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Livro-Texto - Unidade II-3

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72
Unidade II
Unidade II
5 O CLÁSSICO NA LITERATURA COMPARADA
5.1 A Bíblia na literatura
O mito e a Bíblia judaico-cristã são dois grandes pilares da literatura ocidental. No caso da Bíblia, 
é incontestável sua influência na nossa sociedade, servindo de guia e parâmetro (MACHADO, 2002). 
Ela é um clássico tão fundamental quanto o conjunto de textos gregos mitológicos.
Diferentemente da mitologia grega, a Bíblia não apresenta diversos deuses ou monstros nem 
transformações inesperadas. Fala de um único Deus e conta a história de um povo – o hebreu. Esse 
Deus caracteriza-se – na primeira parte das escrituras sagradas, o Antigo Testamento – como exigente 
e austero, com rígido código moral. Exige obediência, impondo várias proibições e punições, sendo um 
dos seus castigos a condenação da humanidade, a qual, para ter salvação divina, necessita esperar 
um  salvador que viria para resgatar os escolhidos. Dessa parte do livro surge o judaísmo, religião 
monoteísta, e dele nascem o cristianismo e o islamismo.
A segunda parte da Bíblia, conhecida como Novo Testamento, trata especialmente do cristianismo. 
Inicia-se com a crença de vários hebreus sobre a já chegada do salvador, Jesus Cristo. Também é longa 
a história dos hebreus com diferentes pontos de vista sobre Jesus Cristo, Sua morte, Sua palavra e 
Seus ensinamentos.
A Bíblia apresenta variedade textual, com partes mais poéticas, como os Salmos, o Cântico dos 
Cânticos e o Apocalipse, com passagens filosóficas ou com profecias. Entre as variedades, conforme 
Machado (2002, p. 37), o leitor encontra:
A criação do mundo e a expulsão do Paraíso. A arca de Noé. A torre de 
Babel. José e seus irmãos. Os sonhos do faraó. O nascimento de Moisés e 
sua vida no Egito. A passagem do mar Vermelho. Josué, o homem que fez 
parar o sol. A sensacional luta de David contra o gigante Golias. Sansão 
e Dalila. Daniel no covil dos leões. Jonas e a baleia. Salomé e a dança 
dos véus. O nascimento de Jesus. Os Reis Magos. A pesca milagrosa. 
A multiplicação dos pães. O bom samaritano. Os milagres de Jesus. Enfim, 
história para todo gosto.
No dia a dia, em língua portuguesa, empregamos muitas expressões que aludem à Bíblia. Você já 
falou ou ouviu expressões como “separar o joio do trigo”, “lavar as mãos”, “mudar da água para o vinho” 
ou “dar a outra face”? Essas e outras remetem ao texto bíblico, que inspirou muitas obras literárias pelo 
tempo e espaço.
73
LITERATURA COMPARADA
 Saiba mais
A Bíblia é um livro mundial e traz uma grande carga histórica, sendo 
usada por pesquisadores, teólogos, historiadores, críticos literários, entre 
outros. Para o crítico literário Northrop Frye, o conteúdo e a forma do 
texto bíblico exibem exatamente as características de uma obra literária. 
Como Frye (2004, p. 14) diz: “A abordagem da Bíblia de um ponto de 
vista literário não é de per si ilegítimo: nenhum livro poderia ter uma 
influência literária tão pertinaz sem possuir, ele próprio, características 
de obra literária”.
FRYE, N. O código dos códigos: a Bíblia e a literatura. São Paulo: 
Boitempo, 2004.
Frye (2004) discute o conteúdo da Bíblia de um ponto de vista literário, chamando atenção para o 
modo como foi escrita, e o caracteriza como revelação, pois o texto sagrado possui uma sequência ou 
progressão dialética que caminha do começo para o fim de sua história. O autor verifica nesse conteúdo 
uma divisão em sete fases tipológicas, separando seus acontecimentos de maneira que estejam ligados 
um ao outro, tanto no passado quanto no futuro. Frye (2004, p. 136) assim define estas sete fases:
Criação, revolução ou êxodo (Israel no Egito), lei, sabedoria, profecia, 
evangelho e apocalipse. Cinco destas fases têm seu centro de gravidade no 
Antigo Testamento e duas no Novo. Cada fase não é um aperfeiçoamento 
da que a antecede, mas uma ampliação de sua perspectiva. Quer dizer, esta 
sequência de fases é outro aspecto da tipologia bíblica, cada fase sendo o 
tipo da que a sucede e o antítipo da que a precede.
O autor entende que cada uma dessas fases está ligada a outra; os acontecimentos ocorrem de maneira 
crescente, como se as ações passadas estivessem conectadas às futuras, ampliando, assim, as possibilidades 
de a história continuar exatamente do ponto em que parou. Acompanharemos essa análise a seguir.
Na Bíblia, tudo é criado a partir do nada, tudo começa ao ser verbalizado: “No Gênesis, as formas 
de vida adquirem existência sendo verbalizadas, de tal modo que, feitas ou criadas, não são feitas nem 
criadas a partir de alguma outra coisa” (FRYE, 2004, p. 136). Após a criação e todos os acontecimentos que 
nela estão ligados, como a queda do homem, o primeiro homicídio, o dilúvio, tudo leva à continuidade 
da história. Os povos se multiplicam e vão em busca de seus territórios, começam a surgir governos, 
deveres, escravidão, disputa de poder e leis.
A segunda fase é a revolução, quando o povo de Israel estava submetido ao faraó, rei do Egito. 
Essa fase pode ser associada ao livro de Moisés e à sua própria história, de quando, ainda bebê, 
foi abandonado por sua mãe em um cesto e colocado em um rio. Moisés foi parar nas águas do 
palácio do faraó, que acabou por cuidar do menino, o qual cresceu ao redor da nobreza, mas foi 
74
Unidade II
predestinado a outro caminho, o de salvar o povo de Israel das mãos de faraó, que escravizava o povo 
num sistema egípcio.
É bom ressaltar que Moisés não estava só em sua missão: por todo o tempo recebia ordens de 
Deus, dizendo-lhe o que fazer e como fazer, atraindo assim a atenção dos egípcios para aquele poder 
concedido por Deus e levando o povo de Israel a acreditar mais do que nunca que os deuses egípcios 
eram falsos. Moisés salva o povo de Israel das mãos do faraó, cumprindo aquilo que lhe fora ordenado 
por Deus. Após libertar os hebreus, continuando sua longa jornada, Moisés os lidera pelo deserto, onde 
lhes ensina os dez mandamentos, dando-nos assim um gancho para a história e para a próxima fase a 
ser analisada: a lei.
Ao observar os dez mandamentos, fica clara a existência de leis a serem seguidas pelo povo, que, no 
entanto, ao chegar à Terra Prometida, acaba se esquecendo de onde veio e de quem o tirou da escravidão. 
Esse povo buscava a Deus somente quando lhe era conveniente: em seus momentos de tristeza e aflição 
ou diante de qualquer outra dificuldade, clamava a Deus, e Ele o respondia por misericórdia, mas 
algumas vezes se calava para que Israel notasse que sua fé estava adormecida, a ponto de se esquecer 
de Deus. O povo agia por suas próprias mãos: por um momento, passou a ser legalista ao praticar sua 
própria justiça em tempos de guerra e disputa de território, assim se afastando cada vez mais de Deus, 
lembrando d’Ele apenas ao precisar de socorro.
Essa postura encadeia a próxima fase, sabedoria. O livro de Jó traz a história de um homem rico 
cuja fé em Deus é colocada à prova de todas as maneiras: ele perde seu gado, seus filhos e tudo quanto 
tinha para que sua fé fosse realmente testada. Há momentos em que Jó passa a coxear entre dois 
pensamentos sobre o Deus em que sempre creu e se Este era realmente bom como pensava, mas ele 
continua a ser fiel em meio a tudo. Trata-se de um forte exemplo de sabedoria, pois Jó não desiste diante 
de todas as tribulações. A sabedoria é também vista em outros livros poéticos da Bíblia, como Salmos e 
Provérbios – ambos repletos de conselhos, exortações, ensinamentos, súplicas, orações e louvores que 
mostram como devemos nos portar diante das dificuldades, sejam elas quais forem.
Nesse quesito, Frye (2004, p. 153) ressalta que “a lei é genérica: a sabedoria principia com sua 
interpretação e comentário, e com sua aplicação a situações variadas e específicas”. Com isso, o autor 
deixa claro que a sabedoria deve ser levada em conta em todos os cenários de qualquer história, pois 
uma decisão pode mudar todo um percurso a ser percorrido.
A profecia é a quinta fase e fala sobre a vinda do Messias à Terra. Segundo Frye (2004, p. 158),“a 
profecia é a individualização do impulso revolucionário, assim como a sabedoria é a individualização da 
lei; aquela está engrenada com o futuro assim como esta com o passado”. O que se cumpre na Bíblia é 
algo que já estava predestinado. Em Lucas 2:11, os anjos anunciaram aos pastores a chegada do Messias 
prometido a Israel: “Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. E em 
Isaías 9:6: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre os seus ombros, 
e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz”. Nas duas profecias 
observamos um prenúncio da chegada de futuros reis e seus respectivos tronos. A chegada deles e suas 
ações correspondem ao que estava previsto anos antes. O cumprimento das duas profecias é infalível, 
ambas se realizariam mais cedo ou mais tarde.
75
LITERATURA COMPARADA
A penúltima fase é o evangelho, que, segundo Frye (2004), intensifica a visão profética. Ele sugere dois 
níveis: o primeiro é o da identidade original, simbolizada pelo jardim do Éden, e o segundo é a identidade 
definitiva, que representa o retorno deste elemento após o Juízo Final. Frye (2004) também menciona o 
uso de metáforas, como a descida do nível superior e a ascensão de volta a ele, relacionando-os com a 
ressureição de Cristo.
A Bíblia traz exemplos desses níveis de intensificação. Por exemplo, a passagem sobre a árvore da 
ciência do bem e do mal, em que Eva colhe o fruto proibido e o oferece a Adão. Os dois foram expulsos 
do Éden por sua desobediência, sabendo que essa árvore não lhes traria benefício algum, e causaram a 
queda do homem. Em Apocalipse 22:2 encontramos a árvore da vida, que por sua vez traria benefícios: 
“No meio da sua praça, e de um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz 12 frutos, 
dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações”.
A última fase é o apocalipse, que, ao contrário do que muitos pensam, não trata da destruição 
de tudo. Esse livro revela os próximos acontecimentos e, como Frye (2004) explica, tudo que há de 
acontecer é seguido da carga dos fatos passados que geraram uma consequência. O livro do Apocalipse 
traz consigo circunstâncias que nos levam a lê-lo com cautela para que sua interpretação seja válida. 
De acordo com Frye (2004, p. 168), João “teve primordialmente uma visão sobre o que pensava ser 
o verdadeiro significado das Escrituras”. O autor deixa claro que a visão de João era o que ele havia 
interpretado quanto aos acontecimentos do apocalipse. Ainda segundo Frye (2004, p. 168), “o autor fala 
de descrever uma visão, mas o Apocalipse não é um livro onde o visual se desdobre de modo usual, como 
qualquer ilustrador pode dar testemunho depois de se ver à volta com seus monstros de sete cabeças e 
dez chifres”.
Percebemos que o autor se preocupa com a estrutura do Apocalipse, a maneira como a história 
é contada, por uma visão do apóstolo João, que está ali em espírito. No decorrer do livro é revelada 
ao apóstolo uma série de acontecimentos na esfera natural e social que nos remetem a guerra, fome, 
doenças, meteoros, terremotos, maremotos etc. A questão política também é considerada, uma vez que 
faz parte de todos os episódios que ocorrerão quando o mundo passar por um período difícil – afinal, 
todo país tem um líder, que deve estar à frente de todos esses fatos. Para Frye (2004), o apocalipse segue 
um panorama de restauração de elementos, como a árvore da vida, a terra prometida, a ressureição e o 
novo corpo, seguindo um nível ascendente para essa nova vida que havia sido prometida.
Assim, em resumo, a Bíblia pode ser considerada um texto literário por conter todos os elementos 
constitutivos de uma narrativa literária. Compreendemos ainda que a Bíblia pode ser analisada em 
blocos – também chamados de fases –, que possuem características que os diferenciam entre si e que 
se ligam um ao outro, preparando o leitor para o bloco seguinte.
Visando comparar a Bíblia com outra obra literária, escolhemos As crônicas de Nárnia, obra-prima 
do autor C. S. Lewis. A obra é dividida em sete partes: “O leão, a feiticeira e o guarda-roupa” (1950), 
“Príncipe Caspian” (1951), “A viagem do peregrino da alvorada” (1952), “A cadeira de prata” (1953), “O 
cavalo e seu menino” (1954), “O sobrinho do mago” (1955) e “A última batalha” (1956). Delimitamos 
nossa análise à crônica “A cadeira de prata”, que podemos relacionar a duas fases de Frye (2004), a lei e 
a sabedoria, embora foquemos apenas na fase da sabedoria.
76
Unidade II
“A cadeira de prata” se assemelha à parábola do semeador, contada por Jesus. A personagem Jill 
encontra Aslam logo que chega a Nárnia, e ele a faz guardar para si alguns objetivos a serem cumpridos 
durante sua jornada. Ela, porém, não os cumpre por esquecimento, com exceção do último.
 Observação
A personagem Aslam está presente em todas as sete crônicas da obra 
de Lewis. É um leão falante e a maior autoridade entre os habitantes do 
mundo de Nárnia.
A personagem Jill se encontra sedenta após descer uma cansativa trilha, vê um riacho e pensa em 
se abaixar e beber um pouco de água, mas, após dar uns poucos passos, vê, à beira do riacho, um leão 
de proporções incomuns, e fica com muito medo de ser atacada. Mesmo com muito medo do animal, a 
garota não sai correndo nem deixa de encarar toda aquela água:
A sede era tão forte que chegou a pensar que pouco se importaria em ser 
comida pelo animal, desde que desse tempo de beber um bom gole.
– Se está com sede, beba.
Eram as primeiras palavras que ouvia desde que Eustáquio falara com 
ela à beira do abismo. Por um segundo procurou descobrir quem falara. 
A voz voltou:
– Se está com sede, venha e beba (LEWIS, 2010, p. 528).
A princípio, a garota não sabe de quem era aquela voz, e só percebe que era do leão quando a 
ouve pela segunda vez. Esse trecho nos remete à Bíblia, especificamente ao evangelho de João 7:37: 
“No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha 
a mim e beba”.
A semelhança entre os textos consiste no conteúdo e na estrutura, como podemos verificar: “se está 
com sede, venha e beba” (LEWIS, 2010, p. 528); “se alguém tem sede, venha a mim e beba” (João 7:37).
Podemos verificar que a personagem Aslam, um leão que é autoridade em Nárnia, é uma alegoria de 
Jesus: assim como Jesus, Aslam oferece água para os que têm sede. Desse modo, torna-se mais nítida a 
semelhança entre os textos e as falas atribuídas às personagens.
Outra relação entre os textos se refere à missão dada a Jill pelo leão. A menina deve seguir 
perfeitamente as instruções, para que tudo se cumpra conforme o planejado:
77
LITERATURA COMPARADA
– Vou lhe dizer. Estes são os sinais pelos quais hei de guiá-la na sua busca. 
Primeiro: logo que Eustáquio colocar os pés em Nárnia, encontrará um velho 
e grande amigo. Deve cumprimentar logo esse amigo; se o fizer, vocês dois 
terão uma grande ajuda. Segundo: vocês devem viajar para longe de Nárnia, 
para o Norte, onde encontrarão uma inscrição numa pedra da cidade em 
ruínas dos gigantes. Terceiro: encontrarão uma inscrição numa pedra da 
cidade em ruínas, devendo proceder como ordena a inscrição. Quarto: 
reconhecerão o príncipe perdido (caso o encontrem), pois será a primeira 
pessoa em toda a viagem a pedir alguma coisa em meu nome, em nome de 
Aslam (LEWIS, 2010, p. 530).
Algumas passagens bíblicas apresentam semelhança com esse trecho. Em Deuteronômio 28:1, por 
exemplo, está escrito: “E será que, se ouvires a voz do Senhor teu Deus, tendo cuidado de guardar todos 
os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, o Senhor teu Deus te exaltará sobre todas as nações 
da terra.” Em outra passagem, encontrada em Deuteronômio 1:18, temos: “Assim naquele tempo vos 
ordenei todas as coisas que devíeis fazer.”
Ambos os textos – Bíblia e As crônicas de Nárnia – ensinam a seguir o que é ordenado, para que os 
futuros acontecimentos não sejam desvirtuados.O trecho bíblico instrui a guardar os mandamentos 
ordenados para que haja exaltação perante o Senhor, ou seja, para que se tenham bons feitos diante 
d’Ele. Em Nárnia, o leão pede à menina que guarde muito bem os sinais, para que possam ser cumpridos 
à risca. Os sinais são dados pacientemente à menina pelo leão, que a faz repetir tudo que deve fazer, 
mostrando a importância de seguir as regras.
Vemos também a importância de obedecer ao que é ordenado. Jill repete atentamente os sinais na 
presença do leão, só que mais tarde se depara com outros lugares e novas criaturas, nunca antes vistos 
por ela, os quais a levam a esquecer o objetivo de sua missão e os sinais que lhe foram dados. Desse 
modo, verificamos a falta de sabedoria de Jill em relação àquilo que lhe fora ordenado.
Frye (2004, p. 153) assim opina sobre a sabedoria:
O tolo é o homem que carrega uma nova ideia – que, ao fim e ao cabo, 
revela-se uma antiga falácia. O que domina esta sabedoria, e a perpassa, 
é a ansiedade pela continuação. Ela acompanha a autoridade dos mais 
velhos, cuja longa experiência com os modos de ação já testados e postos 
em prática os faz mais experientes do que os jovens.
Aslam dá a tarefa a uma menina, que acaba se esquecendo dela, lembrando-se apenas do 
último sinal. Mesmo sabendo que havia se esquecido dos sinais anteriores, Jill não desiste de 
continuar sua missão.
78
Unidade II
Exemplo de aplicação
1) A obra O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, dialoga com a Bíblia. Leia o trecho 
a seguir:
Mas o arbusto logo parou de crescer, e na sua extremidade começou então a se formar uma flor. 
O pequeno príncipe, que assistia ao surgimento de um enorme botão, pressentiu que dali sairia uma 
aparição miraculosa, mas a flor parecia nunca acabar de preparar sua beleza, no seu verde aposento.
Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas pétalas. Não queria 
sair, como os cravos, amarrotada. Ela queria aparecer no esplendor da sua beleza. Ah, sim! Era vaidosa. 
Sua misteriosa toalete, portanto, durara alguns dias.
O pequeno príncipe percebeu logo que a flor não era modesta. Mas era tão envolvente!
Fonte: Saint-Exupéry (1983, p. 29).
Até que ponto podemos relacionar esse fragmento de Saint-Exupéry com o episódio bíblico da rosa 
de Sarom – a noiva que se prepara para o casamento?
2) Leia o início de um famoso poema brasileiro:
Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata.
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.
E abre-se a porta da Arca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca
Vendo ao longe aquela serra
E as planícies tão verdinhas
Diz Noé: “Que boa terra
pra plantar minhas vinhas!”
79
LITERATURA COMPARADA
Descubra qual é o poema e seu autor. Que episódio bíblico é poetizado? O que e como é destacado 
na linguagem poética?
3) Indique no mínimo três obras literárias, em prosa e/ou em verso, que dialogam com a Bíblia.
Comentários
1) A obra O pequeno príncipe faz muitas alusões à Bíblia e aos costumes católicos. Assim, no contexto, 
podemos comparar a rosa dessa obra com a rosa bíblica.
2) O poema é “A arca de Noé”, publicado em livro com o mesmo título, de Vinícius de Moraes. Vale 
muito a pena ler a obra toda, pois contém títulos extremamente conhecidos e musicalizados. Com 
certeza, você recuperou facilmente o episódio bíblico recriado no poema.
3) A relação entre literatura e Bíblia depende tanto do texto literário quanto do leitor. Algumas obras 
referenciam explicitamente a Bíblia e, portanto, o intertexto é facilmente recuperado pelo leitor, 
mas há textos que fazem referências implícitas, alusões, subentendidos, que dependem muito da 
experiência leitora. Assim, ao anotar as obras, explique também a relação entre a obra literária 
escolhida por você e a Bíblia.
5.2 O mito na/da literatura
Desde a infância somos expostos a histórias que contam sobre deuses, semideuses e heróis como 
Hércules, Perseu, Jasão, Aquiles, Ulisses, Andrômeda, Perséfone e outros. Essa tentativa de explicar o fato 
inacreditável, envolvendo seres utópicos, seduz a nossa imaginação.
É por meio da palavra que os mitos sobreviveram até hoje, porque:
o que o Mito diz – supõe-se – não é demonstrável nem claramente 
concebível, mas sempre é claro o seu significado moral ou religioso, ou seja, 
o que ele ensina sobre a conduta do homem em relação aos outros homens 
ou em relação à divindade (ABBAGNANO, 2000, p. 673).
Na Odisseia de Homero, por exemplo, acompanhamos a aventura heroica de Ulisses, travada em 
10 anos de viagem, assim como o artifício de sua amada Penélope, que desfaz todas as noites o seu 
trabalho tecido durante o dia para ludibriar seus mal-intencionados pretendentes, e como seu filho 
Telêmaco é estimulado pela deusa Atena a proteger sua mãe.
80
Unidade II
Assim, os mitos que conhecemos sobrevivem pela literatura, sendo atualizados em novos e diferentes 
contextos literários. É o caso, em mais um exemplo, de Narciso.
Figura 19 – Narciso, de Caravaggio
Disponível em: https://bit.ly/3HMhXP6. Acesso em: 7 nov. 2022.
Na mitologia greco-romana deparamos com a história de Narciso, famoso por sua beleza e orgulho. 
No dia do seu nascimento, o adivinho Tirésias profetizou que Narciso teria vida longa desde que jamais 
apreciasse a própria imagem. Narciso representava vaidade, embevecimento e insensibilidade, pois era 
emocionalmente entorpecido às solicitações daquela que se enamorara por sua beleza, a ninfa Eco, 
e que, depreciada e humilhada, definhou até a morte. Então, como castigo, Narciso foi amaldiçoado 
a apaixonar-se perdidamente por sua imagem refletida na água, ou seja, o Outro e, assim, Narciso se 
entregou à morte.
Com base nesse mito, a literatura criou seu próprio: o mito do duplo. Assim como a literatura é feita 
por e para humanos, ela também possui essa propriedade criadora; é algo que está vivo, porque é fruto 
da linguagem, a qual, por sua vez, não é estática – ao contrário, está sempre inovando, se transformando 
e se adequando ao ambiente humano. Daí surgem mitos literários.
O mito do duplo pode ser representado pelo reflexo, pelo gêmeo, pelo sósia ou pela consciência 
da personagem. O duplo pode até mesmo ser o oposto da pessoa duplicada. Um de seus exemplos é 
O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, publicado em 1890 em Londres e considerado a obra-prima 
desse autor, sendo seu único romance. Nela, Wilde produziu o duplo de Dorian Gray em seu retrato.
81
LITERATURA COMPARADA
O duplo/outro se manifesta na história quando Gray contempla o retrato que seu amigo Hallward 
pintou dele, e, encantado e dominado pelas ideias de Lorde Henry (outra personagem), de que sua 
beleza e juventude podem findar, Gray percebe que jamais voltará a ter o mesmo frescor, o mesmo 
encantamento e beleza que aquele jovem retratado.
Gray anseia ardentemente que o outro no retrato, o duplo, receba todas as rugas e marcas do tempo, 
e que ele permaneça para sempre jovem. Entrega-se então a uma vida devassa e, logo após praticar seu 
primeiro feito de crueldade, Gray reconhece que seu pedido foi atendido. A cada ato de perversidade e 
sordidez, o duplo sofre as transformações provocadas por suas ações.
Gray compreende e reconhece que a beleza e a juventude que todos tanto admiram não são genuínas, 
que o mal, as sombras, o terror, o mágico e o misterioso rondam e dominam a sua alma, e então decide 
recolher da vista de todos a única prova que o poderia revelar. Então, em um quarto a que somente ele 
tem acesso, Gray esconde seu retrato, o duplo, a prova viva de que o verdadeiro Gray – a sua alma – é 
aquele ali refletido:
Suspirou e tocou a campainha. O retrato deveria permanecer oculto a todo 
custo. Não poderia correr por mais tempo o risco de ser ele descoberto outra 
vez. Havia sido uma loucura sua deixá-lo, por uma hora que fosse, em um 
aposento a que tinham acesso muitos de seusamigos (WILDE, 1981, p. 142).
Em certos momentos Gray sente prazer em contemplar, quando assim o deseja, o seu duplo. 
Em outros, Gray hesita em acreditar que a pintura tenha sofrido transformações. Entretanto, logo 
se convence de que sucedeu uma mutação em seu retrato: ele se atenta para a repugnância, a 
crueldade e o mal presentes em sua pintura. É como se seu duplo tivesse assumido todos os atos 
de delinquência e crueldade praticados por ele, ou seja, suas culpas e pecados.
Chega, então, uma testemunha ocular de que a metamorfose realmente aconteceu: o pintor 
e amigo há muito esquecido, Basílio Hallward, que criou a obra-prima do belo e eternamente 
jovem Gray. Hallward havia sido tomado pelo florescimento da paixão pela beleza angelical e pelo 
espírito de alma imaculada daquele jovem Dorian Gray, e com isso criara a pintura e desencadeara 
a obsessão de Gray por desejar e possuir a dádiva da eterna juventude. Hallward é forçado a 
testemunhar a transformação/deformação de sua obra e compreende que o belo pode ser também 
mal, que a sublime perfeição pode ser cercada e dominada por maldades.
Observe na figura a seguir como o pintor Ivan Albright apresenta o retrato de Dorian Gray, 
explicitando suas transformações malignas.
82
Unidade II
Figura 20 – O retrato de Dorian Gray, de Albright
Disponível em: https://cutt.ly/eM1UDKr. Acesso em: 7 nov. 2022.
 Observação
As influências do mito e da Bíblia – dois pilares da literatura ocidental – 
podem ser observadas nessa obra de Wilde. Verificamos a presença do mito 
grego na relação que Gray possui com seu próprio retrato, fortemente 
marcada pelo jogo de beleza/vaidade. Porém, os valores de retidão e 
concepções de punição da Bíblia também estão subjacentes nas consciências 
de Gray e das outras personagens.
83
LITERATURA COMPARADA
A aparição do duplo no romance de Wilde opera como um aspecto de consciência de suas 
transgressões: cada crime ou má conduta é refletida em seu duplo, o quadro. Gray reconhece que esse 
é o seu verdadeiro eu, seu estado de ser – é o testemunho de quem ele realmente é.
O duplo tem a missão de agir como o peso da consciência, e – como ocorre igualmente em 
O estranho caso do doutor Jekyll e do senhor Hyde, de Robert Stevenson, obra também inglesa, 
de 1886 – o original não sobrevive sem o seu duplo e vice-versa, ou seja, se um morrer, o outro 
obrigatoriamente morre junto.
 Saiba mais
Mais conhecido no Brasil como O médico e o monstro, O estranho caso 
do doutor Jekyll e do senhor Hyde conta a história de um médico de boa 
reputação, Dr. Jekyll, que passa a se isolar em seu laboratório no mesmo 
período em que começa a ser visto por diversas vezes entrando em sua casa 
um sujeito com atitudes esquisitas e de comportamento embrutecido, o 
Sr. Hyde. A cidade se vê assolada por manifestações violentas e assustada 
por um assassinato, e as suspeitas recaem sobre o Sr. Hyde.
STEVENSON, R. O estranho caso do doutor Jekyll e do senhor Hyde. 
São Paulo: Landmark, 2008.
O mito do Narciso subjaz à história de Gray. O culto à beleza e à juventude, longamente defendido 
por Lorde Henry, torna-se o meio de destruição de Gray. Como no mito, Gray não de enamora de si 
mesmo, mas de sua imagem, refletida em seu quadro – como a imagem de Narciso refletida no lago. 
Mais velho, Gray olha o seu duplo, o quadro, e constata o pior: seu duplo assumira uma aparência de 
maior crueldade e repugnância.
O duplo age como a moral de Gray, que destrói aquilo que o enoja, que comprova escancaradamente 
todo o mal, corrupção e crueldade praticados por ele no decorrer de sua vida, e, como Dr. Jekyll havia 
feito antes dele, Gray mata o seu duplo e assim encontra o seu final.
Exemplo de aplicação
1) Com certeza, você já assistiu a uma novela ou um filme em que aparecem personagens gêmeos 
que trocaram de corpo ou que foram confundidos um pelo outro. Existem muitos exemplos na 
ficção, ou seja, são muitas as histórias do duplo. Faça um levantamento dos títulos dessas histórias 
(novelas, filmes, HQ, peças teatrais…).
2) Leia o início da comunicação apresentada no VII Congresso Nacional de Linguística e Filologia 
(CNLF) pela estudiosa Cristina Martinho:
84
Unidade II
O primeiro texto da tradição Ocidental, o Gênesis, relata que o homem começa sendo um. Deus 
corta o homem em dois; a cisão resulta num enfraquecimento da singularidade e a vida passa a 
ser uma constante busca pela outra metade perdida. Esta concepção presentifica-se nas religiões 
tradicionais, com a separação entre alma e corpo. Diante disso, o homem possui uma natureza dupla, 
estruturada através da união de dois elementos diferentes.
Esta dualidade, antítese, cisão, remete, em termos do imaginário, ao fenômeno especular inscrito 
no duplo: espelhos, duplos, e reflexos habitam as lendas, as histórias de magia e as tradições populares, 
articulando um profundo sentimento de insegurança individual, social ou comunitária. Esta temática faz 
parte dos temas literários com profundas raízes mitológicas. No mundo em que a diferença é articulada 
através do sentido e do valor, a noção do duplo, da réplica, perturba e inquieta a identidade porque 
testemunha a insuficiência do ser.
Ao discutir o imaginário cultural no século XIX em relação à representação do duplo, especialmente 
numa época tensa de descobertas fundamentais em relação ao comportamento biológico e psíquico 
do ser humano, investigo a dependência de símbolos paradoxais e alternativos no cenário fantástico. 
Ao recolher informações sobre os conceitos mitológicos, freudianos sobre o real, a ilusão e a arte, 
considero a reflexão e a análise a partir de uma ótica interdisciplinar. O duplo pertence ao lado escuro 
do mundo da mitologia e do folclore. Representa a dualidade em seu aspecto mais perplexo e sinistro.
A maior parte dos estudos realizados no século XX sobre o duplo privilegia o ângulo psicológico, a 
começar pela interpretação psicanalítica de Otto Rank ao relacionar os diferentes aspectos do duplo 
na literatura com o estudo da personalidade dos autores. Joseph Campbell e Mircea Eliade estudam os 
mitos e as tradições mitológicas percebendo as concepções do duplo oriundas de rituais primitivos e de 
religiões monoteístas.
O arquétipo da dualidade universal assume uma forma específica e especular, manifestando seu 
próprio conjunto de leis únicas e autorreferenciais. É uma temática vastamente utilizada no século XIX, 
representando o humano como um ser dividido entre um eu e um alter ego. Considerado arquétipo 
e imagem, a representação do duplo parece inicialmente clara e acessível, embora logo se mostre 
indefinível e desconcertante. Um exame mais profundo revela, de maneira dramática, sua natureza 
fluida e enigmática, que escapa de esquemas meticulosamente organizados do real.
Fonte: Martinho (2003).
a) O mito do duplo é atribuído a que origens por Martinho? Que informações diferentes das 
apresentadas neste livro-texto ela acrescenta?
b) Martinho referencia dois pesquisadores: Joseph Campbell e Mircea Eliade. Quem são eles? Dê um 
exemplo de contribuição da pesquisa de cada um deles para o estudo da LC.
c) Assim como a sociologia, a história etc., a psicanálise também faz parte da intersecção entre 
literatura e outras áreas do conhecimento. Preencha o esquema a seguir sobre uma compreensão 
do mito do duplo na obra O retrato de Dorian Gray com base na psicanálise.
85
LITERATURA COMPARADA
Literatura 
comparada
Mito do duplo
O retrato de 
Dorian Gray, 
Oscar Wilde
Psicanálise
Figura 21
Comentários
1) O levantamento depende do seu conhecimento, da sua memória, das conversas com as pessoas 
em seu entorno. Por exemplo, mais de uma novela brasileira apresentou personagens gêmeos, e 
há filmes de comédia em que personagens de sexos opostos trocam de corpo etc.
2) O início do texto de Cristina Martinho é muito instigante. Ela associa o duplo ao mito e à Bíblia, 
comprovando que estes são dois grandes pilares da literatura ocidental. O duplo faz parte das 
imagens coletivase inconscientes da humanidade, independentemente da cultura e da época, e 
por isso a psicanálise se torna um ótimo caminho de estudo comparado.
6 IDENTIDADE NACIONAL
6.1 Nação mitopoetizada
O ano de 2022 marcou o bicentenário da Independência do Brasil, motivando diversas comemorações 
e, principalmente, estudos de revisão crítica. O papel da literatura é fundamental nesse evento político, 
pois, buscando formar uma identidade nacional após o processo de colonização, os brasileiros se voltaram 
à história literária, e os autores do século XIX, em especial do Romantismo, criaram obras sobre o país, 
seus heróis, sua paisagem. Em 1922, com o advento da Semana de Arte Moderna, realizada no Theatro 
Municipal de São Paulo, novamente a literatura foi relacionada à Independência, e enquanto no século 
anterior a literatura romântica mostrava um país e um povo idealizado, os textos da Semana assumiram 
uma visão crítica.
Temos, assim, uma discussão sobre uma literatura nacional vinculada à identidade do próprio 
país. Para os artistas da Semana de 22, esse evento deu início à independência cultural. Oswald de 
Andrade, por exemplo, inverte o sentido do poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, em “Canto 
de regresso à pátria”:
86
Unidade II
Quadro 2
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Canto de regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
Fonte: Dias (1957, p. 83-84); Andrade (1966, p. 32).
 Lembrete
“Canção do Exílio”, do escritor romântico Gonçalves Dias, é um dos poemas 
mais parodiados, parafraseados e estilizados da literatura brasileira, conforme 
exemplificado na unidade I. O poema tem um tom essencialmente ufanista.
Assim como a criação de Gonçalves Dias exagera as belezas do país e do povo brasileiro, a de Andrade 
exagera a inversão de valores. Oswald de Andrade parodia o poema romântico pois sua perspectiva sobre 
o país é mais crítica. A literatura passara a enfrentar uma realidade mais efetiva sobre o país e sobre 
os grupos sociais indígenas e caboclos, os quais não aparecem mais como personagens idealizadas; ao 
contrário, são pessoas sofridas, maltratadas pela condição sociopolítica (CYNTRÃO, 2004).
O poema “Canção do exílio” deve ser valorizado por ser o primeiro esteticamente válido em 
sua totalidade e fundamentado na nacionalidade, e é relevante pois abriu caminho para que os 
poetas posteriores pudessem expressar seus sentimentos sobre a terra natal, além do fato da 
geração do mito.
87
LITERATURA COMPARADA
Gonçalves Dias nasceu um ano após a Independência do Brasil e viveu suas duas primeiras décadas 
em meio ao entusiasmo produzido por esse fato histórico. Parece-nos natural que o sentimento nacional e 
o amor à terra estejam presentes no poema e em sua obra geral. O nacionalismo de Gonçalves Dias, 
portanto, se traduziu em sua obra com furor ativista pós-independência e transcendeu tempo e espaço, 
abrindo caminho para uma lírica brasileira não apenas com aspectos formais poéticos, mas também 
com veio político.
Outra obra extremamente relevante à busca pela identidade nacional é O guarani, de José 
de Alencar, também pós-independência. A narrativa se passa em 1604, quando os portugueses 
adentravam o território brasileiro em busca de riquezas. A história se centra em D. Antonio de Mariz 
e sua família, instalados no interior do Rio de Janeiro em região de floresta. O sistema feudal europeu 
é recriado com um senhor das terras, D. Antonio, a quem os outros se subordinavam. Extremamente 
religioso – católico  – e conservador, faz parte da classe dominante.
Temos, também, o mito do herói na figura do índio Peri, um jovem que deixou sua tribo para viver na 
propriedade de D. Antonio, em uma cabana, depois de salvar a filha do fidalgo, Ceci, e se encantar pela 
moça. A seguir, leia um trecho em que Ceci observa Peri dormir:
Contemplando essa cabeça adormecida, a menina admirou-se da beleza 
inculta dos traços, da correção das linhas do perfil altivo, da expressão de força 
e inteligência que animava aquele busto selvagem, moldado pela natureza.
Como é que até então ela não tinha percebido naquele aspecto senão 
um rosto amigo?
Como seus olhos tinham passado sem ver sobre essas feições talhadas 
com tanta energia? É que a revelação física, que acabava de iluminar o 
seu olhar, não era senão o resultado dessa outra revelação moral que 
esclarecera o seu espírito; dantes via com os olhos do corpo, agora via 
com os olhos da alma.
Peri, que durante um ano não fora para ela senão um amigo dedicado, 
aparecia-lhe de repente como um herói; no seio de sua família estimava-o, 
no meio dessa solidão admirava-o (ALENCAR, 1951, p. 516).
José de Alencar buscou no passado dos povos originários do país o herói nacional. Muniu Peri de 
características heroicas na perspectiva europeia – por conseguinte, numa visão crítica atual, Peri é uma 
personagem que tem seus traços identitários e culturais anulados.
6.2 Nação indígena
A questão indígena e a representação dos povos originários, ao longo de diferentes movimentos 
literário brasileiros, leva o estudioso da LC a constatar e compreender como diferentes versões 
estereotipadas, produzidas mormente segundo uma visão eurocêntrica, foram apresentadas ao público 
leitor ao longo dos tempos, contribuindo sobremaneira para a manutenção de preconceitos.
88
Unidade II
Tradicionalmente, a cultura indígena (incluindo a literatura) é oral, e suas histórias são passadas de 
geração a geração. Firmou-se, então, no imaginário do brasileiro que os indígenas estariam parados em 
um tempo imemorial. Por consequência, as sociedades indígenas são marcadas pela imagem de índio 
folclorizado e estereotipado – que vive despido, de corpo pintado e adornado de penas, e cujos textos 
se restringem a lendas.
A cultura se atualiza, e as tecnologias – da pedra lascada à eletricidade, imprensa e internet – são inovadas. 
A mesma lógica perpassa a cultura indígena. Nos esclarecimentos de Munduruku (2014, p. 176-177):
A literatura passou a ser um instrumento de atualização da Memória que 
sempre utilizou a oralidade como equipamento preferencial para a transmissão 
dos saberes tradicionais. Na compreensão que temos desenvolvido, esse 
instrumento engloba muito mais que o texto escrito, abrangendo as diversas 
manifestações culturais como a dança, o canto, o grafismo, as preces e as 
narrativas tradicionais. Cada uma dessas composições amarra o passado ao 
presente estabelecendo uma relação nova com o momento atual, uma relação 
necessária e urgente para que as culturas possam criar novas soluções para os 
problemas que pululam cotidianamente.
 Saiba mais
Para saber mais sobre o pensamento e a literatura indígena, 
recomendamos os livros do pensador e escritor Ailton Krenak e sua 
entrevista no programa Roda Viva.
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia 
das Letras, 2019.
KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
RODA Viva: Ailton Krenak: 19/4/2021. 19 abr. 2021. 1 vídeo (92 min). 
Publicado pelo canalRoda Viva. Disponível em: https://cutt.ly/61m3EGy. 
Acesso em: 29 nov. 2022.
O indígena, denominado índio nos séculos passados, é descrito primeiramente como um ser selvagem 
e exótico, depois como indolente e preguiçoso, e então como puro, abnegado e heroico, nos moldes do 
indianismo romântico no século XIX – por exemplo, o Peri, de José de Alencar.
Aos poucos, a literatura indianista cedeu lugar à literatura indígena, uma literatura com voz própria, 
transmitida por autores como Daniel Munduruku e Eliane Potiguara, que nos apresentam diferentes 
representações dos povos originários a partir de cosmogonias, culturas e visões de mundo bem específicas 
que fogem dos estereótipos anteriores.
89
LITERATURA COMPARADA
 Saiba mais
Alguns exemplos de livros de literatura indígena são:
MUNDURUKU, D. Histórias de índio. 2. ed. São Paulo: Companhia das 
Letrinhas, 2016.
MUNDURUKU, D. Coisas de índio: versão infantil. 2. ed. São Paulo: 
Callis, 2010a.
POTIGUARA, E. Metade cara, metade máscara. 3. ed. Rio de Janeiro: 
Grumin, 2018.
NEGRO, M. (org.). Nós: uma antologia de literatura indígena. São Paulo: 
Companhia das Letrinhas, 2019.
A seguir, apresentamos duas capas: uma delas da obra O Karaíba: uma história do pré-Brasil, do 
indígena Daniel Munduruku (2010b), e a outra da obra Estas estórias, do não indígena João Guimarães 
Rosa (1969), em que há o conto “Meu tio o Iauaretê”.
Figura 22
Fonte: Canizares (2019, p. 25).
Canizares (2019, p. 25) conta que a obra de Munduruku trata da
profecia do Karaíba [que] anuncia que algo ruim vai acontecer numa aldeia, 
no contexto pré-cabralino. Perna Solta, indígena […] numa sociedade 
90
Unidade II
organizada, vinculado a sua ancestralidade e espiritualidade, aponta o fim 
da forma de vida do seu povo. A narrativa discorre sobre as aventuras dele 
até o casamento com Maraí.
A seguir, veja um trecho desse livro:
– Eu tive um sonho. Nele a nossa aldeia era invadida por seres monstruosos. 
Tinham pelo em todo o corpo e no rosto. Não sabia de onde vinham, nem o 
que queriam com a nossa gente. Tentei conversar com eles, mas falavam uma 
língua muito estranha e confusa. Eram grandes e fortes. Eles pareciam com 
macacos, mas não pulavam nem brincavam (MUNDURUKU, 2010b, p. 26).
O texto finaliza da seguinte maneira:
Um dia Cunhambebe [um guerreiro da aldeia] andava pelas margens do 
paranã coletando conchas quando lhe chamou a atenção um ponto branco 
que “surfava” sobre as águas salgadas. O jovem se assustou com aquela 
visão e saiu correndo, largando o fruto de seu trabalho no chão. Sua gritaria 
chamou a atenção de todas as pessoas da aldeia, que se reuniram para ouvir 
o que o escolhido tinha para dizer. Sem fôlego devido à sua forte correria, o 
garoto respirou fundo e anunciou:
– Os fantasmas estão chegando! Os fantasmas estão chegando! 
(MUNDURUKU, 2010b, p. 92).
Na narrativa, a personagem Cunhambebe está em uma atividade cotidiana, catando conchas, quando 
vê os navegantes portugueses – chamados de fantasmas, talvez, pela cor de sua pele. A obra apresenta 
o ponto de vista do indígena sobre a chegada dos europeus ao Brasil, ou melhor, a Pindorama (Terra 
das Palmeiras, em tupi), como os povos originários chamavam o local. Esse ponto de vista é duplo: do 
narrador e do próprio autor.
Por sua vez, o conto “Meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, trata da transformação do 
personagem-narrador em animal, percebida por marcas de oralidade. Iauaretê (em tupi, iauara significa 
onça, e etê, verdadeiro) é um monólogo de um caçador de onça, um animal sagrado para os indígenas. 
Macuncôzo, filho de uma índia e de um branco, afirma a sua identidade indígena e transforma-se até se 
aproximar à de um animal. Segue um trecho do conto:
Ói: mecê não viu Maria-Maria, ah, pois não viu. Carece de ver. Daqui a pouco 
ela vem, se eu quero ela vem, vem munguitar mecê… […]
Ei, ei, que é que mecê tá fazendo?
Desvira esse revólver! Mecê brinca não, vira o revólver pra outra banda… 
Mexo não, tou quieto, quieto… Ói: cê quer me matar, ui? Tira, tira revólver 
91
LITERATURA COMPARADA
pra lá! Mecê tá doente, mecê tá variando… Veio me prender? Ói: tou pondo 
mão no chão é por nada, não, é à-toa… Ói o frio… Mecê tá doido?! Atiê! Sai 
pra fora, rancho é meu, xô! Atimbora! Mecê me mata, camarada vem, manda 
prender mecê… Onça vem, Maria-Maria, come mecê… Onça meu parente… 
Ei, por causa do preto? Matei preto não, tava contando bobagem… Ói a onça! 
Ui, ui, mecê é bom, faz isso comigo não, me mata não… Eu – Cacuncozo… 
Faz isso não, faz não… Nhenhenhém… Heeé!…
Hé… Aar-rrâ… Aaâh… Cê me arrhoôu… Remuaci… Rêiucàanacê… Araaã… 
Uhm… Ui… Ui… Uh… uh… êeêê… êê… ê… (ROSA, 1969, p. 159).
O texto de Guimarães Rosa, não indígena, assume um sentido mítico ao marcar a trajetória do 
homem colonizado que vai ao encontro de sua ancestralidade, no final, ao se transformar em onça. 
Esse homem pertence ao clã tribal da mãe, cujo totem é a onça, seu ancestral, sua origem. Ao (re)
encontrar sua identidade junto ao seu totem, a onça, ele se descoloniza.
Exemplo de aplicação
O poema a seguir é de Eliane Potiguara. Verifique que perspectiva a autora escolheu para falar da 
mulher indígena – mítica, crítica social etc.
Que faço com a minha cara de índia?
E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meus espíritos
E minha força
E meu tupã
E meus círculos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu toré
E meu sagrado
E meus “cabocos”
E minha terra
Que faço com a minha cara de índia?
E meu sangue
E minha consciência
E minha luta
E nossos filhos?
92
Unidade II
Brasil, o que faço com a minha cara de índia?
Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só…
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantavam
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo.
Fonte: Potiguara (2018, p. 24).
Comentários
A visão contemporânea sobre a mulher e a luta dos povos originários está presente no texto.
7 CERTOS TEMAS, CERTAS RELAÇÕES
7.1 Diferentes concepções de infância
Comparar textos literários de diversos autores para verificar como cada um aborda determinada 
temática, com base em seu estilo pessoal ou de época, em um contexto histórico-social específico, é uma 
prática comum na área dos estudos comparados. Temas como a morte, o amor, a família, a educação, a 
mulher, o negro, o indígena, a criança e a infância, o adolescente e a juventude, entre outros, têm sido 
muito explorados por pesquisadores de Letras por serem basilares para a compreensão do nosso sistema 
literário. Segundo Perrone-Moisés (1972, p. 104),
o tema de uma obra literária apresenta um duplo aspecto: ele pode ser 
considerado como fonte, ponto de partida, referente, ou como formador e 
modalizador das estruturas da obra. Assim, quando procuramos o tema de 
uma obra, podemos chegar a seu ponto de partida – imagens obsessivas 
de um autor ou de uma época –, ou ao seu ponto de chegada – o modo como 
o tema se apresenta numa obra particular, como ele a estrutura e a modula, 
como, enfim, ele ajuda a fazê-la. O primeiro caminho nos afasta da obra, 
considerada então como transparente, como meio de chegar a outra coisa. 
O segundo nos permite uma crítica imanente, na qual o elemento referencial 
pode ajudar à compreensão da estrutura da obra e de seu funcionamento.
93
LITERATURA COMPARADA
Ou seja, verificar como determinado tema se apresenta em uma obra literária contribui sensivelmente 
para compreendermos sua estrutura e funcionamento. Quando estabelecemos estudos comparados, é 
possível também observar que determinado tema nem sempre é abordado da mesma forma, o que nos 
leva a uma crítica robusta e consistente.
Como você pode observar, temas muito interessantes podem ser o ponto de partida de um estudo 
comparado, levando-se em conta um dos principais conceitos da LC: a intertextualidade temática. 
Escolhemos para este item tratar das diferentesconcepções de infância que podem ser depreendidas 
da literatura.
A criança é um ser que sempre existiu, obviamente. Contudo, a infância em suas especificidades 
é algo que surge somente a partir do século XVII. Afinal, o que distinguiria a infância da vida adulta? 
Ingenuidade, fragilidade e inocência seriam suas principais marcas? As respostas a essas questões não 
são tão simples, principalmente se pensarmos que, ao longo da história, tais questionamentos chegaram 
a ser impensáveis ou mesmo irrelevantes.
Marisa Lajolo (1997) sintetiza algumas díspares e curiosas concepções de infância, desde a Idade 
Média até as teorias de Freud. Para a autora, diferentes disciplinas formularam várias respostas à questão 
“o que é infância?”:
Primeiro vendo a criança como um adulto em miniatura; depois 
concebendo-a como um ser essencialmente diferente do adulto, depois… 
Fomos acreditando sucessivamente que a criança é uma tábula rasa, 
onde se pode inscrever qualquer coisa, ou que seu modo de ser adulto é 
predeterminado pela sua carga genética, ou ainda que as crianças do sexo 
feminino já nascem carentes de pênis (LAJOLO, 1997, p. 228).
Verificamos, dessa forma, que há uma variedade de caminhos para se definir o que é a infância em 
oposição àquilo que se toma por idade adulta, ora por meio de uma perspectiva histórica, ora filosófica, 
ora psicanalítica, ou até mesmo biológica.
Pelo viés histórico, precisamos considerar que o termo infância nem sempre teve a acepção atual. 
Segundo Ariès (1981), o mundo medieval ignorava a infância e não percebia uma transição para a idade 
adulta, pois havia uma certa indiferença aos fatores biológicos, visto que a ideia de infância estava mais 
ligada às relações de poder, mais especificamente à de dependência. O termo petit garçon (menininho), 
por exemplo, era utilizado para designar um serviçal, que não era necessariamente uma criança.
Nesse sentido, nem mesmo os jogos ou os trajes separavam as crianças dos adultos na Idade Média, 
pois todos jogavam da mesma forma e se vestiam igualmente. O que era visível eram os degraus 
da hierarquia social, ou seja, pessoas de classes sociais diferentes vestiam-se de formas diferentes e 
possuíam seus próprios jogos, independentemente de ser uma criança ou um adulto.
Essa indistinção entre crianças e adultos na Idade Média é confirmada por Dieter Richter, citado por 
Zilberman (2003). Para esse estudioso,
94
Unidade II
não havia a “infância”: nenhum espaço separado do “mundo adulto”. 
As  crianças trabalhavam e viviam junto com os adultos, testemunhavam os 
processos naturais da existência (nascimento, doença, morte), participavam 
junto deles da vida pública (política), nas festas, guerras, audiências, 
execuções etc., tendo assim seu lugar assegurado nas tradições culturais 
comuns: na narração de histórias, nos cantos, nos jogos (RICHTER apud 
ZILBERMAN, 2003, p. 36).
Por outro lado, o fato de as crianças participarem das atividades adultas na Idade Média não lhes 
dava qualquer privilégio ou poder decisório, segundo Stone (apud ZILBERMAN, 2003, p. 36): “As crianças 
eram frequentemente negligenciadas, tratadas brutalmente e até mortas; muitos adultos tratavam-se 
mutuamente com suspeita e hostilidade; o afeto era baixo e raro”.
Ao analisar diferentes momentos históricos, Ariès (1981) acredita que a maneira de ser das crianças 
tenha sempre encantado as mães e as amas, entretanto eram sentimentos não expressos, como tantos 
outros. Somente a partir do século XVII a criança passou a ser diferenciada do adulto em seus trajes, 
brincadeiras e jogos, sendo então vista como um ser frágil que precisa de proteção, um ser gracioso, 
que se pode admirar. Essa nova forma de ver a criança propunha não apenas o interesse em educá-la 
e respeitá-la, mas também o de mimá-la, surgindo, assim, um sentimento denominado pelo autor de 
paparicação: “Um novo sentimento da infância havia surgido, em que a criança, por sua ingenuidade, 
gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto, um sentimento 
que poderíamos chamar de paparicação” (ARIÈS, 1981, p. 149, grifo nosso).
Entre os moralistas e educadores do século XVII, contudo, teria surgido um outro sentimento da 
infância em diferentes classes sociais. O apego à infância não se exprimia mais por meio da distração, 
da brincadeira, mas pelo interesse psicológico e pela preocupação moral. Dessa forma, para esses 
homens, a infância não era divertida nem agradável, conforme se observa nesta afirmação de um 
padre jesuíta: “Só o tempo pode curar o homem da infância e da juventude, idades da imperfeição 
sob todos os aspectos” (GRATIEN apud ARIÈS, 1981, p. 162).
Com a grande mudança de costumes ocorrida durante o século XVII, surgiu uma farta bibliografia 
moral e pedagógica e uma nova iconografia religiosa. Segundo Ariès (1981, p. 136), “uma noção 
essencial se impôs: a da inocência infantil” – característica que marcaria a concepção de infância 
aceita por muitas gerações vindouras, como podemos verificar, por exemplo, na pintura de Joshua 
Reynolds (figura a seguir), que retrata uma menina bem-vestida e penteada, provavelmente de família 
burguesa, sentada displicentemente com os pés descalços.
95
LITERATURA COMPARADA
Figura 23 – A era da inocência, de Joshua Reynolds
Disponível em: https://cutt.ly/oM1UKCs. Acesso em: 7 nov. 2022.
Contudo, a criança passou a ser vista não somente como um ser inocente, mas também ignorante, 
que deveria ser civilizado e educado: “Há dois aspectos do sentimento da infância do século XVII, a 
inocência que é preciso conservar e a ignorância ou a fraqueza que é preciso suprir ou tornar razoáveis” 
(ARIÈS, 1981, p. 149).
Para Colin Heywood (2004), a infância apenas pode ser compreendida como uma construção 
social, ou seja, os termos criança e infância seriam compreendidos de formas distintas em diferentes 
épocas e lugares, estando condicionados a questões culturais, filosóficas, econômicas e muitas vezes 
religiosas. A partir de uma perspectiva social e histórica, o autor conclui que não existe somente uma 
infância, mas várias:
Atualmente, no Ocidente, acabamos realmente por associar a infância, em 
termos gerais, a características como inocência, a vulnerabilidade e a 
assexualidade, enquanto pessoas em lugares como, digamos, as favelas da 
América Latina ou regiões devastadas pela guerra da África, provavelmente 
não o fariam (HEYWOOD, 2004, p. 12, grifo nosso).
96
Unidade II
Apesar da visão generalizada e preconceituosa do autor, ao nosso ver, aspectos como etnia, gênero, 
religião, classe social e contextos histórico-culturais precisam ser levados em conta para se estabelecer 
uma determinada concepção de infância, estando a criança sujeita a seu tempo, a seu meio cultural e 
às ideologias vigentes.
De acordo com Menna (2019), muitos textos literários, de poemas a romances, trazem entre suas 
temáticas a criança e a infância, e, como vimos, o conceito de infância é uma construção social e 
histórica que muda conforme o contexto de produção, o estilo do autor, o estilo de época, assim como a 
ideologia vigente. Veremos a seguir alguns trechos que demonstram diferentes concepções de infância.
Para começar, um trecho do poema “Meus oito anos”, do romântico Casimiro de Abreu, publicado 
pela primeira vez em 1849:
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!
[…]
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã! (ABREU, 1981, p. 55).
Nesses versos regulares, rimados e com sete sílabas poéticas, observamos a infância retratada 
como a melhor época da vida. Enfatiza-se a inocência e as alegrias dessa fase, envoltas por uma 
natureza benigna. Para isso o poeta escolhe metáforas que remetem à beleza, à proteção, ao sonho e 
ao amor. O céu, por exemplo, é o “céu de primavera”, “um manto azulado”,enquanto “respira a alma 
inocência” e a vida é doce, é “um hino d’amor”. Podemos ainda dizer que esses versos românticos 
combinam com a concepção de infância apresentada na pintura de Reynolds (figura anterior).
Vale lembrar que características marcantes do romantismo são a subjetividade, a idealização e a 
linguagem metafórica. Idealizava-se o amor, a mulher e, no caso, a infância, tudo apresentado por 
uma linguagem metafórica a partir de uma visão subjetiva do eu lírico.
Leia agora um fragmento de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, publicado 
pela primeira vez em 1881:
Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de ‘menino diabo’; e 
verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, 
arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei 
97
LITERATURA COMPARADA
a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco 
que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de 
cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que 
a escrava é que estragara o doce ‘por pirraça’; e eu tinha apenas seis anos 
(ASSIS, 2008, p. 32).
Nesse pequeno excerto em prosa, podemos observar que a inocência e pureza da criança são 
colocadas em xeque. O narrador em primeira pessoa, o autor-defunto – ou o defunto-autor – Brás 
Cubas, relata sem remorsos e até com certo orgulho suas diabruras, e se caracteriza como um “dos mais 
malignos” meninos de seu tempo. Não há inocência, não há bondade. O menino Brás Cubas era cruel e 
mentiroso, não simplesmente uma criança traquinas.
Lembramos que essa obra machadiana assinala o início da fase realista do autor, na qual as marcas do 
romantismo são deixadas de lado ou mesmo refutadas. Em seu estilo marcadamente irônico, Machado 
de Assis nos apresenta o perfil de um homem repleto de máculas, já pinceladas desde sua infância, às 
quais ele não se furta de narrar. Assim, verificamos que a concepção de infância nessa obra e época 
diverge da apresentada por Casimiro de Abreu, já que a inocência é substituída pela perversidade.
Veja agora um trecho do poema “Meninos carvoeiros”, de Manuel Bandeira, um dos principais poetas 
modernistas, publicado inicialmente em 1921:
– Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles…
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
– Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
[desamparados (BANDEIRA, 2007, p. 47).
Nesse poema em versos livres, as crianças retratadas em muito diferem daquelas até aqui apresentadas, 
levando-nos a uma concepção de infância marcada pelo trabalho infantil em condições insalubres, pela 
miséria, pela desnutrição e pelo desamparo. O eu lírico se surpreende ao vê-las brincando em situação tão 
aterradora. Note que tanto a madrugada quanto a miséria são caracterizadas como ingênuas, não as 
crianças. Vale ainda ressaltar que o poeta optou pelo uso coloquial de “carvoero”, em vez de carvoeiro – 
uma marca de seu estilo e da estética modernista.
Para esses carvoeirinhos, a idealização de Casemiro de Abreu não se encaixa, e não há uma “manhã 
risonha”, mas uma “madrugada ingênua”, fome e miséria. Contudo, mesmo assim se divertem.
98
Unidade II
A infância dos pequenos carvoeiros também não é a mesma do perverso e dissimulado Brás Cubas. 
Em uma sociedade escravocrata, o menino sente-se confortável em quebrar a cabeça da mulher 
escravizada e ainda incriminá-la. Já os carvoeirinhos representam as classes oprimidas, brincam em 
animais tão desnutridos quanto eles e se alimentam de pão cheio de carvão.
Você pôde observar como as crianças e a infância foram representadas de formas distintas em três 
momentos e estilos literários – Romantismo, Realismo e Modernismo –, levando-nos a confirmar que 
não há apenas uma concepção de infância, mas várias.
Vale ainda considerar que a literatura é arte e uma representação da realidade, sendo que as 
concepções de infância depreendidas dos textos literários podem se aproximar ou se distanciar do 
mundo real, conforme os objetivos de seus autores, seu estilo e as ideologias vigentes.
Exemplo de aplicação
Com certeza você conhece outros textos literários com concepções de infância próximas ou distantes 
das aqui apresentadas, e pode estabelecer um novo estudo comparativo sobre o tema. Selecione dois 
textos sobre o assunto e escreva um parágrafo inicial com informações introdutórias sobre eles – títulos, 
autores – e o tipo de comparação que fará. Depois, apresente cada obra escolhida (resumo e/ou trecho), 
seguida de análise comparativa, e encerre seu estudo com uma breve conclusão, respondendo que 
concepção de criança/infância os textos nos revelam.
7.2 Os caminhos da floresta em contos tradicionais
De maneira geral, os contos tradicionais – popularmente conhecidos como contos de fadas – passam 
por diversas releituras textuais por meio da alusão, paródia etc. A história da menina de capuz vermelho, 
por exemplo, perdida no caminho da floresta, é uma das mais divulgadas e reescritas. Segundo Mattos 
e Pereira (2021), Charles Perrault criou a primeira versão em 1697, por sua vez baseada na tradição oral: 
“La petit chaperon rouge” consta no volume Histoires ou contes du temps passé, avec des moralités: 
les contes de ma mère l’Oye. Dois séculos depois, em 1812, os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm recriaram 
várias versões até chegarem à “Rotkäppchen”, versão publicada em 1857 “na forma mais conhecida 
da história até hoje” (MATTOS; PEREIRA, 2021, p. 52). É justamente essa versão dos irmãos Grimm que 
inspirou Guimarães Rosa e escrever “Fita verde no cabelo”, publicado em 1964.
Perrault é considerado o precursor da literatura infantil por ter sido o primeiro a registrar narrativas 
populares por escrito. No entanto, precisamos lembrar que sua obra foi produzida na corte francesa 
de Luís XIV, e Perrault e outros autores, entre eles La Fontaine, escreviam para a nobreza, ou seja, para 
adultos. O final de “Chapeuzinho Vermelho” corrobora seu público-alvo com a apresentação em verso 
de uma moral com advertência:
Aqui se vê que os inocentes,
Sobretudo se são mocinhas
Bonitas, atraentes, meiguinhas,
99
LITERATURA COMPARADA
Fazem mal em ouvir todo tipo de gente.
E não é coisa tão estranha
Que o lobo coma as que ele apanha.
Digo-o logo porque nem todos
São da mesma variedade.
Há uns de grande urbanidade,
Sem grita ou raiva, e de bons modos,
Que, complacentes e domados,
Seguem as jovens senhorinhas
Até nas suas casas e até nas ruinhas;
Mas todos sabem que esses lobos tão bondosos
De todos eles são os mais perigosos (PERRAULT, 2015, p. 29).
A versão de Perrault – assim como as histórias francesas populares da época – reflete a crueldade a 
que eram submetidos os camponeses daquele tempo. O final de Chapeuzinho Vermelho é ser devorada 
pelo lobo, sendo irremediavelmente morta. Assim, esse final e os versos de cunho moral direcionam o 
texto a adultos, em especial às moças palacianas, e dão ao lobo um valor metafórico, associado à figura 
masculina e ao ato sexual.
As inferências ao sexo e ao homem permeiam a narrativa de Perrault, como sintetizam Mattos e 
Pereira (2021, p. 54):
o narrador ressalta a beleza da menina, dizendo que todos a achavam 
bonita; o lobo deseja comer a menina na floresta mesmo, mas não o faz 
devido à presença de lenhadores; para poder apanhá-la, o lobo pergunta 
aonde ela vai e, ao obter a resposta da menina, toma um caminho mais 
curto para chegar antes à casa da avó; o lobo, fingindo ser a avó, convida 
Chapeuzinho para deitar-se com ele na cama; a menina tira o vestido para 
assim o fazer e, em seguida, pensando ser o lobo a avó, estranham-lhe os 
braços e as pernas grandes.
Na versão dos irmãos Grimm, essas inferências são suprimidas e outros elementos são acrescentados 
para opúblico infantil. A expressão “Era uma vez” é incluída, a descrição de Chapeuzinho é modificada para 
ser meiga e crédula, a mãe recomenda à filha ter juízo e se manter no caminho. Outras modificações 
decorrem do fato de o lobo chamar a atenção da menina para a beleza das flores – fato que ajuda a 
suprimir o tópico sexual, mas a faz adentrar mais ainda na floresta e se desviar do caminho –, e do 
acréscimo de uma personagem, um caçador, que tira a menina da barriga do lobo. Dessa última alteração 
decorrem a morte do lobo e a salvação da menina. Chapeuzinho reconhece no final da narrativa a 
recomendação da mãe, prometendo a si própria não passar pela floresta sozinha nem fugir do caminho.
Nas duas versões – a de Perrault e a dos irmãos Grimm –, Chapeuzinho sofre as consequências de 
sua inocência: na primeira, ao ser devorada; e na segunda, por desobedecer à mãe, ao levar um susto.
100
Unidade II
A versão dos Grimm confere um contexto diferente. Em vez de uma França do século XVII e 
um público nobre, a obra dos irmãos foi publicada na Alemanha com base nos ideais da burguesia 
ascendente, cuja concepção de família e infância atribui à criança um papel estruturante. Nessa 
perspectiva, a história “Chapeuzinho Vermelho” dá destaque à criança (e não ao lobo), tornando-a 
vencedora da luta contra o antagonista.
Enquanto a versão de Perrault é um reflexo da realidade impiedosa e irracional dos camponeses, a 
dos irmãos Grimm assume uma atitude de racionalidade destacada na relação de causa e consequência 
relacionada à obediência e na atitude dedutiva do caçador. A versão dos irmãos Grimm leva o texto 
de um gênero a outro: de obra para adultos, foi adaptada para o gênero da literatura infantil. Essa 
adaptação insere-se no processo de estilização da intertextualidade.
 Lembrete
A estilização é um dos três processos da intertextualidade, que mostra 
o discurso do outro já estilisticamente modificado.
A versão dos Grimm traz um desvio do texto anterior, mas não o nega totalmente, mesclando-se a 
ele. Assim, tais versões difundiram-se tanto na nossa sociedade que a história retornou à contação oral, 
sem precisar de leituras do registro escrito.
O conto “Fita verde no cabelo”, de Guimarães Rosa (2022), também é uma releitura de “Chapeuzinho 
Vermelho”. Incorpora aspectos da cultura popular, mas não apresenta função extratextual, como orientar 
moças ou crianças. Essa versão traz um viés distinto das outras adaptações: o Lobo Mau não está 
presente, porque foi exterminado pelos lenhadores. Como não havia lobo, Fita Verde decidiu por ela 
mesma ir pelo caminho mais longo, e foi se divertindo com as avelãs e as flores até chegar à casa de 
sua avó. Com sua cesta nas mãos, Fita Verde entrou e viu a avó deitada, que pediu para que a menina 
fosse para perto dela enquanto era tempo. Nesse momento, Fita Verde já perdera sua fita do cabelo, pelo 
caminho, e ficou espantada ao se dar conta do ocorrido. Fita Verde presenciou então a morte de sua 
avó, dando-se conta do significado da vida e da morte.
Assim, para Guimarães Rosa, o misterioso Lobo que nos amedronta e ao mesmo tempo nos encanta 
é a Morte. A narrativa demonstra o afastamento do enredo primordial: não há Chapeuzinho Vermelho, 
nem lobos, já exterminados pelos lenhadores, e a menina usa uma fita verde inventada no cabelo. O autor 
brasileiro transmuta para o texto sua linguagem própria; ele desconstrói a racionalidade presente em 
“Chapeuzinho Vermelho” dos irmãos Grimm e restitui-lhe a transcendência.
101
LITERATURA COMPARADA
 Saiba mais
O escritor angolano José Eduardo Agualusa também criou uma versão 
da Chapeuzinho Vermelho na crônica “Se o lobo mau fosse angolano”. Você 
conhece? A crônica não é similar às outras versões do conto, tratando 
de vários assuntos: da economia, da colonização, da civilização etc. e, na 
comparação entre Angola e Portugal, o colonizado satiriza o colonizador. 
Essa e outras histórias estão no livro indicado a seguir. Boa leitura!
AGUALUSA, J. E. A substância do amor e outras crônicas. Lisboa: Dom 
Quixote, 2000.
Exemplo de aplicação
O conto de fadas “A gata borralheira”, em especial as versões dos irmãos Grimm e de Walt Disney, é 
um dos mais famosos e queridos pelos leitores. A história da Cinderela, que sofre abusos da madrasta e perde 
o sapatinho ao fugir do baile do Príncipe, incita a nossa imaginação. Veja as duas capas a seguir:
A) B) 
Figura 24 
Fonte: A) Mah (2006); B) Mizuno (2006).
102
Unidade II
a) Procure informações sobre cada uma dessas obras: suas autoras, nacionalidade, época de produção.
b) Sintetize ambas as histórias (o indicado é lê-las, mas sempre encontramos resumos em divulgações 
na internet).
c) Compare essas duas obras com a narrativa da Cinderela, apontando, no mínimo, uma semelhança 
e uma diferença. Para tal, tenha como base o que diz Oliveira (2018, p. 189):
“Elementos consagrados, seja nos quadrinhos ou na literatura, trazem em si uma força compositiva 
que encontra eco naqueles que os reconhecem e legitimam suas existências. Ao estabelecermos o 
diálogo entre tais elementos, colocamos também em intersecção toda a mitologia que os acompanha e 
que, na relação entre obras, pontuarão a narrativa, emergindo no novo enredo”.
d) Ana Maria Machado (2002), ao discorrer sobre a universalidade e permanência dos textos, dá 
o seguinte exemplo: conhecia-se uma versão de Cinderela no antigo Egito, e o motivo de o pé 
pequenino ser o único a caber num sapatinho de cristal muito provavelmente viria da antiga 
China, onde existia o costume de comprimir os pés femininos para que não crescessem, visando 
atender a um ideal de beleza. Em que ponto a obra Cinderela chinesa responde ao comentário 
sobre os pés femininos?
Comentários
Cinderela chinesa, como bem diz o título, foi escrito por uma autora chinesa, que nos conta 
sua vida com a família e a madrasta nos moldes do gênero romance. Cinderalla é uma criação 
em mangá de Junko Mizuno. A narrativa em quadrinhos dialoga com o conto Cinderela a partir 
da recriação de sua personagem, atualizada e modificada, em diferentes contextos. Em outras 
palavras, a história de vida de Yen Mah aproxima-se do conto da Cinderela, mas o mangá é uma 
recriação proposital da personagem Cinderela.
8 LITERATURA E OUTRAS MÍDIAS E LINGUAGENS
8.1 Animação Morte e vida severina: uma prática intermidiática
A LC tradicional, da linha francesa, contempla estudos de livros e desconsidera outros suportes e 
materiais. É com a abertura dos teóricos da escola americana que práticas distintas foram incorporadas, 
resultando em estudos comparados entre literatura e outras linguagens e mídias. No entanto, como 
ressaltam Mattos e Pereira (2021, p. 90), a base da comparação permanece a mesma: “na origem, há 
uma obra literária em discussão”.
Assim, HQ e animação são duas mídias cujas fronteiras se cruzam neste estudo. A HQ é uma mídia 
moderna que sincroniza cada vez mais perfeitamente imagem (recurso visual, não verbal) com prosa 
(recurso literário), buscando, por meio de recursos reconhecidamente próprios, como balões, requadros 
variados, uso de cores, perspectiva, variações de traço, entre outros, expressar aspectos em linguagem 
103
LITERATURA COMPARADA
própria. Trata-se de uma mídia visual, em que as figuras são desenhadas e o layout da página divide-se 
em quadrinhos.
No entanto, a HQ carrega um preconceito muito grande, passando a ser questionada favoravelmente 
apenas do fim do século XX em diante. No ensino formal, escolar básico, foi desprezada como possível 
material pedagógico-artístico. Nas discussões sobre cultura, foi enquadrada como cultura de massa, 
em oposição às culturas erudita e popular, cuja qualidade significativa e estética era inquestionável. No 
cinema, ainda na década de 1990, quando proliferaram adaptações fílmicas de quadrinhos, a HQ também 
foi vista negativamente, porque um filme dificilmente teria reconhecimento canônico ou agradaria aos 
críticos e aos leitores dos quadrinhos (LEFÈVRE, 2012).
A animação,por sua vez, tornou-se atualmente o maior desafio da mídia digital, levando estudiosos 
da intermidialidade, como Müller (2012), a questionar como ficam as estruturas narrativas e os 
elementos do gênero cinematográfico, HQ etc., por exemplo, quando transferidos para a dinamicidade 
do espaço virtual.
Temos, nesse processo histórico do campo, um exemplo brasileiro de prática intermidiática: a relação 
entre a HQ Morte e vida severina, de Afonso Falcão (MELO NETO; FALCÃO, 2009), e a animação Morte 
e vida severina, de 2010, dirigida por Afonso Serpa (MORTE…, 2021). A transposição midiática já ocorre 
entre a HQ e a obra-fonte Morte e vida severina: auto de natal pernambucano, de João Cabral de Melo 
Neto (2008). Portanto, a obra-fonte é um texto literário que é transposto para a HQ, a qual, por sua vez, 
é transposta para a animação digital 3D.
Como prática intermidiática, é necessário distinguir as especificidades de cada mídia para então 
verificar e discutir como as fronteiras entre elas dialogam entre si. Devido à relação entre HQ e animação, 
vamos nos limitar a comparar essas duas mídias.
Antes disso, contudo, vamos conhecer um pouco melhor a obra-fonte. Morte e vida severina: auto 
de natal pernambucano é uma obra literária criada entre 1954 e 1955 pelo brasileiro João Cabral de 
Melo Neto. Trata-se de uma narrativa em versos, e seu início tornou-se notório:
O retirante explica ao leitor
Quem é e a que vai
– O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias (MELO NETO, 2008, p. 34).
104
Unidade II
A obra já foi fonte de práticas intermidiáticas, tendo sido adaptada para teatro, filme e televisão. 
No início do século XXI, essa obra foi transposta ainda para outras mídias: foi recriada em tirinhas por 
Miguel Falcão em 2009, e a versão em HQ levou à transposição em animação, dirigida por Afonso Serpa 
em 2010. A animação Morte e vida severina tem como texto-fonte não a obra de Melo Neto em si, mas 
a HQ de Falcão.
 Saiba mais
A animação Morte e vida severina está disponível no YouTube:
MORTE e vida severina em desenho animado. 28 jun. 2021. 1 vídeo 
(55 min). Publicado pelo canal Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: 
https://cutt.ly/yM1IxQA. Acesso em: 8 nov. 2022.
Considerando as categorias de intermidialidade apresentadas por Rajewsky (2012a), trata-se aqui 
da transposição midiática, ou seja, a adaptação da HQ em animação. Precisamos ressaltar que a HQ já é 
resultado de uma transposição da obra-fonte para tirinhas.
Figura 25 – Capa da HQ Morte e vida severina
Fonte: Melo Neto e Falcão (2009).
105
LITERATURA COMPARADA
Cada mídia concretiza-se por meio de uma materialidade, que a distingue de outras mídias. O 
suporte da HQ é o gibi, constituído por folhas leves em páginas sequenciais, em tamanho pequeno 
o suficiente para ser segurado pelas mãos do leitor, que é livre para ler a HQ onde quiser. Observe-se 
ainda que a leitura da HQ é solitária, no sentido de não ser compartilhada ao mesmo tempo com 
outras pessoas.
Mas a materialidade da HQ não se constitui apenas de seu suporte: envolve também a própria noção 
de quadrinhos e o material e técnicas empregados para criá-los. As narrativas em quadrinhos firmam-se, 
em sua maioria, no uso da figura deformada, geralmente caricatura, remetendo à condição artificial do 
próprio desenho.
Figura 26 – Quadrinhos iniciais da HQ
Fonte: Melo Neto e Falcão (2009, p. 10).
106
Unidade II
Na transposição para a animação, o suporte é a tela, diferindo a interação entre a obra e o leitor, 
que passa a ser espectador. Dependendo do local, pode-se assistir à animação no cinema ou na tela 
do computador, uma vez que a obra se encontra disponível na internet. Essa animação é criada por 
recursos da computação gráfica, mas não está relacionada às interfaces do corpo plugado, apontadas 
por Santaella (2007), caracterizadas como corpo por conexão, que é plugado no computador, imersão 
através de avatares e imersão híbrida, na qual exploramos as performances e danças performáticas. 
A narrativa do diretor Serpa é tipicamente fílmica, que leva o espectador ao centro do espaço diegético, 
já construído pelos responsáveis pela animação.
A imagem da animação é contida num espaço menor, em comparação à imagem da página da 
HQ, ou seja, em uma única tela, distante do leitor/espectador, e a sequência de suas imagens é 
linear-temporal.
A) 
B) 
Figura 27 – Sequência linear-temporal
Fonte: A) Morte… (2021, 32 s); B) Morte… (2021, 37 s).
107
LITERATURA COMPARADA
 Observação
Nesta seção, a fonte das figuras retiradas da HQ indica o número da 
página correspondente, e a fonte das figuras originadas da animação 
indica o tempo de reprodução em que a imagem foi capturada em minutos 
(min) e segundos (s).
A prática da intermidialidade por transposição implica a manutenção do sentido do texto-fonte, 
bem como sua aparência. A transposição ocorre na recriação do texto-fonte em outra mídia. Nesse caso, 
verificamos que a HQ mantém a temática e a forma próxima de verso do texto de Melo Neto.
Figura 28 – Manutenção de sentido
Fonte: Melo Neto e Falcão (2009, p. 9).
A rubrica típica de um texto dramático, “O retirante explica ao leitor quem é e a que vai”, criada 
por Melo Neto, é mantida como título na HQ de Falcão. Além disso, os versos originais constituem as 
falas nos balões.
Na animação, após o título ser exibido, a personagem masculina Severino configura-se na tela em 
plano aberto, figura média, e se apresenta oralmente, repetindo as falas da HQ.
108
Unidade II
Figura 29 – Apresentação oral da personagem
Fonte: Morte… (2021, 1 min, 43 s).
A HQ e a animação são mídias visuais, diferentemente da literatura, que emprega palavras para 
criar imagens. Os sentidos construídos no texto de Melo Neto são mantidos nas transposições por 
meio dos recursos específicos de cada mídia. As formas humanas desenhadas representam, na 
aparência, o agreste nordestino. No quadro/cena em que a personagem elucida que há diversos 
Severinos “filhos de tantas Marias”, as figuras corporificam cactos, os quais são comuns e recorrentes 
no espaço da diegese.
 Observação
Diegese é o ato de narrar uma história, seja na literatura, no cinema ou 
na HQ. A personagem torna-se locutor ao descrever sua própria identidade 
ou comentar um acontecimento.
109
LITERATURA COMPARADA
A) 
B) 
Figura 30 – Manutenção do sentido nas formas
Fonte: A) Melo Neto e Falcão (2009, p. 9); B) Morte… (2021, 2 min, 19 s).
110
Unidade II
Na transposição ocorre o processo intermidiático, que se dá por meio dos materiais, técnicas e estilos 
específicos da mídia.
Guião narrativo
Guião técnico
Animação
Realização de layouts
Sincronia labial
Criação de corCriação de fundos 
ocasionaisLocução de diálogos
Criação da música 
principal
Storyboard
Criação de personagens Criação de fundos 
principais
Prova de linha
Cor de fundos
Captação por câmera 
ou scanner
Pintura da animação
Composição da cena
Misturas/efeitos especiais de imagem, som/criação de músicas ocasionais
Filme terminado
Figura 31 – Esquema de produção de um filme de animação
Fonte: Càmara (2005, p. 13).
111
LITERATURA COMPARADA
Para compor a representação visual da animação, a aparência das personagens, o diretor usa arte 
conceitual (concept art), que também identifica cores e elementos que constituirão o conceito visual. 
Utiliza-se a técnica rigging de animação em 3D, que adiciona movimento e simula a articulação do 
esqueleto (estrutura) e da linguagem corporal.
 Observação
Arte conceitual (concept art) é uma forma de pré-produção para criar 
e definir uma ideia.
A) 
B) 
Figura 32 – Movimento e linguagem corporal
Fonte: A) Morte… (2021, 30 min, 52 s); B) Morte… (2021, 32 min, 27 s).
112
Unidade II
Além do storyboard animado, a obra também é composta de vozes e músicas, sendo essa última

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