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FILOSOFIA FILOSOFIA DA ARTE Sebastião Donizetti Bazon UNIDADE 1 - A FUNÇÃO DA ARTE CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Compreender alguns pontos de vista sobre a função da arte. Nesta presente unidade, abordaremos alguns pontos importantes que definem a função da arte – além de, é claro, tentar refletir sobre a própria natureza dela. ESTUDANDO E REFLETINDO O que é arte? Pode a sua função ser resumida em alguns poucos parágrafos? É ela a busca pelo belo? Ou a representação do mundo? Ou denuncia algo? A sua função mudou ao longo da história, ou em essência, sempre foi a mesma? São apenas com estas e outras infinitas perguntas da mesma natureza que podemos iniciar uma reflexão sobre o que é e qual é a função da arte – e também tendo em frente a seguinte certeza: a arte é necessária. Pensamos assim porque o ser humano desde seus primórdios se interessa por coisas fascinantes: os teatros gregos antigos e os filmes que levam milhões ao cinema no mundo globalizado vão além de um mero entretenimento – vão além, sim. Por qual razão se mergulharia em uma tragédia, em problemas alheios – por que nós não só assistimos a eles, mas também nos envolvemos, sentimos e choramos? Pode-se inicialmente pensar que o homem detesta estar sozinho – quer ser mais do que é. Todo ser humano busca uma espécie de significação da vida – transformar o caos em Cosmos, em um mundo com sentido e significado. Portanto, talvez na arte ele tente integrar com o todo a sua individualidade. Aristóteles é autor do primeiro manual que discute a forma da arte – A Arte Poética Não é da natureza do homem realizar-se sozinho, então a arte torna-se um dos meios necessários para a união do indivíduo com o todo – o ser humano troca ideias e experiências, assimila-as e aprende com elas. Mas ainda assim estamos longe de definir a função da arte, pois o contrário também é altamente necessário para sua função: ao mesmo tempo que o homem quer absorver a realidade, ele pode rejeitá-la, tentar transformá-la, domá-la. Este embate entre as forças opostas são da natureza do trabalho artístico, que consiste na dominação de uma experiência, linguagem, para transformar sua expressão em uma forma consistente, acessível a todos. Temo então nesta primeira definição de arte uma visão dialética também de seu processo artístico: o artista tem um lado subjetivo, que é formalizado através da objetividade – resultando então em arte. Em “Hugo,” um dos filmes mais premiados pela Academia de Cinema em 2012, Martin Scorsese aliou forma e conteúdo para homenagear um dos cineastas mais importantes da história, Georges Méliès (1861-1938 ). Uma das características que justificam tal afirmação, por exemplo, é o paralelismo da linguagem cinematográfica entre o filme de 2012 e os do cineasta francês: ambos usando o que de há mais avançado na tecnologia de sua época para levar o público para um dos lugares que o cinema oferece: um mundo de sonhos. BUSCANDO CONHECIMENTO A arte como continuidade Um dos artistas que redefiniram a concepção de arte através do teatro foi o dramaturgo e pensador alemão Bertolt Brecht (1898 – 1956). Influenciado abertamente pelo Marxismo, para ele, em um mundo dividido pela luta de classes, há uma enorme diferença entre o efeito pretendido pelos artistas: a classe dominante quer suprimir diferenças e universalizar a humanidade – mas, para Brecht, a sua concepção era diametralmente oposta. A arte teria que conscientizar a plateia através da conscientização. Ou seja, ele rompe com um dos princípios clássicos da Poética de Aristóteles, que defendia a catarse como um dos pontos altos da estrutura dramática. Pois, segundo ele, como se vive em um mundo alienado, a arte precisaria mostrar a verdadeira estrutura da sociedade. Este é um dos exemplos de manifestação artística como denúncia – mas então nos surge a seguinte questão: a arte limita-se apenas a uma denúncia social? Bertolt Brecht Ao longo da história, a função social da arte realmente se alterou, como veremos ao longo das próximas unidades – e claramente com o desenvolvimento do capitalismo, a questão da luta de classes ganha uma importância maior, mas a arte também possui uma função existencial – ela expressa algum tipo de verdade permanente. É esta verdade permanente que nos permite reler uma epopeia grega ainda com um interesse legítimo – não apenas com um prazer pela leituras, mas com interpretações originais, pessoais, sociais, universais. Há algo nestas epopeias que ultrapassam o momento histórico em que elas foram escritas. Portanto, apesar dos inúmeros problemas sociais de uma determinada sociedade, há algo em suas obras que vai além: enquanto a história se movimenta descontinuamente, com exploração de classes, preconceitos entre sexo, escravidão, a arte oferece um movimento de continuidade. Ou seja, a evolução da função e necessidade de arte na humanidade acontece e forma um movimento contínuo de desenvolvimento. Para Karl Marx, a história é descontínua, e a arte é contínua. É esta que permite que algo entre as épocas históricas ainda conversem. Escritas por Homero, por volta do Século VIII a.C, a “Ilíada” é uma das principais obras do cânone universal e ainda é objeto de inúmeros estudos acadêmicos, leituras e interpretações. Portanto, podemos concluir que o artista quando apenas discute questões sociais de sua época, se limita com o passar do tempo, ou seja, se ultrapassa. Mas quando ele discute questões universais e investiga a grandeza e a natureza da essência humana, também ele se torna algo maior. E, assim, quando juntamos, ao longo da história da humanidade, obras artísticas com tais características, compomos um mapa da evolução da consciência humana. UNIDADE 2 - A ESTÉTICA MARXISTA E A FUNÇÃO DA ARTE CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: compreender a visão marxista sobre arte e seus limites. Karl Marx (1818-1883) desenvolveu teses de estética que estabeleciam a subjetividade como uma noção burguesa. Ele enxergava na arte uma função ideológica e revolucionária, definindo como arte apenas as manifestações da classe em ascensão. Vejamos de que maneira esta teoria se desenvolve e quais são os seus limites. ESTUDANDO E REFLETINDO Vejamos as seis teses de estética marxistas resumidas na obra de Herbert Marcuse, em “A Dimensão Estética”: 1. Existe uma relação definida entre a arte e a base material, entre a arte e a totalidade das relações de produção. Com a modificação das relações de produção, a própria arte transforma-se como parte da superestrutura, embora, tal como outras formas de ideologia, possa ficar atrás ou antecipar a mudança social. 2. Há uma conexão definida entre arte e classe social. A única arte autêntica, verdadeira e progressista, é a arte de uma classe em ascensão, que exprime a tomada de consciência desta classe. 3. Consequentemente, o político e o estético, o conteúdo revolucionário e a qualidade artística tendem a coincidir. 4. O escritor tem a obrigação de articular e exprimir os interesses e as necessidades da classe em ascensão. (No capitalismo, esta classe seria o proletariado) 5. A classe declinante ou os seus representantes só podem produzir uma arte. 6. O realismo (em vários sentidos) é considerado a forma de arte que corresponde mais convenientemente às relações sociais, constituindo assim a forma de arte. MARCUSE, p.14 Tais teses tiveram efeitos degradantes para a estética, pois era uma esquematização rígida que congelava as formas. Tal visão acaba também desconsiderando a consciência individual e a subjetividade. Tanto a emoção, quanto a razão e a imaginação são desvalorizadas. Assim, de que maneira aconteceriauma revolução? Ela poderia realmente acontecer se as transformações radicais não acontecessem na mente dos indivíduos? A noção de subjetividade, para a estética marxista, seria a burguesa. Karl Marx Marcuse defende que se trata do contrário: com a afirmação da subjetividade, com que se supera o mundo burguês, tem-se que o indivíduo sai do mundo dos valores de troca e de mercado, da base do sistema capitalista. O conceito de classes se supera precisamente quando entramos em um plano não material – existem as classes, mas a história particular de cada um, emoções, alegrias são compreendidas sob um outro prisma. Portanto, esta desvalorização da subjetividade é uma das características que limitam a estética marxista. BUSCANDO CONHECIMENTO Herbert Marcuse, então, analisando esta desvalorização da subjetividade presente na estética marxista, defende a seguinte tese: “As qualidades radicais da arte, em particular da literatura, ou seja, a sua acusação da realidade existente e da bela ‘aparência’ da libertação baseiam-se precisamente nas dimensões em que a arte transcende a sua determinação social e se emancipa a partir do universo real do discurso e do comportamento, preservando, no entanto, a sua presença esmagadora. Assim, a arte cria o mundo em que a subversão da experiência própria da arte se torna possível: o mundo formado pela arte é reconhecido como uma realidade reprimida e distorcida na realidade existente. Esta experiência culmina em situações extremas (do amor e da morte, da culpa e do fracasso, mas também da alegria, da felicidade e da realização) que explodem na realidade existente em nome de uma verdade normalmente negada ou mesmo ignorada. “ MARCUSE, p. 17 A arte então, transcende a realidade e, com isso, renasce uma subjetividade rebelde. Ela representa a realidade, mas também a denuncia. Tudo devido à transformação estética, que, ao remodelar o mundo e as percepções, capta aquilo que o homem reprime dentro dele. Assim, o que define a autenticidade da obra de arte não está em seu conteúdo, mas na maneira que o conteúdo é estilizado: na sua forma. Ao transcender a luta de classes, a obra de arte ganha o seu aspecto universal – ela pode ser admirada independente de seu tempo – razão pela qual os clássicos são vivos até hoje. Isso acontece porque, ao sublimar as condições materiais, históricas e sociais, a arte define o que é essencial para o ser humano, a arte define a realidade. O mundo fictício se torna o que é: real. Esta visão coincide com aquela que exploramos na unidade anterior, em que toma a arte como continuidade psicológica da consciência do homem. É neste caráter atemporal da arte que a estética marxista não consegue dar conta. Como explicar que uma tragédia grega ainda ofereça possibilidades infinitas de leitura? Mesmo sendo escrita em uma época repleta de problemas sociais? A visão marxista cai na própria armadilha: ao determinar que o conteúdo social determina o valor artístico de uma obra, ele a limita dentro de sua realidade histórica – é uma obra datada. Portanto, a origem social do artista não determina o valor de sua obra. O valor artístico da arte reside na forma como o conteúdo é elaborado – ela nos faz sublimar a realidade. UNIDADE 3 - AS ORIGENS DA ARTE CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer as raízes da arte. Na presente unidade, iremos discutir as condições históricas que permitiram a origem da arte, fazendo uma análise marxista do desenvolvimento da humanidade. Para Marx, a arte é uma forma de trabalho. Com este, homem transforma a natureza de acordo com as suas necessidades. Mas ele também sonha e imagina, fazendo com que haja um equivalente na imaginação: o trabalho que ele faça na natureza. Vejamos de que maneira isso se desenvolveu. ESTUDANDO E REFLETINDO Ferramentas, Trabalho e Imaginação Quando inventou as ferramentas, o homem modificou também a si mesmo. Sem elas, jamais existiria o desenvolvimento da humanidade – elas são o instrumento de trabalho do ser humano. O ser pré-humano só se humanizou porque conseguiu intervir na natureza, e só interviu porque tinha um órgão diferenciado: a mão – que podia segurar e manipular objetos. Inúmeros filósofos já atentaram para o fato de sua importância. Mas vemos também que Karl Marx sublinhou a importância da imaginação como arquiteta de qualquer trabalho: “Devemos considerar o trabalho como forma de atividade peculiar à espécie humana. Uma aranha realiza operações que se assemelham às de um tecelão; e muitos arquitetos hão de se senti encabulados em face da habilidade com que as abelhas constroem suas colmeias. Porém, o que, desde o início, distingue o mais inepto dos arquitetos da mais eficiente das abelhas é que o arquiteto constrói a célula na sua cabeça antes de construí-la na cera. O processe do trabalho resulta na criação de algo que desde o princípio existia na imaginação do trabalhador, existia numa forma ideal.” Assim, o homem transforma de natureza a partir de instrumentos criados a partir de sua imaginação, e ao longo de seu desenvolvimento, ele os substitui, os aprimora por outros ainda mais eficientes. Assim, o homem vê bem distante a sua noção de limites – e ganha um enorme potencial. Assim, se tudo é possível, há uma certa raiz mágica, nesta imaginação – o que é um dos embriões da arte. Outro ponto importante que precisa ser salientado sobre a invenção das ferramentas é que elas elaboraram o fazer consciente do homem. Com o advento destes instrumentos, o homem começa a elaborar objetivos mentais, que seriam atingidos a partir do uso dos instrumentos, dando a eles uma função principal. Deste modo, as reflexões do homem ganham propósito, e ele começa a antecipar resultados – fazer as coisas conscientemente. E, assim, com o tempo, o homem foi tomando o lugar da natureza – ele não mais esperava para ver o que ela oferecia, mas intervinha ele mesmo para conseguir o que queria. Linguagem O desenvolvimento da linguagem também acompanhou a evolução das ferramentas, uma vez que as necessidades de comunicação do homem foram ficando mais complexas com o passar do tempo. Antes de tudo, o homem via o mundo como uma coisa só e não se separava dele. Com o tempo, foi aprendendo a diferenciar, distinguir, catalogar e nomear o mundo. Tudo de maneira gradual, dando nomes aos objetos imitando a natureza. Era um estágio concreto da linguagem em que sujeito e objeto não se diferenciavam. Foi com o tempo que se chegou à abstração – antes disso, tudo o que era abstrato era descrito de inúmeras maneiras, ou através de imagens, criando metáforas e dialetos ricos e imagéticos. O Chinês é uma das línguas mais antigas do mundo. É escrito através dos “ideogramas”, que transmitem ideias através de desenhos. O ideograma ao lado, “Eu”, é composto por um homem segurando uma lança – ou seja, a questão da identidade do homem do ser humano, para eles, foi definida a partir da sobrevivência e força – um homem caçando garante a ordem. A língua é criada a partir das necessidades do homem: em sânscrito, por exemplo, encontramos mais de trinta palavras definindo consciência, pois era a língua dos filósofos indianos. Já em groenlandês, encontramos inúmeras tonalidades para o branco. Portanto, a partir destes exemplos acima, podemos notar que com o aumento das experiências e necessidades do homem, a linguagem se complicou. A linguagem então acabou se tornando essencial para o homem e, de certa maneira, define e reflete a essência do homem. Trabalho e linguagem parecem ter caminhado juntos neste desenvolvimento – lembrando que tanto a linguagem como os instrumentos mudam sempre mais com o passar do tempo – e o desenvolvimento tecnológico atual é o melhor exemplo que se pode dar. A linguagem então surge com a função derevelar o mundo o que é desconhecido e não apresentar – ela surge como investigação. Assim, podemos notar dois aspectos estruturais importantes para a linguagem: e um meio de comunicação e um meio de expressão. Como meio de comunicação, ela projeta a realidade, mas como meio de expressão, ela se mostra insuficiente – sendo esta uma das urgências da poesia, que, segundo Ezra Pound, é “linguagem carregada de significado”. Assim, há na urgência poética uma necessidade de retornar à origem, pois as palavras seriam insuficientes para expressar a verdade. Voltando, entretanto, às questões dos instrumentos, foi através do desenvolvimento deles que surgiram as primeiras abstrações na linguagem: quando, por exemplo, muitas lanças foram feitas, com inúmeros materiais e qualidades diferentes, o homem pôde retirar de todas elas sua qualidade em comum em criar o seu conceito de lança – ou seja, criava, abstratamente, o que definia uma lança. BUSCANDO CONHECIMENTO O homem com o passar do tempo adquiriu poder sobre os objetos – é uma forma de dominar a natureza – pois conseguia criar objetos semelhantes. Ele se tornou criador. A semelhança era uma força também na caça, quando ele imitava animais e facilitava assim o processo. Desta maneira, a igualdade ganhava força entre os primitivos. A linguagem registrou tal mudança ao dar nomes parecidos a objetos próximos, semelhantes – o que facilitou a expandiu ainda mais a comunicação. A palavra, para os antigos, era poderosa. Era aquilo que os estudiosos hoje chamam de “palavra mágica” e algumas culturas antigas eram inclusive proféticas. Pois havia, então, uma força ligando as palavras às ações. Para os primitivos, as palavras eram instrumentos poderosos porque, através delas, eles controlavam a realidade e ainda mais – as experiências podiam ser organizadas, descritas e inclusive individualizadas com palavras específicas. Assim, o instrumento padronizado era reproduzido por imitação, e tal imitação pode ser individualizada, separando os objetos dos demais. A palavra, neste contexto era pura imitação – era idêntica ao objeto. Assim, a palavra mágica – como era em muitas tribos primitivas, em que apenas nomeando o instrumento já se exercia poder sobre ele. E, com o passar do tempo, o homem evoluiu para fora da natureza, transformou-se em sujeito ativo e a natureza, no seu objeto. E isso desenvolveu então uma profunda questão existencial no homem – ele era criatura da natureza, mas também criador. Esta dupla natureza do ser humana – ou seja, a relação entre trabalho e natureza produziu uma síntese importantíssima: a mente humana. O pensamento é a consequência do desenvolvimento. O homem transforma o mundo como um mágico – objetos se transformam em símbolos, conceitos, nomes. O homem, apesar de fraco, tem um potencial de força, é refém fisicamente da natureza, mas aprende a controlá-la – este embate de forças entre as duas realidades que cercam o homem que é, finalmente, a essência de toda obra de arte. Quando pensamos na arte primitiva, temos que imaginar um contexto completamente diferente do que aquele que estudamos ao longo da história. Além de um aspecto estético de admiração e observação da natureza, do homem, do ritmo do universo, havia uma função social e mágica muito forte – várias vezes ligadas aos xamãs das tribos. Havia neste ponto mágico da arte uma capacidade de inspirar poder, seja sobre a natureza, seja sobre o inimigo, seja sobre as relações sexuais. A descoberta da expressão artística enriqueceu o modo de vida do homem. Pinturas de caça, por exemplo, davam mais segurança ao caçador. Não havia uma questão individual, um artista sozinho – era uma manifestação coletiva. As individuais começaram, já se entende por que com os feiticeiros. Separar-se do coletivo, significava morte, significava não responder ao princípio de semelhança discutido acima. E o ritual artístico tinha a função de elevar o homem da natureza. E o que significa essa coletividade indissociável? A concepção deste tipo de magia mostrava a união do homem com o mundo. Era uma maneira de manifestar o sentimento de imortalidade. Apesar de agir sobre a natureza, a tribo e a terra estavam unidas. Era uma união dos opostos – eles realmente não se diferenciavam. Tal equilíbrio é prejudicado com o desenvolvimento da sociedade – a divisão do trabalho, a propriedade privada, a separação da harmonia com o todo. UNIDADE 5 - O MUNDO GREGO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: compreender a estrutura e os principais fatores da democracia grega e de que maneira o individualismo interferiu a arte grega Nesta unidade, continuaremos a nos prender no mundo grego. Estudaremos de que maneira a individualidade trouxe novas questões para as formas de arte e analisaremos também a visão de Aristóteles em sua Poética. ESTUDANDO E REFLETINDO Analisamos na unidade anterior que a função social da poesia mudou o desenvolvimento da sociedade. A questão da coletividade foi substituída pela da individualidade. Analisamos também que se tratava da visão da classe dominante, querendo cifrar seus interesses através da arte. O poeta nesta época perde o seu anonimato e a poesia também perde o seu caráter coletivo. O aparecimento do estado popular, entrando no lugar do estado organizado por um clã é tema, por exemplo, de Antígona, de Sófocles. Esta questão de substituição, longo, se conclui com a vitória da democracia, em Atenas – cidade considerada o berço da cultura ocidental. Umas grandes diferenças para este desenvolvimento humano é a capacidade de abstração que ele adquiriu. E dois fatores sociais permitiram que isso acontecesse: 1) As experiências de Colonização: ao dirigir seu olhar para outros povos, pôde-se notar a visão de mundo de cada povo, notando que deuses eram retratados de maneiras diferentes, que a questão da representação do mundo era diferente. 2) A prática do comércio em moeda, que permitiu a negociação de mercadorias através de um denominador comum - o dinheiro, fazendo com que o homem visualizasse conteúdos diferentes para cada forma, e formas diferentes para cada conteúdo. Ou seja, o homem ganhou consciência de que ele existia, independentemente do momento histórico, ao se comparar com outros povos; esse é um dos primeiros momentos de abstração humana. E o segundo acabou resultando no desligamento das atividades espirituais e da visão da totalidade – pois o advento do comércio e da acumulação de riqueza permitiram a criação de formas “inúteis”, como excedente. E, assim, a arte se torna independente da magia e religião – a classe dominante pode pagar por uma arte “sem propósito”. Em um mundo democrático – lembrando que a democracia em Atenas se aplicava apenas a uma minoria, o individualismo é incentivado, pois abre caminho para as competições e jogos, em que a pessoa pode mostrar o seu valor individual – mas ao mesmo tempo ela é anti-individualista porque ela abole os privilégios de nascimento. Desta maneira, sociologicamente, criou-se uma questão profunda entre estes polos opostos, que tinham que conviver. A tragédia é a criação artística mais característica do período ateniense, e nela estão estruturadas com muita clareza todas as questões sociais desta época. Enquanto que externamente – a maneira como eram apresentadas- tratava-se de uma manifestação democrática, seu conteúdo era aristocrático: defende os indivíduos de coração generoso, os ideais humanos. Ela se originou quando um indivíduo se separou do coro e tornou-se corifeu; a partir daí o canto virou, então, diálogo dramático. Este já é um indício individualista, que se mistura com o instinto de coletividade, pois os espetáculos eram apresentados para uma massa de pessoas e deviam dizer algo a todos. Obviamente, ademocracia não era pura, pois os festivais de teatro eram financiados pela classe mais rica e os prêmios não eram concedidos pelo público. Os ingressos eram gratuitos. Logo então, os artistas respondiam para essas classes ricas e não diretamente para a plateia. BUSCANDO CONHECIMENTO Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) escreve um pequeno manual chamado “Poética”, em que ele reflete sobre os problemas da arte em geral. Este manual até hoje é amplamente discutido e de certa maneira guiou por muito tempo as concepções estéticas da arte – do teatro, principalmente. Isto acontece até hoje porque o filósofo grego apresente inúmeros conceitos que ora são tidos como corretos, ora são tidos como ultrapassados, mas que na verdade precisam ser bem resolvidos e esclarecidos. Sua reflexão é histórico-artística-cultural e se estendeu a um tratado que discorre sobre as formas artísticas e a própria natureza da arte. Veremos de que maneira isso acontece. Para o filósofo grego, toda arte é mímesis, ou, em outras palavras, imitação, representação. Este é um dos conceitos fundamentais para a compreensão da poética de Aristóteles. A arte é realizada através da disposição do ritmo, harmonia e linguagem e haveria este cinco tipos: epopeia, nomos, ditirambo, comédia e tragédia. Para ele, estas formas diferem porque imitam o homem de diferentes maneiras. Haveria no ser humano uma tendência natural para a imitação, o que os difere dos outros seres da natureza. E através da mímesis, ele adquire noções. E haveria dois tipos principais de imitação: por narração (a epopeia) e por intermédio de atores (comédia e tragédia). Assim, a mímesis seria a imitação da ação, havendo várias diferenças que a distinguem: meio, objetos e maneira. A tragédia, por exemplo, é a imitação de um ato nobre, e a comédia, de um ato inferior. “É a tragédia a representação duma ação grave, de extensão e completa, em linguagem exornada, cada parte com o seu atavio adequado, com atores agindo, não narrando, a qual, inspirando pena e temor, opera a catarse própria dessas emoções.” ARISTOTELES, P. 24 A imitação da tragédia é feita por personagens em ação, portanto uma boa imitação seria uma boa organização dos fatos. Por considerar a tragédia uma forma elevada de manifestação artística, Aristóteles prende-se a ela e disse sua estrutura: “A mais importante é a disposição das partes: a tragédia é imitação, não de pessoas, mas de uma ação, da vida, da felicidade, da desventura (...). Os personagens não agem para imitar os caracteres, mas adquirem os caracteres graças às ações. Assim, as ações e a fábula constituem a finalidade da tragédia.” Unidade de Ação E em seguida, ele discorre sobre o arranjo das ações da tragédia – não começam por acaso, mas devem utilizar-se de fórmulas referidas – o belo para Aristóteles está na extensão e na ordem e, por isso, a preocupação formal. Desta maneira, os fatos precisam passar da ventura ao infortúnio, ou ao contrário (sendo esta a extensão) e respeitar dois princípios básicos: 1) necessidade 2) verossimilhança A necessidade diz respeito ao seguinte: tudo que sucede dentro da fábula não é nem pode ser gratuito, mas deve ser crucial para o seu desenrolar. Enquanto que a verossimilhança pede que os fatos não se afastem de coisas impossíveis, mas estejam calcadas na realidade. A unidade de ação é outro principio que compõe uma boa tragédia, e ela acontece com o bom uso da necessidade: não se deve narrar tudo o que aconteceu com o herói, não se deve narrar fatos que não acarretam a necessidade ou a probabilidade de outro. Peripécia e Reconhecimento Outros dois princípios característicos da tragédia são o da peripécia e o do reconhecimento. Peripécia é a reviravolta das ações em sentido contrário (em grego significa “virar de cabeça para baixo”), quando o personagem passa da ventura ao infortúnio. E o reconhecimento é quando o personagem descobre essa mudança, quando ele passa da ignorância ao conhecimento. A tragédia bela precisa sem complexa, imitar fatos inspiradores de temor e pena e isto acontece com a presença da peripécia e do reconhecimento. Poeta habilidoso, para ele, é o que consegue unir estes dois pontos em apenas um evento, como conseguiu Sófocles em O Édipo Rei. A finalidade da literatura, para Aristóteles, é a própria catarse – pois através da tragédia acontece uma descarga emocional que purifica a alma. A catarse acontece na tragédia bem estruturada, em que o herói passa por um infortúnio e o descobre (peripécia e reconhecimento). UNIDADE 6 - RENASCENÇA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Entender um pequeno panorama do período Renascentista. Na presente unidade, estudaremos de que maneira o comércio interferiu diretamente nas produções artísticas do mundo inteiro. Vimos que, com o mundo grego e o início das relações comerciais, a arte começa a investigar a subjetividade do homem. Veremos nas próximas unidades de que maneira este processo se desenvolveu ao longo da história. ESTUDANDO E REFLETINDO A Renascença Uma verdadeira mudança no quadro artístico acontece apenas no século XVIII com o advento do iluminismo, da industrialização e do progresso. Quando se pensa na Renascença, muitas vezes não se sabe diferenciá-la da Idade Média, quando pensamos em seu conceito. Mas, é claro, há uma linha que separa a Idade Média do Renascimento e deve-se situá-la não no século XV, mas talvez no XII, época em que a economia monetária volta à tona e a classe burguesa começa a se diferenciar. O movimento naturalista iniciado no século XV na verdade é uma continuação do período gótico, em que a concepção individual das coisas já começa a ser elaborada. Ao pensar na renascença, os historiadores na verdade trazem à tona que houve uma redescoberta do mundo e do homem, mas na verdade esta visão é incompleta: na verdade o naturalismo colocou a arte como um estudo da natureza através do racionalismo. A renascença aprofunda o desenvolvimento gótico medieval através do novo sistema econômico que se desenvolvia: o capitalismo. Ela é um reflexo do racionalismo, que começou a dominar as formas artísticas. Assim como o mundo racional começa a tomar conta, a arte também moldou as suas formas – agora, os princípios de unidade ganham prioridade. Tudo passa por um processo de racionalização – o irracional deixa de impressionar. O “belo” é aquilo que é lógico, harmônico aritmeticamente – como, por exemplo, com proporções corretas e simetria. O “Homem Vitruviano”, de Leonardo da Vinci. O movimento apareceu nas cidades italianas, que foram a vanguarda de toda a revolução cultural que o movimento trouxe. O movimento marca a divisão entre as idades das trevas (Idade Média) e a idade da luz (Idade Moderna). Os antecedentes históricos que permitiram que as cidades italianas fossem o palco do renascimento foi o comércio que começou a fluir em seus portos – Florença era a principal cidade. Esta é a cidade e época em que viveram Leonardo da Vinci e Maquiavel. O que marcou principalmente esta época e o artista foi uma gradual separação do teocentrismo para o antropocentrismo – ou humanismo. A visão de que Deus era o centro do universo e de todos foi aos poucos ganhando uma opinião contrária – alguns filósofos começaram a colocar o homem como o centro de tudo. Assim, na arte, não cabia mais retratar o mundo como obra de Deus, mas a natureza havia se tornado um objeto de estudo e caberia ao homem controlá-la. Estátua de Davi, de Michelangelo O ponto de partida dos estudiosos da época, ao trazer o humanismo, foi reinterpretar a arte clássica. Eles necessitavam de um modelo – e o mundo grego era, para eles, a mais alta inspiração – sendo que Florença tinha o projetode se tornar uma nova Atenas. Uma vez considerado que a Idade Média teria sido as trevas da humanidade, que teria estado cega por mil anos, o renascimento, como caminho do conhecimento, foi extremamente influenciado pela ciência – quando geometria e perspectiva foram inventadas; Leonardo da Vinci adotou os princípios das proporções matemáticas para o corpo humano em seu Homem Vitruviano. E um dos melhores exemplos que marcam a renascença é o trabalho de Michelangelo (1475-1564), como o teto da capela Sistina e a estátua de Davi, em que fica evidente a perfeição do corpo humano. BUSCANDO CONHECIMENTO Leonardo da Vinci (1452-1519) é considerado um dos maiores artistas da humanidade e um dos mestres da renascença. Vejamos de que maneira ele pode ser considerado um expoente do renascimento: Conhecido no mundo todo por trabalhos como a Mona Lisa, Leonardo também foi realizador de vários projetos técnicos e tinha alguns poucos conhecidos pensamentos filosóficos. Neste, encontramos traços neoplatônicos, como quando ele desenha um paralelismo entre o homem e o universo: “O homem é considerado pelos antigos como um mundo menor. É certo que o uso desse nome está bem colocado, já que, como o homem é composto de terra, água e ar e fogo, esse corpo é semelhante à terra; assim como o homem tem em si ossos, sustentáculos e armadura da carne, o mundo tem as pedras, sustentáculos da terra”. São traços da filosofia neoplatônica, fruto do renascimento, que considerava que havia uma sincronia entre o microcosmo e o macrocosmo, com a diferença de que Leonardo usava este argumento para demonstrar que a própria natureza era mecânica. Tal ordem da natureza, mecânica, deriva de Deus e é necessária. Ele a interpreta através do pensamento matemático, pois este analisa a natureza de modo eficaz. Portanto, ele elimina da natureza as influências de forças místicas e espirituais para concentrar-se apenas no mundo concreto. Leonardo da Vinci, em seu célebre autorretrato Para Leonardo, o conhecimento e saber derivavam de duas fontes: 1) da experiência 2) das cogitações mentais A experiência seria aquilo que se construía nas oficinas e que resultava em artes mecânicas, como a geometria ou perspectiva – seria um tipo de aprendizado prático. Mas, ao mesmo tempo, ele sabia que nenhuma investigação humana poderia ser considerada ciência sem suas respectivas demonstrações matemáticas. Os fenômenos da natureza só poderiam ser compreendidos se as suas razões fossem descobertas. Daí a sua célebre frase: “A ciência é o capitão, a prática os soldados.” De uma certa maneira, ele tenta um meio-termo entre razão e experiência, ao tentar conhecer as leis da natureza. UNIDADE 7 - ARTE E CAPITALISMO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Entender de que maneira funciona a arte com o advento do comércio. Na presente unidade, estudaremos de que maneira o comércio interferiu diretamente nas produções artísticas do mundo inteiro. Vimos que, com o mundo grego e o início das relações comerciais, a arte começa a investigar a subjetividade do homem. Veremos nas próximas unidades de que maneira este processo se desenvolveu ao longo da história. ESTUDANDO E REFLETINDO Com o advento do capitalismo, a posição do artista na sociedade mudou completamente. Tudo se transformou em mercadoria. Até mesmo a relação entre o produtor e o consumidor desapareceu gradualmente, com o aumento da produtividade e a divisão do trabalho. O homem seguiu o seu processo de alienação da realidade, como visto nas primeiras unidades da apostila. Uma das consequências mais diretas para a arte, neste processo, foi ela mesma se tornar uma mercadoria, sendo o artista o seu produtor – e o que definia a avaliação das obras eram os seus consumidores – o próprio público. O artista, pela primeira vez em sua história, aparecia como livre, com uma liberdade única na sociedade. Era uma ocupação tanto romântica como comercial. Mas o capitalismo por muito tempo não valorizou a arte, pois era uma ocupação que não trazia o lucro e o sistema pedia acumulação de riquezas – o homem capitalista tem uma paixão pela riqueza e, para isso, o investimento maior era sempre na indústria. Não só para acúmulo, mas a riqueza também servia para a satisfação dos desejos privados e ostentação da riqueza para obtenção de prestígio. Assim, de que maneira poderia este sistema ser propício para a divulgação e propagação da arte? Não é. A arte era apenas um embelezamento da vida privada, um investimento. Claro que, para os artistas, o capitalismo rendeu muito o que falar, produzir novos sentimentos, ideias; revoltas surgiram – e uma reorganização nas formas de expressão também criaram trabalhos extremamente originais – uma nova forma de pensar a arte se fez presente. No renascimento, a burguesia estava ainda começando a avançar – toda a produção acelerada, impessoal, ainda não estava acontecendo. O naturalismo renascentista foi muito ajudado sob este ponto de vista, pois o artista foi generosamente ajudado e valorizado nesta época, como visto na unidade anterior. Tal liberdade também se deu com a revolução burguesa, simbolizada pela revolução francesa, em que os ideais de liberdade eram valorizados – o artista valorizava a sua subjetividade e a liberdade – era a ideologia burguesa que ascendia ao poder. “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” foi o lema da Revolução Francesa e cada uma dessas palavras representa a cor de sua bandeira. Claro que as injustiças nesta época já se manifestavam através da exploração assalariada e a liberdade assim proclamada fazia o homem se submeter às regras de competição que o sistema impunha. Era, por um outro lado, para o artista, uma espécie de desilusão. Com as revoluções instauradas, o mundo e as artes perdem o encanto, o ser humano termina o seu processo de alienação, as relações sociais se diluem e o isolamento é ainda maior. Sob esta perspectiva, o artista não mais poderia se afirmar e acreditar que a burguesia era a vitória da humanidade. BUSCANDO CONHECIMENTO O Romantismo O movimento romântico surge em protesto ao mundo burguês, contra os lucros, a exploração – ele marcou a desilusão. Foi o movimento que melhor refletiu as contradições que surgiram com o desenvolvimento capitalista – até a publicação do manifesto comunista de Karl Marx, em que se compreendeu o mecanismo dialético do desenvolvimento histórico. Mas o próprio romantismo é um movimento confuso, por excelência, pois a própria burguesia era uma classe instável – sentia a nostalgia de uma certa noção de ordem, mas também era presa às esperanças da riqueza. “Viajante sobre o mar de névoa”, de Caspar Friedrich – aqui a pintura encarna perfeitamente o ideal romântico de vagar pelo mundo, com o desejo de se aproximar do infinito. Mas, em seu início, ele se iniciou como uma revolta da burguesia contra as imposições da aristocracia. Particularmente, o movimento permitia que qualquer tema fosse tratado, pois um tratamento romântico seria dar um exagerado valor a uma questão. O movimento se opôs ao iluminismo, contra as ideias mecanicistas. O movimento que é considerado o iniciador do romantismo é o “Sturm undDrang”. Houve uma reviravolta cultural que mudou todo o ambiente artístico da Europa e não era de se espantar, pois a transição do século XVIII para o XIX foi marcada por inúmeras turbulências. Já falamos acima da Revolução Francesa, mas uma das consequências diretas delas foi a época do grande Terror, em que a Guilhotina fez inúmeras vítimas e sepultou a esperança de que a humanidade teria vencido junto com os ideais iluministas. O “Sturm undDrang”, em alemão, tempestade e ímpeto, foi um movimento alemão que também superou o iluminismo europeu. Eis suas ideias principais:1) a natureza é redescoberta como força onipotente 2) o gênio é relacionado diretamente com a natureza, portanto ele cria a própria regra e não segue nenhuma exterior 3) o intelectualismo começa a ser substituído pelo panteísmo 4) sentimento pátrio que odeia o tirano e a repressão da liberdade 5) aprecia-se sentimentos fortes e paixões calorosas. Uma imagem central no romantismo é o sujeito se vendo isolado na sociedade e que emerge deste mundo fragmentado e impessoal – e ele faz isso valorizando a própria subjetividade e as emoções. Mas, ao mesmo tempo, isso gera fragilidade, solidão. Ele enfrenta o mundo burguês. Este retorno à religiosidade e a refuta ao iluminismo concentrados no Sturm undDramg foram cruciais para o desenvolvimento do homem romântico, cujas características principais explicaremos abaixo. O conflito interior é ponto forte romântico – a eterna insatisfação e a eterna aspiração por algo a mais. a) A sede do Infinito Todo romântico sente uma sede pelo infinito, uma ansiedade que se caracteriza por um desejo irrealizável. Na verdade, os desejos são assim porque o homem deseja o infinito. Neste ponto, a filosofia e a poesia caminham juntas, pois aquela relaciona o infinito com o finito e esta concretiza esta relação. b) Novo sentido de natureza A natureza reganha uma natureza fundamental, pois é vista como criadora eterna de vida e a morte é vista como artifício, para se ter ainda mais vida. A natureza, assim como o ser humano, é um grande organismo, ela, assim como o homem, é a força do divino. Goethe (1749 – 1832) Goethe é considerado um dos fundadores do romantismo. Escreveu peças e romances e foi um dos líderes do movimento Sturm UndDrang. Tornou-se conhecido na Europa através do seu romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de 1774, considerada uma das primeiras obras românticas. c) Senso de pânico Há uma harmonia com a natureza acima e, consequentemente, o sentimento de pânico de fazer parte do uno-todo, pois o todo se reflete no homem e vice-versa. d) A função do gênio e da arte A criação artística é levada como expressão do absoluto. Para os pensadores românticos, a natureza tem instinto artístico, portanto é impossível distingui-la da arte. A poesia cura as feridas do intelecto e o gênio é a pedra filosofal do espírito. e) Anseio pela Liberdade A liberdade vai além de um simples conceito, mas é o que opera todos os seres. É a partir dela que se desenvolve a consciência, é o seu fermento. f) Reavaliação da religião A religião mais uma vez é revalorizada, em contraste com o iluminismo. A religião era vista como uma das maneiras de o homem mais uma vez se relacionar com o infinito. UNIDADE 8 - IMITAÇÃO E EXPRESSÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Compreender de que maneira o romantismo revolucionou a teoria estética. O conceito de arte como imitação estabelecido por Aristóteles - estudado nas unidades anteriores - durou por bastante tempo na história. Na seguinte unidade, iremos compreender de que maneira esta visão sobre o conceito de arte durou até o romantismo (estudado na unidade anterior) e no que ela se transformou. ESTUDANDO E REFLETINDO Arte e Imitação É impossível pensar em arte sem falar na questão da beleza. Ela é um dos fenômenos inquestionáveis que cercam o ser humano. Um dos problemas que demoraram para ser tratados nas teorias da arte é a sua autonomia – ela sempre estava relacionada com alguma função social, ética, ou até mesmo teórica – demorou para ela ser vista como uma questão autônoma do ser humano. Já vimos anteriormente que uma das essências da arte era o fruto dos dois mundos que o homem vivia: o interior (em que era criador) e o exterior (em que era refém da natureza). E este conflito acompanha toda a filosofia da arte – e também a filosofia da linguagem (e não por coincidência). O ser humano oscila entre o lado subjetivo e o lado objetivo destas áreas, de acordo com o seu desenvolvimento. Nos tempos primitivos, arte e linguagem eram inseparáveis – e eram definidas como imitação. A linguagem imitava sons e a arte coisas externas (que eram objetivas). A imitação era considerada um instinto natural e fundamental do homem. Toda a teoria aristotélica sobre arte girava em torno deste conceito (mímesis). A teoria de imitação desenvolveu-se ao longo da história – mesmo a poesia era considerada imitação, assim como a pintura. Mas não se deve entender o conceito de mímesis como uma simples reprodução da realidade, pois em todos os casos era demandada uma criatividade do artista – a sua subjetividade transformava, reinterpretava a realidade. É impossível considerar apenas um lado puramente – seja o subjetivo ou o objetivo – eles se misturavam, nem que fosse minimamente. Assim, a própria natureza poderia ser corrigida pela arte, nem mesmo ela era perfeita. Até mesmo Aristóteles defendeu esta ideia: “Para os propósitos da poesia, uma impossibilidade convincente é preferível a uma possibilidade convincente.” A teoria de arte como imitação prosseguiu por vários séculos – no século XVI – o neoclassicismo italiano partia também deste princípio – a arte não reproduziria a natureza, mas a bela natureza. Mas a teoria tem certas falhas, pois como se representaria a bela natureza imparcialmente? A poesia e a arte acabariam mudando, transfigurando a natureza. É impossível representar o lado objetivo puramente, sem uma interpretação, sem desconsiderar o aspecto subjetivo. BUSCANDO CONHECIMENTO Rousseau e Goethe Um dos filósofos mais importantes da história da filosofia foi o suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Autodidata, foi precursor do romantismo. Ele marcou uma virada decisiva na teoria estética da humanidade. Em primeiro lugar, ele rejeitou toda a teoria clássica e renascentista sobre arte e, depois, definiu a arte não como descrição, imitação do mundo, mas como algo diferente: um transbordar de emoções e paixões. A arte não era mais considerada imitação. Assim, a arte devia ser considerada, a partir de então, “arte característica”. E toda a arte europeia acabou sofrendo influência de Rousseau. A beleza ganhou aspecto secundário na obra de arte, como defendeu Goethe, já influenciado pelo filósofo suíço: “Não deixeis que uma concepção errônea fique entre nós, não permitais que a doutrina afeminada do moderno traficante de beleza de arte vos torne indelicados demais para desfrutar uma rudeza significativa, para que no fim vosso sofrimento enfraquecido não seja capaz de suportar nada além da suavidade sem sentido. Tentam fazer-vos crer que as belas artes surgem da nossa suposta inclinação para embelezar o mundo à nossa volta. Isso não é verdade. A arte é formativa muito antes de ser bela e, no entanto, ela é então arte verdadeira e grandiosa, muitas vezes mais verdadeira e mais grandiosa que a própria bela arte. Pois o homem tem em si uma natureza formativa, que se apresenta na atividade assim que a existência dele está segura;.. De modo que o selvagem remodela com traços bizarros, formas grotescas e cores grosseiras, seus “cocos”, suas plumas e seu próprio corpo. E muito embora esse elenco de imagens seja composto das formas mais caprichosas, mas sem proporção de formato, suas partes se harmonizam, pois um único sentimento criou-as em um todo característico. Ora, essa arte característica é a única verdadeira arte. Quando ela age sobre aquilo que a rodeia baseada em um sentimento interior, singular, original e independente, descuidando e até ignorando o que lhe é alheio, então, seja nascida da selvageria rude, seja da sensibilidade cultivada, ela é plena e viva.” GOETHE, in: CASSIRER, p. 231 Este trecho do artigo de Goethe define bem a mudança estética que estava por vir com o romantismo. É uma arte que valorizaas emoções e não uma simples imitação. Há uma valorização do lado subjetivo do homem. Mas, para Goethe, esta teoria de arte ia além de uma mera reprodução do lado interior do homem (senão, a arte continuaria sendo imitação) – assim, ele não nega que há um caráter formativo na arte também. Benedetto Croce (1866-1952) Italiano, Croce é considerado uma das personalidades mais importantes da Itália no século XX. Seus escritos principais foram sobre estética e história. Ele é aqui ressaltado porque desenvolveu uma teoria estética que tentava desconsiderar o aspecto formal, material da arte. O que importava para ele era a expressão e não o modo. A intuição do artista era o mais importante. A forma era uma questão técnica e não estética. Por isso, a arte para ele ganha um valor espiritual – e a intuição é a concretização deste valor. Mas não se deve menosprezar o processo de construção artística. A arte mais além de uma simples expressão informal de emoções – se assim fosse, qualquer gesto emotivo seria uma obra de arte, e não é assim que sucede. A intencionalidade se mostra, portanto, essencial para a expressão artística. Um poeta escolhe as palavras, o ator representa o seu papel – sempre com a intenção de corporificar o caráter humano. Por isso, tal expressão intencional é também representação. Apenas a expressão dos sentimentos é sentimentalismo. A arte tem outra natureza. O problema da arte, como foi visto anteriormente, não pode fugir do problema da forma. Nem mesmo na poesia. “A poesia se escreve com palavras e não com ideias.”, defende Mallarmé. Mallarmé (1842-1898) é autor de uma obra poética que revolucionou a poesia na segunda metade do século XIX. Ele usava símbolos para expressar a verdade, então sua poesia é cifrada, caracterizada por uma musicalidade única e repleta de experimentações gramaticais UNIDADE 9 - A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Entender a síntese entre as duas teorias de função da arte – como imitação e como expressão. Vimos na última unidade que nenhuma das visões sobre a arte pode ser definida puramente: a arte como imitação não escapa da subjetividade e a arte como característica não deve escapar dos aspectos formais. Há um caráter de intencionalidade na arte que deve ser considerado. Veremos, na presente unidade, a partir disto, que a arte deve ser vista como descoberta da realidade. ESTUDANDO E REFLETINDO A arte, como forma, não é e nem deve ser uma mera imitação da realidade. Ela é um meio que nos revela questões objetivas da vida. Ou seja: através da arte, se descobre o mundo. Através da imitação simples e da expressão, apenas, não se reinterpreta nem se redescobre a realidade. O filósofo judaico-alemão Ernst Cassirer (1874-1945), que pertenceu à tradição neokantiana da filosofia, desenvolveu uma teoria dos símbolos através da sua Fenomenologia do Conhecimento. Suas principais obras são: “Filosofia das Formas Simbólicas” “Filosofia do Iluminismo” “Ensaio sobre o Homem” “Linguagem e Mito” Mas, quando se diz “descobrir a realidade”, também se difere completamente daquilo que o pensamento científico pretende. Através da ciência e da linguagem, principalmente, é que se avalia o mundo objetivo. O homem avalia e categoriza o mundo. E a arte faz o mesmo, mas de maneira concentrada e condensada. É o que defendeu Aristóteles em sua Poética, ao dizer que, diferentemente da história, a poesia apresenta uma única ação (o princípio de unidade de ação discutido na unidade sobre a poética). Tal ação é um todo completo, como um organismo vivo. Ao asso que a história lida com eventos desconexos, inúmeras ações. É também o que o poeta Ezra Pound (1885-1972) defendeu quando disse que poesia era linguagem carregada de significado: “Literatura é linguagem carregada de significado. Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.” POUND, p. 32 Entretanto, voltando à questão de ciência e linguagem, ambas são meios de abreviar a realidade, de abstrair a realidade. A arte, ao intensificar a realidade, tem um princípio de concretizar o mundo. Enquanto a ciência busca um princípio para definir a estrutura de um objeto, a arte não realiza este tipo de abordagem: ela não busca causas ou qualidade, mas, sim a intuição das formas das coisas. O artista é um descobridor de formas da natureza: “Os grandes artistas de todos os tempos sempre tiveram a consciência dessa tarefa especial e desse dom especial da arte. Leonardo da Vinci falava do propósito da pintura e da escultura como o “sapervedere”. Segundo ele, o pintor e o escultor são os grandes instrutores no domínio do mundo visível. Isso porque a consciência das formas puras das coisas não é de modo algum um talento instintivo, um dom da natureza. Podemos ter encontrado um objeto de nossa experiência sensorial ordinária mil vezes sem jamais ter ‘visto’ a sua forma. Ficamos perdidos quando nos pedem para descrever, não as suas qualidades ou efeitos físicos, mas a sua forma visual e sua estrutura puras. É a arte que preenche essa lacuna. Nela, vivemos mais no domínio das formas puras do que no da análise e escrutínio de objetos sensoriais, ou do estudo de seus efeitos.” CASSIRER, p. 236. Quando, a partir de Descartes, a razão humana começou a triunfar, a humanidade pagou um preço alto por isso, pois o pensamento científico significa abstração e a abstração empobrece a realidade. Isso porque ela é reduzida em simples fórmulas – tenta-se domar o mundo, esgotá-lo. Mas a arte faz exatamente o contrário: ela mostra que o mundo é inesgotável, renovável. Tanto que é impossível dois artistas pintarem a mesma paisagem. BUSCANDO CONHECIMENTO Desta maneira, podemos dizer que a arte não é apenas imitação, porque a percepção estética do ser humano é infinitamente maior do que a sua percepção sensorial. A sensorial quer apenas compreender e perceber os objetos ao nosso redor; a estética tem intenções riquíssimas, que apenas a arte pode mostrar, concretizar, e esta é uma das maiores funções da arte. Vejamos o experimento descrito na obra de Cassirer: “Em suas memórias, o pintor Ludwig Richter conta que certa vez na sua juventude, quando estava em Tivoli, ele e três amigos decidiram pintar a mesma paisagem. Todos tinham a firme resolução de não se desviar da natureza; queriam reproduzir o que viam com a maior precisão possível. Mesmo assim, a experiência resultou em quatro quadros completamente diversos dos artistas. O narrador concluiu disso que a visão objetiva não existe e que a forma e a cor são sempre apreendidas de acordo com o temperamento individual. Émile Zola define a obra de arte como uma parte da natureza vista por um temperamento. O temperamento a que se faz referência não é apenas singularidade ou idiossincrasia. Quando estamos absortos na intuição de uma grande obra de arte, não sentimos uma separação entre os mundos objetivo e subjetivo. Não vivemos integralmente em uma esfera individual. Além dessas duas esferas, detectamos um novo domínio, o domínio das formas plásticas, musicais, poéticas; e estas têm uma universalidade real.” CASSIRER, p. 238 A visão de Cassirer ainda se completa, dizendo que a percepção estética é universalizante – pois ela não se restringe a uma única pessoa. Se fosse assim, a arte não teria este potencial de comunicação avançado que ela possui. Assim, a invenção do artista não é arbitrária, mas ele cria uma forma real – ele objetiva a realidade. Uma obra de arte, portanto, é quase impossível defini-la como representação ou como expressão – ela é uma síntese de um símbolo novo, muito mais profundo, com um significado novo. O artista revela a sua visão da vida como um todo. Cassirer ainda cita Goethe: “A arte não se propõe a emular a naturezaem sua amplidão e profundidade; atém-se à superfície dos fenômenos naturais. Mas tem sua própria profundidade, seu próprio poder: cristaliza os momentos mais elevados desses fenômenos superficiais reconhecendo neles o caráter de aderência às leis, a perfeição da proporção harmoniosa, o cúmulo da beleza, a dignidade de significado, o auge da paixão”. GOETHE, in: Cassirer, p. 240. A realidade é interpretada, não através de conceitos, mas de intuições formais profundas. E, desta maneira, o que é mais claro e consciente é vivenciado e compreendido através da arte. E, assim, podemos retornar mais uma vez ao conceito de catarse elaborado por Aristóteles (estudado nas unidades anteriores). Pois, quando a catarse não se relaciona com a purificação das emoções, trata-se de uma mudança na alma humana. Portanto, nem o artista nem o público são escravos das emoções, mas se transformam como ela. A experiência estética está longe de ser fria, apática, intelectual. A emoção humana vigora em um plano mais alto, muda de forma – ela se dá não em uma realidade imediata, mas em uma forma criada. Assim, em um plano paralelo à realidade, as emoções são vistas essencialmente. Mais uma vez citamos Cassirer: “A arte nos apresenta os movimentos da alma humana em toda sua profundidade e variedade. Mas a forma – a medida e o ritmo desses movimentos- não é comparável a qualquer estado emocional isolado. O que sentimos na arte não é uma qualidade emocional simples e única. É o processo dinâmico da própria vida: a oscilação contínua entre polos opostos, entre alegria e pesar, esperança e temor, exultação e desespero. Dar uma forma estética a nossas paixões é transformá-las em um estado livre e ativo. Na obra do artista, o poder da própria paixão foi transformado em um poder formativo.’’ E onde se encaixa o espectador em toda esta teoria? Afinal, ele não pode ser considerado ausente deste processo, pois o fazer artístico é um fazer dialético. O público é necessário para reconstruir a obra, recriá-la e reinterpretá-la. Não é um espectador passivo, mas que revive aquilo que a obra propõe. Desta maneira, a arte ganha uma função de libertação. A experiência estética, ganha, na visão de Cassirer, uma complexidade que tenta abranger a verdadeira função da arte. Pois tal função de libertação é fruto deste processo dinâmico interior que a arte causa. “A arte deve sempre dar-nos mais moção que emoção.” – o que importa é a dinâmica do processo artístico. E tal dinâmica existe porque a arte apresenta, em sua essência, complexidade, contradições. Cassirer relembra o Banquete de Platão, em que Sócrates defende que a diferença entre comédia e tragédia é apenas em conteúdo – em essência elas são iguais. Ele escreve que em uma comédia, por exemplo, sente-se um misto de prazer e dor, pois o poeta segue as regras da natureza. E o grande poema se caracteriza pela riqueza e vasta gama de emoções que ele contém. Este é o valor da experiência estética – ela não pode ser reduzida a um mero adjetivo, pois ela capta todos os contrastes com sentido e força – a ponto de não poder se reduzir a uma qualidade como “trágico”, “cômico”, “sombrio” – ela é um todo indivisível. A beleza, -e isso aparece em inúmeras teorias estéticas, não é uma qualidade natural das coisas, mas está sempre relacionada com a mente humana. De uma certa maneira, defende David Hume, ela existe na mente que contempla as coisas. Mas, por sua vez, a beleza não pode ser apenas isso, pois caso contrário seria uma experiência apenas passiva. Perceber a beleza também indica um processo ativo na mente, de construí-la através da percepção. A beleza da natureza independe da beleza estética das obras da arte, este ponto também vale ser ressaltado – pois nós como espectadores percebemos claramente essa diferença. Podemos apreciar uma paisagem livremente, mas a partir do momento que incorporamos o olho do artista, saímos do reino da beleza natural e entramos no mundo das formas vivas. E a realidade é absorvida e retratada de uma maneira diferente, através da harmonia entre os contrastes. E é nisso que reside a experiência estética. UNIDADE 10 - A TEORIA DO HEDONISMO ESTÉTICO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Compreender as teorias que ligam o prazer à arte. Uma das várias teorias sobre a arte é aquela do Hedonismo estético. Na presente unidade, iremos estudar as principais visões que lapidaram este tema, suas qualidades e suas limitações. ESTUDANDO E REFLETINDO Quando pensamos em teorias sobre a arte, encontramos inúmeras vertentes, como as metafísicas ou as psicológicas. Quando pensamos nesta última, ela aparenta ser mais concreta que a segunda, pois não apresenta teorias sobre a beleza – apenas as descreve. Uma teoria psicológica sobre a função da arte precisa, em primeiro lugar, determinar o que pertence à experiência de beleza. E tudo começa do prazer – pois é inquestionável o prazer que se sente na apreciação de uma obra de arte. E, quando se discute a natureza deste prazer, é indiscutível que a relação entre beleza e arte é inseparável. Mas há um grande perigo de considerar o prazer como algo tão abstrato e amplo, pois se perdem diferenças quanto à natureza do prazer. Se a vontade busca o prazer, tanto faz a sua natureza – o importante é o grau, duração e facilidade de obtê-lo. Então, se os prazeres diferem apenas em grau, há uma origem psicológica e biológica comum. A teoria de Santayana George Santayana (1863-1952) foi um filósofo e escritor espanhol que teve sua educação nos Estados Unidos. Sua obra principal foi publicada em 1896 e se chama “Senso de Beleza” – talvez o primeiro grande livro sobre estética escrito nos Estados Unidos. Segundo ele, a beleza é o prazer visto como uma qualidade das coisas; é o “prazer objetificado”. Mas como algo extremamente subjetivo ser considerado objetivo? Para o filósofo espanhol, a ciência responde à exigência da informação (da verdade), enquanto que a arte responde pela necessidade de diversão. Desenho de George Santayana do início do século XX Mas é uma visão insuficiente: há inúmeros meios de responder à exigência de diversão – ou até mesmo imaginar o trabalho primoroso de inúmeros artistas, como Michelangelo, ou até mesmo as biografias sofridas de escritores, é claro que a visão falha. Aristóteles já tinha rechaçado o tema: “esforçar-se e trabalhar pela diversão parece tolo e totalmente infantil”. Isso acontece porque não se diferencia a natureza dos prazeres. O prazer físico difere completamente do que é chamado de experiência estética – como estudado em detalhes na unidade anterior (as formas elas não são apreciadas e reproduzidas na nossa mente, a experiência se traduz na recriação de formas – somente assim se pode sentir e apreciar a beleza, quando se trata de um processo ativo da mente). Esta é uma das falhas do hedonismo estético, pois eles desconsideram o fator da criatividade na apreciação artística. Assim, quando consideramos a experiência estética, o próprio prazer deixa de ser uma característica e ganha uma função no organismo do artista. O artista não apenas reproduz o que sente – nem mesmo apenas combina e mistura as suas impressões. A arte vai além de sensibilidade a cores sons. O artista consegue tirar deste material bruto uma dinâmica de formas. Neste sentido, podemos considerar a beleza como o prazer objetificado: “A definição da beleza como ‘prazer objetificado contém todo um problema resumido. O mundo físico – o mundo das coisas e qualidades constantes – não é um mero aglomerado de dados sensoriais, nem o mundo da arte é um aglomerado de sentimentos e emoções. O primeiro depende de atos de objetificação teórica, objetificação por ideações e conceitos científicos; o segundo depende de atos formativos de um tipo diferente, atos de contemplação.”CASSIRER, p. 262 BUSCANDO CONHECIMENTO O mesmo problema apresenta outras teorias sobre estética que tentam desconectar arte e prazer. Trata-se de estados mentais passivos. Mas as teorias tentam ligar a arte a algum fenômeno conhecido – todos passivos. As teorias psicológicas e as metafísicas (algumas vistas nas unidades anteriores) tentam a todo custo se defender da visão racionalista que se tem sobre a arte. Quando pensamos em uma época, como o classicismo francês, vemos a arte reduzida a uma fórmula de matemática. Como, por exemplo, a visão do dramaturgo Racine que escrevia buscando simetria no número de versos, inclusive (na peça “Fedra”, para que se tenha uma ideia, ele propositalmente colocou a peripécia do enredo no verso central). Os românticos foram extremamente críticos a esta visão – como se pode submeter a arte a regras lógicas? Há regras? Não existe um manual que faça alguém escrever um bom poema – a arte, e isso já está claro a este ponto, vem de níveis mais profundos. E para compreender a natureza desta profundidade, deve-se aprofundar no inconsciente, ir além do plano racional. Schlegel diz: “O início de toda poesia é abolir a lei e o método da razão que processe racionalmente e mergulhar-nos novamente na arrebatadora confusão da fantasia, no caos original da natureza humana.” Bergson Esta visão romântica ecoou em toda a contemporaneidade. O filósofo Henri Bergson (1859-1941) criou uma teoria da beleza que tentava sintetizar a sua obra metafísica. Para ele, a obra de arte era o exemplo perfeito da existência dessa diferença radical entre razão e intuição, dessa luta de princípios opostos. A arte é a porta para o mundo da profundidade, é a maneira possível de retornar à realidade. Na criatividade da arte se encontra a criatividade da vida. Porém, a visão de Bergson ainda carrega a passividade como grande problema, pois, para ele, a intuição é um processo passivo, e não ativo. Ele a chama de “objeto da arte”. A experiência da beleza tem um caráter de hipnose. Mas a beleza não é simplesmente impressa hipnoticamente na mente do homem. Para se apreciar a beleza, é necessário este processo ativo, como defende mais uma vez Cassirer: “Para sentir a beleza, é preciso cooperar com o artista. É preciso não só solidarizar-se com os sentimentos do artista, mas também entrar em sua atividade criativa. Se o artista conseguisse adormecer os poderes ativos da nossa personalidade, ele paralisaria o nosso sentido de beleza. A apreensão da beleza, a consciência do dinamismo das formas, não pode ser comunicada desse modo, pois a beleza depende tanto de sentimentos de um tipo específico, quanto de um ato de juízo e de contemplação.” CASSIRER, p. 264 Em o filme “O Concerto”, encontramos a questão da experiência estética em inúmeros níveis. Temos um maestro há trinta anos proibido de reger, que fabrica mais uma vez essa oportunidade. Seu caráter obsessivo e a música de Tchaikovsky conduzem o espectador a uma experiência que transmite profundamente a dimensão da experiência estética no ponto de vista do artista. UNIDADE 11 - PERDA DA REALIDADE CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: A questão da “perda da realidade”, que antes foi sentida pelos românticos, no mundo capitalista avançado se tornou uma questão central na subjetividade do homem e consequentemente na arte. Na presente unidade, iremos abordar este aspecto sucintamente e citar algumas obras importantes. ESTUDANDO E REFLETINDO Vejamos o poema “A uma Passante”, de Charles Baudelaire (1821-1867): A rua, em torno, era ensurdecedora vaia. Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa, Uma mulher passou, com sua mão vaidosa Erguendo e balançando a barra alva da saia; Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina. Eu bebia, como um basbaque extravagante, No tempestuoso céu do seu olhar distante, A doçura que encanta e o prazer que assassina. Brilho... e a noite depois! – Fugitiva beldade De um olhar que me fez nascer segunda vez, Não mais te hei de rever senão na eternidade? Longe daqui! Tarde demais! Nunca Talvez! Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste! Temos no soneto de Baudelaire uma situação em que um casal se cruza enquanto caminha numa via pública. Aqui, o poeta se apaixona ao cruzar com sua amada. O poema acima é um belo exemplo para iniciarmos a unidade, pois ele reflete em alguns aspectos o estado de alienação do indivíduo na cidade. “A rua era ensurdecedora vaia”, por exemplo, reforçada pela ausência de palavras ou expressões que mostrem ou defina a multidão. A paixão fugaz, causada por um breve encontro, é na verdade um encontro efêmero, o tipo de encontro que a sociedade atual proporciona. O mundo capitalista industrializado, com o comércio altamente desenvolvido se tornou um mundo exterior. O homem que nele habita se aliena dele e de si mesmo. Na arte moderna, um dos temas principais, portanto, é a destruição da realidade. Processo este que não foi causado pelos artistas, mas: “Tendências destrutivas existem; porém, de fato, não são os escritores e pintores os que aboliram a realidade. Uma realidade pertencente a um passado mais ou menos remoto e há muito tempo transformada em seu próprio fantasma se conserva artificialmente enrijecida em frases feitas, preconceitos e hipocrisias. O produto final de pesquisas mecânicas, investigações, analises, estatísticas e relatórios é uma grotesca caricatura do real, é a corporificação de um mundo ilusório que é de todos e não é de ninguém. A ilusão se coloca no lugar da contradição. A multiplicidade dos variados “pontos de vista” mal encobre uma pavorosa uniformidade de mentalidades. As respostas precedem as perguntas. Alguns clichês – diversos dos quais foram, há tempos, reflexos da realidade – são habitual e exaustivamente utilizados. Tais clichês acham-se hoje tão próximos da realidade quanto um tubarão do petróleo de uma pintura sagrada.” FISCHER, p. 223 A questão dos clichês é colocada como central para Fischer, que cita o escritor austríaco Karl Kraus – que já tinha notado que os excessos e clichês comandavam a sociedade (80 anos atrás). Sobre a imprensa, diz o escritor, é outro meio que coloca o instrumento acima do controle do homem pois o homem fica acima da organização e do próprio fato. É um dos processos de destruição da realidade. Mas este processo aumentou ainda mais. O artista do mundo capitalista então aprende a ver por trás de todos esses clichês e frases feitas, formulados pelo mundo. Tenta não seguir as fórmulas preestabelecidas. Ele está consciente desta perda de realidade. Assim, não se esconde atrás de ideologias, e busca a realidade submergida, soterrada por este mundo de ilusões e imagens. É uma arte detalhista, que busca por detalhes – visíveis e audíveis, como investigação do real. E, a partir disso, o artista tenta reconstruir a realidade. Franz Kafka (1883-1924), autor checo, é autor de uma das mais importantes obras da literatura contemporânea, “A metamorfose”, em que discute as questões da realidade acima discutidas. Há no livro a desesperança do ser, o pessimismo em relação ao futuro, que tenta resgatar valores e princípios – seu protagonista é metamorfoseado em um inseto nojento e, a partir disso, entramos em uma série de reflexões, como a solidão humana em sua plenitude (lembrando a ensurdecedora vaia, acima) – perante o mundo e as relações configuradas, o indivíduo é um nada. Ao mesmo tempo, mostra a necessidade de isolamento, pois o personagem se conforta com o fato de não precisar trabalhar, não ter compromissos, e até mesmo não mais precisar conviver com pessoas e situações que ele abominava. Gregor Samsa, agora inseto, é impedido de expressar-se – o quenos configura uma situação aguda de desumanidade. Franz Kafka, 1906 Temos então, nesta nova época, uma desvinculação do ser humano com tudo, temos frieza. Assim, com tamanha alienação, entramos em um estado de torpor, de “náusea”, como definido por Sartre. As pessoas se tornam objetos para outras pessoas, os fatos não diferem entre si – um assassinato é apenas um fato qualquer, como atravessar uma porta. A realidade perde então seu valor, sua perspectiva. Este método, porém, não nos traz a realidade de volta. Ao invés de usar os clichês tantas vezes utilizados, encontramos impressões sensoriais completamente desconexas. Os próprios fatos são rejeitados. Tudo o que é concreto se dissolve – e o que se representa é o ser incompreendido. Mas aí também reside um perigo: Marx diz: “Só o mundo compreendido, como tal, que é real.”, e Hegel: “O ser em si ainda não é o real, e só o que é compreendido chega a ser real.” Assim, uma literatura que rejeita a compreensão da realidade não consegue acessá-la. Ela existe em protesto ao mundo, mas não passa de uma sombra. BUSCANDO CONHECIMENTO Muitos dos artistas modernos tentam mostrar que a realidade contemporânea nada tem a ver com os clichês gastos explicados acima – eles tentam buscar situações novas, características que tentam traduzir a realidade de nosso tempo. O século XX é marcado também pela invenção do cinema como meio de expressão artístico, então temos artistas de todas as áreas tentando dar forma a uma nova era: Eisenstein, Maiakovski, Chaplin, Kafka, Brecht, Joyce, Picasso... – cada um com a sua perspectiva diferente. Vejamos um trecho das Teses sobre Filosofia da História, de Walter Benjamin: “Há um quadro de Paul Klee chamado Angelus Novus. Mostra um anjo que parece estar recuando ante alguma coisa para a qual se dirige o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca se acha aberta, suas asas alçadas. Essa deve ser a aparência do anjo da história. Tem a face voltada para o passado. Onde enxergamos um encadeamento de acontecimentos, ele só vê uma única catástrofe fabricando ruínas após ruínas e jogando-as a seus pés. Seguramente gostaria de se deter ali, despertando os mortos e recompondo os assassinados. Mas uma tempestade vinda do paraíso lhe sopra as asas e empurra-o sem que o anjo lhe possa opor resistência. Essa tempestade sopra inexoravelmente na direção do futuro, para o qual o anjo está de costas; o anjo fita as ruínas, enquanto não é levado para cima. Essa tempestade é o que chamamos progresso.” BENJAMIN, p. 230 O mesmo anjo inspirou os artistas citados acima, cada um de uma maneira diferente. Brecht e Maiakovski tem uma face voltada para o futuro, ou seja, não olha apenas para o passado, para as ruínas, mas discerne sobre o que está por vir – o que é difícil de ver. Assim, abrange aquilo que pode acontecer. Kafka via um anjo que se transformava em algo morto – e todas as criaturas se tornavam objetos. Eisenstein, no Encouraçado Potemkin, via a situação sob uma outra ótica: os homens se recusam a atirar no navio, o que abala o espectador – é a livre decisão do homem. Era uma das funções da arte da época: mostrar que o homem ainda podia decidir, que ainda podia fazer realizar a sua vontade. Chaplin faz o mesmo, mas retratando a vida cotidiana. O maior exemplo para este caso é o filme Tempos Modernos, em que o homem vence a máquina. Guernica, de Pablo Picasso Já Pablo Picasso, na pintura acima, a Guernica, mostra o mundo completamente fragmentado, em protesto ao fascismo. E temos também um dos principais dramaturgos do século XX, Bertolt Brecht, que também criava situações novas em peças como Galileu Galilei, - “Um homem que sabe, compreende e conhece coisas, mas se recusa a ser um herói, o homem que se opõe à superstição e à intolerância, mas se rebaixa ao nível da lama para que sua obra possa sobreviver.” Tal imagem nova da realidade é composta por estes e inúmeros outros artistas que tentam lutar contra os clichês, contra o mundo ilusório e redefinir o mundo em que vivem. Samuel Beckett trouxe em Esperando Godot – uma peça de teatro em que, literalmente, nada acontece – há um esvaziamento da ação dramática, o que foi revolucionário no mundo do teatro, traduzindo todo o vazio existencial que a peça causa. E, desta maneira, o artista precisa buscar, em seu tempo, uma expressão sincera, para que suas angústias possam se transformar em manifestação artística. “Cada vez mais eu me convenço de que a questão não consiste em formas novas e formas velhas, mas que a pessoa escreva sem pensar em formas, porque flui livremente de sua alma.” TCHEKOV, in: A Gaivota. Em “Chaplin”, estrelado por Robert Downey Jr, podemos acompanhar a trajetória da vida de um dos cineastas mais importantes da história do cinema, Charlie Chaplin. O filme retrata de maneira surpreendente as angústias do cineasta, e a percepção pessoal que ele tinha do seu tempo. Bibliografia Básica FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1970.* ____Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. MARCUSE, H. A dimensão estética. São Paulo: Martins Fontes, 1981. Bibliografia Complementar CARVALHO, M. C. M. Construindo o saber. Campinas: Ed. Papirus, 1994. CASSIRER, E. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CHAUÍ, M. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995. ____. Convite à filosofia. 13 edições São Paulo: Editora Ática, 2004. ZABALA, A. A prática educativa-como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. Av. Ernani Lacerda de Oliveira, 100 Parque Santa Cândida CEP: 13603-112 Araras / SP (19) 3321-8000 ead@unar.edu.br www.unar.edu.br 0800-772-8030 POLO MATRIZ http://www.unar.edu.br http://www.unar.edu.br Página 1 Página 2
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