua cidade o torna cada vez mais próximo do povo, sendo grande colaborador do ideal trabalhista e do modo pelo qual o líder do PDT, Leonel Brizola, relaciona-se com o povo.” (Eveline Martins Xavier de Almeida in: O fenômeno do Brizolismo manifestado na política do município de São Gonçalo, através do Partido Democrático Trabalhista (PDT), no período de 1988 a 2000. Monografia UERJ 2004 p.30) O projeto em torno de seu nome rendeu um artigo ainda em 1987 ao Jornal O São Gonçalo indicando o nome de Ezequiel ao pleito municipal que só ocorreria em 1988. O artigo de Assuéres Barbosa classificava Ezequiel como uma unanimidade da bancada estadual, além de representar a vontade de dois terços do diretório do partido. “[…] Um candidato que, por todos os motivos expostos, nos levará a vitória e a um governo que vai administrar o município de acordo com as bandeiras do PDT, com os companheiros de nosso partido, mas em busca da melhoria de qualidade de vida do povo gonçalense.” (O São Gonçalo 30/08/1987) Em 1988 Ezequiel lança sua candidatura a prefeito e tem ninguém menos que o próprio Brizola como cabo eleitoral. Acerca deste fato o Jornal O São Gonçalo publica o seguinte trecho em 03 de agosto de 1988: “[…] Brizola bateu o recorde de público na cidade… Sua carreata tinha cerca de 800 veículos e mais de 7 mil eleitores…” Assim, ao fim das eleições do dito ano, Ezequiel é eleito com 142.405 votos derrotando o candidato Lavourista Antônio da Costa Maia, este com 90.144 votos. Deste modo, pode-se dizer que a vitória de Ezequiel é a vitória do Brizolismo sobre o Lavourismo e há alguns elementos que ajudam a compreender este fenômeno. A primeira reflexão que faço é a mudança de perfil da cidade. Se considerarmos a Ponte Rio-Niterói e a BR 101 como elementos de migração de novas famílias, oriundas de diversas partes do estado e até do Brasil, logo concluímos que esta nova e significativa parcela da população não tem memória afetiva com São Gonçalo e sua História, não conhecendo assim a importância do legado de Lavoura para cidade, enquanto o Brizolismo se constitui como força política nacional e não apenas restrito a uma cidade. O outro ponto a ser explorado é a declaração de Antônio da Costa Maia à Luís Reznik, registrada em “Joaquim Lavoura e o Lavourismo”. Quando questionado se houvera alguma mudança na estratégia política após o falecimento de Lavoura, o mesmo responde negativamente, enaltecendo os mesmos métodos utilizados desde sempre. Uma resposta que não significa apenas a manutenção de uma tradição política, mas a falta de renovação da mesma, fazendo com que o tempo exerça sua função implacável de tornar obsoletas as grandes tendências do passado. O arco de alianças também um fator importante a ser mencionado. Na ocasião da eleição de 1988, Ezequiel elege-se pelo PDT de Brizola, coligado ao PCB de Prestes, ao Partido Verde e ao extinto Partido Comunitário Nacional, um partido católico de centro sem grande expressão na cidade. Nota-se que no aspecto ideológico, a primeira candidatura e consequentemente primeiro mandato de Ezequiel mantinha um perfil perfeitamente alinhado aos ideais trabalhistas e de esquerda. Não à toa sua política foi de fortalecimento das associações de bairros, implementação de políticas públicas e apoio ao funcionalismo público. A consolidação do Brizolismo Gonçalense, a eleição de Bravo. Nas eleições de 1992 o Brizolismo e o Lavourismo disputaram mais uma vez a prefeitura. Hairson Monteiro o antecessor de Ezequiel buscava reconquistar o mandato e afirmar a continuidade da política Lavourista, ao passo que o nome aprovado para suceder Ezequiel era o de João Barbosa Bravo. Certamente Ezequiel tem seus méritos. Realizou um mandato de perfil popular através do fortalecimento da “UniBairros”, programas sociais importantes como o de iluminação pública, eleição direta para diretores dos colégios municipais… O fato de Brizola ser o grande líder não anula o sucesso e a popularidade de Ezequiel, no entanto a memória de Lavoura não estava definitivamente esquecida. Como há muito tempo não ocorria, a eleição e 1992 foi para o segundo turno em São Gonçalo protagonizada por Hairson Monteiro e João Bravo. Ao fim, vence o candidato de Brizola e Ezequiel com 184.196 votos contra 147.992 votos em Hairson Monteiro, uma vitória com folga mas sem uma significância expressiva no campo da política. O que leva a pensar sobre a cidade com um senso de opinião mais apurado que nas eleições anteriores. Acerca de sua gestão há pouquíssima fonte documental, além do mesmo não ter se consolidado uma liderança de expressão política. Sua vitória está muito mais associada à figura de Ezequiel e ao fenômeno Brizola consequentemente. Há ainda a narrativa dos mais conectados com a política deste período de que Bravo teria traído Ezequiel à época em pleno mandato, mas é um assunto a ser aprofundado com mais calma e precisão. O fato é que nas eleições de 1996 Ezequiel mais vez disputaria o pleito para encerrar sua carreira política à frente do poder executivo. Ezequiel e o início do Fim. O segundo pleito de Ezequiel à prefeitura de São Gonçalo ainda é marcado pela forte presença de Brizola em sua campanha. O que muda é correlação de forças com o Lavorismo. Neste ano, o candidato do legado de Lavoura era Osmar Leitão Rosa, sucessor do segundo mandato de Joaquim Lavoura entre 1967 e 1970, além de ter sido Deputado Constituinte e Deputado Federal até o início dos anos 1990. Rosa não emplacou, amargando o quarto lugar daquela eleição com 26.469 votos, atrás de Henry Charles do PMDB com 30.847 votos. Era o fim do Lavourismo como força política na cidade. A real disputa deu-se entre Ezequiel, eleito ainda no primeiro turno com 188.975 votos contra uma nova figura política, Alice Tamborindeguy à época pelo PSDB com 98.584 votos. Em seu segundo mandato, o arco de alianças aumentou e a chapa de Ezequiel teve como vice-prefeito Domício Mascarenhas pelo PT. A aliança entre PDT e PT acenava para uma nova tática de Brizola que a nível nacional disputava o protagonismo da esquerda com Lula. A segunda gestão de Ezequiel é marcada pela impopularidade e o fracasso de algumas políticas públicas com a tentativa de implementação do Orçamento Participativo. Sobre isso Angela Vieira Neves afirma em “Um estudo de caso sobre o Orçamento Participativo em São Gonçalo: a tensão entre a cultura clientelista e a cultura democrática”: Nesse sentido, podemos afirmar aqui, que a experiência em São Gonçalo foi mal sucedida, foi um fracasso na concepção da democracia participativa. Tais fatores poderão estar associados: 1)à ausência de um processo de descentralização política e administrativapor parte do poder público, 2)de uma burocratização institucional, 3)do pouco investimento em obras, 4)do tempo curto de curação da experiência… (NEVES, 2003. p. 151) No contexto da PEC da reeleição de 1997 em que o Presidente Fernando Henrique sancionara o direito à reeleição de mandatos executivos, Ezequiel tenta sua reeleição em 2000 mas é derrotado pelo candidato do PMDB Henry Charles. Uma vitória de 56,5% dos votos válidos contra 43,4% de Ezequiel. Apesar de não concorrer mais à prefeitura, Ezequiel seguiu na vida política até 2014, quando decide não mais se candidatar a cargos políticos após uma sucessão de reeleições ao cargo de deputado federal, tendo presdido importantes comissões como a ciência e tecnologia, além de protagonizar debates importantes como a de redistribuição de royalties para o estado do Rio de Janeiro. Após a derrota de 2000, sua principal aposta política para a cidade passar a ser sua esposa e então deputada estadual Graça Matos, arquirrival de Aparecida Panisset. Daí por diante São Gonçalo entra na lógica de não reeleição de seus prefeitos, com exceção de Aparecida Panisset, da qual pode-se dizer até então como a última liderança popular com expressividade nas urnas. O que não significa dizer que sua gestão foi boa, tampouco ruim. Contudo, se por um lado Panisset é a única mandatária a se reeleger consecutivamente, por outro não consegue eleger o sucessor de seu segundo mandato, além de ficar inelegível e abrir a temporada de sucessões de mandatos “solos” até o presente momento. Tijolinho por Tijolinho, a construção do fenômeno Panisset. Como todo fenômeno político que se constitui, Aparecida Panisset não surge na política gonçalense como um fenômeno sem precedentes. Da mesma forma que Lavoura acumulou forças a partir de seu mandato de vereador em 1947, ou que Ezequiel se consolidou a partir de seu mandato de deputado estadual em 1986, Panisset tem suas primeiras aparições na vida pública ainda no governo de João Bravo (1992-1996) como subsecretária de educação, posteriormente elege-se vereadora pelo PDT com 4.157 votos em 1996 quando Ezequiel conquistava seu segundo mandato como prefeito. Em 2000, a futura prefeita ampliou o eleitorado para 14.417 votos, tornando-se a vereadora mais votada da História de São Gonçalo até os dias atuais. Em 2002 Aparecida é eleita deputada estadual pelo Partido Progressista Brasileiro – PPB, atual PP, com 50.338 votos. Em seu mandato, de apenas dois anos em decorrência de sua eleição para prefeita, Panisset ocupou importantes comissões e empenhou-se em articulações políticas que a aproximaram do extinto PFL de César Maia, um velho conhecido dos tempos em que foram correlegionários nas fileiras do PDT quando Panisset tornou-se a vereadora mais votada da História de São Gonçalo, forjando seu primeiro mandato como base do então prefeito Edson Ezequiel nos anos 1990. Sua trajetória revela um novo momento da cidade, o de aprofundamento das políticas neoliberais e os impactos sobre as periferias em relação às metrópoles, de modo que a cidade outrora denominada “Manchester Fluminense” passa a ser conhecida como “cidade-dormitório”, um termo controverso e atualmente em desuso recorrente de revisões do próprio conceito. No entanto, esta alcunha revela na prática o esfacelamento de uma cidade geradora de empregos e detentora de um dos mais importantes parques industriais do estado. Paralelamente ao processo precarização e ao esvaziamento industrial sofrido pela cidade, crescia o movimento neopentecostal, uma tendência religiosa apoiada nos dogmas da Teologia da Prosperidade cujo discurso baseia-se no enriquecimento financeiro dos fiéis mediante a obediência de seus preceitos. Camila Fogaça Aguiar (2018) é categórica em sua obra “Deus abençoe São Gonçalo! Uma prefeita na linha de frente da Guerra Santa”: “E válido ressaltar que enquanto São Gonçalo passava por um período de declínio socioeconômico, o país contabilizava o crescimento pentecostal nos dados oficiais. Nas décadas 1960/1970 o pentecostalismo alcançou números mais expressivos do que nas anteriores, graças a mudanças na sua liturgia, decorrente do fenômeno neopentecostal.” (id. Ibid. p.12) Este fenômeno tem origem nos anos 1970 e tem como precursora a Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo autoproclamado Bispo Edir Macedo, um ex-membro da Igreja de Nova Vida. Sobre a Igreja de Nova Vida, é importante ressaltar sua característica mais voltada para a classe média e menos legalista em aspectos como vestimenta e da presença das mulheres em cargos importantes da sociedade. Em pouco tempo a onda neopentecostal ganhava significativa adesão das parcelas mais pobres da população, impondo novos desafios à hegemonia católica do país e arrefecendo as bases das Comunidades Eclesiais de base, afinal o discurso de riqueza pessoal é mais sedutor que o discurso de justiça social. “Nesse cenário de pobreza percebemos que a atuação dos pentecostais em São Gonçalo também aumenta, uma vez que eles são os que mais chegam às margens da sociedade, alcançando lugares nos quais nenhuma outra instituição civil ou religiosa ousa se aproximar e lá promovem práticas assistenciais, programas de alfabetização, postos de atendimento de saúde e outros. Os indivíduos, que migraram para a cidade na década de 1950, romperam com seus antigos vínculos relacionados ao lugar de origem, estando mais suscetíveis à adesão de uma nova religião e seus apelos ideológicos.” (AGUIAR, 2018. p.13) Outra característica importante é visão política que partilham as igrejas neopentecostais. Enquanto as igrejas protestantes históricas com e algumas tradicionais do meio pentecostal, as igrejas neopentecostais e renovadas a partir da década de 1970 possuem visão de estratégia política, de modo a incentivar seus membros e corpo eclesiástico a envolverem-se na política. Sobre este grupo Camila Fogaça Aguiar afirma: “Percebemos a capacidade que a religião tem de oferecer vínculos sociais e serviços de ordem material, além de promover um sentimento de pertencimento e identificação entre os fiéis e entre fiéis e os representantes políticos. As lideranças religiosas acabam por motivar os componentes das congregações a uma maior participação política e comprometimento com as instituições religiosas.” (Id. Ibid. pg.14) É nesse cenário que surge Aparecida Panisset, convertida à Igreja de Nova Vida ainda em sua adolescência, período em que mudou-se do Rio para São Gonçalo com sua família.Sua ligação com a igreja evangélica é o mote de seu discurso em suas duas campanhas para a prefeitura de São Gonçalo, de modo que seus dois mandatos são uma mescla de política social e religiosa. Por um lado Panisset é caracterizada pelo favoritismo às igrejas evangélicas e por sua postura fundamentalista diante das religiões afro-brasileiras, por outro, sua gestão é marcada pelo alinhamento com os programas federais desenvolvidas nos governos petistas de Lula e Dilma como “Minha Casa, Minha Vida”, “Programa de Aceleração do Crescimento”, “Bolsa Família”, além de ter sido ela a responsável pela estruturação da política de assistência social dos CRAS e CREAS já em seu segundo mandato. Em sua primeira campanha Aparecida Panisset usou o lema “Reconstruindo São Gonçalo”. Em seu discurso a futura prefeita alegava não possuir recursos suficientes para custear sua campanha. Ao pedir a Deus uma solução, a mesma alega ter recebido uma revelação baseada em uma passagem bíblica do Antigo Testamento. “[…] quando estava em campanha para a prefeitura em 2004, não tinha dinheiro sequer para alugar outdoor, “eu me perguntava como é que iria fazer, e, aí, Deus falou assim para mim: Neemias 2,17” (APARECIDA