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TEORIA E PRÁTICA DAS AÇÕES CONSTITUCIONAIS Pós-Graduação “lato sensu” Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi UNIDADE I MANDADO DE SEGURANÇA AULA 2 1 PRAZO DE IMPETRAÇÃO A Lei do mandado de segurança prevê que esse remédio deve ser impetrado em um prazo de 120 dias: Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Trata-se, para a maioria da doutrina, de prazo decadencial, que faz com que o impetrado perca o direito de se utilizar do mandado de segurança para defesa do seu direito líquido e certo. No entanto, vale ressaltar que esse prazo decadencial não faz com que o titular perca o direito em si, podendo, quando não mais cabível o mandamus, ajuizar ação judicial comum para pleitear o seu direito ferido. Assim, se a pessoa deixa passar o prazo de 120 dias, ela não perde o direito em si, podendo discuti-lo em uma ação comum, ela só perde o direito de o fazer por meio de mandado de segurança. Por ser um prazo decadencial, não há que se falar em suspensão ou interrupção, passando a contar, de acordo com a lei, do conhecimento do ato impugnado pelo impetrante. Porém, parte da doutrina entende ser esse prazo um caso de prescrição inconstitucional. Para esses autores, como a Constituição da República de 1988, em seu art. 5º, LXIX, não limita o exercício do direito a determinado prazo, seria inconstitucional a lei fazê-lo. A própria OAB ajuizou uma Ação Direta de Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Inconstitucionalidade nesse sentido, que até a edição deste texto, não foi julgada (ADI 4.296). Independentemente da discussão doutrinária, o STF entende ser constitucional tal prazo, considerando que o decurso do prazo não impede a defesa do direito, mas apenas a utilização de um procedimento sumário, que é o mandado de segurança: Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança. A lei não menciona como se dará, ou se ocorrerá, a contagem do prazo no caso de omissão continuada. Para o Supremo Tribunal Federal, nesse caso, o prazo de 120 dias renova-se mês a mês. EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. PROCEDÊNCIA. Havendo omissão da Administração Pública em apreciar requerimento administrativo do particular contra ato de efeitos concretos que afeta prestações de trato sucessivo, o prazo decadencial se renova a cada mês, tendo em vista que, a cada mês, se renova a omissão da Administração. Embargos de declaração acolhidos. (STF, RMS 24.736/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 14/09/2010). Por outro lado, havendo a omissão na prática de um ato específico, sem ser continuado, conta-se o prazo decadencial a partir do prazo legal para a prática do ato. Por fim, não há que se falar no prazo decadencial de 120 dias no caso de mandado de segurança preventivo, tendo em vista que o ato não foi editado e não se trata de omissão. Neste sentido, o STJ (AgRg no Resp 1.128.892/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 05/10/2010). Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi 2 LEGITIMAÇÃO 2.1 Legitimação ativa Ao buscar a legitimação ativa, deve-se utilizar a expressão “impetrante”, ao tratar de quem sofreu o ato de ilegalidade ou abuso de poder e terá legitimação para impetrar o mandado de segurança. Levando-se em consideração o Mandado de Segurança individual, o impetrante está previsto no art. 1º da lei específica: Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. É possível que seja impetrante do mandado de segurança pessoa física ou pessoa jurídica. A pessoa física pode ser brasileira ou estrangeira, enquanto a pessoa jurídica pode ser de direito público ou de direito privado. Ampliando um pouco a interpretação, também são legitimadas para o mandado de segurança entidades sem personalidade jurídica, como espólio, massa falida, condomínio, pelo fato de possuírem personalidade judiciária. Ainda podem fazer uso do mandamus, apesar de não possuírem personalidade jurídica, os órgãos de cúpula, como tribunais, casas legislativas, uma vez que têm legitimidade quando estiverem na defesa de seus interesses institucionais, por interpretação da Súmula 525 do STJ: Súm. 525, STJ: A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais. É possível que o direito ferido pelo ato da autoridade tenha uma pluralidade de titulares e, de acordo com a Lei, é possível que qualquer um desses titulares impetre o mandado de segurança: Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Art.1º, § 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança. Ocorre, nesse caso, a legitimação ordinária individual, podendo-se impetrar o mandamus mesmo sem a presença dos outros titulares do direito. Daniel Assumpção aponta que: Existem inúmeros exemplos, como a ação reivindicatória da coisa comum, que pode ser proposta por qualquer condômino; ação de dissolução de sociedade, que pode ser proposta por qualquer sócio; ação que tenha como objetivo a anulação de uma assembleia-geral em sociedade por ações; a declaração de indignidade do herdeiro, que pode ser proposta por qualquer interessado na sucessão; a ação de sonegados, que pode ser proposta por qualquer herdeiro ou credor da herança, etc. (2017, p. 172) Nesse caso, a lei não exige que todos os titulares tenham que figurar no polo ativo do mandado de segurança, tendo em vista que essa exigência poderia impedir a utilização do mandado de segurança quando um dos titulares não quisesse defender o direito, o que colocaria em risco o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. No entanto, nada impede que os titulares do direito atuem em litisconsórcio, formando o litisconsórcio ativo facultativo. Caso seja impetrado em litisconsórcio, ele será ele unitário, ou seja, a sentença será a mesma para todos os litisconsortes, afinal, o direito é o mesmo. 2.2 Legitimação por direito decorrente O art. 3º traz a possibilidade de impetração do mandado de segurança para a proteção de um direito de outra pessoa, quando o direito do impetrante decorrer do direito originário: Art. 3o O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Nesse caso, o mandado de segurança é ajuizado em nome próprio, para defesa de direito de outro, sendo, portanto, uma hipótese clara de legitimação extraordinária, ou seja, de substituição processual. Uma hipótese seria quando o terceiro colocado em uma lista classificatória de licitação impetra o mandado de segurança pedindo a anulação da contrataçãodo primeiro colocado, o que pode fazer com que o segundo seja contratado. O direito à contratação não será do impetrante, mas do segundo colocado. Acontece que, tendo sido defendido o direito do segundo colocado, o impetrante passa agora a ser o próximo na lista classificatória. De acordo com a lei, o titular do direito deve ser notificado judicialmente para, no prazo de 30 dias, impetrar, ele próprio, o mandamus. Caso ele não se manifeste, o titular do direito decorrente passa a ter legitimidade para o remédio. Parte da doutrina defende que essa notificação pode ser judicial ou extrajudicial: [...] apesar de o novo dispositivo legal ter mantido a exigência de notificação judicial [...] é preferível a doutrina que admite ser a notificação realizada de forma extrajudicial. A segurança jurídica é praticamente a mesma, nada havendo a justificar a exigência pela forma judicial de notificação. (NEVES, 2017, p. 175). Ainda que impetrado o mandado de segurança pelo titular de direito decorrente, não resta dúvida de que não é possível impedir a participação do titular do direito líquido e certo originário a qualquer momento, afinal, ele ainda é o titular do direito. Da mesma forma, nada impede que o titular do direito, ainda que depois de findo o prazo de 30 dias da notificação judicial prevista no art. 3º, decida impetrar seu próprio mandado de segurança, pelo mesmo motivo acima: ele é o titular do direito. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi É possível, nesse caso, imaginar dois remédios impetrados: um pelo titular do direito e outro pelo titular do direito decorrente. Ainda que os impetrantes sejam diferentes, porém, o direito protegido é o mesmo, caracterizando-se litispendência, aplicando-se as regras do CPC, levando-se em consideração a notificação da autoridade coatora para determinação de qual mandado de segurança deve ser extinto. Extinto o mandamus impetrado pelo titular do direito, este pode ingressar como assistente litisconsorcial do terceiro; sendo extinto o mandado de segurança impetrado pelo terceiro, este pode ingressar no remédio impetrado pelo titular como assistente simples. 2.3 Litisconsórcio ativo Tendo em vista que a lei do mandado de segurança aplica subsidiariamente as regras do CPC, é importante analisar as hipóteses de litisconsórcio. Com relação ao litisconsórcio ativo, não restam dúvidas de que é possível que mais de uma pessoa que tenha o direito líquido e certo ferido pelo ato ilegal ou executado com abuso de autoridade impetre junto o remédio. No entanto, exige-se cautela ao tratar do litisconsórcio ativo ulterior, porque tal hipótese pode ser vista como uma forma de se escolher o juízo, ferindo o princípio do juiz natural. A lei, para evitar tal situação, determina, em seu art. 10, §2º, que o ingresso do litisconsorte ativo só pode ocorrer até o despacho da petição inicial. Art. 10, § 2o O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial. 2.4 Legitimação passiva A legitimidade passiva do mandado de segurança sempre foi um ponto de discussão dentro do direito público. Isso porque a Lei 12.016/09 determina a Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi notificação da autoridade coatora, mas que também deve ser dada ciência à pessoa jurídica. A própria lei, ao longo do seu texto, traz previsões diferentes, dando a entender, em certos dispositivos, que o impetrado seria a autoridade coatora; em outros, a pessoa jurídica; e, ainda, em outros, que haveria um litisconsórcio passivo. Assim, por exemplo, no art. 7º, I e II, a lei determina que se notifique o coator a fim de que, no prazo de 10 dias, preste as informações e que se dê ciência ao órgão de representação da pessoa jurídica interessada para que, querendo, ingresse no feito. Ao se analisar tal dispositivo, é possível inferir que o impetrado seria a autoridade coatora e que a pessoa jurídica apenas participaria do mandado de segurança se quiser. Ocorre que, na mesma lei, o art. 14, §2º afirma que “estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer”. Ora, se ao coator o direito de recorrer é secundário, o direito de recorrer, em princípio, seria dado à pessoa jurídica, dando a entender, nesse dispositivo, que o impetrado seria a pessoa jurídica. Apesar da discussão doutrinária, o Superior Tribunal de Justiça entende que a autoridade coatora não figura no polo passivo da demanda, atuando apenas para prestar informações, e que o impetrado seria a pessoa jurídica: PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE RECURSAL. 1. No mandado de segurança, a legitimação passiva é da pessoa jurídica de direito público a que se vincula a autoridade apontada como coatora, já que os efeitos da sentença se operam em relação à pessoa jurídica de direito público, e não à autoridade. 2. No caso, não há dúvida quanto à ilegitimidade passiva ad causam dos recorrentes, pois o mandamus objetiva a anulação do Decreto Legislativo 130/2003, da Câmara Municipal de Comendador Levy Gasparian, que extinguiu o mandato parlamentar do impetrante, ora recorrido. Assim, é evidente que a legitimidade para estar em juízo não deve ser atribuída às autoridades apontadas como coatoras, sobretudo porque na data da interposição do recurso especial os recorrentes já não mais exerciam os cargos de Presidente da Câmara e de Presidente da Comissão Processante do inquérito que culminou com o Decreto Legislativo. 3. Preliminar acolhida. 4. Recurso Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi especial não conhecido. (STJ, Resp 846.581/RJ, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/08/2008). Na prática, para evitar essa grande divergência doutrinária, o impetrante deverá indicar a autoridade coatora e a pessoa jurídica da qual esta faz parte, fazendo com que, no preâmbulo da inicial, o mandado de segurança seja impetrado “contra ato da autoridade coatora (qualificação), integrante da pessoa jurídica (qualificação)”. No entanto, vale ressaltar o entendimento do STJ de que, apesar de não se considerar a autoridade coatora como legitimado passivo do mandamus, a indicação errada dessa autoridade gera a extinção do processo por ilegitimidade passiva. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INSCRIÇÃO NO SIAFI. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTRO DE ESTADO. EXTINÇÃO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. ART. 267, VI, DO CPC. 1. O ato apontado como coator é a inscrição do Município inadimplente no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI, sendo certo que a atribuição para tal registro é do ordenador de despesa. Precedentes: MS 12322/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 28.02.2007, DJ 12.03.2007, p. 186; MS 11405/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 27.09.2006, DJ 06.11.2006, p. 290; AgRg no MS 12.495/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 09.05.2007, DJ 28.05.2007, p. 272. 2. Ilegitimidade passiva ad causam do Ministro de Estado do Estado do Turismo 3. Mandado de Segurança extinto, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC. (STJ, MS 13.604, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 08/10/2008). Decisões do mesmo tribunal, entretanto, relativizam esta regra, possibilitando que a petição inicial seja emendada no caso de indicação errônea da autoridade coatora, desde que a indicação tenha sido de outra autoridade integrante da mesma pessoa jurídica, pois, assim, não será alterado o polo do processo e, desde que, claro, o erro seja justificável. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL.AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. SUPOSTA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DEFICIÊNCIA SANÁVEL. CORREÇÃO JUDICIAL DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. 1. A essência constitucional do Mandado de Segurança, como singular garantia, admite que o juiz, nas hipóteses de indicação errônea da autoridade impetrada, permita sua correção através de emenda à inicial ou, se não restar configurado erro grosseiro, proceder a pequenas correções de ofício, a fim de que o writ cumpra efetivamente seu escopo maior. 2. Destarte, considerando a finalidade precípua do mandado de segurança que é a proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano, bem como da garantia individual perante o Estado, sua finalidade assume vital importância, o que significa dizer que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Consequentemente, o Juiz ao deparar-se, em sede de mandado de segurança, com a errônea indicação da autoridade coatora, deve determinar a emenda da inicial ou, na hipótese de erro escusável, corrigi-lo de ofício, e não extinguir o processo sem julgamento do mérito. 3. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam passiva se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da ação. 4. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de propositura correta Por outro lado, a indicação errônea também pode ser relativizada com base na teoria da encampação. Nesse caso, é possível que o processo não seja extinto mesmo no caso de indicação errônea da autoridade, devendo ser julgado normalmente, quando preenchidos alguns requisitos: . a autoridade apontada seja da mesma pessoa jurídica da autoridade coatora e exista um vínculo hierárquico entre elas; Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi . a alteração ao apontar a autoridade coatora não faz com que se altere a competência do MS; . a dúvida for razoável; . a autoridade apontada, apesar de não ser a autoridade coatora, tenha, no mandado de segurança, assumido a defesa do ato impugnado (STJ, Resp 493.438/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 23/06/2009). Adotada a teoria da encampação, depois de preenchidos os requisitos acima, o mandado de segurança continua sendo julgado normalmente, sem necessidade de se alterar o polo passivo. 2.5 Autoridade coatora De acordo com a lei, será considerada autoridade coatora aquela que editou o ato ilegal ou com abuso de poder, seja qual for a sua categoria e sejam quais forem as atividades que exerça. Ainda, o §1º do art. 1º traz as autoridades equiparadas: § 1o Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. Assim, serão considerados autoridade coatora para os fins do mandado de segurança mesmo os agentes de pessoas jurídicas de direito privado, desde que no exercício de funções públicas. Exemplos: ato de um dirigente de uma sociedade de economia mista em uma licitação ou concurso público, ato de um dirigente de uma concessionária de serviço público que determina a interrupção do serviço para um determinado usuário, etc. No sentido do primeiro exemplo, a súmula 333 do STJ: Súm. 333, STJ: cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Com relação a essas pessoas jurídicas de direito privado, vale ressaltar, no entanto, que diversas atuações se dão com base no direito privado. Nesse caso, não há que se falar em ato de autoridade, e sim nos chamados atos de gestão. Por isso, não se trata de hipótese para mandado de segurança, pois a lei veda expressamente seu uso contra atos de gestão (art. 1º, §2º, Lei 12.016/09). Por fim, outra dúvida que pode surgir na identificação da autoridade coatora ocorre quando uma determinada pessoa está apenas executando uma ordem de seu superior. Neste caso, a Lei do mandado de segurança afirma que: Art. 6º, §3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. Nessa situação, é importante cautela no momento de indicação da autoridade, pois a doutrina interpreta tal dispositivo afirmando que quem deve ser indicado como autoridade coatora é a autoridade que emitiu a ordem, visto que quem executa muitas vezes não está nem mesmo manifestando sua vontade, mas simplesmente praticando um ato material de cumprimento de ordem. Não existem dúvidas de que essa indicação de quem está apenas executando uma ordem é muito difícil, mas, sendo possível tal identificação, é melhor que a autoridade coatora a ser indicada seja a autoridade da qual emanou a ordem. Lembrando, claro, que é possível a relativização no caso de uma indicação errônea, seja pela emenda à inicial, seja pela aplicação da teoria da encampação. 2.6 Litisconsórcio passivo necessário Ressalte-se que é possível o litisconsórcio passivo em um mandado de segurança, sempre que uma pessoa possa vir a sofrer efeito da sua sentença. Por exemplo, em um mandado de segurança em que um terceiro pleiteia a anulação de Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi um contrato administrativo, a pessoa que firmou o referido contrato administrativo deve figurar no polo passivo, afinal, sofrerá consequências diretas daquela anulação. Nesse caso, o litisconsórcio será necessário, ou seja, o impetrante deve identificar todos que possam vir a sofrer efeito da decisão, sob pena de nulidade: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO RESCISÓRIA – MANDADO DE SEGURANÇA QUE ALTEROU RESULTADO DE CONCURSO PÚBLICO PARA OFICIAL DE TABELIONATO – SUBSTITUIÇÃO DE CANDIDATO APROVADO EM PRIMEIRO LUGAR SEM A SUA PRESENÇA NA AÇÃO DE SEGURANÇA – ATRIBUIÇÃO PELO JUDICIÁRIO DE NOTA POR TÍTULO – AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE – REJULGAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA. 1. Ação rescisória ajuizada para anular decisão do STJ que, em recurso ordinário em mandado de segurança, alterou o resultado do concurso sem chamar ao processo o candidato que ficou prejudicado com a decisão. 2. Procedência da ação de impugnação para anular o acórdão rescindendo. 3. Rejulgamento do mandado de segurança no juízo rescisório, dando aos candidatos tratamento uniforme. 4. Ação rescisória admitida e julgada procedente para denegar a segurança. (STJ, AR 3.646/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 12/11/2008). Necessário também será o litisconsórcio quando o mandado de segurança for contra ato judicial, devendo todas as partes daquele processo integrarem o polo passivo (STJ, RMS 30.115/SP, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10/08/2010). Com relação ao mandado de segurança em concurso público, o STJ já decidiu que os demais candidatos aprovados no concurso, ainda não nomeados, não precisam figurar no polo passivo, tendo em vista que possuem apenas mera expectativa de direito à nomeação: PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 47 DO CPC. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. CITAÇÃO DOS DEMAIS CANDIDATOS DO CERTAME PÚBLICO. DESNECESSIDADE. ART. 1º DA LEI 1.533/1951.DIREITO LÍQUIDO E CERTO. VERIFICAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. É firme no STJ o entendimento de que os demais candidatos aprovados em concurso público, por possuírem mera expectativa de direito à nomeação, não podem ser considerados litisconsortes passivos necessários. 3. O Recurso Especial não é a via recursal adequada para conhecer violação do art. 1º da Lei 1.533/1951, porquanto, para aferir a existência de direito líquido e certo, faz-se necessário, como regra, reexaminar o conjunto fático probatório, o que é vedado pelo óbice da Súmula 7/STJ. 4. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ. 5. Agravo Regimental não provido. Nos casos de litisconsórcio necessário, caso o impetrante não inclua todos os legitimados no polo passivo, o juiz deverá intimá-lo para que o faça, emendando a inicial. Se não o fizer, a petição inicial deverá ser indeferida. Neste sentido, a Súmula 631, STF: Súm. 631, STF: Extingue-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário. 3 COMPETÊNCIA Com relação à competência para julgamento do mandado de segurança, deve- se seguir as regras de direito processual civil e direito constitucional para sua determinação. Primeiramente, deve-se verificar se a competência é da justiça brasileira, com base nos arts. 21 a 23, CPC, que tratam da competência internacional. Se o processo for de competência exclusiva da justiça brasileira ou concorrente com o juiz estrangeiro, competente a justiça brasileira. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Definida a justiça brasileira, analisa-se a competência originária do STF (art. 102, I, CR/88) ou STJ (art. 105, I, CR/88): Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; Vale chamar a atenção para o fato de que o STF é competente para julgar mandados de segurança contra seus próprios atos, mas não é competente para julgar originariamente mandado de segurança contra atos de autoridades de outros tribunais, inclusive superiores: Súmula 624, STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais. Por outro lado, analisa-se o art. 105, CR/88: Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; Se não for originário dos Tribunais, analisa-se se o processo é de competência da justiça especial (Justiça do Trabalho, Justiça Militar ou Justiça Eleitoral). Se não for de justiça especial, passa-se para a competência da justiça comum (Justiça Federal ou Justiça Estadual). Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Analise-se, primeiro, se a competência é da Justiça Federal (art. 108 ou 109, da CR/88, que tratam da competência do TRF ou de juiz federal, respectivamente). Se não for competência da justiça federal, será da estadual, que tem competência residual. Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal; Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; Por fim, se de competência da justiça estadual, analisa-se a competência originária do Tribunal de Justiça, que está prevista na Constituição Estadual. Levando em consideração a Constituição Estadual de Minas Gerais, a competência do TJMG está no art. 106: Art. 106 – Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição: I – processar e julgar originariamente, ressalvada a competência das justiças especializadas: c) o mandado de segurança contra ato do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembleia Legislativa, do próprio Tribunal ou de seus órgãos diretivos e colegiados, de Juiz de Direito, nas causas de sua competência recursal, de Secretário de Estado, do Presidente do Tribunal de Contas, do Procurador-Geral de Justiça, do Advogado-Geral do Estado e contra ato da Presidência de Câmara Municipal ou de suas comissões, quando se tratar de processo de perda de mandato de Prefeito; Por exclusão, se não for competência do Tribunal de Justiça, será competente o juiz de primeiro grau. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Sendo de competência do 1º grau, busca-se o foro competente, ou seja, qual a comarca (justiça estadual) ou seção judiciária (se justiça federal). Por fim, analisa-se se a lei de organização judiciária determina varas especializadas (em razão da matéria ou da pessoa) ou se é aplicável alguma outra regra do Código de Processo Civil, como conexão. 3.1 Identificação da autoridade coatora Para que se faça a busca da competência, é essencial que se identifique a autoridade coatora, ou seja, quem praticou o ato de ilegalidade ou abuso de poder, pois a fixação da competência depende da sua identificação: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PETROBRAS. RECLASSIFICAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NA 1ª SEÇÃO DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A competência para julgamento de Mandado de Segurança é estabelecida em razão da função ou da categoria funcional da autoridade apontada como coatora. Precedentes do STJ. 2. Agravo Regimental não provido. Decisão monocrática mantida. (STJ, AgRg no CC 104.730/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 25/08/2010). Assim, após determinada a justiça competente, a competência territorial se determina pelo local em que a autoridade exerce as suas funções. Levando em consideração que é necessário identificar a autoridade competente, importante ponto tem relação com o cabimento do mandado de segurança em face de ato de dirigente de sociedade de economia mista federal. Em uma ação do procedimento comum, ao se tratar de ação ajuizada em face de sociedade de economia mista federal (por exemplo, Banco do Brasil e Petrobrás), a competência, em regra, é da Justiça Estadual, tendo em vista que o art. 109, I, CR/88, não traz a previsão da justiça federal para a sociedade de economia mista federal, como indica a Súmula 42, STJ: Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi Súmula 42, STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento. Ocorre que o tratamentodeve ser diferente quando se tratar de mandado de segurança, porque, se a autoridade coatora é um dirigente de uma sociedade de economia mista federal, trata-se este dirigente de uma autoridade federal, se enquadrando na competência prevista no art. 109, VIII da Constituição. Assim, o mandado de segurança em face de uma dirigente do Banco do Brasil, por exemplo, em uma licitação, é de competência da Justiça Federal. Por fim, surge discussão quando o mandado de segurança é em face de diversas autoridades coatoras. Nesse caso, precisamos analisar diversas situações: se todas as autoridades coatoras se submetem ao primeiro grau, na mesma localidade, não existe o que se discutir; se as autoridades coatoras se submetem ao primeiro grau, mas em localidades diferentes, o impetrante pode escolher o foro, com fundamento do art. 46, §4º, CPC; se as autoridades se submetem à competência originária de tribunais diferentes, ou uma autoridade em primeiro grau e outra em tribunal, adota-se o tribunal de maior hierarquia. Por fim, há que se analisar a competência do mandado de segurança em face de atos de Juizados Especiais. Em regra, esse mandado de segurança é de competência da turma recursal e não dos tribunais superiores. Súm. 376, STJ. Compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial. Pós-Graduação “lato sensu” | Teoria e Prática das Ações constitucionais Profa. Flávia Campos Pereira Grandi No entanto, vale ressaltar uma exceção: quando o remédio for impetrado em face de ato judicial por incompetência absoluta dos Juizados Especiais, que será de competência do Tribunal de Justiça. Tal hipótese de incompetência absoluta dos Juizados Especiais será analisada no próximo material, ao tratarmos de mandado de segurança em face de atos judiciais. REFERÊNCIAS ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de segurança. Salvador: JusPODIVM, 2015. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2007. GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel et al. Comentários à Lei do Mandado de Segurança: Lei n. 12.016 de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais. Salvador: Juspodivm, 2017.
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