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Fluidoterapia - Spinosa

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PRINCÍPIOS DE FLUIDOTERAPIA
Introdução
A função tecidual e o desenvolvimento das formas de vida animal mais evoluídas dependem da manutenção e
do controle da composição dos  líquidos corporais que banham todas as células  teciduais. Toda forma de vida
está  intimamente  associada  à  água.  A  maioria  dos  íons  e  das  moléculas  que  constituem  a  matéria  viva  tem
relações  químicas  e  físicas  com  a  água,  e  o  número  de  compostos  químicos  que  podem  ser  colocados  em
solução aquosa é excepcionalmente grande. Devido à extrema  importância da água e dos eletrólitos para os
processos  biológicos,  muitos  sistemas  orgânicos  estão  envolvidos  na  sua  regulação  e  no  seu  equilíbrio.  O
sistema gastrintestinal, os rins, a pele e várias glândulas endócrinas funcionam na manutenção da água corporal
e da concentração de eletrólitos em delicado equilíbrio, apesar das grandes variações na ingestão e na perda
destes  elementos.  Por  esta  característica  de  balanceamento  e  sua  complexa  regulação,  muitas  das  doenças
que afetam os animais domésticos envolvendo os órgãos ou sistemas participantes deste processo resultam em
alterações dos equilíbrios dos fluidos corporais, dos eletrólitos e acidobásicos. A alteração do balanço da água
corporal, em que mais fluido é perdido do que é absorvido pelo corpo, ocasiona redução do volume do sangue
circulante e desidratação dos tecidos. As alterações do balanço eletrolítico ocorrem comumente como resultado
de perdas de eletrólitos, desvios de certos eletrólitos entre os compartimentos de fluidos corporais e alterações
relativas em suas concentrações devido à perda de água. Os desequilíbrios acidobásicos, sejam acidoses ou
alcaloses, ocorrem em consequência da adição de ácido ou da depleção da reserva alcalina orgânica, ou por
perda de ácido com um aumento relativo de bases, particularmente bicarbonato.
Sob  várias  condições,  todos  os  desequilíbrios  citados  de  fluidos  e  eletrólitos  poderão  ocorrer
simultaneamente, em graus variados, na dependência da causa inicial. Exemplificam essa situação os distúrbios
do sistema gastrintestinal, como a anorexia, o vômito e a diarreia, que com frequência resultam em significativas
alterações dos equilíbrios hídrico, eletrólito e acidobásico. A menos que sejam corrigidos de modo e em tempo
apropriados, essas alterações na homeostase dos fluidos corporais poderão retardar ou impedir a recuperação
dos pacientes afetados, mesmo que outros tratamentos específicos tenham sido realizados.
A terapia para restaurar e manter os equilíbrios dos fluidos corporais, dos eletrólitos e acidobásico depende
de conhecimentos e conceitos básicos que serão relacionados a seguir.
Água corporal, distribuição e equilíbrio
Água corporal total e compartimentos líquidos
O conteúdo de água corporal total apresenta considerável variação entre as diferentes espécies animais, idades,
  
sexos, estados nutricionais e outras condições. De maneira geral, o animal adulto não herbívoro magro tem um
conteúdo de água corporal  total aproximado de 70% do seu peso corpóreo. O conteúdo de água é maior no
recém­nascido, declinando rapidamente no  início da vida extrauterina e, a seguir, apresenta­se com gradativa
redução. O tecido gorduroso tem baixo teor de água, menos que 10%, e assim sendo, o conteúdo de água em
um animal gordo é menor do que aquele de um magro. Entre espécimes caninos e felinos, a água constitui 55 a
80%  do  peso  corporal,  com  valores  maiores  em  neonatos  e  menores  nos  adultos  obesos.  Em  bovinos,  à
concepção,  tem­se 92% do peso em água; ao nascimento, 78%; em adultos magros e muito gordos, a água
representa, respectivamente, 70% e 40% do peso corpóreo.
A água corporal é distribuída por dois principais compartimentos. A água contida no  interior das células é
denominada líquido intracelular (LIC) e corresponde a cerca de 50% do peso corporal. O fluido situado fora
das células é designado como líquido extracelular (LEC), equivalente a cerca de 20% do peso corpóreo, com
distribuição  pelos  espaços  intersticial  (15%)  e  plasmático  (5%).  O  líquido  intersticial  banha  as  membranas
celulares e o plasma circula nos vasos sanguíneos separado do fluido intersticial pelo endotélio vascular.
As moléculas de água podem passar rapidamente através da maioria das membranas celulares e, havendo
um gradiente de pressão osmótica ou hidrostática entre quaisquer compartimentos, dá­se um desvio de água.
Não  havendo  diferença  considerável  de  pressão  hidrostática,  o  resultado  do  movimento  de  água  será  o  de
igualar as concentrações osmóticas dos líquidos.
Equilíbrio hídrico
A  quantidade  total  de  água  no  corpo  mantém­se  relativamente  constante  a  cada  dia.  A  água  é  obtida  pela
ingestão ou como produto final do metabolismo celular. A água é perdida pela urina, pela pele, com os gases
expirados na respiração, e pelas fezes; os animais em lactação também perdem água pelo leite que produzem.
Apenas a ingestão e a excreção urinária de água são controladas, no sentido de regulagem do volume corporal
de água.
O sistema neuronal que controla a sede e o comportamento associado ao ato de beber localiza­se na região
hipotalâmica do cérebro. À medida que se desenvolve o déficit de água, as concentrações osmótica e de sódio
aumentam  no  LEC,  estimulando  o  hipotálamo  e  a  sede;  além  disto,  a  queda  de  volume  líquido  e  pressão
sanguínea estimulam também a sede, via sistema renina­angiotensina, e a liberação de hormônio antidiurético
(HAD), que diminui o volume urinário, retendo água como consequência.
Equilíbrio eletrolítico
A  composição  iônica  característica  dos  líquidos  corporais  dos  mamíferos  tem  diversidade  e  obedece  à
necessidade de haver neutralidade elétrica, de modo que o número de miliequivalentes (mEq) resultantes dos
cátions  seja  exatamente  igual  àquele  dos  ânions  em  cada  fluido.  No  LEC,  o  principal  cátion  é  o  sódio,  e  os
principais ânions são o cloreto e o bicarbonato. No LIC, os principais cátions são o potássio e o magnésio, e os
principais  ânions  os  fosfatos  orgânicos  e  as  proteínas,  e  em  menor  proporção,  o  sulfato  e  o  bicarbonato.  O
componente plasmático do LEC apresenta como ânions considerável quantidade de proteínas.
A  pequena  diversidade  de  composição  do  LEC  presente  no  interstício  e  no  plasma  é  essencial  para  a
manutenção do volume plasmático normal, por meio das variações das pressões oncótica e hidrostática no nível
das porções proximal e distal dos capilares. A composição visivelmente distinta do LIC, quando comparada à do
LEC,  é  mantida  pela  permeabilidade  seletiva  da  membrana  celular  e  a  atividade  da  bomba  de  sódio  (Na+)­
potássio (K+), ligada à membrana e dependente de energia, que permite a entrada de K+ e a saída de Na+ do
meio  intracelular,  contra  um  gradiente  eletroquímico.  Por  outro  lado,  a  impermeabilidade  da  membrana  aos
fosfatos e às proteínas provoca grande pressão oncótica intracelular, que é suplantada pelo deslocamento iônico
ativo, evitando a entrada de LEC para o interior das células.
A  composição  iônica  característica  dos  líquidos  corporais  dos  mamíferos  em  termos  de  equivalentes
químicos é de aproximadamente 300 mEq/ℓ de H2O no LEC e de 400 mEq/ℓ  de H2O no LIC. Se a composição
for expressa em termos de concentração osmótica, observa­se padrão similar.
Função renal na regulação da água e da concentração de sódio
  
As correções renais das alterações do volume do LEC dependem da retenção ou excreção de Sódio (Na+), ao
passo que as correções da osmolaridade desse líquido são dependentes da excreção ou retenção de água.
Cerca  de  80  a  90%  da  água  filtrada  pelos  rins  são  reabsorvidos  passivamente  nos  túbulos  contornados
proximais (TCP). Os íons sódio e outras substâncias acompanham a água de volta à circulação. Há reabsorção
ativa de Na+ eoutros  íons no TCP, e a água acompanha esse processo; ocorre ainda na porção espessa da
alça  de  Henle  intensa  reabsorção  ativa  de  Na+.  No  néfron  distal,  a  concentração  da  urina  é  função  do
mecanismo de contracorrente e da ação do HAD, sendo esta importante na conservação de água no animal. A
concentração  de  HAD  no  sangue  determina  o  nível  de  excreção  de  água  pelo  rim,  de  forma  que  a  sua
diminuição ou aumento determinam, respectivamente, menor ou maior permeabilidade à água no néfron distal e,
assim, a variação na produção de urina mais ou menos diluída e em volume maior ou menor. Os níveis de HAD
liberados  pela  hipófise  posterior  são  controlados  pelos  osmorreceptores  do  hipotálamo  que  são  sensíveis  à
osmolaridade  dos  fluidos  circundantes,  havendo  maior  ou  menor  liberação  de  HAD  com  o  aumento  de
osmolaridade e vice­versa.
O volume  do LEC está  mais  sob controle da sua  concentração  de Na+,  de  modo  que  o  rim  excretará  ou
reterá Na+ na dependência do seu volume. A taxa de excreção ou retenção de Na+ pelo rim é determinada pela
concentração  de  aldosterona  (ALD).  Os  receptores  de  volume  e  pressão  no  sistema  cardiovascular  e
possivelmente  as  alterações  na  concentração  de  Na+  no  LEC  influenciam  a  liberação  de  ALD,  através  do
sistema renina­angiotensina. Assim, as quedas da pressão ou do volume determinarão o aumento da taxa de
secreção de ALD e vice­versa. Aumento ou diminuição da concentração da ALD provocam aumento ou queda
similar na reabsorção de Na+ a partir do filtrado e, desta forma, contribuem para a regulação de Na+ e da água
corporal.
O volume e a concentração osmótica do LEC são regulados em conjunto pelos sistemas mediados pelo HAD
e pela ALD. Esses dois sistemas operam juntos, porém em muitas situações pode haver conflito entre eles. Nas
formas de desidratação branda ou moderada predominam a defesa ou a correção da concentração osmótica do
LEC, sendo o Na+ eliminado em quantidades maiores. Todavia, se as perdas do LEC forem grandes o bastante
para  afetar  seriamente  o  volume  de  sangue  circulante,  a  manutenção  do  volume  será  privilegiada,  havendo
retenção de água, apesar da baixa concentração osmótica plasmática.
O  controle  das  taxas  K+,  o  principal  cátion  do  LIC,  conta  também  com  a  participação  especial  dos  rins.
Quase todo o K+ do LIC é facilmente intercambiável com o LEC. A concentração do K+ no LEC é bem regulada,
e o íon presente na urina resulta da secreção pelos túbulos contornados distais e ductos coletores. Há também
uma relação entre a excreção de sódio e a de potássio, parecendo que a taxa de K+ plasmático é importante na
liberação  de  ALD,  havendo  com  o  seu  aumento  no  plasma  maior  liberação  de  ALD  e  deste  fato  resultarão
maiores reabsorção de Na+ da urina e excreção de K+ pela urina, com resultante queda do potássio plasmático.
Os cátions do LEC estão em equilíbrio elétrico, em sua maior parte com os ânions cloreto (Cl–) e bicarbonato
(HCO3
–), havendo um efeito osmótico desses  íons que equivale ao promovido pelos  íons Na+. A regulação da
concentração dos cloretos tende a ser secundária àquelas dos íons Na+ e HCO3
–. Se o rim excretar excesso de
Na+,  em  geral  o  Cl–  acompanha­o,  sendo  eliminado  pela  urina.  Se  o  HCO3
–  estiver  aumentado  no  plasma,
ocorrerá a excreção de quantidade equivalente de Cl– para ser mantida a eletroneutralidade do LEC.
Equilíbrio acidobásico
Por equilíbrio acidobásico entende­se a concentração de íons hidrogênio (H+) relativamente constante no LEC,
resultante  do  balanço  entre  o  total  dos  ácidos  e  bases  presentes  nos  fluidos  corporais  e  gerados  pelo
metabolismo orgânico. A concentração dos  íons H+ no LEC é uma das variáveis corporais com mais  rigorosa
regulação. O pH apresentado no sangue dos animais domésticos varia em uma faixa estreita, considerando­se
como fisiológica aquela situada entre 7,35 e 7,45, com um valor médio de 7,4. Nos mamíferos consideram­se,
em geral, como seus limites vitais de variação, valores entre 7 e 7,8.
A manutenção da constância do pH é essencial para o metabolismo celular, porém desvios da normalidade
podem  ocorrer  quando  se  adicionam  ácidos  ou  bases  aos  líquidos  corporais  ou  removem­se  os  mesmos
daqueles fluidos. A queda do pH sanguíneo abaixo do seu limite mínimo normal é conhecida como acidemia, e
a sua elevação a um valor superior ao limite máximo fisiológico é denominada alcalemia. O processo pelo qual
o excesso de ácido é acrescentado ou a base é removida do LEC é chamado de acidose. De modo oposto, o
processo pelo qual o excesso de base é adicionado ou o ácido é perdido do LEC é denominado alcalose. A
acidose e a alcalose podem ainda ser classificadas, conforme a origem, em metabólicas, quando resultantes da
adição ou da remoção anormal de íons H+ ou bicarbonato (HCO3
–), e em respiratórias, quando geradas pelo
acréscimo ou pela perda em excesso de dióxido de carbono (CO2).
Sob  condições  normais,  há  no  sistema  orgânico  uma  adição  contínua  de  ácidos  e  bases  aos  fluidos
corporais, devido à ingestão ou como resultado da produção destas substâncias pelo metabolismo celular. Em
condições patológicas, como diarreias, vômito, doenças renais ou respiratórias, podem estas provocar perdas ou
ganhos  anormais  de  ácidos  ou  bases.  Fisiologicamente,  no  interior  do  corpo,  o  metabolismo  da  maioria  dos
compostos constituídos por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio resulta na formação de água,
CO2 e ureia. O CO2 reage com a água, sob ação da anidrase carbônica, para formar o ácido carbônico, o qual
quantitativamente é o ácido mais importante que se forma no organismo. A eliminação deste ácido se faz pelos
pulmões,  por  meio  da  expiração,  sob  a  forma  de  CO2.  Os  aminoácidos  que  contêm  enxofre  produzem,  no
desdobramento  metabólico,  o  ácido  sulfúrico,  o  qual  sofre  tamponamento,  sendo  transformado  em  um  ácido
fraco, sendo então eliminado pela via renal. Outros ácidos, que não o carbônico, sofrem eliminação por processo
semelhante.
Os  compostos  básicos  são  formados  também  como  resultado  do  metabolismo  de  muitos  alimentos  de
origem vegetal. Um exemplo é o do citrato de sódio, que sofre oxidação, gerando CO2 e água; são, porém, para
isto necessários íons H+ que são obtidos da reação de CO2 e água, que gera ácido carbônico e dissocia­se em
H+  e  HCO3.  Resulta  disto  a  produção  de  bicarbonato.  Existem  outros  ânions  orgânicos  com  semelhante
comportamento  metabólico,  razão  pela  qual  nos  herbívoros  a  urina  é  alcalina,  pois  o  excesso  de  bases  é
eliminado  pela  via  renal.  Em  animais  carnívoros  e  onívoros  que  ingerem  alimentos  ricos  em  proteínas  ou
aqueles privados de alimentos, há produção excessiva de ácidos e, em consequência, a urina é ácida.
O  combate  às  alterações  potenciais,  gerado  pelo  metabolismo  normal,  e  às  oriundas  de  situações
patológicas, com vistas à manutenção do equilíbrio acidobásico, se faz por meio de três mecanismos básicos:
tamponamento químico;  respiratório  (ajuste de concentração de ácido carbônico no sangue, pela variação do
nível de ventilação pulmonar) e renal (variação do nível de excreção de H+ e HCO3
–). A ação dos tampões e do
mecanismo respiratório de correção do equilíbrio acidobásico ocorre em minutos, evitando grandes alterações
na concentração de H+. Esses são os mecanismos acionados na compensação de desequilíbrios acidobásicos
de origem metabólica. O tamponamento químico e a ação do mecanismo renal pela variação da excreção de H+
e HCO3
– atuam na compensação de desequilíbrios de origem respiratória. Todavia, a  longo prazo, a via renal
atuará também na compensação dos problemas de origem metabólica.
Tamponamento químico
Um sistema­tampão consiste na mistura de um ácido fraco com a sua base conjugada. Aação de um sistema­
tampão,  quando  do  acréscimo  de  ácido  ou  base  a  um  fluido,  consiste  em  atenuar  o  desvio  do  pH  que
normalmente  ocorreria  em  sua  ausência.  Ao  acrescentar­se  um  ácido  forte  a  uma  solução,  os  íons  H+
adicionados ligam­se à base conjugada, formando mais ácido fraco. No sistema­tampão constituído pelo ácido
carbônico e o bicarbonato, a adição de ácido sulfúrico resulta na seguinte reação:
2H+ + SO4
–+ 2HCO–3 ⇒ 2H2CO3 + SO4
– –
Em  que  o  efeito  tamponante  se  dá  pela  substituição  de  um  ácido  forte  por  um  ácido  fraco  do  sistema­
tampão. A  relação  entre  o  pH  e  a  mistura  de  ácido  fraco  com  sua  base  conjugada  é  dada  pela  equação  de
Henderson­Hasselbalch (ver Capítulo 4).
Ao  adicionar­se  um  ácido  a um  sistema­tampão,  há  resistência  a  um desvio do  pH,  porém  a proporção
base:ácido diminui, pois da ação tamponante resulta o consumo de base e a formação de ácido fraco, e o pH
sofre pequena diminuição. O acréscimo de mais ácido intensifica a diminuição da proporção base:ácido e, em
consequência, há maior redução do pH, sendo pois a função protetora dos sistemas­tampão limitada e, a menos
que se  restaurem as concentrações e uma proporção  favorável entre a base e o ácido, a adição contínua de
ácido  determina a depleção  dos  tampões,  resultando  em  acidemia.  A adição  de  uma base  forte  aos  líquidos
corporais resulta, pela ação do tampão, em uma reação da base com o ácido fraco e na consequente formação
de mais base tampão. A restauração da base e do ácido, componentes do sistema­tampão, depende da ação
renal, por meio da secreção de íons H+ e da excreção de base com retenção de H+, respectivamente.
Os principais sistemas­tampão no LEC são o do bicarbonato, da hemoglobina, das proteínas plasmáticas e
dos fosfatos; destes, os mais importantes são o do bicarbonato e o da hemoglobina. No acréscimo de um ácido
forte ao sangue in vitro, observa­se uma ação tamponante com participação de 53% do bicarbonato, de 35% da
hemoglobina, de 7% das proteínas do plasma e de 5% dos  fosfatos. A capacidade tampão total do sangue é
adequada para impedir um desvio do pH além ou aquém dos limites vitais (7 a 7,8)/todavia, no sistema orgânico
parte da ação tamponante é rapidamente assumida pelos tampões do líquido intersticial e das células teciduais.
O sistema­tampão bicarbonato é o principal presente no LEC, não só pela sua eficiência, mas também pela
ampla  distribuição,  pela  pronta  disponibilidade,  pelas  grandes  quantidades  de  HCO3
–  existentes  nesse  fluido,
bem  como  pelo  controle  renal  e  pulmonar  que  este  sistema  pode  dispor  para  manter  níveis  adequados,
respectivamente, de HCO3
– e de CO2, formando ácido carbônico. A proporção entre o HCO3
– (base conjugada) e
o H2CO3 (ácido fraco) presente no LEC é de 20 para 1.
A hemoglobina (Hb) é o segundo tampão sanguíneo mais importante. Quando o pH do sangue é normal,
parte das moléculas de Hb das hemácias está sob a  forma de  íons proteinato, Hb–  (base).  Com  seus  ácidos
fracos,  H­Hb,  esses  dois  íons  formam  o  par  tampão.  As  proteínas  do  plasma,  em  parte,  também  estão
presentes  na  forma  de  íons  proteinato  no  pH  corporal,  formando  o  par  tampão­proteína  (base)  e  proteína­H
(ácido  fraco).  Os  componentes  dos  tampões  fosfato  no  pH  do  sangue  são  HPO4
–  (base)  e  H2  PO4
–  (ácido
fraco), porém têm pouca participação no tamponamento do LEC.
No LIC, os tampões considerados mais importantes são os dos fosfatos e das proteínas.
Embora os diferentes sistemas­tampão tenham sido considerados isoladamente, todos eles no LEC atuam
de  forma  uníssona,  participando  da  ação  tamponante  em  conjunto.  Como  o  pH  é  o  mesmo  para  todos  os
tampões  em  uma  solução  e  como  em  um  estado  de  equilíbrio  todos  os  tampões  estão  presentes  de  forma
balanceada entre si, a mensuração de um sistema­tampão indica o estado de todos os outros. A relação entre
os diferentes tampões pode ser ilustrada da seguinte maneira:
pH = pka + log [HCO3
–]/[H2CO3] =
     = pkb + log [Hb
–]/[Hb­H]=
     = pkc + log [HPO4
– –]/[H2 PO4
–] etc.
A  consequência deste  fato é  que pela  sua disponibilidade no  LEC  e  relativa  facilidade de mensuração, o
sistema  bicarbonato  é  aquele  utilizado  rotineiramente  para  a  avaliação  clínica  da  capacidade  tamponante  do
sistema  orgânico  animal  e,  em  associação  com  outras  determinações  hemogasométricas,  para  a  análise  do
próprio equilíbrio acidobásico.
Mecanismo de compensação respiratória
Esse  mecanismo  de  compensação  do  equilíbrio  acidobásico  é  considerado  de  particular  importância  nos
desequilíbrios de origem metabólica. A sua ação se faz através da variação dos níveis de ventilação pulmonar e,
em consequência, da pressão parcial de CO2 (pCO2) nos alvéolos pulmonares, a qual, em geral,  determina a
quantidade de CO2 dissolvido no sangue, e desta forma o ajuste da pCO2 sanguínea. O mecanismo respiratório
depende  da  sensibilidade  específica  dos  sistemas  de  controle  da  respiração  (quimiorreceptores  periféricos  e
medulares, centro  respiratório) às variações da pCO2 e  da concentração  hidrogeniônica ou do pH. Assim, ao
acrescentar­se ácido aos líquidos corporais, a primeira ação que ocorre no sistema orgânico é o tamponamento
químico,  cujo  resultado  é  a  formação  de  mais  ácido  carbônico  e  a  depleção  de  bicarbonato.  A  proporção
[HCO3
–]/[H2CO3]  sofre  redução  e  em  consequência  o  pH  também  diminui.  Na  sequência,  a  respiração  é
estimulada por aumento de CO2 e queda do pH, provocando inicialmente a rápida expiração do CO2 e a seguir,
como o pH ainda está baixo, mais CO2 é expirado lentamente, de modo que após algumas horas a pCO2 arterial
diminua a um nível  inferior ao normal. O resultado do mecanismo respiratório de compensação é o retorno da
proporção [HCO3
–]/[H2CO3] a um valor próximo do normal e do pH para quase 7,4, embora as concentrações
dos  componentes do sistema­tampão  não  sejam  normais.  Ao  adicionar­se uma  base  ao  sangue  haverá  uma
resposta respiratória oposta, com redução da ventilação pulmonar que resultará na retenção de CO2 no LEC. O
aumento da pCO2 no sangue, o qual significa mais ácido carbônico no sistema, deve equilibrar o aumento da
concentração de HCO3
– resultante da adição da base ao sangue.
Esses ajustes respiratórios da pCO2, vistos nos desequilíbrios acidobásicos de origem metabólica, começam
a  mostrar  efeitos  em  minutos,  todavia,  podem  ser  necessárias  horas  antes  que  alcancem  um  nível  máximo.
Devem,  ainda,  ser  considerados  como  compensatórios,  pois  a  completa  correção  da  alteração  acidobásica  é
efetivada pela via renal, pela variação dos níveis de excreção de íons hidrogênio ou bicarbonato.
Mecanismo renal de compensação
Os  rins  são  fundamentais  na  manutenção  da  homeostase  do  sistema  orgânico,  regulando  as  taxas  de
eliminação de água e o nível de excreção de diferentes íons pela urina, para manter a constância da pressão
osmótica,  do  volume  de  sangue  circulante  e  da  eletroneutralidade,  ou  seja,  o  equilíbrio  hidreletrolítico.  Em
associação com essas funções, tem participação essencial na manutenção do equilíbrio acidobásico por meio do
controle da acidez urinária pela variada excreção de íons hidrogênio e bicarbonato. Para o entendimento desta
última função é necessário, inicialmente, considerar­se o mecanismo básico da secreção dos íons H+, bem como
de alguns princípios que regem as trocas iônicas que ocorrem em função dele e da manutenção da neutralidade
elétrica nos fluidos orgânicos.
Na  secreção  dos  íons  H+,  estes  são  gerados  nas  células  tubulares  renais  por  meio  de  um  processo
metabólico que produz um íon hidroxila (OH–) para cada íon H+ secretado. O aumento do pH no interior destas
células estimula a ação da anidrase carbônicapara haver uma rápida e suficiente produção de ácido carbônico a
partir da  reação entre o CO2 e H2O. O H2CO3 sofre dissociação originando  íons H
+ e HCO3
–.  Assim,  o  íon  H+
reage com o  íon OH–  disponível,  neutralizando­o  pela  formação  de  água.  O  bicarbonato  é então  reabsorvido
passivamente para o sangue. Em concomitância, para manter a neutralidade elétrica, um íon sódio é  trocado
pelo íon hidrogênio que foi secretado para o líquido tubular, pareando­se eletricamente com o íon bicarbonato
que  adentrou  o  sangue.  O  resultado  final  deste  mecanismo  é  a  eliminação  dos  íons  H+,  com  acidificação  da
urina, além da recuperação dos íons bicarbonato e sódio para os fluidos corporais.
A taxa de secreção dos íons H+ pelas células tubulares em grande parte é determinada pelo pH intracelular,
que se altera com as modificações do pH sanguíneo ou da pCO2. Um pH intracelular elevado diminui a secreção
de H+ para o lúmen tubular, e um pH baixo aumenta­a. A concentração de íons K+ intracelular também atua na
secreção  de  ácido,  de  forma  que  sua  concentração  elevada  determina  o  aumento  do  pH  e  a  redução  da
liberação de íons H+ na urina, enquanto uma baixa concentração de K+ resulta em maior secreção de ácido pela
urina. A explicação possível é que, à medida que íons K+ penetram nas células, deslocam os íons H+ que deixam
as células, e o pH intracelular sobe ou vice­versa.
A secreção de  íons H+ na urina  resulta na acidez da mesma, porém a quantidade de ácido que pode ser
eliminada sob forma de íons H+ livres é limitada. A urina pode ser acidificada até um pH em torno de 4,5. Isto
significa que a maioria dos íons H+ excretados deve sofrer tamponamento, ou seja, deve estar ligado a bases,
dentre as quais as mais importantes são o fosfato (HPO4
–  –) e a amônia (NH3
+). O fosfato está presente, em
pH 7,4, no filtrado glomerular, principalmente sob a forma de íons bivalentes. À medida que o líquido tubular é
acidificado, os íons H+ secretados reagem com o HPO4
– e forma­se H2 PO4
–. A maioria dos íons Na+ que está
em equilíbrio elétrico com o HPO4
– no filtrado glomerular retorna ao sangue ao serem substituídos pelos íons H+.
A base amônia é formada pelas células tubulares renais a partir da glutamina e outros aminoácidos do sangue.
O  movimento  da  amônia  em  direção  ao  lúmen  tubular  se  faz  por  difusão  passiva  e  segundo  gradiente  de
concentração. Há ligação da amônia com os íons H+, se a urina for ácida, com formação de amônio (NH4), o qual
tem menor capacidade de passagem por membranas, permanecendo, pois, no  líquido  tubular e, deste modo,
grandes quantidades de íons H+ são eliminados pela urina sob a forma de amônio.
A  principal  base  do  plasma,  o  bicarbonato,  está  presente  no  filtrado  glomerular  e  a  quantidade  filtrada
diariamente  nos  túbulos  renais  equivale  a  muitas  vezes  o  total  presente  no  corpo,  sendo  na  maior  parte
reabsorvido.  O  mecanismo  de  reabsorção  do  bicarbonato  está  ligado  ao  da  secreção  de  H+  para  o  líquido
tubular. Quando há íons HCO3
– no líquido tubular, os íons H+ liberados reagem com eles (H+ + HCO3
– ⇒ H2CO3
⇒ CO2 + H2O)  formando água e dióxido de carbono. O CO2 gerado é prontamente absorvido para o sangue.
Todavia,  para  a  formação  de  íons  hidrogênio,  há  também  a  geração  de  íons  HCO3
–  que  vão  ao  plasma.
  
Portanto,  para  cada  íon  HCO3
–,  removido  do  líquido  tubular  pela  reação  com  um  íon  H+,  um  íon  HCO3
–  é
acrescentado  ao  sangue.  A  taxa  de  reabsorção  de  bicarbonato  nos  túbulos  renais  é  um  efeito  da  pCO2
sanguínea  sobre  os  rins,  sendo  função  direta  e  linear  da  pCO2.  Quanto  mais  elevada  a  pCO2,  maior  será  a
reabsorção e vice­versa, razão pela qual a via renal é o mecanismo compensatório dos desequilíbrios de origem
respiratória. Para manter a neutralidade elétrica o íon HCO3
– mantém relação recíproca na sua excreção com
aquela de íons cloreto (Cl–). Assim, a diminuição da excreção de bicarbonato implica maior eliminação de Cl– e
vice­versa.
É importante ressaltar que nos desequilíbrios de origem metabólica a compensação se faz inicialmente pelos
mecanismos  respiratórios,  porém,  a  longo  prazo,  a  via  renal  é  aquela  que  efetiva  a  correção  definitiva  do
equilíbrio acidobásico, mediante as variações das taxas de excreção de íons H+ e HCO3
– pela urina.
Desidratação
Conceito
Literalmente o  termo desidratação significa esgotamento de água, porém é utilizado clinicamente para definir
alterações do equilíbrio hídrico corporal, em que a perda de água é maior do que a absorção, com redução do
volume de sangue circulante e depleção de fluidos tissulares, associando­se, em muitas situações, simultâneos
desequilíbrios eletrolíticos e acidobásicos, na dependência da etiopatogenia do processo patológico.
Basicamente existem duas causas principais de desidratação, ou seja, as falhas da ingestão de água ou as
perdas  excessivas  de  fluidos  corporais.  Dentre  as  falhas  da  ingestão  incluem­se  a  privação  de  água  (não
suprimento e a incapacidade de chegar à fonte de água por debilidade física), a ausência de sede (comum nos
estados de endotoxemia) e a impossibilidade de beber a água (na obstrução esofágica, na fratura mandibular e
secundariamente às alterações do sistema nervoso central  [SNC]). A causa mais comum da desidratação é a
excessiva perda de  líquidos corporais. A diarreia  tem destacada  importância como causadora dessas perdas,
embora o vômito, as doenças renais, cardíacas e hepáticas sejam responsabilizados com frequência  também.
Em  casos  esporádicos,  podem  ser  importantes  as  perdas  fluídicas  resultantes  de  grandes  lesões  da  pele,
sudorese  e  salivação  excessivas,  pancreatite,  obstruções  agudas  gástricas  ou  intestinais  e  peritonite  difusa.
Pode  ainda  ocorrer  intensa  desidratação,  por  sequestro  de  fluidos,  em  ruminantes  acometidos  por  acidose
láctica ruminal por ingestão excessiva de carboidratos altamente fermentáveis e dilatação e deslocamento com
torção de abomaso. Quadros patológicos específicos, como os de diabetes melito ou insípido, podem também
provocar grande depleção de fluidos.
A  desidratação  pode,  ainda,  ser  classificada  em  diferentes  tipos,  quando  além  das  perdas  de  fluidos,  se
consideram  as  variações  dos  teores  do  íon  Na+  no  LEC,  onde  é  o  cátion  mais  abundante  e  o  principal
responsável  pela  manutenção  da  pressão  osmótica.  Pode­se  caracterizar  assim,  três  tipos  de  desidratação:
hipertônica,  isotônica  e  hipotônica.  A  hipertônica  ocorre  nos  casos  de  simples  privação  de  água,  ou  seja,
quando há desidratação simples sem perda de  íons Na+ e com discretas manifestações clínicas da perda de
fluidos. A  isotônica  é observada nas perdas de  fluidos  isotônicos em casos de sudorese excessiva, nefrose,
enterite simples, e caracteriza­se por perdas de água e de sódio, porém com concentrações deste íon similares
à do LEC. São observados sinais de desidratação  leve e hiponatremia. Na  forma hipotônica, constatada por
exemplo  em  colidiarreia  de  bezerros  e  salmonelose  em  equinos,  associa­se  intensa  perda  de  fluidos  com
elevada concentração de íons Na+. Neste tipo de desidratação as manifestações e a hiponatremia são intensas.
Etiopatogenia
Dois  fatores  estão  envolvidos  na  patogenia  da  desidratação:  a  diminuição  dos  teores  de  fluido  tecidual  com
consequente interferência no seu metabolismo e na redução do conteúdo de água (anidremia) e/ou do líquido
no sangue circulante.
A resposta inicial ao balanço negativo de água é o desvio de fluidos dos tecidos e a manutenção do volume
do sangue normal. O líquido é drenado primariamente do espaço intersticial que compõe o LEC. Órgãos vitais
(sistema nervoso,  coração) e o esqueleto pouco contribuem; as principais perdas  são  provenientes do  tecidoconectivo,  músculos  e  pele.  O  desvio  de  fluidos  dos  espaços  intersticial  e  a  seguir  do  intracelular  resulta  em
diminuição da elasticidade da pele, secura de pele e mucosas e redução e retração do globo ocular (enoftalmia)
em consequência à diminuição dos depósitos de gordura retrorbital.
Não havendo equilíbrio, ocorre redução no conteúdo de fluido do sangue, causando diminuição do volume
de sangue circulante (oligoemia) e hemoconcentração, com aumento da viscosidade sanguínea, o que dificulta o
fluxo  de  sangue  com  posterior  exacerbação  da  insuficiência  circulatória  periférica.  Há  ainda  mecanismos
compensatórios que reduzem as perdas de fluidos contínuos pelas fezes, pela urina e pela sudorese. Quando a
causa da  desidratação é  a privação de  água,  os  sinais desta  são  mínimos, pois os  rins  fazem compensação
efetiva  pela  diminuição  da  produção  e  pelo  aumento  da  concentração  de  urina;  adicionalmente,  a  água  é
preservada  pela  redução  de  eliminação  fecal  e  aumento  da  sua  absorção,  resultando  em  desidratação  do
conteúdo ruminal e daquele do  intestino grosso, com eliminação de fezes secas e escassas. Em animais com
diarreia de pouca intensidade, os rins compensam de forma eficaz a perda de água pelas fezes, e o volume de
plasma pode ser mantido se houver adequada ingestão de fluidos.
O  desvio  preferencial  circulatório  que  se  estabelece  quando  da  oligoemia  determina  menor  perfusão
sanguínea renal, com diminuição da excreção de urina, que se torna progressivamente mais concentrada e a
falha  da  função  renal  pode  acentuar  a  acidose  preexistente  e  o  desequilíbrio  eletrolítico,  sendo,  pois,
fundamental  a  restauração  da  função  renal  nos  processos  de  desidratação.  São  significativos,  ainda,  alguns
efeitos  que  a  desidratação  exerce  no  metabolismo  tecidual.  Há  aumento  no  catabolismo  de  gorduras,  em
seguida  daquele  de  carboidratos  e,  por  último,  de  proteínas,  para  produzir  água  metabólica  e  energia.  O
metabolismo  endógeno  aumentado  sob  condições  relativamente  anaerobióticas  resulta  em  formação  de
metabólitos ácidos, entre os quais o ácido láctico, e no desenvolvimento de acidose. A diminuição da formação
de  urina  (oligúria),  devido  à  restrição  de  fluxo  de  sangue  renal,  exacerba  essa  acidose,  pela  diminuição  da
excreção  de  íons  hidrogênio, além de  causar moderada  elevação dos  teores sanguíneos de nitrogênio não
proteico.
A  diminuição  do  volume  de  sangue  circulante  também  contribui  para  a  depressão  mental  nos  animais
desidratados, como resultado dos variados graus de acidose e toxemia, dependendo da causa da desidratação.
A fraqueza muscular, a hipotermia e a anorexia  também estão presentes. A desidratação pode causar morte,
especialmente na obstrução intestinal aguda, vômito e diarreia, porém ela é considerada causa contribuidora da
morte quando combinada com outros estados sistêmicos, como acidose, desequilíbrios eletrolíticos,  toxemia e
septicemia.
Sintomas clínicos
Os  sintomas  variam  de  natureza  e  gravidade  conforme  o  tipo  e  o  modo  pelos  quais  ocorrem  as  perdas  de
líquidos,  ou  seja,  na  dependência  da  etiologia  da  desidratação,  da  evolução  do  processo  patológico  que  a
determinou e até da espécie acometida. Segundo o tipo de desidratação, pode­se dizer que nas hipertônicas e
isotônicas  as  manifestações  clínicas  em  geral  são  discretas,  sendo,  todavia,  intensas  no  tipo  hipotônico.  Em
relação ao modo como os líquidos são perdidos, é necessário considerar se a evolução do quadro foi aguda ou
crônica  e  pode  ocorrer  por  falta  de  aporte  de  água  ou  por  perdas  para  o  meio exterior  ou  por  sequestro  de
fluidos no  interior  de  vísceras  ou  cavidades  naturais,  além da simultânea  depleção  ou  retenção  de  eletrólitos
(Na+,  Cl–,  K+, HCO–3  e  H
+).  Essas  variáveis  podem  influenciar  a  intensidade  dos  sintomas,  por  meio  de  um
diferente nível de comprometimento dos compartimentos de líquidos no sistema orgânico. Em geral, ao início do
quadro  de  desidratação  as  perdas  são  mais  evidentes  no  LEC,  em  primeira  instância  no  espaço  plasmático,
após no intersticial, para finalmente ser afetado o LIC. Em geral, os sintomas são mais evidentes se a perda de
água  e  eletrólitos  ocorrer  em  um  curto  período  de  tempo.  As  perdas  superagudas  e  agudas  podem  não  ser
óbvias  clinicamente  em  um  primeiro  exame,  pois  o  maior  prejuízo  ocorre  no  compartimento
intravascular/plasmático e somente pequenos desvios de líquidos ocorrem do espaço intersticial.
Quanto aos sintomas clínicos, é importante ressaltar­se que são utilizados para estabelecer ou indicar o grau
de desidratação em relação à perda de peso corporal (p.c.) em porcentagem (%), todavia, as perdas de até 5%
do p.c. não apresentam sintomas clínicos específicos, sendo o grau máximo de perda de 12% em ruminantes
domésticos e de 15% em cães e gatos, e acima deles, haverá incompatibilidade com a vida.
Os sintomas mais  importantes na desidratação são o  ressecamento e o enrugamento da pele,  tendo, em
particular, na região facial uma aparência retraída. O globo ocular apresenta­se afundado na cavidade orbitária
(enoftalmia).  A  elasticidade  e  o  turgor  da  pele  diminuem,  podendo­se  avaliar  este  fato  por  meio  do
pregueamento  do  tegumento  nas  regiões  da  tábua  do  pescoço,  sobre  a  escápula  e  da  pálpebra  superior,
verificando­se o tempo necessário para o retorno da pele à posição inicial. Em condições normais o retorno é
imediato ou se faz em até 2 s; o tempo de persistência do pregueamento aumenta conforme a maior intensidade
da  desidratação,  alcançando  o  extremo  de  até  45  s.  As  mucosas  podem  demonstrar  ressecamento  e  estar
pegajosas. O tempo de preenchimento capilar (TPC), que normalmente é de 1 a 3 s, prolonga­se à medida que
se intensifica a desidratação.
Em associação a estas manifestações, devem ser consideradas as alterações do estado geral dos animais
desidratados que podem variar de leves a intensas. Caracterizam­se estas por perda de peso ou do estado
cárneo, em geral proporcional à intensidade da desidratação e, se relacionada a quadros crônicos, combina­se
com alterações da pele/pelame, e diminuição evidente de massa muscular; atitudes anormais – dependendo
da espécie animal, a alternância de estação com decúbito esternal, manutenção em decúbito esternal ou lateral
podem  indicar  progressiva  gravidade  da  desidratação;  apatia,  depressão,  com  diminuição  ou  ausência  de
respostas reflexas estão relacionadas com a intensidade da desidratação e a presença de acidose; a perda de
apetite,  de  sede  e  a  incapacidade  de  sugação­deglutição  são  indicativas  de  acidose  e  presença  de
endotoxemia; alterações das funções vitais  como hipotermia e  taquicardia  com pulso  filiforme podem estar
presentes nos estados pré­choque ou no choque hipovolêmico, e as modificações da frequência respiratória e
características  da  respiração  podem  acompanhar  aquelas  da  função  cardiocirculatória,  todavia,  em  muitas
situações são compensatórias dos desequilíbrios acidobásicos de origem metabólica.
A  avaliação  do  grau  de  desidratação  relacionado  à  porcentagem  de  perda  de  peso  corporal  segundo  o
exame físico é apresentada em Quadros 61.1 e 61.2.
Deve­se ainda ressaltar que certas manifestações sintomáticas podem ser relacionadas aos desequilíbrios
eletrolíticos e acidobásicos. Muitas das alterações eletrolíticas ocorrem pela perda destes eletrólitos nas doenças
do trato alimentar. A sudorese, a exsudação por queimaduras extensas, a salivação excessiva e o vômito são
também acompanhados  por depleção de  eletrólitos, porém  são  menos  importantes em animais  de produção,
com  exceção  daquelas  que  ocorrem  por  sudorese  intensa  em  cavalos.  Os  eletrólitosmais  importantes  a
considerar­se são o sódio, o potássio, o cloreto e o bicarbonato.
QUADRO 61.1 Avaliação da intensidade de desidratação em cães e gatos, segundo exame físico, relacionada
com a porcentagem de perda do peso corporal.
Desidratação (%) Desidratação (decimal) Observações do exame físico
< 5 – Sem alterações na elasticidade da pele; histórico ou observação de perdas ou
não ingestão de líquidos
5 a 6 0,05 a 0,06 Perda discreta da elasticidade da pele/cutânea
Obs.: para a espécie canina, quando a elasticidade da pele é semelhante à
observada no felino hígido
7 a 9 0,07 a 0,09 Perda da elasticidade da pele (observa-se discreto aumento do tempo de
retorno da pele a sua posição normal); discreto prolongamento do tempo de
preenchimento capilar (TPC); possível discreta enoftalmia; possível discreto
ressecamento de mucosas
10 a 12 0,10 a 0,12 Elasticidade da pele comprometida; a pele permanece na posição “pregueada”
por um período longo; evidente prolongamento do TPC; enoftalmia; mucosas
ressecadas; possíveis sintomas de choque (taquicardia, pulso rápido e filiforme,
extremidades frias)
13 a 15 0,13 a 0,15 Sintomas definidos de choque; trata-se de caso de urgência – morte iminente
QUADRO 61.2 Avaliação da intensidade da desidratação em animais ruminantes, segundo o exame físico,
relacionada com a porcentagem de perda do peso corporal.
Desidratação (%) Observações ao exame físico
< 5 Ausência de sintomas clínicos de desidratação; história ou observação de perdas ou não ingestão de fluidos
6 a 7 Diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por 5 a 8 s); enoftalmia discreta ou ausente; discreta
apatia; apetite mantido; capacidade de manter-se em estação preservada
8 a 9 Intensificação da diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por 9 a 12 s); enoftalmia notável;
mucosas pegajosas/ressecadas ou sem brilho; apatia moderada; incapacidade de sugação/deglutição; alterna
estação com decúbito esternal, ou se mantém em decúbito
≥ 10 Intensa diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por mais de 12 s até não se desfazer);
enoftalmia muito evidente; mucosas secas; apatia intensa; anorexia; reflexos bem diminuídos ou ausentes,
extremidades frias
12 Sintomas de choque – apatia extrema, ausência de reflexos, taquicardia, pulso filiforme,
hipotermia/extremidades frias; decúbito lateral
O sódio é o  íon mais abundante no LEC e o principal  responsável pela manutenção da pressão osmótica
neste  fluido.  A  causa  mais  comum  de  hiponatremia  é  a  perda  aumentada  de  sódio  pelo  trato  intestinal  nas
enterites.  Esta  é  particularmente  marcada  em  cavalos  com  diarreia  aguda,  e  também  ocorre  em  bezerros
neonatos. Nos casos crônicos a hiponatremia pode ser mais  intensa. Em cães e gatos essa diminuição pode
eventualmente  ser  evidenciada em  diarreias, no diabetes  melito e  em  casos de vômito.  Nessa situação pode
haver  aumento  da  excreção  renal  de  água  como  tentativa  de  manutenção  da  pressão  osmótica  normal,
agravando a desidratação, além de promover  fraqueza muscular, depressão mental, hipotermia e hipotensão,
devido à insuficiência circulatória periférica, todavia estes sintomas não são exclusivos da hiponatremia.
A  hipernatremia  pode  ser  também  observada  em  pequenos  animais,  tendo  em  geral  como  causas  a
excessiva ingestão do sódio, a inadequada tomada de água ou a intensa perda de água acompanhada por sua
insuficiente  ingestão  (vômitos,  diarreia,  poliúria  –  diabetes  insípido,  pielonefrite  etc.).  São  considerados
sintomas de hipernatremia a depressão, a sede, as fasciculações musculares, as convulsões e o coma.
A hipocloremia ocorre como resultado de um aumento na perda líquida do íon cloreto no trato intestinal, na
dilatação gástrica aguda, na dilatação com torção do abomaso e na obstrução intestinal anterior aguda. Nestas
situações,  a  grande  quantidade  de  íons  H+  e  Cl–  secretados  no  estômago  ou  no  abomaso  e  trocados  por
bicarbonato  de  sódio  circulante,  normalmente  no  intestino  delgado,  são  absorvidos  junto  com  K+.  Há  nestas
condições  sequestro  destes  íons  e  em  consequência  há  alcalose  hipoclorêmica  e  hipopotassêmica.  Não  há
manifestações clínicas características.
Alterações do equilíbrio de K+, resultando em hipopotassemia ou hiperpotassemia são relativamente comuns
em  animais  de  pequeno  porte.  As  causas  de  hipopotassemia  são  o  vômito,  as  diarreias  e,  com  menor
frequência,  as  enfermidades  com  poliúria.  Nos  animais  de  produção  resulta  de  diminuída  ingestão  na  dieta,
excreção  renal  aumentada,  estase  abomasal,  obstrução  intestinal  e  enterite.  As  doenças  do  abomaso
apresentam sequestro de fluidos com íons H+, Cl– e K+, resultando em hipopotassemia, hipocloremia e alcalose
metabólica. A fraqueza muscular é um sintoma que ocorre por alteração do potencial de repouso de membrana;
decúbito, depressão, tremores musculares, arritmia cardíaca e coma.
A hiperpotassemia pode ter como causa o aumento da ingestão na dieta e principalmente por diminuição
da  excreção  renal  (obstrução  do  sistema  urinário,  lesões  graves  no  túbulo  contornado  distal,
hipoadrenocorticismo etc.).A acidose metabólica pode agravar o quadro de hiperpotassemia, pela entrada de H+
para  o  meio  intracelular  e  saída  de  K+  para  o  extracelular  como  mecanismo  celular  de  compensação.  Em
animais  de  produção  a  hiperpotassemia  não  é  tão  comum  quanto  a  hipopotassemia  e  ocorre  após  acidose
metabólica  grave.  Potencialmente  é  mais  perigosa  que  a  hipopotassemia  devido  à  ação  cardiotóxica,  tendo
marcado efeito sobre a função cardíaca, determinando bradicardia e arritmia, além de poder ocorrer a parada
cardíaca súbita. No eletrocardiograma podem ser constatados inversão e desaparecimento da onda P, aumento
da amplitude da onda T (pontiaguda) e aumento do intervalo QRS.
Considerando­se  as  alterações  do  equilíbrio  acidobásico  que  podem  ocorrer  em  associação  com
desequilíbrios  hidreletrolíticos  e  que  são  passíveis  de  tratamento  por  meio  de  fluidoterapia,  deve­se  ressaltar
aquelas  de  origem  metabólica.  Estas,  quando  presentes,  influenciam  as  manifestações  clínicas  observadas,
sendo  importante  a  consideração  da  causa  primária  das  acidoses  e  alcaloses  metabólicas.  As  acidoses
metabólicas  têm  como  causas  gerais  a  excessiva  perda  de  base  (bicarbonato),  o  acúmulo  de  ácidos,  ou  a
combinação  de  ambos  processos.  Em  pequenos  animais  as  causas  mais  comuns  são  a  diarreia  intensa,  a
insuficiência renal, a cetoacidose diabética, a acidose tubular renal, a acidose láctica (parada cardíaca, choque,
hipoxemia), a administração de drogas ácidas, medicamentos  (cloreto de amônio etc.) ou substâncias  tóxicas
(etilenoglicol,  metaldeído,  metanol  etc.).  Nos  animais  de  produção  são  causas  comuns  específicas  a  diarreia
aguda  em  neonatos,  a  enterite  aguda  de  cavalos  e  bovinos  adultos,  a  ingestão  excessiva  de  carboidratos
(acidose  láctica  ruminal)  ou  de  grãos  (cavalos),  a  cetoacidose  (toxemia  gravídica  dos  pequenos  ruminantes,
cetose dos bovinos), a doença renal e a asfixia neonatal de bezerros. A obstrução intestinal aguda em cavalos é
comumente acompanhada por acidose com a evolução do quadro, ao contrário de outras espécies em que a
alcalose  ocorre  inicialmente.  As  manifestações  clínicas  da  acidose  metabólica  são  a  depressão  mental  e
variados  graus  de  fraqueza  muscular.  Bezerros  e  cabritos  neonatos  apresentam­se  deprimidos,  fracos  e
incapazes  de  mamar.  Animais  com  grave  acidose  apresentam­se  em  decúbito  lateral  e  coma  terminal.  Nas
formas  compensadas  de  acidose  metabólica,  observa­se  respiração  com  frequência  e  profundidade
aumentadas. Nos casos não compensados, quando há depressão de centro respiratório(choque hipovolêmico
ou  colibacilose  enterotoxigênica)  ocorrem  bradipneia  e  respiração  superficial,  taquicardia,  pulso  fraco  e  coma
terminal. Em presença de movimento compensatório de potássio para o espaço extracelular, a hiperpotassemia
pode determinar bradicardia e arritmia.
As alcaloses metabólicas podem ser causadas pela absorção aumentada de bases ou perda excessiva de
ácidos.  Em  pequenos  animais  as  causas  mais  comuns  desse  desequilíbrio  são  os  vômitos  persistentes,
hiperadrenocorticismo,  utilização  de  diuréticos  que  depletam  os  cloretos  e  administração  excessiva  de
substâncias alcalinas (bicarbonato). Em animais ruminantes a dilatação e o deslocamento à direita com torção
do  abomaso  são  causas  das  mais  comuns.  Pode  ainda  ocorrer  nas  indigestões  vagais  posteriores  e  na
síndrome de refluxo, em que também há sequestro de ácido clorídrico e de potássio no rúmen. Em equídeos
com obstrução proximal do intestino pode­se observar inicialmente um quadro de alcalose metabólica.
As  manifestações  clínicas  de  alcalose  não  são  específicas,  havendo  em  geral  predomínio  dos  sintomas
resultantes  do  processo  nosopatológico  primário  e  causador  da  alcalose.  Nas  formas  graves  de  alcalose
metabólica podem ocorrer tremores musculares e tetania, com sinais de excitabilidade do SNC evidenciados por
convulsões tônicas e clônicas. As manifestações respiratórias compensatórias caracterizam­se por bradipneia e
respiração superficial; todavia, na fase terminal da alcalose taquipneia e dispneia podem estar presentes.
Avaliação da desidratação e sua etiopatogenia por exames complementares
A avaliação  laboratorial  de  animais acometidos  por desidratação  e desequilíbrios eletrolíticos e  acidobásico  é
importante  pois  permite  a  confirmação  do  diagnóstico  estabelecido  por  meio  do  exame  físico,  elucidar  a
presença  e  o  grau  com  que  os  desequilíbrios  estão  ocorrendo  e  o  monitoramento  do  efeito  da  fluidoterapia
preconizada.  O  exame  do  hemograma  pode  ser  útil,  particularmente  as  determinações  do  hematócrito  e  do
leucograma.
O hematócrito (volume globular) pode identificar a hemoconcentração por meio do aumento do seu valor, e
consequentemente  o  grau  de  desidratação.  É  de  grande  utilidade  no  monitoramento  da  eficiência  da
fluidoterapia,  todavia  seus  resultados  podem  ser  falseados  pela  presença  de  anemia.  A  determinação  das
proteínas totais (no soro ou plasma) pode também ser utilizada com a mesma finalidade, sendo seus resultados
imprecisos  quando  da  ocorrência  de  doenças  que  provocam  hipoproteinemia.  O  leucograma  é  útil  na
identificação  de  toxinfecções,  evolução  e  prognóstico  de  cada  caso,  além  de  permitir  a  evidência  de  sinais
endotóxicos.
A urinálise (análise da urina) deve incluir a avaliação de densidade, pH, glicose, corpos cetônicos, proteínas
e  exame  do  sedimento  urinário.  Durante  a  desidratação,  se  os  rins  funcionam  normalmente,  a  densidade
aumenta e o volume de urina diminui, por  reabsorção de água. Se a densidade não se altera ou diminui em
presença  de  desidratação,  provavelmente  observa­se  má  função  renal,  e  outros  testes  para  sua  avaliação
devem  ser  realizados.  O  monitoramento  da  densidade  urinária  durante  a  fluidoterapia,  demonstrando  queda,
indica  que  a  hidratação  está  ocorrendo.  Em  condições  de  hiperglicemia,  em  ausência  de  tratamento  com
solução de glicose, a presença desta na urina pode indicar acidose diabética. A acetonúria é achado frequente
durante  a  desidratação  e/ou  privação  de  carboidratos  ou  jejum  prolongado;  pode  também  ser  constatada  na
toxemia  gravídica  dos  pequenos  ruminantes  e  na  cetoacidose  diabética  em  cães.  O  pH  da  urina  pode  com
segurança  indicar,  na  dependência  do  valor  normal  para  a  espécie,  se  alcalino  ou  ácido,  respectivamente,  a
presença  de  acidose  ou  alcalose,  desde  que  não  haja  doença  renal  ou  do  sistema  urinário.  A  presença  de
proteinúria e de sedimento com componentes anormais poderá indicar a presença de doença renal.
Alguns exames bioquímicos são considerados valiosos na avaliação dos desequilíbrios hídricos, eletrolíticos
e  acidobásico,  e  suas  consequências.  As  provas  de  função  renal,  dosagens  de  ureia  ou  nitrogênio  ureico
sanguíneo  e  creatinina  séricas  são  úteis  na  identificação  da  diminuição  do  volume  de  sangue  circulante,  por
meio  de  aumentos  anormais  que  caracterizam  a  azotemia  pré­renal  consequente  à  diminuição  da  taxa  de
filtração  glomerular.  Permitem  também  o monitoramento da eficácia  da  fluidoterapia na melhoria  da perfusão
renal e ainda podem demonstrar a existência de doença renal.
Os  testes  de  função  hepática  (AST,  ALT,  FA,  GGT,  proteinograma)  são  úteis  no  diagnóstico  das
hepatopatias agudas ou crônicas. A avaliação da glicemia pode ser utilizada para a identificação da presença de
diabetes melito, bem como da necessidade de utilização de glicose como fonte de energia na fluidoterapia nas
enfermidades causadoras de estados hipoglicêmicos.
A determinação dos  íons séricos, particularmente de sódio, potássio e cloreto, permite a  identificação dos
desequilíbrios eletrolíticos, a necessidade de correções de seus teores por meio da fluidoterapia e a efetividade
do tratamento usado.
A  hemogasometria  é  essencial  na  avaliação  do  equilíbrio  acidobásico  e  no  monitoramento  da  terapia
estabelecida.  As  alterações  do  pH  em  geral  permitem  a  identificação  de  acidemia  e  da  alcalemia,  ou  seja,  a
possível presença da acidose ou alcalose. A determinação da pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2) é
considerada uma medida da participação primária do componente respiratório na promoção do desequilíbrio e
da compensação ou não de alterações de origem metabólica, pela via respiratória. Por sua vez, as avaliações
de bicarbonato (HCO3
–),  total de CO2 (TCO2) e excesso ou déficit de base (BE) são consideradas medidas da
reserva  alcalina  indicadoras  da  participação  primária  do  componente  metabólico  na  determinação  do
desequilíbrio  e  da  compensação  ou  não  de  distúrbios  de  origem  respiratória,  pela via  renal. Desta  forma,  na
acidose metabólica são observadas quedas do pH, do HCO3
–, do TCO2 e do BE (déficit de base) abaixo dos
valores mínimos normais para a espécie examinada; se houver compensação respiratória, a pCO2 deverá estar
diminuída pela hiperventilação. Na alcalose metabólica ocorrem aumentos do pH, do HCO3
–, do TCO2 e do BE
(excesso  de  base)  acima  dos  valores  máximos  normais  para  a  espécie  analisada;  havendo  compensação
respiratória,  a  pCO2  estará  aumentada.  Quando  a  acidose  for  respiratória,  ocorrem  diminuição  do  pH  e
aumento  da  pCO2;  se  houver  compensação  renal  do  desequilíbrio,  os  valores  do  HCO3
–,  do  TCO2  e  do  BE
demonstram aumentos acima do nível máximo normal para a espécie analisada. Na alcalose respiratória, o pH
está aumentado e a pCO2 diminuída; a compensação renal é evidenciada pelas diminuições do HCO3
–, do TCO2
e  do  BE.  O  diagnóstico  da  presença  de  desequilíbrios  acidobásicos  mistos,  ou  seja,  quando  ocorrem  dois
distúrbios primários em concomitância, pode ser dificultado particularmente quando os efeitos de cada um dos
desequilíbrios  se  neutralizam.  Exemplifica  esta  situação  a  coexistência  de  acidose  metabólica  e  alcalose
respiratória. Nestes casos a hemogasometria é essencial e pode revelar um pH com pequeno desvio ou dentro
do  intervalo  normal.  As  variações  dos  valores  níveis  de  HCO3
–  e  pCO2  podem  elucidar  a  situação  e  deve­se
avaliar bem se a compensação é apropriada. Além da consideração dos resultados do exame físico, da história
  
do paciente, é necessária a determinação do anion gap, definidocomo a diferença entre a soma das taxas de
cátions (Na+ e K+) e a soma daquelas de ânions (Cl
–
 e HCO3
–), expressas as concentrações em mEq/ℓ . O anion
gap  estará  aumentado  a  um  valor  superior  à  diminuição  de  HCO3
–
,  nos  casos  de  acidose  metabólica  por
acúmulo de ácidos orgânicos ou inorgânicos (insuficiências renais com azotemia, cetoacidose diabética; acidose
láctica).
Diretrizes para a instituição da fluidoterapia
A finalidade da  fluidoterapia é a correção da desidratação e/ou do desequilíbrio eletrolítico. Pode também ser
indicada  para  corrigir  um  quadro  de  acidose  ou  alcalose,  para  tratar  um  animal  em  estado  de  choque,  para
alimentação  parenteral  ou  mesmo  para  estímulo  de  uma  função  orgânica,  como  a  renal.  Os  princípios  mais
importantes  a  que  deve  obedecer  são  de  que:  “deve  corrigir  ou  minimizar  a  desidratação  e  as  perdas  de
eletrólitos sempre que possível” e  “deve  tratar perdas potenciais de  fluidos e de eletrólitos,  tão  rápido quanto
possível, para minimizar o grau de desidratação e alterações do equilíbrio acidobásico”. Assim, seus principais
objetivos são: “corrigir anormalidades já existentes, monitorar e prover terapia de manutenção até que o animal
se  recupere”.  Existem,  pois,  pelo  menos  três  anormalidades  a  corrigir:  o  volume  de  fluido  perdido,  os
desequilíbrios específicos eletrolíticos e acidobásicos.
As principais dificuldades  iniciais no estabelecimento da  fluidoterapia são a determinação da natureza e o
grau das anormalidades, e a escolha do  fluido ou solução de eletrólitos que deve ser utilizada. Para  resolver
estas duas questões há necessidade de uma cuidadosa avaliação clínica do paciente, precedendo o  início do
tratamento,  na  qual  devem  ser  incluídos  a  história,  os  exames  físicos  e  complementares  e  o  diagnóstico  da
enfermidade, que é importante na previsão dos prováveis desequilíbrios com base na etiopatogenia do processo
patológico. As informações úteis sobre a natureza da doença e a história clínica são: ingestão dos alimentos e
água,  tipo de alimentos, perdas gastrintestinais por vômito e diarreia, volume de urina, salivação ou sudorese
excessivas,  exercícios  recentes,  exposição  ao  calor,  traumatismos,  hemorragia,  febre,  gestação  e  partos
gemelares,  uso  de  diuréticos ou outros  medicamentos.  O  conhecimento  de  duração  da  doença,  frequência  e
intensidade  do  vômito  e/ou  diarreia,  consistência  das  fezes  e  frequência  de  micção  deve  ser  acurado.  A
sequência dos sintomas e a evolução do quadro clínico podem indicar a tendência da gravidade. Animais com
diarreia  profusa  e  aquosa  por  18  a  24  h  podem  estar  com  intensa  acidose.  Obstrução  intestinal  aguda  em
bovinos não é tão grave quanto em equinos. Acidose por ingestão excessiva de grãos ricos em carboidratos em
bovinos pode ser fatal em 24 a 48 h, enquanto no cavalo pode ser fatal, vindo a óbito mais rapidamente.
O cuidadoso exame físico permite determinar a presença de desidratação e uma avaliação razoavelmente
precisa  da  sua  intensidade.  Durante  o  tratamento,  a  reavaliação  clínica  regular  é  importante  para  a
determinação da sua eficácia. A  importância do exame  físico é muito maior quando em condições de campo,
particularmente na prática da clínica de animais ruminantes e equídeos, nas quais não se conta geralmente com
retaguarda  para  avaliações  laboratoriais  complementares.  São  comuns,  por  exemplo,  na  acidose  metabólica
variados graus de depressão mental, fraqueza e ataxia. A desidratação participa na determinação de depressão
e fraqueza. Em animais neonatos com acidose metabólica associada com diarreia, é comum a incapacidade de
mamar. A história imediata da doença, a duração da mesma e o provável diagnóstico podem também auxiliar na
determinação da possível natureza e grau de desequilíbrios eletrolíticos e acidobásicos. Animais afetados com
diarreia  aguda  devido  a  uma  enterite  infecciosa  estarão  em  provável  estado  de  acidose  metabólica  e
hiponatremia.  Na  obstrução  intestinal  aguda  em  cavalos,  há  variados  graus  de  desidratação  e  acidose
metabólica. Na obstrução do  trato  intestinal anterior, ou na dilatação e deslocamento com torção do abomaso
em ruminantes, há variados graus de desidratação e alcalose metabólica com hipocloremia e hipopotassemia.
Os achados clínicos podem auxiliar no estabelecimento do prognóstico e consequente evolução do processo. A
temperatura normal não é bom guia prognóstico, porém quando abaixo do normal sugere uma situação pior. Um
aumento  gradualmente  progressivo  da  frequência  cardíaca  indica  que  o  paciente  está  piorando.  O
pregueamento de pele fria e que persiste por mais de 30 s sugere intensa desidratação. A cianose das mucosas
bucais e o  tempo de preenchimento capilar (TPC) maior do que 4 s sugerem um prognóstico de reservado a
mau, assim como a presença de taquipneia com apneia intermitente. A inabilidade do animal desidratado para
se manter em estação é geralmente mau sinal. A depressão  intensa e a apatia são em geral observadas em
condições agudas, e o estado de coma é geralmente terminal.
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A avaliação laboratorial complementar é muito útil para o estabelecimento da natureza, confirmar a presença
e  a  extensão  dos  desequilíbrios  hídricos,  eletrolíticos  e  acidobásicos,  além  de  permitir  o  monitoramento  do
progresso do tratamento. As análises mais frequentemente realizadas são:
Hematócrito e dosagem da proteína total (plasma ou soro): seus aumentos podem indicar desidratação e
sua  intensidade,  além  de  ter  utilidade  em  monitorar  a  fluidoterapia  e  na  interpretação  clínica  segundo  os
valores do hematócrito e da concentração de proteína plasmática (Quadro 61.3)
Leucograma:  a  leucopenia  por  neutropenia  com  desvio  à  esquerda  degenerativo  indica  prognóstico
desfavorável, enquanto o desvio regenerativo é indicativo de evolução favorável
Exame  de  urina:  as  variações  da  densidade  urinária  podem  ser  úteis  na  detecção  de  função  renal
adequada frente à desidratação, bem como a análise de urina pode auxiliar na verificação da presença de
desequilíbrios  acidobásicos,  de  cetoacidose  diabética  e  de  doença  renal,  respectivamente,  por  meio  das
alterações do pH, presença de cetonúria e de glicosúria e proteinúria com sedimento anormal
Taxas de ureia ou nitrogênio ureico sanguíneo e de creatinina: complementam a avaliação da função
renal
Glicemia: permite a identificação dos casos de diabetes melito ou de hipoglicemia associada à desidratação
Taxas de íons séricos: em geral indicam a gravidade das suas perdas e qual a necessidade de reposição
Hemogasometria: permite determinar a gravidade e a natureza do desequilíbrio acidobásico.
QUADRO 61.3 Interpretação clínica simultânea dos valores do hematócrito e da concentração de proteína
plasmática.
Hematócrito Proteína plasmática Interpretação
Aumentado Aumentada Desidratação
Aumentado Normal ou diminuída Contração esplênica, policitemia, desidratação com hipoproteinemia
preexistente
Normal Aumentada Animal hidratado com hiperproteinemia, anemia com desidratação
Diminuído Aumentada Anemia com desidratação, anemia com hiperproteinemia preexistente
Normal Normal Hidratado, desidratação com anemia preexistente e hipoproteinemia,
hemorragia aguda, desidratação com desvio para compartimento secundário
Diminuído Diminuída Perda de sangue, anemia e hipoproteinemia, hiper-hidratação
Diminuído Normal Anemia sem perda de sangue e sem desidratação
Volume de fluido a utilizar
O cálculo da quantidade de fluido a ser utilizado para o tratamento deve prever a reposição das perdas atuais,
ou seja, ser suficiente para reidratar o animal; propiciar quantidade de líquidos para atender às necessidades de
manutenção  e  das  perdas  contínuas.  Se  o  animal  em  tratamento  continua  a  perderágua,  esta  quantidade
adicional deve ser calculada e somada aos volumes usados para reidratar e para manutenção e reposição das
perdas contínuas. O volume de reposição de fluido para a correção da desidratação é calculado com base na
avaliação clínica do grau de desidratação que considera a perda em relação ao peso corporal em porcentagem,
segundo as fórmulas seguintes:
Grau de desidratação (%) × peso corporal (kg) × 10 = quantidade em mililitros (mℓ)
Grau de desidratação (valor decimal) × peso corporal (kg) = quantidade em litros
Grau de desidratação (%) × peso corporal ÷ 100 = quantidade em litros
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O  volume  necessário  para  a  manutenção  e  o  atendimento  das  perdas  contínuas  apresenta  variações
conforme  a  espécie,  a  idade  e  o  porte  do  animal.  Em  cães  e  gatos  considera­se  genericamente  que  esse
volume deve estar entre 40 e 60 mℓ /kg/dia,  recomendando­se para cães de grande porte o volume mínimo e
para cães de menor porte, volume acima do mínimo até o máximo. Em relação aos gatos, deve­se estar atento
à capacidade do volume vascular (40 a 55 mℓ/kg), que compreende quase a metade do volume vascular do cão
(90 m ℓ /kg), ou seja, apesar de o volume calculado para manutenção ser semelhante ao de um cão de porte
normal, a velocidade e a via de administração devem ser consideradas, como também a avaliação individual de
cada caso, respeitando o volume de perda e a ingestão de água. É de suma importância estar atento ao volume,
à velocidade e à frequência de administração nos felinos, pois nesta espécie há possibilidade de manifestação
mais frequente de edema de subcutâneo, efusão pleural e até de edema pulmonar devido a hipervolemia.
No  caso  de  animais  ruminantes  e  equídeos  o  volume  é  calculado  com  base  no  intervalo  entre  50  e  100
mℓ/kg/dia. Nos animais adultos deve ser considerado o volume mínimo de 50 mℓ e para animais jovens o volume
máximo de 100 mℓ, considerando que para neonatos o volume pode ser maior e de cerca de 130 mℓ/kg/dia.
Necessidades de eletrólitos e bicarbonato
A  estimativa  dos  déficits  de  eletrólitos  pode  ser  calculada  com  base  na  diferença  entre  valores  normais  e
aqueles  mensurados  no  animal  afetado.  Assim  o déficit  total  do  eletrólito  em  miliequivalentes  (mEq)  é  o
produto do déficit do eletrólito em mEq/litro (mEq/ℓ) (valor esperado – valor medido) e o tamanho do espaço
do fluido extracelular como a porcentagem do peso corporal (kg). Assim, tem­se:
Déficit total do eletrólito (mEq) = déficit do eletrólito (mEq/ℓ) × 0,3 × peso corporal
Fórmula  semelhante  pode  ser  utilizada  para  estimar  o  déficit  de  bicarbonato  nos  animais  afetados  por
acidose metabólica. Nesse caso, podem­se usar os valores de bicarbonato (HCO3
–) ou do excesso ou déficit de
bases determinados pela hemogasometria. Assim, tem­se:
Déficit de bicarbonato (mEq ou mmol/ℓ) = (HCO–3 normal – HCO
–
3 medido) × 0,3 × peso corporal
Obs.: o índice 0,3 pode ser substituído pelo valor 0,5, principalmente para os animais das espécies canina e
felina.
Ou
Déficit de bicarbonato (mEq ou mmol/ℓ) = déficit de base × 0,3 × peso corporal
Fluidos ou soluções a utilizar
Com base no histórico clínico, nas manifestações clínicas e avaliações laboratoriais, pode­se determinar qual a
necessidade de fluido e/ou de eletrólitos no tratamento em questão. Nessa condição ideal, os déficits podem ser
mais precisamente evidenciados, e fluidos ou soluções contendo os elementos deficitários podem ser indicados.
Como  nem  sempre  se  dispõe  dessa  condição  ideal  de  avaliação  dos  déficits,  deve­se  optar  por  soluções
eletrolíticas balanceadas. De forma geral, na escolha do fluido devem­se levar em consideração suas finalidades
básicas  (alcalinização  ou  acidificação  do  LEC;  eletrólitos,  diluição  do  LEC;  manutenção;  fornecimento  de
nutrientes, aditivos concentrados), como a seguir:
Repor  ou  corrigir  o  volume  do  LEC:  a  solução  deve  restaurá­lo  sem  sua  alteração  qualitativa;  são
soluções que contêm Na+, Cl–, K+ e HCO–3 ou precursores, em concentrações similares às do LEC (plasma)
Alcalinização do LEC:  são  soluções  indicadas  para  a  correção  da  acidose  metabólica;  são  aquelas  que
contêm bicarbonato de sódio ou seus precursores (lactato, acetato)
Acidificação do LEC: em princípio, esses fluidos têm a finalidade de corrigir a alcalose metabólica, todavia
na atualidade não se recomendam soluções contendo agentes acidificantes específicos (soluções de HCl ou
de NH4Cl)
Diluição  do  LEC:  deve  proporcionar  água  sem  provocar  choque  osmótico  nas  hemácias  (soluções
isotônicas)
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Manutenção:  são  fluidos  que  devem  substituir  a  água  de  bebida,  nutrientes  e  eletrólitos  contidos  nos
alimentos
Aditivos concentrados:  geralmente  são  soluções  que  contém  um  único  sal  e  são  adicionadas  a  outras
soluções para repor determinadas substâncias deficitárias.
A fluidoterapia conservadora é eficiente quando não estão ocorrendo alterações eletrolíticas específicas ou
quando  não  existem  meios  para  determinar­se  qual  o  desequilíbrio  eletrolítico  presente.  Consideram­se
soluções balanceadas aquelas que não induzirão anormalidades no paciente e que são isotônicas, ou seja, as
usadas  para  repor  ou  corrigir  o  volume  do  LEC.  Todavia,  não  constituem  meio  eficiente  para  a  correção  de
acidose, alcalose, hiponatremia e hipopotassemia graves. As principais soluções utilizadas na fluidoterapia dos
animais domésticos, suas respectivas composições, finalidades e indicações de cada uma delas estão contidas
no Quadro 61.4. No Quadro 61.5 mostra­se a composição normal do plasma nas diferentes espécies de animais
domésticos.
Vias de administração
A escolha da via de aplicação de fluidos dependerá de: (1) tipo de afecção a ser tratada e da sua gravidade; (2)
estado clínico e das funções orgânicas do paciente; (3) grau de desidratação e tipo de desequilíbrio eletrolítico;
(4) duração/evolução da enfermidade; e (5) tempo e equipamento disponíveis.
A via oral talvez seja a mais fácil, econômica e fisiológica das vias de administração de fluidos e eletrólitos.
É  a  mais  segura  via  de  aplicação  porque  a  solução  pode  ser  fornecida  sem  atenção  rigorosa  quanto  a
tonicidade,  volume  e  assepsia.  É  indicada  na  desidratação  discreta,  na  administração  de  fluidos  para
manutenção e suplementação nutricional. É contraindicada na desidratação intensa, quando há vômito ou íleo
paralítico, e para animais com incapacidade de sugação/deglutição (bezerros com acidose moderada a intensa)
em que a sondagem nasogástrica torna o procedimento pouco prático.
QUADRO 61.4 Composição, finalidade e indicações das principais soluções utilizadas em fluidoterapia.
Finalidade
Na+
(mEq/ℓ)
Cl–
(mEq/ℓ)
K+
(mEq/ℓ)
Ca++/Mg++
(mEq/ℓ)
HCO–3
(mEq/ℓ)
Glicose
(g/ℓ)
Osmolalidade
(mOsm/ℓ)/pH Indicação
Para reposição ou correção de volume do líquido extracelular
0,9% NaCl (solução fisiológica) 154 154 – –/– – – 308
  5
Expansão do volume;
sangue circulante –
alcalose
Ringer 147,5 156 4 4,5/– – – 310
5,5
Expansão do volume;
alcalose
Lactato de Ringer de sódio 130 111 4 3/– 27 lactato – 274
6,5
Acidose
Solução McSherry 138 100 12 3/5 50 acetato – 308 Acidose/expansão do
volume
5% glicose em 0,9% NaCl 154 154 – –/– – 50 558
  4
Expansão do volume
Soluções alcalinizantes
1,3% NaHCO3 (isotônica) 156 – – –/– 156 – 312 Acidose
5% NaHCO3 (hipertônica) 600 – – –/– 600 – 1.200 Acidose grave
Soluções acidificantes (0,9% NaCl;
Ringer)
               
0,9% NaCl+2,5 g KCl/ℓ 154 188 34 –/– – – 376 Alcalose;
hipocloremia e
hipopotassemia
QUADRO 61.5 Composição do plasma de acordo com a espécie animal.
Plasma normal Na+ (mEq/ℓ) Cl– (mEq/ℓ) K+ (mEq/ℓ)
Ca++ (mg/dℓ)/Mg++
(mg/d?) (ionizado) HCO–3 (mEq/ℓ)
Equinos 141
(131 a 147)
101
(95 a 107)
4,2
(3,2 a 5,2)
4,5/2 24
Bovinos adultos 145
(135 a 155)100
(90 a 110)
4,4
(4 a 5)
5,4/2,3 24 a 30
Bezerros 130
(115 a 145)
95
(75 a 115)
4,2
(3,5 a 5)
5,4/2,3 22 a 28
Caninos 143 (137 a 149) 106
(99 a 110)
4,4
(3,9 a 5,2)
4,9/1,9 20 a 29
Felinos 151
(147 a 156)
120
(117 a 123)
4,3
(4 a 4,5)
…/2,2 18
A via retal, relativamente pouco usada, poderia ser considerada especialmente em animais muito jovens.
A via  intraóssea  é  referida  em  pequenos  animais,  particularmente  filhotes,  porém  não  é  muito  utilizada
pelas dificuldades que apresenta, além dos riscos de contaminação.
As vias parenterais são as mais usadas e talvez as mais práticas para a aplicação de fluidos e eletrólitos:
intravenosa ou endoflébica, subcutânea ou intraperitoneal.
A via intravenosa é a mais versátil, sendo a via de eleição para a terapia de perdas agudas de líquidos, nas
alterações  do  equilíbrio  hidreletrolítico  de  moderadas  a  graves,  prostração  intensa  com  incapacidade  de
sugação/deglutição, nos estados de choque e na administração de fluidos não isotônicos. Todos os fenômenos
tóxicos  de  soluções  administradas  por  essa  via,  fundamentalmente,  se  relacionam  mais  à  velocidade  de
aplicação  do  que  à  composição  e  ao  volume  ministrado.  Alguns  dos  problemas  vistos  com  o  uso  desta  via
referem­se a manutenção e assepsia de cateteres para fluidoterapia de longo tempo, coagulação e hematomas,
maior  risco  de  tromboembolismo  e  infecção.  Grandes  volumes  de  fluidos  administrados  rapidamente  podem
determinar sobrecarga do sistema cardiocirculatório, provocando efusão pleural, edema pulmonar e até a morte.
É  a  via  preferida,  ainda,  para  a  administração  de  sangue,  plasma  sanguíneo  e  expansores  do  volume
plasmático.
A via subcutânea é utilizada particularmente em pequenos animais, podendo ser usada em ruminantes de
pequeno porte ou bezerros jovens, todavia, não é indicada em grandes animais adultos por causa dos enormes
volumes de fluidos que devem ser administrados. Nos pequenos animais é usada com certa frequência, porém
as soluções devem ser isotônicas e são absorvidas mais lentamente que pela via intravenosa. É recomendada
para  manutenção  de  fluidoterapia  em  doenças  crônicas,  desidratação  discreta e  em  animais  jovens  ou  muito
pequenos. É uma via contraindicada em perdas agudas de fluidos, desidratação grave, hipotermia, hipotensão e
quando  existe  edema  de  subcutâneo.  A  glicose  em  qualquer  concentração  ou  soluções  que  não  contenham
eletrólitos em teores isotônicos são contraindicadas pela via subcutânea.
A via intraperitoreal é de mais rápida absorção do que a via subcutânea para a infusão de fluidos, sendo,
todavia,  potencialmente  mais  perigosa  que  esta,  pois  apresenta  riscos  de  peritonite,  se  não  houver  rigorosa
assepsia,  como  também  de  perfuração  de  órgãos  abdominais.  É  uma  boa  via  para  a  absorção  de  água  e
eletrólitos,  sendo  o  plasma  e  a  grande  porcentagem  de  eritrócitos  do  sangue  total  absorvidos  pelo  peritônio.
Tem  recomendação  em  neonatos  das  espécies  ovina  e  suína,  podendo  ser  usada  para  administração  de
grandes  volumes  de  fluidos  em  grandes  animais,  porém  a  principal  indicação  desta  via  seja,  talvez,  para  a
lavagem peritoneal.
Velocidade ou taxa de administração
A velocidade de administração de fluidos depende do tamanho do animal, da intensidade da desidratação ou da
enfermidade,  da  forma  aguda  ou  crônica  com  que  as  perdas  de  líquidos  se  estabeleceram,  a  condição
cardiovascular,  da  composição  do  fluido  que  está  sendo  usada  e  da  resposta  apresentada  pelo  paciente  à
fluidoterapia.  As  perdas  agudas  e  volumosas  de  fluidos  demandam  uma  rápida  reposição  de  líquidos,  e  as
crônicas,  uma  administração  gradativa  do  fluido  para  facilitar  restauração  dos equilíbrios  intra­  e  extracelular,
evitando­se  efeitos  colaterais.  Inicialmente,  os  fluidos  devem  ser  administrados  rapidamente  e  após  mais
lentamente,  até  a  correção  da  alteração.  Ao  utilizar­se  a  via  intravenosa,  uma  regra  geral  consiste  em
administrar fluidos na velocidade maior até que se restabeleça o fluxo urinário e, posteriormente, a taxa deve ser
reduzida em um terço e mantida até a reposição completa, mas sempre monitorada. Caso o fluxo urinário não
se faça presente, a cada hora deverá reduzir­se a velocidade à metade. A administração de fluidos isotônicos e
com  composição  eletrolítica  semelhante  à  do  plasma  pode  ser  realizada  seguramente  nas  grandes  perdas
agudas, em uma  taxa de: até 90 m ℓ /kg/hora aos cães; 40 a 55 m ℓ /kg/hora aos gatos; 30 a 40 m ℓ /kg/hora  a
bezerros, podendo chegar até 80 m ℓ /kg/hora; 20 a 25 m ℓ /kg/hora  a  bovinos  e  a  equinos  adultos,  com  limite
máximo  de  40  m ℓ /kg/hora.  Todavia,  é  necessário,  com  essas  maiores  taxas,  monitorar  as  funções  renal  e
cardiovascular,  observando­se  os  sinais  de  sobrecarga  fluídica  (inquietação,  tremores,  taquicardia,  descarga
nasal serosa, taquipneia, estertores úmidos, tosse e ganho de peso corpóreo).
Soluções hipertônicas de bicarbonato de sódio com concentração maior que 1,3% devem ser ministradas
com  velocidade  reduzida  a  um  terço;  soluções  em  que  se  adicionou  potássio  devem  ser  ministradas
cautelosamente em taxa semelhante, não devendo conter mais do que 10 a 20 mEq de K+/ℓ  e de forma a não
exceder a taxa de 0,5 mEq/kg/hora. Essas soluções contendo potássio devem ser utilizadas após a correção da
acidose e da desidratação.
Avaliação da fluidoterapia
O único método eficiente para a avaliação do êxito da terapia é a utilização do exame clínico. Neste julgamento
deve­se considerar a gravidade inicial da desidratação e das alterações dos equilíbrios eletrolítico e acidobásico.
A boa resposta clínica à fluidoterapia é indicada pela recuperação das funções vitais, melhoria na coloração das
mucosas,  regularização  da  arritmia  e  bradicardia  presentes  na  hiperpotassemia,  pela  micção  com  retorno  da
função renal dentro de 30 a 60 min, melhoria da depressão e mais tardia recuperação do turgor de pele e pelo
desaparecimento  da  enoftalmia.  As  respostas  desfavoráveis  incluem:  dispneia,  tosse,  estertores  úmidos  em
caso  de  edema  pulmonar;  ausência  de  micção  devido  a  insuficiência  renal  ou  paralisia  de  bexiga  urinária;
taquicardia e persistência da depressão.
Se houver  retaguarda  laboratorial disponível: a determinação seriada do hematócrito e as proteínas  totais
séricas  servem  para  avaliar  a  reidratação;  a  diminuição  da  azotemia  (principalmente  da  ureia  sérica)  indica
retorno da perfusão renal; a hemogasometria – pH, bicarbonato/BE e pCO2 – possibilita avaliar a recuperação
do equilíbrio acidobásico. O retorno ao valor normal dos diversos parâmetros avaliados é indicativo do sucesso
da fluidoterapia.
FLUIDOTERAPIA EM CÃES E GATOS
  
A  seguir,  são  apresentadas  algumas  das  afecções  clínicas  mais  frequentemente  observadas  nas  espécies
canina e felina e que requerem a indicação de fluidoterapia.
Afecções gastrintestinais
Vômitos
Os episódios eméticos estão relacionados com os processos primários localizados no estômago e no duodeno, e
também  com  algumas  alterações  metabólicas  em  que  há  o  comprometimento  central  (ativação  do  centro  do
vômito decorrente de várias substâncias), como na insuficiência renal, na doença hepática, na pancreatite e na
cetoacidose pelo diabetes melito. O surgimento de déficit de eletrólitos, ácidos e água está na dependência da
frequência, do volume e da composição do material eliminado durante os episódios eméticos. Geralmente, as
principais  alterações  observadas  estão  associadas  aos  quadros  de  desidratação,  alcalose  metabólica,
hipocloremia e hipopotassemia.
A  hipopotassemia  ou  hipocalemia  que  se  desenvolve  durante  os  episódios  eméticos  pode  estar

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