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REFLEXÕES SOBRE O GROTESCO NO IMAGINÁRIO MEDIEVAL, PELAS OBRAS IMAGÉTICAS E LITERÁRIAS MAFJ's

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ST – 15 Simpósio de temas livres 
 
REFLEXÕES SOBRE O GROTESCO NO IMAGINÁRIO MEDIEVAL, PELAS 
OBRAS IMAGÉTICAS E LITERÁRIAS. 
 
Matheus Antunes Ferraz de Jesus1 
 
Resumo. O presente artigo tem como principal objetivo fazer uma reflexão sobre o 
conceito de grotesco dentro do imaginário medieval mais localizado dentro da alta idade 
média segundo o trabalho de Mikhail Bakhtin sobre a cultura popular através da obra de 
Rabelais e seus dois personagens Gargantua e Pantagruel e se utilizamos de outro artista 
da baixa idade média Hieronymus Bosch também seu discípulo Bueguel ambos dos 
Países baixos. Fazendo uma ligação também com a relação do corpo. 
Palavras-chave: Medievo; história do corpo; imaginário; Hieronymus Bosch; 
história da arte. 
Introdução: 
 A idade média produziu uma grande obra artística e produziu depois da sua 
derrocada, ou seja, mesmo depois de cair, produziu obras, como as de Shakespeare. 
 Cercamos para a nossa problematização dois desses homens profundamente 
medievais sendo eles Hieronymus Bosch e François Rabelais. O primeiro ligado a pintura 
e o segundo a literatura. Sendo os dois da mesma região setentrional da Europa e do 
mesmo corte temporal vivendo os dois entre os séculos XV e XVI, numa Europa de 
profundas mudanças. 
 E os dois beberam da mesma fonte, da imaginação popular para moldar seus 
pensamentos em obras de arte, claramente cada um com suas limitações e inspirações. A 
base para construção dessas obras de arte será o grotesco. 
 E para formar este conceito no trabalho utilizamos de Mikhel Bakhtin que no seu 
escrito “ A cultura popular na Idade média e Renascimento”, o autor coloca o grotesco 
como: “O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, isto é, a transferência 
 
1 Unicentro – Universidade Estadual do Centro Oeste, e-mail: matheusferraz555@gmail.com 
 
ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua indissolúvel unidade, de tudo 
que é elevado espiritual, ideais e abstrato.” (p. 17, 2008) 
 Nós utilizamos de duas obras principais para a problematização em Bosch sendo 
elas, O jardim das delícias e Cristo carregando a cruz e a obra mestre de Rabelais 
Gargantua e Pantagruel que faremos breves comentários assim provando a tese central 
que a idade média é uma tensão como Le Goff coloca no seu texto Uma história do corpo 
na Idade média “A civilização do Ocidente medieval é, no nível do símbolo, o fruto da 
tensão entre Quaresma e Carnaval.” (p. 60, 2006). Se a idade média é uma tensão, como 
então este grotesco aparece nesta dicotomia o grotesco entre Hieronymus e Rabelais? 
 
DESENVOLVIMENTO 
 A idade média tem segundo os seus pintores uma mentalidade muito diversa, 
seguindo o conceito de Chartier que coloca este conceito ao lado da representação assim 
podemos falar que a arte expressa como as pessoas desse tempo e espaço tinham como 
concepção de mundo, como ele era construído. 
 Em uma sociedade profundamente religiosa, exatamente este modo de pensar que 
vai formar os medos e esperanças desse mundo. Não podemos falar que de maneira irá 
chegar em cada indivíduo já que como mostrou Carlo Ginzburg com o moleiro Menochio, 
indivíduo do fim da idade média que havia uma certa interpretação do mundo com base 
na religião cristã, mas que longe da versão dita oficial, imaginava ele que o mundo era 
formado por queijo e vermes. 
 Deste modo nascem outras formas de pensar que se aproximam da versão cristã e 
que se afastam, tanto assim nossas fontes como Hieronymus Bosch que vai em seus 
famosos trípticos mostrar os medos que rondam este momento do fim da idade média 
como bem expresso em Gombrich “pela única vez, um artista conseguiu dar forma 
concreta e tangível aos medos que obcecavam o espírito dos homens na Idade Média.” 
(p359). Rabelais que embebido em um estado carnavalesco ou podemos assim dizer quase 
profano por quebrar certos preceitos dentro dessa sociedade medieval para fazer uma 
certa observação muito detalhada de como é esta cultura popular na idade média por meio 
de Pantagruel e Gargântua. 
 
 Usei a palavra profana e carnavalesca para demostrar que este período medieval é 
dividido entre duas temporalidades a quaresma e o carnaval. A primeira ligado ao 
zelamento dos preceitos religiosos o acometimento dos atos, que se expressão assim no 
não cometer pecado e seguir os preceitos da Igreja, como bem sabido um exemplo de São 
Luis IX que fazia a abstinência de sexo nos dias propostos pela Igreja, que levaria assim 
como em outros atos a santidade e que era mesmo um caminho aconselhado para todas 
as pessoas do medievo, seguir os caminhos de Cristo que levariam a santidade. 
 Podemos assim ligar duas ideias Rabelais com o carnaval estrambólico de 
Gargantua e Pantagruel e Bosch a quaresma. 
 Acho interessante a citação de que Bosch sendo demarcado aqui no estado 
da quaresma, a função moralizante não está muito longe de sua arte se ligando assim com 
a máxima do Papa Gregório Magno, “as pinturas podem fazer pelos analfabetos o que a 
escrita faz pelos que sabem ler” (WOODFORD, p. 8, 1987), ou seja, a pintura em Bosch 
como em seu estilo tinha por motor a mensagem pedagógico, como nas orações de São 
Jerônimo e Santo Antônio. 
 
(Oração de São Gerônimo, Bosch, cerca de 1505) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(A tentação de Santo Antônio, Bosch, cerca de 1515) 
Mas uma indagação nasce desses meus comentários aonde se ajusta o conceito de 
grotesco na obra de Hieronymus? Ora nas pinturas de Hieronymus prevalece a técnica da 
narrativa em trípticos, ou seja, a formação de três tipos de cenas onde se passa a mesma 
narrativa, no caso escatológica. É neste ponto que se mostra tanto esta mensagem 
pedagógica quanto o grotesco como no Jardim das Delicias (c. 1505/05). 
 
 
(O Jardim das Delícias, Bosch, cerca de 1500 -1505) 
Obra de 1505, Bosch a compõe em três cenas que cada uma delas se dividem em 
mais outras cenas. Mostrando na primeira cena, que se subdivide em outras três, em 
último uma paisagem que bem ao centro se encontra a arvore da ciência, com uma coruja 
que simboliza a sabedoria em seu oco, a paisagem também muito presente, podemos dizer 
que estes pintores do medievo tinham um potencial para as paisagens se encontrando em 
outras obras do medievo um grande desenvolvimento neste seguimento. 
 
A segunda cena do primeiro quadro, marca o nascimento de Eva da costela de 
Adão, como descrito em Gêneses capítulo 4 e a última cena marca o prenúncio do 
primeiro pecado, cometido por Eva e Adão que comerão do fruto proibido. Notem os 
diabretes e animais fantásticos com corpos com partes de repteis, aves e mamíferos. Mas 
para frente comentaremos sobre estes detalhes. Nesta mesma cena também se encontra 
uma dualidade entre estes seres, em baixo seres malignos e na primeira cena que compõe 
a paisagem animais como unicórnios, girafas brancas, elefantes e aves que agora não são 
representadas mais com olhares e modos maliciosos mais mostrando sim uma certa 
harmonia. Por outro lado, os animais do jardim são enormes e mostram a luxúria e já estes 
animais da criação desaparecem e dão vez para cavalos e porcos na segunda parte da 
pintura. 
No segundo quadro mantem-se as três subdivisões, mas dentro delas se abrem 
muitas outras, devemos demarcar algumas como: as cenas envolvendo os peixes aqui são 
retratados extremamente grandes uma das características do grotesco, simbolizando o falo 
e o sexo assim como também os pássaros que servem frutas na boca dos praticantes, 
envolvendo frutas aqui são profundamente parte da simbolística medieval, como Bosch 
faz parte de uma ruptura, ficando muito isolado, sua cultura que pelos anos se 
modificando perde alguns dos significados desses símbolos 
Como segundo Jansen em seu documentário sobre Bosch e Bruegel, mostra que 
muitos desses símbolos expressos em suas obras, não nós chegarama nosso tempo 
presente o significado sobre eles, mas podemos segundo as normas de nosso trabalho 
historiográfico, formar certas hipóteses sobre o significado desses símbolos. Assim então 
podemos ver que as frutas no contexto da cena sempre estão envoltas em representação 
de sexo e pessoas as devorando e por algumas vezes sendo pintadas em cima de cabeças 
principalmente de mulheres tiro uma certa conclusão que elas representam o pecado. 
Outro detalhe que notamos dentro desse quatro é a presença de espinhos. Presente 
na narrativa bíblica de gênesis 3:18 que fundamenta este quadro, assim os espinhos 
marcam a entrada e o pecado vivendo em meio aos seres humanos, dentro da bíblia ela é 
uma das marcas deixadas na terra como símbolo da separação entre Deus e os seres 
humanos, como também o trabalho e as dores do parto da mulher. Citamos estes 
 
exemplos pois sabemos que esta sociedade é profundamente religiosa é fundamenta sua 
representação e concepção de mundo dentro das narrativas bíblicas. 
A última cena é o inferno, então passamos pela criação, desenvolvimento do 
mundo no jardim das delicias e queda e assim este mundo que representa a própria 
realidade de Bosch segunda a sua representação e depois o julgo final chegamos ao 
inferno onde vão os pecadores do jardim, segundo esta narrativa já que todos dentro da 
cena estavam pecando. 
Segundo bem lembra Alan Woods (2010) Bosch vivia em um a Europa em uma 
transição de feudalismo decadente para o capitalismo emergente, sistema este que já 
estava em contradição com o feudalismo a anos, principalmente entre as cidades do 
mediterrâneo. E como ele comenta as obras de Bosch refletem os modos de 
comportamento de Bosch dentro dessa sociedade decadente, em meio a quebra de 
paradigmas que eram vistos como verdade e modos de vida que eram comuns dentro do 
medievo se deixando valer para abrir espaço para uma vida citadina. 
Desde modo o mundo em ruinas em uma representação de Bosch é o inferno. 
Marca desse argumento é o autorretrato de Bosch dentro do inferno, seu corpo também é 
uma das características do corpo grotesco de fisionomia humana mais de composição 
vegetal, Bosch pode ser o homem árvore. E a cidade de paisagem ao fundo da cena do 
inferno em chamas e pessoas em movimento de anarquia ação. 
Também se encontrando outras criaturas parte desse universo grotesco como 
animais que se comportam como seres humanos, um suíno vestido de freira. 
Outro ponto interessante para comentar é os corpos sendo torturados como em 
Rabelais citando Bakhtin 
Em outros termos, para que produzam, é preciso empregar o terror e 
o sofrimento “açoites de estribeiras”, “na estrapada”, termos que designam os 
suplícios e flagelações públicos. O masoquismo dos sinistros caluniadores é 
um rebaixamento grotesco do medo e do sofrimento categorias dominantes da 
concepção medieval do mundo. (p. 149, 2008) 
E encontramos dois exemplos que são em instrumentos de música, talvez sejam 
músicos, já retratamos esta classe na Carroça de feno aonde demônios os rondam. Senso 
espancados pelos próprios instrumentos. 
 
Voltamos a discussão sobre os corpos bricolados que próprios da expressão 
grotesca, se retornamos a figura do diabo na ilustração de Simon Bening de datação dos 
anos de 1525-1530, retratando a tentação de Jesus Cristo no deserto, ser de importância 
também para um breve reflexão sobre como estes indivíduos do medievo representavam 
o demônio, qual era a sua representação? 
Na iluminura que faz menção a Mateus capitulo 4, aonde o diabo que tenta 
corromper a Cristo oferecendo a riqueza e reinos da terra, mas Jesus o nega e segue sua 
peregrinação e meditação no deserto. Fica claro na iluminura esta narrativa, composta por 
duas cenas uma em primeiro plano aonde o diabo atenta contra a divindade de Cristo 
pedindo para que ele transforme a pedra em pão e a segunda tem a presença dos mesmo 
personagens no alto da colina se passando na narrativa que o diabo promete os reinos da 
terra, fica evidente pelo mesmo apontando para uma cidade. 
O demônio aqui tem esta formação de muitas partes diferentes, de cabelos 
grisalhos e corpo coberto, a fase deformada com o detalhe das orelhas pontiagudas e 
claramente seus pés que são patas de aves como o de um Gavião, coo no inferno os 
demônios são representados então assim com um corpo totalmente misturado com 
diferentes partes de animais. 
Neste ponto o caso pedagógico é claro já que o mundo tem uma divisão muito 
claro para estas pessoas, entre o inferno lugar de punição e o paraíso como lugar de 
descanso. Então o demônio representado dessa forma tem um poder de repercutir um 
medo dentro das pessoas e assim como também o inferno como já mostrado no Jardim 
das delícias. 
 
 
(A tentação de Cristo, Bening, cerca de 1525-1530) 
É nos séculos XV e XVI a uma epidemia de monstros sobre a Europa 
(Courtine,2010). E é o olhar curioso que volta para o Oriente principalmente a Índia e 
Império Otomano. E também temos o medo que assombrava principalmente marinheiros 
com os monstros marinhos que se aventuravam pelos mares. Cercando assim as 
representações do estranho, do diferente e do desconhecido. 
Assim Courtine (2010) lança certas regras para criação que se segue para a 
divulgação desses relatos e figuras de gravura e desenhada. Primeiro “nada de monstro 
sem imagem” e segundo “sem necessidade de prova da existência”. Dois pontos que 
mostram a credulidade do imaginário medieval, ora inocente por se ver estes monstros 
como interferência divina. 
Junto a Bakhtin e Courtine a referenciais teóricos de como se mondavam estes 
monstros já presentes em uma literatura de tradição medieval o grotesco contemplava 
certas imagens de monstros, como gigantes (Gargantua e Pantagruel), diabos, monstros 
meio homens e animais, mas com um fundo humorístico. 
E muito comum esta representação seja no discurso religioso quanto cientifico e 
no caso do segundo também aglutinando preceitos da primeira e principalmente no campo 
anatômico que nascem e se promovem tais discursos. 
 
Desse modo o corpo monstruoso nos infernos de Bosch concorre para o sentido 
religioso claramente. Monstros fantásticos, híbridos entre animais e seres humanos e a 
natureza vegetal (homens, monstros e mulheres metade plantas), aves gigantes, peixes, 
animai de roupas religiosas, devorando os corpos de pecadores. Segundo Bakhtin “O que 
nos interessa, antes de mais nada, é a pintura de seres humanos extraordinários, todos de 
caráter grotesco. Constituem de fato uma verdadeira galeria de imagens do corpo 
híbrido.” (p.302, 2008) 
O tormento eterno, a dualidade da música, músicos e instrumentos, em a carroça 
de feno a sensualidade e alegria do mundo e no inferno à tortura dos músicos pelos seus 
instrumentos. 
Um exemplo dessa literatura que interage entre o cientifico e a fantasia é 
Lycosthene’s Prodigiorum 1557 de Conrad Lycosthenes (1518-1561), aonde mostra 
segundo o site da Royal Collection Trust “comentas, terremotos e animais místicos e 
exóticos, são retratados como presságios para eventos catastróficos ao longo da história, 
desde o pecado original de Adão e Eva até os dias atuais”. 
Comprovamos assim de certo modo que estes acontecimentos que em 
decorrência do fim do mundo feudal está totalmente interligado mesmo com a escatologia 
sagrada bíblica que o fim do mundo estava a chegar. 
Assim Bosch mescla um discurso tanto religioso e grotesco para formar uma 
mensagem, suas obras são puramente narrativas moralistas de uma época. 
 
(Lycosthene’s Prodigiorum, Conrad Lycosthenes, cerca de 1557) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(Lycosthene’s Prodigiorum, Conrad Lycosthenes, cerca de 1557) 
Para concluir com o tema de Bosch e o grotesco, encaramos outra caracteriza que 
será mais exemplificada com Rabelais e seus escritos, e o da dualidade. 
 Não a obra de maior repercussão com este conceito se não for a de Cristocarregando a cruz, a cena se passa quando cristo leva a cruz ao calvário registrado no livro 
de São João capítulo 19:17, duas observações primeiramente devem ser dadas, primeira 
é que a duas pessoas que suas expressões e representação destoam do resto da multidão 
em sua volta e a segunda e como é usada o efeito da caricatura, Bakhtin chama a 
caricatura como uma forma mais lapidada do gênero do grotesco. Sendo a caricatura uma 
forma de uma ironia pela distorção de certas partes expressivas dentro da face ou corpo 
do personagem. O autor marca as caricaturas de Napoleão no século XIX, mas podemos 
denotar as de Dom Pedro II e de Deodoro da Fonseca pelos jornais e revistas do Rio de 
Janeiro. Que se utilizam de uma parte do corpo para a ironia ou a prática do personagem 
para zombar dele. 
 É o que acontece nesta pintura as formas dos rostos das pessoas que compõe esta 
imagem retirando a de Cristo e de Santa Verônica. As formas fisiológicas dessas pessoas 
aí principalmente o rosto são deformados criando não uma caricatura para ridicularizar 
mais sim para colocar estas pessoas ao lado de uma expressão diabólica por que são elas 
mesmas que estavam humilhando na via crucis. 
 
 Assim como este imaginário retrata uma Santa e o próprio Cristo? Eles 
consideravelmente destoam do meio aonde estão, são expressões serenas do que aquelas 
furiosas e até mesmo diabólicas, Santa Verônica segura o santo sudário, com o qual ela 
tirou o suor do rosto de Cristo e assim sua face saiu tingida no decido até hoje este objeto 
tem o status de relíquia. Neste ponto se encontram o Crista sofredor que leva os pecados 
do mundo mas mesmo assim com uma expressão de bondade e ao encontro a figura da 
mulher que se encontra em perfeita tensão mas mesmo assim em harmonia, que para a 
sociedade do medievo fazia totalmente sentido e não cabe a nós historiadores criticar mas 
compreender. 
 Esta tenção cabe dentro do campo da representação do corpo da mulher. A tensão 
muito vivenciada no pensamento teológico desse período, a questão dos cabelos, visto 
como um dos símbolos de Salomé e Eva duas personagem presentes na bíblia e em 
comum a volumoso cabeleira na representação artística. E por outro lado temos a Virgem 
Maria (assim podemos falar que cabe a todas as santas), mãe de Jesus que também é 
retratada com enormes e formosos cabelos como a pintura de Robert Campin. Mas Maria 
não é a fonte de sedução como Eva que aparece quase em todas a suas representações 
oferecendo o fruto, seduzindo Adão ao caminho do pecado, Maria é a de adoração, seu 
rosto complacente, sereno e sem mácula “A virgem2 (Le Goff e Truong, p. 143, 2012) 
“como seu título a defere. 3 
Outra problematização é que pessoas estão retratadas nestas pinturas do próprio 
momento de Bosch? Uma pergunta que pode tomar um bom tempo mais que nem é alvo 
desse esboço, podemos dar algumas explicações muito breves. 
 
2 Análise como esta podem serem feitas ao redor dos retratos de Elizabeth II da Inglaterra, com seu título 
de a Rainha virgem e por tais pinturas se tenta passar essa narrativa. 
3 Sobre os cabelos cabe aqui uma exceção, aqui santa Verônica se mostra de cabelos cobertos, para não cair 
em um “achismo” damos a oportunidade de o leitor ler o primeiro volume da História do Corpo. Org. 
Corbain, Alain, Courtine, Jean-Jacques, Vigarello Georges. Petrópolis,Editora Vozes. 2010. 
 
 
 
(Cristo carregando a cruz, Bosch, século XVI) 
Como os dois personagens superiores na pintura do religioso e o burguês. O 
primeiro representa como em todas as outras a corrupção da igreja, como já referenciadas 
em outras obras capitais de Hieronymus e o segundo do burguês que corrompe os valores 
e tradições, principalmente por meio da usura, que com os tempos foi aceito pela Igreja e 
neste mesmo período temos uma consolidação da ideia de purgatório que segundo alguns 
comentaristas como Le Goff seria este espaço do purgatório inventado para estes 
usurpadores, mas de certo modo numa mentalidade mais popular e até da própria Igreja 
continuou no “campo do errado”, do mal visto, ainda sendo um pecado. Já que de certo 
modo eles roupavam o tempo de Deus e assim Deus dando o tempo para sua criação 
trabalhar, trabalhar à custa do dinheiro seria uma violação a este princípio. 
Numa citação de Shakespeare no conto de inverno fica claro como era esta 
representação do usurário e seus castigos. “Aqui tem uma melodia bem triste, de como a 
mulher de um usurário deu à luz, num único nascimento, vinte sacos de dinheiros, e de 
como ela tinha desejos de comer sapo tostadinho e cabeça de cobra.” (p. 209, 2009) 
Conto de inverno é a última obra de Shakespeare, como coloca Beatriz Viégas-
Faria escrita entre os anos de 1610-1611 (p.131, 2009). Um pouco deslocado, mas se 
formos usar a teoria de Le Goff sobre a longa idade média e como sendo Shakespeare 
como sendo ainda um homem do medievo, já que a idade média como mesmo Le Goff 
nós chama atenção, citando “Alphonse Allais: o homem de 1492 sabia, ao deitar-se para 
dormir no dia 31 de dezembro na noite da Idade Média, que acordaria no dia seguinte, 1° 
de janeiro de 1493, na manhã do Renascimento?” (p. 53, 2008). 
 
Outro lado desse imaginário grotesco que vamos nos concentrar no conceito de 
dualidade e dos corpos “desajeitado” é a literatura de François Rabelais, aonde por meio 
das aventuras de Pantagruel e seu pai Gargantua. 
A gravura é feita pelo renomado Gustav Doré, tendo ganhado nome no mundo da 
gravura pelas ilustrações de grandes clássicos, como o de Dom Quixote de La Mancha. 
A gravura deve ser mesmo do século XIX, século de vivencia do gravurista. E é marcada 
pelo acontecimento do nascimento de Gargântua. Na cena se encontram seu pai e sua mãe 
já em leito e as pessoas mais baixas. 
Três coisas nos chamam a atenção na literatura de François Rabelais e claramente 
aqui as Aventuras de Gangântua e Pantagruel. O alto e baixo corporal, a dualidade e 
quantidade “gigantesca”, do extremo, do exacerbado, que tomam os objetos e os 
acontecimentos dentro da história o que vai contra o princípio da medida sempre em 
equilíbrio que tanto se pretendia na idade média. 4 
A questão do alto e o baixo corporal se encontra na passagem dos “limpas-cus”, 
aonde são usados para a limpeza das necessidades fisiológicas roupas do clero da realeza 
e a própria coroa do rei, roupa de cama e mesa deixando de lado os materiais de uso 
comum da função. Assim também como no questão do peidar, quando não é mais não é 
mais a respiração mais sim o peido que diz se a pessoa está viva ou não estas 
características segundo o próprio autor, Bakhtin, é “o traço marcante do realismo grotesco 
é o rebaixamento, isto é, a transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo 
na sua indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato”. (p. 17, 
2008) 
O segundo ponto que mencionamos é a dualidade, aqui referenciamos a gravura 
de Doré, que mostra o nascimento de Gargântua e a morte de sua mãe, a cena decorre da 
dualidade entre a vida e morte, a vida de se renova. 
“A imagem grotesca caracteriza um fenômeno em estado de 
transformação, de metamorfose ainda incompleta, no estágio da morte e do 
nascimento, do crescimento e da evolução. A atitude em relação ao tempo, à 
evolução, é um traço distintivo (determinante) indispensável da imagem 
 
4 Cabe apontar que os comentários abaixo são de base da literatura de Mikkail Bakhtin “A cultura popular na Idade 
Média. E vamos tomar um campo pequeno mais condensado em conteúdo já que outros colegas irão apresentar o 
mesmo tema. 
 
grotesca. Seu segundo traço indispensável, que decorre do primeiro, é sua 
ambivalência: os dois polos da mudança – o antigo e o novo, o que morre e o 
que nasce, o princípio e o fim da metamorfose – são expressados (ou 
esboçados) em uma ou outra forma” (BAKHTIN, 2013, p. 22). 
O terceiro ponto sobre como a desmedida aparece dentro dessaliteratura grotesca, 
os pontos que mostram estes atributos são o próprio Pantagruel e seu filho e esposa, serem 
com corpos gordos, flácidos e gigantearemos. O que denotamos aqui é que Rabelais não 
cria um universo aonde se encontra um mundo povoado por gigantes, mas ao contrário é 
a realidade dele que se decorre as aventuras, se encontram ai então duas formas de vida 
os homens pequenos e os homens gigantes a dualidade entre o grande e pequeno. Bakhtin 
denota também a questão da comida e da bebida as grandes quantidades de alimentos que 
os dois absorviam em grandes banquetes. Marcando pela abundancia 
A abundância e a universalidade determinam por sua vez o caráter 
alegre e festivo (não cotidiano) das imagens referentes à vida material e 
corporal. O princípio material e corporal e o princípio da festa, do banquete, 
da alegria, da “festança”. Esse aspecto subsiste consideravelmente na literatura 
e na arte do Renascimento, e sobretudo em Rabelais. (BAKHTIN, 2013, p. 33). 
 
 
(Gargântua e Pantagruel, Doré, cerca de 1873) 
 
Conclusão 
Acabamos por concluir assim que Bosch se utiliza do grotesco de um modo muito 
da temporalidade da quaresma, ou seja, utiliza do grotesco como narrativa para um 
 
discurso pedagógico, aonde se tem como proposito tomar o corpo, mostrar para onde vai 
o pecador que bebe e como das delícias do jardim. 
E Rabelais um lado mais carnavalesco onde busca não uma mensagem moral mais 
de divertimento de extravagancia do corpo perante as leis mais altas da sociedade 
medieval. O lado mais carnavalesco da alegria em contraste com a tristeza da quaresma. 
A desmedida do carnaval perante a medida. 
Claramente são duas formas de olhar para a Idade média como na pintura de Pieter 
Bruegel, o velho O combate da quaresma e o carnaval”. São dois momentos antagônicos 
de formas de pensar e se portar. 
REFERÊNCIAS 
CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges. História do 
Corpo: da renascença às luzes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. v. 1. 663 p. 
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovith. A cultura popular na Idade Media e no 
Renascimento: o contexto de Francois Rabelais. Sao Paulo: Hucitec : Universidade de 
Brasilia, 2008. 419 p. 
SHAKESPEARE, William. Como gostais, Conto de inverno. Porto Alegre, 
L&PM, 2013, 256 p. 
LE GOFF, Jacques e TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Rio 
de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012 
WOODFORD, Susan, A arte de ver a arte. Círculo do livro. 1987 
WOODS, Alan, Hieronymus Bosc e a arte da morte agônica do feudalismo. 
Disponível em <https://www.marxist.com/hieronymus-bosch-e-arte-morte-agonica-do-
feudalismo.htm> Aceso em: 17 de maio de 2019. 
GLOBELLINA, Fenando, Bosch, Coleção os Mestres da pintura, Abril, 1977. 
JANSEN, Pierre. Grandes gênios da pintura: Bosch e Brueghel. Diretor: Paul v. Bos. 
[s.l.]: [s.n.], [s.d.]. 1 fita de vídeo (35 min), VHS, son., color. 
Prodigiorum de Lycosthenes 1557. 2020. Disponível em: 
https://www.rct.uk/collection/1057107/lycosthenes-prodigiorum. Acesso em: 14 fev. 
2021. 
https://www.marxist.com/hieronymus-bosch-e-arte-morte-agonica-do-feudalismo.htm
https://www.marxist.com/hieronymus-bosch-e-arte-morte-agonica-do-feudalismo.htm

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