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PRINCÍPIOS DE FLUIDOTERAPIA Introdução A função tecidual e o desenvolvimento das formas de vida animal mais evoluídas dependem da manutenção e do controle da composição dos líquidos corporais que banham todas as células teciduais. Toda forma de vida está intimamente associada à água. A maioria dos íons e das moléculas que constituem a matéria viva tem relações químicas e físicas com a água, e o número de compostos químicos que podem ser colocados em solução aquosa é excepcionalmente grande. Devido à extrema importância da água e dos eletrólitos para os processos biológicos, muitos sistemas orgânicos estão envolvidos na sua regulação e no seu equilíbrio. O sistema gastrintestinal, os rins, a pele e várias glândulas endócrinas funcionam na manutenção da água corporal e da concentração de eletrólitos em delicado equilíbrio, apesar das grandes variações na ingestão e na perda destes elementos. Por esta característica de balanceamento e sua complexa regulação, muitas das doenças que afetam os animais domésticos envolvendo os órgãos ou sistemas participantes deste processo resultam em alterações dos equilíbrios dos fluidos corporais, dos eletrólitos e acidobásicos. A alteração do balanço da água corporal, em que mais fluido é perdido do que é absorvido pelo corpo, ocasiona redução do volume do sangue circulante e desidratação dos tecidos. As alterações do balanço eletrolítico ocorrem comumente como resultado de perdas de eletrólitos, desvios de certos eletrólitos entre os compartimentos de fluidos corporais e alterações relativas em suas concentrações devido à perda de água. Os desequilíbrios acidobásicos, sejam acidoses ou alcaloses, ocorrem em consequência da adição de ácido ou da depleção da reserva alcalina orgânica, ou por perda de ácido com um aumento relativo de bases, particularmente bicarbonato. Sob várias condições, todos os desequilíbrios citados de fluidos e eletrólitos poderão ocorrer simultaneamente, em graus variados, na dependência da causa inicial. Exemplificam essa situação os distúrbios do sistema gastrintestinal, como a anorexia, o vômito e a diarreia, que com frequência resultam em significativas alterações dos equilíbrios hídrico, eletrólito e acidobásico. A menos que sejam corrigidos de modo e em tempo apropriados, essas alterações na homeostase dos fluidos corporais poderão retardar ou impedir a recuperação dos pacientes afetados, mesmo que outros tratamentos específicos tenham sido realizados. A terapia para restaurar e manter os equilíbrios dos fluidos corporais, dos eletrólitos e acidobásico depende de conhecimentos e conceitos básicos que serão relacionados a seguir. Água corporal, distribuição e equilíbrio Água corporal total e compartimentos líquidos O conteúdo de água corporal total apresenta considerável variação entre as diferentes espécies animais, idades, sexos, estados nutricionais e outras condições. De maneira geral, o animal adulto não herbívoro magro tem um conteúdo de água corporal total aproximado de 70% do seu peso corpóreo. O conteúdo de água é maior no recémnascido, declinando rapidamente no início da vida extrauterina e, a seguir, apresentase com gradativa redução. O tecido gorduroso tem baixo teor de água, menos que 10%, e assim sendo, o conteúdo de água em um animal gordo é menor do que aquele de um magro. Entre espécimes caninos e felinos, a água constitui 55 a 80% do peso corporal, com valores maiores em neonatos e menores nos adultos obesos. Em bovinos, à concepção, temse 92% do peso em água; ao nascimento, 78%; em adultos magros e muito gordos, a água representa, respectivamente, 70% e 40% do peso corpóreo. A água corporal é distribuída por dois principais compartimentos. A água contida no interior das células é denominada líquido intracelular (LIC) e corresponde a cerca de 50% do peso corporal. O fluido situado fora das células é designado como líquido extracelular (LEC), equivalente a cerca de 20% do peso corpóreo, com distribuição pelos espaços intersticial (15%) e plasmático (5%). O líquido intersticial banha as membranas celulares e o plasma circula nos vasos sanguíneos separado do fluido intersticial pelo endotélio vascular. As moléculas de água podem passar rapidamente através da maioria das membranas celulares e, havendo um gradiente de pressão osmótica ou hidrostática entre quaisquer compartimentos, dáse um desvio de água. Não havendo diferença considerável de pressão hidrostática, o resultado do movimento de água será o de igualar as concentrações osmóticas dos líquidos. Equilíbrio hídrico A quantidade total de água no corpo mantémse relativamente constante a cada dia. A água é obtida pela ingestão ou como produto final do metabolismo celular. A água é perdida pela urina, pela pele, com os gases expirados na respiração, e pelas fezes; os animais em lactação também perdem água pelo leite que produzem. Apenas a ingestão e a excreção urinária de água são controladas, no sentido de regulagem do volume corporal de água. O sistema neuronal que controla a sede e o comportamento associado ao ato de beber localizase na região hipotalâmica do cérebro. À medida que se desenvolve o déficit de água, as concentrações osmótica e de sódio aumentam no LEC, estimulando o hipotálamo e a sede; além disto, a queda de volume líquido e pressão sanguínea estimulam também a sede, via sistema reninaangiotensina, e a liberação de hormônio antidiurético (HAD), que diminui o volume urinário, retendo água como consequência. Equilíbrio eletrolítico A composição iônica característica dos líquidos corporais dos mamíferos tem diversidade e obedece à necessidade de haver neutralidade elétrica, de modo que o número de miliequivalentes (mEq) resultantes dos cátions seja exatamente igual àquele dos ânions em cada fluido. No LEC, o principal cátion é o sódio, e os principais ânions são o cloreto e o bicarbonato. No LIC, os principais cátions são o potássio e o magnésio, e os principais ânions os fosfatos orgânicos e as proteínas, e em menor proporção, o sulfato e o bicarbonato. O componente plasmático do LEC apresenta como ânions considerável quantidade de proteínas. A pequena diversidade de composição do LEC presente no interstício e no plasma é essencial para a manutenção do volume plasmático normal, por meio das variações das pressões oncótica e hidrostática no nível das porções proximal e distal dos capilares. A composição visivelmente distinta do LIC, quando comparada à do LEC, é mantida pela permeabilidade seletiva da membrana celular e a atividade da bomba de sódio (Na+) potássio (K+), ligada à membrana e dependente de energia, que permite a entrada de K+ e a saída de Na+ do meio intracelular, contra um gradiente eletroquímico. Por outro lado, a impermeabilidade da membrana aos fosfatos e às proteínas provoca grande pressão oncótica intracelular, que é suplantada pelo deslocamento iônico ativo, evitando a entrada de LEC para o interior das células. A composição iônica característica dos líquidos corporais dos mamíferos em termos de equivalentes químicos é de aproximadamente 300 mEq/ℓ de H2O no LEC e de 400 mEq/ℓ de H2O no LIC. Se a composição for expressa em termos de concentração osmótica, observase padrão similar. Função renal na regulação da água e da concentração de sódio As correções renais das alterações do volume do LEC dependem da retenção ou excreção de Sódio (Na+), ao passo que as correções da osmolaridade desse líquido são dependentes da excreção ou retenção de água. Cerca de 80 a 90% da água filtrada pelos rins são reabsorvidos passivamente nos túbulos contornados proximais (TCP). Os íons sódio e outras substâncias acompanham a água de volta à circulação. Há reabsorção ativa de Na+ eoutros íons no TCP, e a água acompanha esse processo; ocorre ainda na porção espessa da alça de Henle intensa reabsorção ativa de Na+. No néfron distal, a concentração da urina é função do mecanismo de contracorrente e da ação do HAD, sendo esta importante na conservação de água no animal. A concentração de HAD no sangue determina o nível de excreção de água pelo rim, de forma que a sua diminuição ou aumento determinam, respectivamente, menor ou maior permeabilidade à água no néfron distal e, assim, a variação na produção de urina mais ou menos diluída e em volume maior ou menor. Os níveis de HAD liberados pela hipófise posterior são controlados pelos osmorreceptores do hipotálamo que são sensíveis à osmolaridade dos fluidos circundantes, havendo maior ou menor liberação de HAD com o aumento de osmolaridade e viceversa. O volume do LEC está mais sob controle da sua concentração de Na+, de modo que o rim excretará ou reterá Na+ na dependência do seu volume. A taxa de excreção ou retenção de Na+ pelo rim é determinada pela concentração de aldosterona (ALD). Os receptores de volume e pressão no sistema cardiovascular e possivelmente as alterações na concentração de Na+ no LEC influenciam a liberação de ALD, através do sistema reninaangiotensina. Assim, as quedas da pressão ou do volume determinarão o aumento da taxa de secreção de ALD e viceversa. Aumento ou diminuição da concentração da ALD provocam aumento ou queda similar na reabsorção de Na+ a partir do filtrado e, desta forma, contribuem para a regulação de Na+ e da água corporal. O volume e a concentração osmótica do LEC são regulados em conjunto pelos sistemas mediados pelo HAD e pela ALD. Esses dois sistemas operam juntos, porém em muitas situações pode haver conflito entre eles. Nas formas de desidratação branda ou moderada predominam a defesa ou a correção da concentração osmótica do LEC, sendo o Na+ eliminado em quantidades maiores. Todavia, se as perdas do LEC forem grandes o bastante para afetar seriamente o volume de sangue circulante, a manutenção do volume será privilegiada, havendo retenção de água, apesar da baixa concentração osmótica plasmática. O controle das taxas K+, o principal cátion do LIC, conta também com a participação especial dos rins. Quase todo o K+ do LIC é facilmente intercambiável com o LEC. A concentração do K+ no LEC é bem regulada, e o íon presente na urina resulta da secreção pelos túbulos contornados distais e ductos coletores. Há também uma relação entre a excreção de sódio e a de potássio, parecendo que a taxa de K+ plasmático é importante na liberação de ALD, havendo com o seu aumento no plasma maior liberação de ALD e deste fato resultarão maiores reabsorção de Na+ da urina e excreção de K+ pela urina, com resultante queda do potássio plasmático. Os cátions do LEC estão em equilíbrio elétrico, em sua maior parte com os ânions cloreto (Cl–) e bicarbonato (HCO3 –), havendo um efeito osmótico desses íons que equivale ao promovido pelos íons Na+. A regulação da concentração dos cloretos tende a ser secundária àquelas dos íons Na+ e HCO3 –. Se o rim excretar excesso de Na+, em geral o Cl– acompanhao, sendo eliminado pela urina. Se o HCO3 – estiver aumentado no plasma, ocorrerá a excreção de quantidade equivalente de Cl– para ser mantida a eletroneutralidade do LEC. Equilíbrio acidobásico Por equilíbrio acidobásico entendese a concentração de íons hidrogênio (H+) relativamente constante no LEC, resultante do balanço entre o total dos ácidos e bases presentes nos fluidos corporais e gerados pelo metabolismo orgânico. A concentração dos íons H+ no LEC é uma das variáveis corporais com mais rigorosa regulação. O pH apresentado no sangue dos animais domésticos varia em uma faixa estreita, considerandose como fisiológica aquela situada entre 7,35 e 7,45, com um valor médio de 7,4. Nos mamíferos consideramse, em geral, como seus limites vitais de variação, valores entre 7 e 7,8. A manutenção da constância do pH é essencial para o metabolismo celular, porém desvios da normalidade podem ocorrer quando se adicionam ácidos ou bases aos líquidos corporais ou removemse os mesmos daqueles fluidos. A queda do pH sanguíneo abaixo do seu limite mínimo normal é conhecida como acidemia, e a sua elevação a um valor superior ao limite máximo fisiológico é denominada alcalemia. O processo pelo qual o excesso de ácido é acrescentado ou a base é removida do LEC é chamado de acidose. De modo oposto, o processo pelo qual o excesso de base é adicionado ou o ácido é perdido do LEC é denominado alcalose. A acidose e a alcalose podem ainda ser classificadas, conforme a origem, em metabólicas, quando resultantes da adição ou da remoção anormal de íons H+ ou bicarbonato (HCO3 –), e em respiratórias, quando geradas pelo acréscimo ou pela perda em excesso de dióxido de carbono (CO2). Sob condições normais, há no sistema orgânico uma adição contínua de ácidos e bases aos fluidos corporais, devido à ingestão ou como resultado da produção destas substâncias pelo metabolismo celular. Em condições patológicas, como diarreias, vômito, doenças renais ou respiratórias, podem estas provocar perdas ou ganhos anormais de ácidos ou bases. Fisiologicamente, no interior do corpo, o metabolismo da maioria dos compostos constituídos por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio resulta na formação de água, CO2 e ureia. O CO2 reage com a água, sob ação da anidrase carbônica, para formar o ácido carbônico, o qual quantitativamente é o ácido mais importante que se forma no organismo. A eliminação deste ácido se faz pelos pulmões, por meio da expiração, sob a forma de CO2. Os aminoácidos que contêm enxofre produzem, no desdobramento metabólico, o ácido sulfúrico, o qual sofre tamponamento, sendo transformado em um ácido fraco, sendo então eliminado pela via renal. Outros ácidos, que não o carbônico, sofrem eliminação por processo semelhante. Os compostos básicos são formados também como resultado do metabolismo de muitos alimentos de origem vegetal. Um exemplo é o do citrato de sódio, que sofre oxidação, gerando CO2 e água; são, porém, para isto necessários íons H+ que são obtidos da reação de CO2 e água, que gera ácido carbônico e dissociase em H+ e HCO3. Resulta disto a produção de bicarbonato. Existem outros ânions orgânicos com semelhante comportamento metabólico, razão pela qual nos herbívoros a urina é alcalina, pois o excesso de bases é eliminado pela via renal. Em animais carnívoros e onívoros que ingerem alimentos ricos em proteínas ou aqueles privados de alimentos, há produção excessiva de ácidos e, em consequência, a urina é ácida. O combate às alterações potenciais, gerado pelo metabolismo normal, e às oriundas de situações patológicas, com vistas à manutenção do equilíbrio acidobásico, se faz por meio de três mecanismos básicos: tamponamento químico; respiratório (ajuste de concentração de ácido carbônico no sangue, pela variação do nível de ventilação pulmonar) e renal (variação do nível de excreção de H+ e HCO3 –). A ação dos tampões e do mecanismo respiratório de correção do equilíbrio acidobásico ocorre em minutos, evitando grandes alterações na concentração de H+. Esses são os mecanismos acionados na compensação de desequilíbrios acidobásicos de origem metabólica. O tamponamento químico e a ação do mecanismo renal pela variação da excreção de H+ e HCO3 – atuam na compensação de desequilíbrios de origem respiratória. Todavia, a longo prazo, a via renal atuará também na compensação dos problemas de origem metabólica. Tamponamento químico Um sistematampão consiste na mistura de um ácido fraco com a sua base conjugada. Aação de um sistema tampão, quando do acréscimo de ácido ou base a um fluido, consiste em atenuar o desvio do pH que normalmente ocorreria em sua ausência. Ao acrescentarse um ácido forte a uma solução, os íons H+ adicionados ligamse à base conjugada, formando mais ácido fraco. No sistematampão constituído pelo ácido carbônico e o bicarbonato, a adição de ácido sulfúrico resulta na seguinte reação: 2H+ + SO4 –+ 2HCO–3 ⇒ 2H2CO3 + SO4 – – Em que o efeito tamponante se dá pela substituição de um ácido forte por um ácido fraco do sistema tampão. A relação entre o pH e a mistura de ácido fraco com sua base conjugada é dada pela equação de HendersonHasselbalch (ver Capítulo 4). Ao adicionarse um ácido a um sistematampão, há resistência a um desvio do pH, porém a proporção base:ácido diminui, pois da ação tamponante resulta o consumo de base e a formação de ácido fraco, e o pH sofre pequena diminuição. O acréscimo de mais ácido intensifica a diminuição da proporção base:ácido e, em consequência, há maior redução do pH, sendo pois a função protetora dos sistemastampão limitada e, a menos que se restaurem as concentrações e uma proporção favorável entre a base e o ácido, a adição contínua de ácido determina a depleção dos tampões, resultando em acidemia. A adição de uma base forte aos líquidos corporais resulta, pela ação do tampão, em uma reação da base com o ácido fraco e na consequente formação de mais base tampão. A restauração da base e do ácido, componentes do sistematampão, depende da ação renal, por meio da secreção de íons H+ e da excreção de base com retenção de H+, respectivamente. Os principais sistemastampão no LEC são o do bicarbonato, da hemoglobina, das proteínas plasmáticas e dos fosfatos; destes, os mais importantes são o do bicarbonato e o da hemoglobina. No acréscimo de um ácido forte ao sangue in vitro, observase uma ação tamponante com participação de 53% do bicarbonato, de 35% da hemoglobina, de 7% das proteínas do plasma e de 5% dos fosfatos. A capacidade tampão total do sangue é adequada para impedir um desvio do pH além ou aquém dos limites vitais (7 a 7,8)/todavia, no sistema orgânico parte da ação tamponante é rapidamente assumida pelos tampões do líquido intersticial e das células teciduais. O sistematampão bicarbonato é o principal presente no LEC, não só pela sua eficiência, mas também pela ampla distribuição, pela pronta disponibilidade, pelas grandes quantidades de HCO3 – existentes nesse fluido, bem como pelo controle renal e pulmonar que este sistema pode dispor para manter níveis adequados, respectivamente, de HCO3 – e de CO2, formando ácido carbônico. A proporção entre o HCO3 – (base conjugada) e o H2CO3 (ácido fraco) presente no LEC é de 20 para 1. A hemoglobina (Hb) é o segundo tampão sanguíneo mais importante. Quando o pH do sangue é normal, parte das moléculas de Hb das hemácias está sob a forma de íons proteinato, Hb– (base). Com seus ácidos fracos, HHb, esses dois íons formam o par tampão. As proteínas do plasma, em parte, também estão presentes na forma de íons proteinato no pH corporal, formando o par tampãoproteína (base) e proteínaH (ácido fraco). Os componentes dos tampões fosfato no pH do sangue são HPO4 – (base) e H2 PO4 – (ácido fraco), porém têm pouca participação no tamponamento do LEC. No LIC, os tampões considerados mais importantes são os dos fosfatos e das proteínas. Embora os diferentes sistemastampão tenham sido considerados isoladamente, todos eles no LEC atuam de forma uníssona, participando da ação tamponante em conjunto. Como o pH é o mesmo para todos os tampões em uma solução e como em um estado de equilíbrio todos os tampões estão presentes de forma balanceada entre si, a mensuração de um sistematampão indica o estado de todos os outros. A relação entre os diferentes tampões pode ser ilustrada da seguinte maneira: pH = pka + log [HCO3 –]/[H2CO3] = = pkb + log [Hb –]/[HbH]= = pkc + log [HPO4 – –]/[H2 PO4 –] etc. A consequência deste fato é que pela sua disponibilidade no LEC e relativa facilidade de mensuração, o sistema bicarbonato é aquele utilizado rotineiramente para a avaliação clínica da capacidade tamponante do sistema orgânico animal e, em associação com outras determinações hemogasométricas, para a análise do próprio equilíbrio acidobásico. Mecanismo de compensação respiratória Esse mecanismo de compensação do equilíbrio acidobásico é considerado de particular importância nos desequilíbrios de origem metabólica. A sua ação se faz através da variação dos níveis de ventilação pulmonar e, em consequência, da pressão parcial de CO2 (pCO2) nos alvéolos pulmonares, a qual, em geral, determina a quantidade de CO2 dissolvido no sangue, e desta forma o ajuste da pCO2 sanguínea. O mecanismo respiratório depende da sensibilidade específica dos sistemas de controle da respiração (quimiorreceptores periféricos e medulares, centro respiratório) às variações da pCO2 e da concentração hidrogeniônica ou do pH. Assim, ao acrescentarse ácido aos líquidos corporais, a primeira ação que ocorre no sistema orgânico é o tamponamento químico, cujo resultado é a formação de mais ácido carbônico e a depleção de bicarbonato. A proporção [HCO3 –]/[H2CO3] sofre redução e em consequência o pH também diminui. Na sequência, a respiração é estimulada por aumento de CO2 e queda do pH, provocando inicialmente a rápida expiração do CO2 e a seguir, como o pH ainda está baixo, mais CO2 é expirado lentamente, de modo que após algumas horas a pCO2 arterial diminua a um nível inferior ao normal. O resultado do mecanismo respiratório de compensação é o retorno da proporção [HCO3 –]/[H2CO3] a um valor próximo do normal e do pH para quase 7,4, embora as concentrações dos componentes do sistematampão não sejam normais. Ao adicionarse uma base ao sangue haverá uma resposta respiratória oposta, com redução da ventilação pulmonar que resultará na retenção de CO2 no LEC. O aumento da pCO2 no sangue, o qual significa mais ácido carbônico no sistema, deve equilibrar o aumento da concentração de HCO3 – resultante da adição da base ao sangue. Esses ajustes respiratórios da pCO2, vistos nos desequilíbrios acidobásicos de origem metabólica, começam a mostrar efeitos em minutos, todavia, podem ser necessárias horas antes que alcancem um nível máximo. Devem, ainda, ser considerados como compensatórios, pois a completa correção da alteração acidobásica é efetivada pela via renal, pela variação dos níveis de excreção de íons hidrogênio ou bicarbonato. Mecanismo renal de compensação Os rins são fundamentais na manutenção da homeostase do sistema orgânico, regulando as taxas de eliminação de água e o nível de excreção de diferentes íons pela urina, para manter a constância da pressão osmótica, do volume de sangue circulante e da eletroneutralidade, ou seja, o equilíbrio hidreletrolítico. Em associação com essas funções, tem participação essencial na manutenção do equilíbrio acidobásico por meio do controle da acidez urinária pela variada excreção de íons hidrogênio e bicarbonato. Para o entendimento desta última função é necessário, inicialmente, considerarse o mecanismo básico da secreção dos íons H+, bem como de alguns princípios que regem as trocas iônicas que ocorrem em função dele e da manutenção da neutralidade elétrica nos fluidos orgânicos. Na secreção dos íons H+, estes são gerados nas células tubulares renais por meio de um processo metabólico que produz um íon hidroxila (OH–) para cada íon H+ secretado. O aumento do pH no interior destas células estimula a ação da anidrase carbônicapara haver uma rápida e suficiente produção de ácido carbônico a partir da reação entre o CO2 e H2O. O H2CO3 sofre dissociação originando íons H + e HCO3 –. Assim, o íon H+ reage com o íon OH– disponível, neutralizandoo pela formação de água. O bicarbonato é então reabsorvido passivamente para o sangue. Em concomitância, para manter a neutralidade elétrica, um íon sódio é trocado pelo íon hidrogênio que foi secretado para o líquido tubular, pareandose eletricamente com o íon bicarbonato que adentrou o sangue. O resultado final deste mecanismo é a eliminação dos íons H+, com acidificação da urina, além da recuperação dos íons bicarbonato e sódio para os fluidos corporais. A taxa de secreção dos íons H+ pelas células tubulares em grande parte é determinada pelo pH intracelular, que se altera com as modificações do pH sanguíneo ou da pCO2. Um pH intracelular elevado diminui a secreção de H+ para o lúmen tubular, e um pH baixo aumentaa. A concentração de íons K+ intracelular também atua na secreção de ácido, de forma que sua concentração elevada determina o aumento do pH e a redução da liberação de íons H+ na urina, enquanto uma baixa concentração de K+ resulta em maior secreção de ácido pela urina. A explicação possível é que, à medida que íons K+ penetram nas células, deslocam os íons H+ que deixam as células, e o pH intracelular sobe ou viceversa. A secreção de íons H+ na urina resulta na acidez da mesma, porém a quantidade de ácido que pode ser eliminada sob forma de íons H+ livres é limitada. A urina pode ser acidificada até um pH em torno de 4,5. Isto significa que a maioria dos íons H+ excretados deve sofrer tamponamento, ou seja, deve estar ligado a bases, dentre as quais as mais importantes são o fosfato (HPO4 – –) e a amônia (NH3 +). O fosfato está presente, em pH 7,4, no filtrado glomerular, principalmente sob a forma de íons bivalentes. À medida que o líquido tubular é acidificado, os íons H+ secretados reagem com o HPO4 – e formase H2 PO4 –. A maioria dos íons Na+ que está em equilíbrio elétrico com o HPO4 – no filtrado glomerular retorna ao sangue ao serem substituídos pelos íons H+. A base amônia é formada pelas células tubulares renais a partir da glutamina e outros aminoácidos do sangue. O movimento da amônia em direção ao lúmen tubular se faz por difusão passiva e segundo gradiente de concentração. Há ligação da amônia com os íons H+, se a urina for ácida, com formação de amônio (NH4), o qual tem menor capacidade de passagem por membranas, permanecendo, pois, no líquido tubular e, deste modo, grandes quantidades de íons H+ são eliminados pela urina sob a forma de amônio. A principal base do plasma, o bicarbonato, está presente no filtrado glomerular e a quantidade filtrada diariamente nos túbulos renais equivale a muitas vezes o total presente no corpo, sendo na maior parte reabsorvido. O mecanismo de reabsorção do bicarbonato está ligado ao da secreção de H+ para o líquido tubular. Quando há íons HCO3 – no líquido tubular, os íons H+ liberados reagem com eles (H+ + HCO3 – ⇒ H2CO3 ⇒ CO2 + H2O) formando água e dióxido de carbono. O CO2 gerado é prontamente absorvido para o sangue. Todavia, para a formação de íons hidrogênio, há também a geração de íons HCO3 – que vão ao plasma. Portanto, para cada íon HCO3 –, removido do líquido tubular pela reação com um íon H+, um íon HCO3 – é acrescentado ao sangue. A taxa de reabsorção de bicarbonato nos túbulos renais é um efeito da pCO2 sanguínea sobre os rins, sendo função direta e linear da pCO2. Quanto mais elevada a pCO2, maior será a reabsorção e viceversa, razão pela qual a via renal é o mecanismo compensatório dos desequilíbrios de origem respiratória. Para manter a neutralidade elétrica o íon HCO3 – mantém relação recíproca na sua excreção com aquela de íons cloreto (Cl–). Assim, a diminuição da excreção de bicarbonato implica maior eliminação de Cl– e viceversa. É importante ressaltar que nos desequilíbrios de origem metabólica a compensação se faz inicialmente pelos mecanismos respiratórios, porém, a longo prazo, a via renal é aquela que efetiva a correção definitiva do equilíbrio acidobásico, mediante as variações das taxas de excreção de íons H+ e HCO3 – pela urina. Desidratação Conceito Literalmente o termo desidratação significa esgotamento de água, porém é utilizado clinicamente para definir alterações do equilíbrio hídrico corporal, em que a perda de água é maior do que a absorção, com redução do volume de sangue circulante e depleção de fluidos tissulares, associandose, em muitas situações, simultâneos desequilíbrios eletrolíticos e acidobásicos, na dependência da etiopatogenia do processo patológico. Basicamente existem duas causas principais de desidratação, ou seja, as falhas da ingestão de água ou as perdas excessivas de fluidos corporais. Dentre as falhas da ingestão incluemse a privação de água (não suprimento e a incapacidade de chegar à fonte de água por debilidade física), a ausência de sede (comum nos estados de endotoxemia) e a impossibilidade de beber a água (na obstrução esofágica, na fratura mandibular e secundariamente às alterações do sistema nervoso central [SNC]). A causa mais comum da desidratação é a excessiva perda de líquidos corporais. A diarreia tem destacada importância como causadora dessas perdas, embora o vômito, as doenças renais, cardíacas e hepáticas sejam responsabilizados com frequência também. Em casos esporádicos, podem ser importantes as perdas fluídicas resultantes de grandes lesões da pele, sudorese e salivação excessivas, pancreatite, obstruções agudas gástricas ou intestinais e peritonite difusa. Pode ainda ocorrer intensa desidratação, por sequestro de fluidos, em ruminantes acometidos por acidose láctica ruminal por ingestão excessiva de carboidratos altamente fermentáveis e dilatação e deslocamento com torção de abomaso. Quadros patológicos específicos, como os de diabetes melito ou insípido, podem também provocar grande depleção de fluidos. A desidratação pode, ainda, ser classificada em diferentes tipos, quando além das perdas de fluidos, se consideram as variações dos teores do íon Na+ no LEC, onde é o cátion mais abundante e o principal responsável pela manutenção da pressão osmótica. Podese caracterizar assim, três tipos de desidratação: hipertônica, isotônica e hipotônica. A hipertônica ocorre nos casos de simples privação de água, ou seja, quando há desidratação simples sem perda de íons Na+ e com discretas manifestações clínicas da perda de fluidos. A isotônica é observada nas perdas de fluidos isotônicos em casos de sudorese excessiva, nefrose, enterite simples, e caracterizase por perdas de água e de sódio, porém com concentrações deste íon similares à do LEC. São observados sinais de desidratação leve e hiponatremia. Na forma hipotônica, constatada por exemplo em colidiarreia de bezerros e salmonelose em equinos, associase intensa perda de fluidos com elevada concentração de íons Na+. Neste tipo de desidratação as manifestações e a hiponatremia são intensas. Etiopatogenia Dois fatores estão envolvidos na patogenia da desidratação: a diminuição dos teores de fluido tecidual com consequente interferência no seu metabolismo e na redução do conteúdo de água (anidremia) e/ou do líquido no sangue circulante. A resposta inicial ao balanço negativo de água é o desvio de fluidos dos tecidos e a manutenção do volume do sangue normal. O líquido é drenado primariamente do espaço intersticial que compõe o LEC. Órgãos vitais (sistema nervoso, coração) e o esqueleto pouco contribuem; as principais perdas são provenientes do tecidoconectivo, músculos e pele. O desvio de fluidos dos espaços intersticial e a seguir do intracelular resulta em diminuição da elasticidade da pele, secura de pele e mucosas e redução e retração do globo ocular (enoftalmia) em consequência à diminuição dos depósitos de gordura retrorbital. Não havendo equilíbrio, ocorre redução no conteúdo de fluido do sangue, causando diminuição do volume de sangue circulante (oligoemia) e hemoconcentração, com aumento da viscosidade sanguínea, o que dificulta o fluxo de sangue com posterior exacerbação da insuficiência circulatória periférica. Há ainda mecanismos compensatórios que reduzem as perdas de fluidos contínuos pelas fezes, pela urina e pela sudorese. Quando a causa da desidratação é a privação de água, os sinais desta são mínimos, pois os rins fazem compensação efetiva pela diminuição da produção e pelo aumento da concentração de urina; adicionalmente, a água é preservada pela redução de eliminação fecal e aumento da sua absorção, resultando em desidratação do conteúdo ruminal e daquele do intestino grosso, com eliminação de fezes secas e escassas. Em animais com diarreia de pouca intensidade, os rins compensam de forma eficaz a perda de água pelas fezes, e o volume de plasma pode ser mantido se houver adequada ingestão de fluidos. O desvio preferencial circulatório que se estabelece quando da oligoemia determina menor perfusão sanguínea renal, com diminuição da excreção de urina, que se torna progressivamente mais concentrada e a falha da função renal pode acentuar a acidose preexistente e o desequilíbrio eletrolítico, sendo, pois, fundamental a restauração da função renal nos processos de desidratação. São significativos, ainda, alguns efeitos que a desidratação exerce no metabolismo tecidual. Há aumento no catabolismo de gorduras, em seguida daquele de carboidratos e, por último, de proteínas, para produzir água metabólica e energia. O metabolismo endógeno aumentado sob condições relativamente anaerobióticas resulta em formação de metabólitos ácidos, entre os quais o ácido láctico, e no desenvolvimento de acidose. A diminuição da formação de urina (oligúria), devido à restrição de fluxo de sangue renal, exacerba essa acidose, pela diminuição da excreção de íons hidrogênio, além de causar moderada elevação dos teores sanguíneos de nitrogênio não proteico. A diminuição do volume de sangue circulante também contribui para a depressão mental nos animais desidratados, como resultado dos variados graus de acidose e toxemia, dependendo da causa da desidratação. A fraqueza muscular, a hipotermia e a anorexia também estão presentes. A desidratação pode causar morte, especialmente na obstrução intestinal aguda, vômito e diarreia, porém ela é considerada causa contribuidora da morte quando combinada com outros estados sistêmicos, como acidose, desequilíbrios eletrolíticos, toxemia e septicemia. Sintomas clínicos Os sintomas variam de natureza e gravidade conforme o tipo e o modo pelos quais ocorrem as perdas de líquidos, ou seja, na dependência da etiologia da desidratação, da evolução do processo patológico que a determinou e até da espécie acometida. Segundo o tipo de desidratação, podese dizer que nas hipertônicas e isotônicas as manifestações clínicas em geral são discretas, sendo, todavia, intensas no tipo hipotônico. Em relação ao modo como os líquidos são perdidos, é necessário considerar se a evolução do quadro foi aguda ou crônica e pode ocorrer por falta de aporte de água ou por perdas para o meio exterior ou por sequestro de fluidos no interior de vísceras ou cavidades naturais, além da simultânea depleção ou retenção de eletrólitos (Na+, Cl–, K+, HCO–3 e H +). Essas variáveis podem influenciar a intensidade dos sintomas, por meio de um diferente nível de comprometimento dos compartimentos de líquidos no sistema orgânico. Em geral, ao início do quadro de desidratação as perdas são mais evidentes no LEC, em primeira instância no espaço plasmático, após no intersticial, para finalmente ser afetado o LIC. Em geral, os sintomas são mais evidentes se a perda de água e eletrólitos ocorrer em um curto período de tempo. As perdas superagudas e agudas podem não ser óbvias clinicamente em um primeiro exame, pois o maior prejuízo ocorre no compartimento intravascular/plasmático e somente pequenos desvios de líquidos ocorrem do espaço intersticial. Quanto aos sintomas clínicos, é importante ressaltarse que são utilizados para estabelecer ou indicar o grau de desidratação em relação à perda de peso corporal (p.c.) em porcentagem (%), todavia, as perdas de até 5% do p.c. não apresentam sintomas clínicos específicos, sendo o grau máximo de perda de 12% em ruminantes domésticos e de 15% em cães e gatos, e acima deles, haverá incompatibilidade com a vida. Os sintomas mais importantes na desidratação são o ressecamento e o enrugamento da pele, tendo, em particular, na região facial uma aparência retraída. O globo ocular apresentase afundado na cavidade orbitária (enoftalmia). A elasticidade e o turgor da pele diminuem, podendose avaliar este fato por meio do pregueamento do tegumento nas regiões da tábua do pescoço, sobre a escápula e da pálpebra superior, verificandose o tempo necessário para o retorno da pele à posição inicial. Em condições normais o retorno é imediato ou se faz em até 2 s; o tempo de persistência do pregueamento aumenta conforme a maior intensidade da desidratação, alcançando o extremo de até 45 s. As mucosas podem demonstrar ressecamento e estar pegajosas. O tempo de preenchimento capilar (TPC), que normalmente é de 1 a 3 s, prolongase à medida que se intensifica a desidratação. Em associação a estas manifestações, devem ser consideradas as alterações do estado geral dos animais desidratados que podem variar de leves a intensas. Caracterizamse estas por perda de peso ou do estado cárneo, em geral proporcional à intensidade da desidratação e, se relacionada a quadros crônicos, combinase com alterações da pele/pelame, e diminuição evidente de massa muscular; atitudes anormais – dependendo da espécie animal, a alternância de estação com decúbito esternal, manutenção em decúbito esternal ou lateral podem indicar progressiva gravidade da desidratação; apatia, depressão, com diminuição ou ausência de respostas reflexas estão relacionadas com a intensidade da desidratação e a presença de acidose; a perda de apetite, de sede e a incapacidade de sugaçãodeglutição são indicativas de acidose e presença de endotoxemia; alterações das funções vitais como hipotermia e taquicardia com pulso filiforme podem estar presentes nos estados préchoque ou no choque hipovolêmico, e as modificações da frequência respiratória e características da respiração podem acompanhar aquelas da função cardiocirculatória, todavia, em muitas situações são compensatórias dos desequilíbrios acidobásicos de origem metabólica. A avaliação do grau de desidratação relacionado à porcentagem de perda de peso corporal segundo o exame físico é apresentada em Quadros 61.1 e 61.2. Devese ainda ressaltar que certas manifestações sintomáticas podem ser relacionadas aos desequilíbrios eletrolíticos e acidobásicos. Muitas das alterações eletrolíticas ocorrem pela perda destes eletrólitos nas doenças do trato alimentar. A sudorese, a exsudação por queimaduras extensas, a salivação excessiva e o vômito são também acompanhados por depleção de eletrólitos, porém são menos importantes em animais de produção, com exceção daquelas que ocorrem por sudorese intensa em cavalos. Os eletrólitosmais importantes a considerarse são o sódio, o potássio, o cloreto e o bicarbonato. QUADRO 61.1 Avaliação da intensidade de desidratação em cães e gatos, segundo exame físico, relacionada com a porcentagem de perda do peso corporal. Desidratação (%) Desidratação (decimal) Observações do exame físico < 5 – Sem alterações na elasticidade da pele; histórico ou observação de perdas ou não ingestão de líquidos 5 a 6 0,05 a 0,06 Perda discreta da elasticidade da pele/cutânea Obs.: para a espécie canina, quando a elasticidade da pele é semelhante à observada no felino hígido 7 a 9 0,07 a 0,09 Perda da elasticidade da pele (observa-se discreto aumento do tempo de retorno da pele a sua posição normal); discreto prolongamento do tempo de preenchimento capilar (TPC); possível discreta enoftalmia; possível discreto ressecamento de mucosas 10 a 12 0,10 a 0,12 Elasticidade da pele comprometida; a pele permanece na posição “pregueada” por um período longo; evidente prolongamento do TPC; enoftalmia; mucosas ressecadas; possíveis sintomas de choque (taquicardia, pulso rápido e filiforme, extremidades frias) 13 a 15 0,13 a 0,15 Sintomas definidos de choque; trata-se de caso de urgência – morte iminente QUADRO 61.2 Avaliação da intensidade da desidratação em animais ruminantes, segundo o exame físico, relacionada com a porcentagem de perda do peso corporal. Desidratação (%) Observações ao exame físico < 5 Ausência de sintomas clínicos de desidratação; história ou observação de perdas ou não ingestão de fluidos 6 a 7 Diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por 5 a 8 s); enoftalmia discreta ou ausente; discreta apatia; apetite mantido; capacidade de manter-se em estação preservada 8 a 9 Intensificação da diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por 9 a 12 s); enoftalmia notável; mucosas pegajosas/ressecadas ou sem brilho; apatia moderada; incapacidade de sugação/deglutição; alterna estação com decúbito esternal, ou se mantém em decúbito ≥ 10 Intensa diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por mais de 12 s até não se desfazer); enoftalmia muito evidente; mucosas secas; apatia intensa; anorexia; reflexos bem diminuídos ou ausentes, extremidades frias 12 Sintomas de choque – apatia extrema, ausência de reflexos, taquicardia, pulso filiforme, hipotermia/extremidades frias; decúbito lateral O sódio é o íon mais abundante no LEC e o principal responsável pela manutenção da pressão osmótica neste fluido. A causa mais comum de hiponatremia é a perda aumentada de sódio pelo trato intestinal nas enterites. Esta é particularmente marcada em cavalos com diarreia aguda, e também ocorre em bezerros neonatos. Nos casos crônicos a hiponatremia pode ser mais intensa. Em cães e gatos essa diminuição pode eventualmente ser evidenciada em diarreias, no diabetes melito e em casos de vômito. Nessa situação pode haver aumento da excreção renal de água como tentativa de manutenção da pressão osmótica normal, agravando a desidratação, além de promover fraqueza muscular, depressão mental, hipotermia e hipotensão, devido à insuficiência circulatória periférica, todavia estes sintomas não são exclusivos da hiponatremia. A hipernatremia pode ser também observada em pequenos animais, tendo em geral como causas a excessiva ingestão do sódio, a inadequada tomada de água ou a intensa perda de água acompanhada por sua insuficiente ingestão (vômitos, diarreia, poliúria – diabetes insípido, pielonefrite etc.). São considerados sintomas de hipernatremia a depressão, a sede, as fasciculações musculares, as convulsões e o coma. A hipocloremia ocorre como resultado de um aumento na perda líquida do íon cloreto no trato intestinal, na dilatação gástrica aguda, na dilatação com torção do abomaso e na obstrução intestinal anterior aguda. Nestas situações, a grande quantidade de íons H+ e Cl– secretados no estômago ou no abomaso e trocados por bicarbonato de sódio circulante, normalmente no intestino delgado, são absorvidos junto com K+. Há nestas condições sequestro destes íons e em consequência há alcalose hipoclorêmica e hipopotassêmica. Não há manifestações clínicas características. Alterações do equilíbrio de K+, resultando em hipopotassemia ou hiperpotassemia são relativamente comuns em animais de pequeno porte. As causas de hipopotassemia são o vômito, as diarreias e, com menor frequência, as enfermidades com poliúria. Nos animais de produção resulta de diminuída ingestão na dieta, excreção renal aumentada, estase abomasal, obstrução intestinal e enterite. As doenças do abomaso apresentam sequestro de fluidos com íons H+, Cl– e K+, resultando em hipopotassemia, hipocloremia e alcalose metabólica. A fraqueza muscular é um sintoma que ocorre por alteração do potencial de repouso de membrana; decúbito, depressão, tremores musculares, arritmia cardíaca e coma. A hiperpotassemia pode ter como causa o aumento da ingestão na dieta e principalmente por diminuição da excreção renal (obstrução do sistema urinário, lesões graves no túbulo contornado distal, hipoadrenocorticismo etc.).A acidose metabólica pode agravar o quadro de hiperpotassemia, pela entrada de H+ para o meio intracelular e saída de K+ para o extracelular como mecanismo celular de compensação. Em animais de produção a hiperpotassemia não é tão comum quanto a hipopotassemia e ocorre após acidose metabólica grave. Potencialmente é mais perigosa que a hipopotassemia devido à ação cardiotóxica, tendo marcado efeito sobre a função cardíaca, determinando bradicardia e arritmia, além de poder ocorrer a parada cardíaca súbita. No eletrocardiograma podem ser constatados inversão e desaparecimento da onda P, aumento da amplitude da onda T (pontiaguda) e aumento do intervalo QRS. Considerandose as alterações do equilíbrio acidobásico que podem ocorrer em associação com desequilíbrios hidreletrolíticos e que são passíveis de tratamento por meio de fluidoterapia, devese ressaltar aquelas de origem metabólica. Estas, quando presentes, influenciam as manifestações clínicas observadas, sendo importante a consideração da causa primária das acidoses e alcaloses metabólicas. As acidoses metabólicas têm como causas gerais a excessiva perda de base (bicarbonato), o acúmulo de ácidos, ou a combinação de ambos processos. Em pequenos animais as causas mais comuns são a diarreia intensa, a insuficiência renal, a cetoacidose diabética, a acidose tubular renal, a acidose láctica (parada cardíaca, choque, hipoxemia), a administração de drogas ácidas, medicamentos (cloreto de amônio etc.) ou substâncias tóxicas (etilenoglicol, metaldeído, metanol etc.). Nos animais de produção são causas comuns específicas a diarreia aguda em neonatos, a enterite aguda de cavalos e bovinos adultos, a ingestão excessiva de carboidratos (acidose láctica ruminal) ou de grãos (cavalos), a cetoacidose (toxemia gravídica dos pequenos ruminantes, cetose dos bovinos), a doença renal e a asfixia neonatal de bezerros. A obstrução intestinal aguda em cavalos é comumente acompanhada por acidose com a evolução do quadro, ao contrário de outras espécies em que a alcalose ocorre inicialmente. As manifestações clínicas da acidose metabólica são a depressão mental e variados graus de fraqueza muscular. Bezerros e cabritos neonatos apresentamse deprimidos, fracos e incapazes de mamar. Animais com grave acidose apresentamse em decúbito lateral e coma terminal. Nas formas compensadas de acidose metabólica, observase respiração com frequência e profundidade aumentadas. Nos casos não compensados, quando há depressão de centro respiratório(choque hipovolêmico ou colibacilose enterotoxigênica) ocorrem bradipneia e respiração superficial, taquicardia, pulso fraco e coma terminal. Em presença de movimento compensatório de potássio para o espaço extracelular, a hiperpotassemia pode determinar bradicardia e arritmia. As alcaloses metabólicas podem ser causadas pela absorção aumentada de bases ou perda excessiva de ácidos. Em pequenos animais as causas mais comuns desse desequilíbrio são os vômitos persistentes, hiperadrenocorticismo, utilização de diuréticos que depletam os cloretos e administração excessiva de substâncias alcalinas (bicarbonato). Em animais ruminantes a dilatação e o deslocamento à direita com torção do abomaso são causas das mais comuns. Pode ainda ocorrer nas indigestões vagais posteriores e na síndrome de refluxo, em que também há sequestro de ácido clorídrico e de potássio no rúmen. Em equídeos com obstrução proximal do intestino podese observar inicialmente um quadro de alcalose metabólica. As manifestações clínicas de alcalose não são específicas, havendo em geral predomínio dos sintomas resultantes do processo nosopatológico primário e causador da alcalose. Nas formas graves de alcalose metabólica podem ocorrer tremores musculares e tetania, com sinais de excitabilidade do SNC evidenciados por convulsões tônicas e clônicas. As manifestações respiratórias compensatórias caracterizamse por bradipneia e respiração superficial; todavia, na fase terminal da alcalose taquipneia e dispneia podem estar presentes. Avaliação da desidratação e sua etiopatogenia por exames complementares A avaliação laboratorial de animais acometidos por desidratação e desequilíbrios eletrolíticos e acidobásico é importante pois permite a confirmação do diagnóstico estabelecido por meio do exame físico, elucidar a presença e o grau com que os desequilíbrios estão ocorrendo e o monitoramento do efeito da fluidoterapia preconizada. O exame do hemograma pode ser útil, particularmente as determinações do hematócrito e do leucograma. O hematócrito (volume globular) pode identificar a hemoconcentração por meio do aumento do seu valor, e consequentemente o grau de desidratação. É de grande utilidade no monitoramento da eficiência da fluidoterapia, todavia seus resultados podem ser falseados pela presença de anemia. A determinação das proteínas totais (no soro ou plasma) pode também ser utilizada com a mesma finalidade, sendo seus resultados imprecisos quando da ocorrência de doenças que provocam hipoproteinemia. O leucograma é útil na identificação de toxinfecções, evolução e prognóstico de cada caso, além de permitir a evidência de sinais endotóxicos. A urinálise (análise da urina) deve incluir a avaliação de densidade, pH, glicose, corpos cetônicos, proteínas e exame do sedimento urinário. Durante a desidratação, se os rins funcionam normalmente, a densidade aumenta e o volume de urina diminui, por reabsorção de água. Se a densidade não se altera ou diminui em presença de desidratação, provavelmente observase má função renal, e outros testes para sua avaliação devem ser realizados. O monitoramento da densidade urinária durante a fluidoterapia, demonstrando queda, indica que a hidratação está ocorrendo. Em condições de hiperglicemia, em ausência de tratamento com solução de glicose, a presença desta na urina pode indicar acidose diabética. A acetonúria é achado frequente durante a desidratação e/ou privação de carboidratos ou jejum prolongado; pode também ser constatada na toxemia gravídica dos pequenos ruminantes e na cetoacidose diabética em cães. O pH da urina pode com segurança indicar, na dependência do valor normal para a espécie, se alcalino ou ácido, respectivamente, a presença de acidose ou alcalose, desde que não haja doença renal ou do sistema urinário. A presença de proteinúria e de sedimento com componentes anormais poderá indicar a presença de doença renal. Alguns exames bioquímicos são considerados valiosos na avaliação dos desequilíbrios hídricos, eletrolíticos e acidobásico, e suas consequências. As provas de função renal, dosagens de ureia ou nitrogênio ureico sanguíneo e creatinina séricas são úteis na identificação da diminuição do volume de sangue circulante, por meio de aumentos anormais que caracterizam a azotemia prérenal consequente à diminuição da taxa de filtração glomerular. Permitem também o monitoramento da eficácia da fluidoterapia na melhoria da perfusão renal e ainda podem demonstrar a existência de doença renal. Os testes de função hepática (AST, ALT, FA, GGT, proteinograma) são úteis no diagnóstico das hepatopatias agudas ou crônicas. A avaliação da glicemia pode ser utilizada para a identificação da presença de diabetes melito, bem como da necessidade de utilização de glicose como fonte de energia na fluidoterapia nas enfermidades causadoras de estados hipoglicêmicos. A determinação dos íons séricos, particularmente de sódio, potássio e cloreto, permite a identificação dos desequilíbrios eletrolíticos, a necessidade de correções de seus teores por meio da fluidoterapia e a efetividade do tratamento usado. A hemogasometria é essencial na avaliação do equilíbrio acidobásico e no monitoramento da terapia estabelecida. As alterações do pH em geral permitem a identificação de acidemia e da alcalemia, ou seja, a possível presença da acidose ou alcalose. A determinação da pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2) é considerada uma medida da participação primária do componente respiratório na promoção do desequilíbrio e da compensação ou não de alterações de origem metabólica, pela via respiratória. Por sua vez, as avaliações de bicarbonato (HCO3 –), total de CO2 (TCO2) e excesso ou déficit de base (BE) são consideradas medidas da reserva alcalina indicadoras da participação primária do componente metabólico na determinação do desequilíbrio e da compensação ou não de distúrbios de origem respiratória, pela via renal. Desta forma, na acidose metabólica são observadas quedas do pH, do HCO3 –, do TCO2 e do BE (déficit de base) abaixo dos valores mínimos normais para a espécie examinada; se houver compensação respiratória, a pCO2 deverá estar diminuída pela hiperventilação. Na alcalose metabólica ocorrem aumentos do pH, do HCO3 –, do TCO2 e do BE (excesso de base) acima dos valores máximos normais para a espécie analisada; havendo compensação respiratória, a pCO2 estará aumentada. Quando a acidose for respiratória, ocorrem diminuição do pH e aumento da pCO2; se houver compensação renal do desequilíbrio, os valores do HCO3 –, do TCO2 e do BE demonstram aumentos acima do nível máximo normal para a espécie analisada. Na alcalose respiratória, o pH está aumentado e a pCO2 diminuída; a compensação renal é evidenciada pelas diminuições do HCO3 –, do TCO2 e do BE. O diagnóstico da presença de desequilíbrios acidobásicos mistos, ou seja, quando ocorrem dois distúrbios primários em concomitância, pode ser dificultado particularmente quando os efeitos de cada um dos desequilíbrios se neutralizam. Exemplifica esta situação a coexistência de acidose metabólica e alcalose respiratória. Nestes casos a hemogasometria é essencial e pode revelar um pH com pequeno desvio ou dentro do intervalo normal. As variações dos valores níveis de HCO3 – e pCO2 podem elucidar a situação e devese avaliar bem se a compensação é apropriada. Além da consideração dos resultados do exame físico, da história do paciente, é necessária a determinação do anion gap, definidocomo a diferença entre a soma das taxas de cátions (Na+ e K+) e a soma daquelas de ânions (Cl – e HCO3 –), expressas as concentrações em mEq/ℓ . O anion gap estará aumentado a um valor superior à diminuição de HCO3 – , nos casos de acidose metabólica por acúmulo de ácidos orgânicos ou inorgânicos (insuficiências renais com azotemia, cetoacidose diabética; acidose láctica). Diretrizes para a instituição da fluidoterapia A finalidade da fluidoterapia é a correção da desidratação e/ou do desequilíbrio eletrolítico. Pode também ser indicada para corrigir um quadro de acidose ou alcalose, para tratar um animal em estado de choque, para alimentação parenteral ou mesmo para estímulo de uma função orgânica, como a renal. Os princípios mais importantes a que deve obedecer são de que: “deve corrigir ou minimizar a desidratação e as perdas de eletrólitos sempre que possível” e “deve tratar perdas potenciais de fluidos e de eletrólitos, tão rápido quanto possível, para minimizar o grau de desidratação e alterações do equilíbrio acidobásico”. Assim, seus principais objetivos são: “corrigir anormalidades já existentes, monitorar e prover terapia de manutenção até que o animal se recupere”. Existem, pois, pelo menos três anormalidades a corrigir: o volume de fluido perdido, os desequilíbrios específicos eletrolíticos e acidobásicos. As principais dificuldades iniciais no estabelecimento da fluidoterapia são a determinação da natureza e o grau das anormalidades, e a escolha do fluido ou solução de eletrólitos que deve ser utilizada. Para resolver estas duas questões há necessidade de uma cuidadosa avaliação clínica do paciente, precedendo o início do tratamento, na qual devem ser incluídos a história, os exames físicos e complementares e o diagnóstico da enfermidade, que é importante na previsão dos prováveis desequilíbrios com base na etiopatogenia do processo patológico. As informações úteis sobre a natureza da doença e a história clínica são: ingestão dos alimentos e água, tipo de alimentos, perdas gastrintestinais por vômito e diarreia, volume de urina, salivação ou sudorese excessivas, exercícios recentes, exposição ao calor, traumatismos, hemorragia, febre, gestação e partos gemelares, uso de diuréticos ou outros medicamentos. O conhecimento de duração da doença, frequência e intensidade do vômito e/ou diarreia, consistência das fezes e frequência de micção deve ser acurado. A sequência dos sintomas e a evolução do quadro clínico podem indicar a tendência da gravidade. Animais com diarreia profusa e aquosa por 18 a 24 h podem estar com intensa acidose. Obstrução intestinal aguda em bovinos não é tão grave quanto em equinos. Acidose por ingestão excessiva de grãos ricos em carboidratos em bovinos pode ser fatal em 24 a 48 h, enquanto no cavalo pode ser fatal, vindo a óbito mais rapidamente. O cuidadoso exame físico permite determinar a presença de desidratação e uma avaliação razoavelmente precisa da sua intensidade. Durante o tratamento, a reavaliação clínica regular é importante para a determinação da sua eficácia. A importância do exame físico é muito maior quando em condições de campo, particularmente na prática da clínica de animais ruminantes e equídeos, nas quais não se conta geralmente com retaguarda para avaliações laboratoriais complementares. São comuns, por exemplo, na acidose metabólica variados graus de depressão mental, fraqueza e ataxia. A desidratação participa na determinação de depressão e fraqueza. Em animais neonatos com acidose metabólica associada com diarreia, é comum a incapacidade de mamar. A história imediata da doença, a duração da mesma e o provável diagnóstico podem também auxiliar na determinação da possível natureza e grau de desequilíbrios eletrolíticos e acidobásicos. Animais afetados com diarreia aguda devido a uma enterite infecciosa estarão em provável estado de acidose metabólica e hiponatremia. Na obstrução intestinal aguda em cavalos, há variados graus de desidratação e acidose metabólica. Na obstrução do trato intestinal anterior, ou na dilatação e deslocamento com torção do abomaso em ruminantes, há variados graus de desidratação e alcalose metabólica com hipocloremia e hipopotassemia. Os achados clínicos podem auxiliar no estabelecimento do prognóstico e consequente evolução do processo. A temperatura normal não é bom guia prognóstico, porém quando abaixo do normal sugere uma situação pior. Um aumento gradualmente progressivo da frequência cardíaca indica que o paciente está piorando. O pregueamento de pele fria e que persiste por mais de 30 s sugere intensa desidratação. A cianose das mucosas bucais e o tempo de preenchimento capilar (TPC) maior do que 4 s sugerem um prognóstico de reservado a mau, assim como a presença de taquipneia com apneia intermitente. A inabilidade do animal desidratado para se manter em estação é geralmente mau sinal. A depressão intensa e a apatia são em geral observadas em condições agudas, e o estado de coma é geralmente terminal. ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ A avaliação laboratorial complementar é muito útil para o estabelecimento da natureza, confirmar a presença e a extensão dos desequilíbrios hídricos, eletrolíticos e acidobásicos, além de permitir o monitoramento do progresso do tratamento. As análises mais frequentemente realizadas são: Hematócrito e dosagem da proteína total (plasma ou soro): seus aumentos podem indicar desidratação e sua intensidade, além de ter utilidade em monitorar a fluidoterapia e na interpretação clínica segundo os valores do hematócrito e da concentração de proteína plasmática (Quadro 61.3) Leucograma: a leucopenia por neutropenia com desvio à esquerda degenerativo indica prognóstico desfavorável, enquanto o desvio regenerativo é indicativo de evolução favorável Exame de urina: as variações da densidade urinária podem ser úteis na detecção de função renal adequada frente à desidratação, bem como a análise de urina pode auxiliar na verificação da presença de desequilíbrios acidobásicos, de cetoacidose diabética e de doença renal, respectivamente, por meio das alterações do pH, presença de cetonúria e de glicosúria e proteinúria com sedimento anormal Taxas de ureia ou nitrogênio ureico sanguíneo e de creatinina: complementam a avaliação da função renal Glicemia: permite a identificação dos casos de diabetes melito ou de hipoglicemia associada à desidratação Taxas de íons séricos: em geral indicam a gravidade das suas perdas e qual a necessidade de reposição Hemogasometria: permite determinar a gravidade e a natureza do desequilíbrio acidobásico. QUADRO 61.3 Interpretação clínica simultânea dos valores do hematócrito e da concentração de proteína plasmática. Hematócrito Proteína plasmática Interpretação Aumentado Aumentada Desidratação Aumentado Normal ou diminuída Contração esplênica, policitemia, desidratação com hipoproteinemia preexistente Normal Aumentada Animal hidratado com hiperproteinemia, anemia com desidratação Diminuído Aumentada Anemia com desidratação, anemia com hiperproteinemia preexistente Normal Normal Hidratado, desidratação com anemia preexistente e hipoproteinemia, hemorragia aguda, desidratação com desvio para compartimento secundário Diminuído Diminuída Perda de sangue, anemia e hipoproteinemia, hiper-hidratação Diminuído Normal Anemia sem perda de sangue e sem desidratação Volume de fluido a utilizar O cálculo da quantidade de fluido a ser utilizado para o tratamento deve prever a reposição das perdas atuais, ou seja, ser suficiente para reidratar o animal; propiciar quantidade de líquidos para atender às necessidades de manutenção e das perdas contínuas. Se o animal em tratamento continua a perderágua, esta quantidade adicional deve ser calculada e somada aos volumes usados para reidratar e para manutenção e reposição das perdas contínuas. O volume de reposição de fluido para a correção da desidratação é calculado com base na avaliação clínica do grau de desidratação que considera a perda em relação ao peso corporal em porcentagem, segundo as fórmulas seguintes: Grau de desidratação (%) × peso corporal (kg) × 10 = quantidade em mililitros (mℓ) Grau de desidratação (valor decimal) × peso corporal (kg) = quantidade em litros Grau de desidratação (%) × peso corporal ÷ 100 = quantidade em litros ■ ■ ■ ■ O volume necessário para a manutenção e o atendimento das perdas contínuas apresenta variações conforme a espécie, a idade e o porte do animal. Em cães e gatos considerase genericamente que esse volume deve estar entre 40 e 60 mℓ /kg/dia, recomendandose para cães de grande porte o volume mínimo e para cães de menor porte, volume acima do mínimo até o máximo. Em relação aos gatos, devese estar atento à capacidade do volume vascular (40 a 55 mℓ/kg), que compreende quase a metade do volume vascular do cão (90 m ℓ /kg), ou seja, apesar de o volume calculado para manutenção ser semelhante ao de um cão de porte normal, a velocidade e a via de administração devem ser consideradas, como também a avaliação individual de cada caso, respeitando o volume de perda e a ingestão de água. É de suma importância estar atento ao volume, à velocidade e à frequência de administração nos felinos, pois nesta espécie há possibilidade de manifestação mais frequente de edema de subcutâneo, efusão pleural e até de edema pulmonar devido a hipervolemia. No caso de animais ruminantes e equídeos o volume é calculado com base no intervalo entre 50 e 100 mℓ/kg/dia. Nos animais adultos deve ser considerado o volume mínimo de 50 mℓ e para animais jovens o volume máximo de 100 mℓ, considerando que para neonatos o volume pode ser maior e de cerca de 130 mℓ/kg/dia. Necessidades de eletrólitos e bicarbonato A estimativa dos déficits de eletrólitos pode ser calculada com base na diferença entre valores normais e aqueles mensurados no animal afetado. Assim o déficit total do eletrólito em miliequivalentes (mEq) é o produto do déficit do eletrólito em mEq/litro (mEq/ℓ) (valor esperado – valor medido) e o tamanho do espaço do fluido extracelular como a porcentagem do peso corporal (kg). Assim, temse: Déficit total do eletrólito (mEq) = déficit do eletrólito (mEq/ℓ) × 0,3 × peso corporal Fórmula semelhante pode ser utilizada para estimar o déficit de bicarbonato nos animais afetados por acidose metabólica. Nesse caso, podemse usar os valores de bicarbonato (HCO3 –) ou do excesso ou déficit de bases determinados pela hemogasometria. Assim, temse: Déficit de bicarbonato (mEq ou mmol/ℓ) = (HCO–3 normal – HCO – 3 medido) × 0,3 × peso corporal Obs.: o índice 0,3 pode ser substituído pelo valor 0,5, principalmente para os animais das espécies canina e felina. Ou Déficit de bicarbonato (mEq ou mmol/ℓ) = déficit de base × 0,3 × peso corporal Fluidos ou soluções a utilizar Com base no histórico clínico, nas manifestações clínicas e avaliações laboratoriais, podese determinar qual a necessidade de fluido e/ou de eletrólitos no tratamento em questão. Nessa condição ideal, os déficits podem ser mais precisamente evidenciados, e fluidos ou soluções contendo os elementos deficitários podem ser indicados. Como nem sempre se dispõe dessa condição ideal de avaliação dos déficits, devese optar por soluções eletrolíticas balanceadas. De forma geral, na escolha do fluido devemse levar em consideração suas finalidades básicas (alcalinização ou acidificação do LEC; eletrólitos, diluição do LEC; manutenção; fornecimento de nutrientes, aditivos concentrados), como a seguir: Repor ou corrigir o volume do LEC: a solução deve restaurálo sem sua alteração qualitativa; são soluções que contêm Na+, Cl–, K+ e HCO–3 ou precursores, em concentrações similares às do LEC (plasma) Alcalinização do LEC: são soluções indicadas para a correção da acidose metabólica; são aquelas que contêm bicarbonato de sódio ou seus precursores (lactato, acetato) Acidificação do LEC: em princípio, esses fluidos têm a finalidade de corrigir a alcalose metabólica, todavia na atualidade não se recomendam soluções contendo agentes acidificantes específicos (soluções de HCl ou de NH4Cl) Diluição do LEC: deve proporcionar água sem provocar choque osmótico nas hemácias (soluções isotônicas) ■ ■ Manutenção: são fluidos que devem substituir a água de bebida, nutrientes e eletrólitos contidos nos alimentos Aditivos concentrados: geralmente são soluções que contém um único sal e são adicionadas a outras soluções para repor determinadas substâncias deficitárias. A fluidoterapia conservadora é eficiente quando não estão ocorrendo alterações eletrolíticas específicas ou quando não existem meios para determinarse qual o desequilíbrio eletrolítico presente. Consideramse soluções balanceadas aquelas que não induzirão anormalidades no paciente e que são isotônicas, ou seja, as usadas para repor ou corrigir o volume do LEC. Todavia, não constituem meio eficiente para a correção de acidose, alcalose, hiponatremia e hipopotassemia graves. As principais soluções utilizadas na fluidoterapia dos animais domésticos, suas respectivas composições, finalidades e indicações de cada uma delas estão contidas no Quadro 61.4. No Quadro 61.5 mostrase a composição normal do plasma nas diferentes espécies de animais domésticos. Vias de administração A escolha da via de aplicação de fluidos dependerá de: (1) tipo de afecção a ser tratada e da sua gravidade; (2) estado clínico e das funções orgânicas do paciente; (3) grau de desidratação e tipo de desequilíbrio eletrolítico; (4) duração/evolução da enfermidade; e (5) tempo e equipamento disponíveis. A via oral talvez seja a mais fácil, econômica e fisiológica das vias de administração de fluidos e eletrólitos. É a mais segura via de aplicação porque a solução pode ser fornecida sem atenção rigorosa quanto a tonicidade, volume e assepsia. É indicada na desidratação discreta, na administração de fluidos para manutenção e suplementação nutricional. É contraindicada na desidratação intensa, quando há vômito ou íleo paralítico, e para animais com incapacidade de sugação/deglutição (bezerros com acidose moderada a intensa) em que a sondagem nasogástrica torna o procedimento pouco prático. QUADRO 61.4 Composição, finalidade e indicações das principais soluções utilizadas em fluidoterapia. Finalidade Na+ (mEq/ℓ) Cl– (mEq/ℓ) K+ (mEq/ℓ) Ca++/Mg++ (mEq/ℓ) HCO–3 (mEq/ℓ) Glicose (g/ℓ) Osmolalidade (mOsm/ℓ)/pH Indicação Para reposição ou correção de volume do líquido extracelular 0,9% NaCl (solução fisiológica) 154 154 – –/– – – 308 5 Expansão do volume; sangue circulante – alcalose Ringer 147,5 156 4 4,5/– – – 310 5,5 Expansão do volume; alcalose Lactato de Ringer de sódio 130 111 4 3/– 27 lactato – 274 6,5 Acidose Solução McSherry 138 100 12 3/5 50 acetato – 308 Acidose/expansão do volume 5% glicose em 0,9% NaCl 154 154 – –/– – 50 558 4 Expansão do volume Soluções alcalinizantes 1,3% NaHCO3 (isotônica) 156 – – –/– 156 – 312 Acidose 5% NaHCO3 (hipertônica) 600 – – –/– 600 – 1.200 Acidose grave Soluções acidificantes (0,9% NaCl; Ringer) 0,9% NaCl+2,5 g KCl/ℓ 154 188 34 –/– – – 376 Alcalose; hipocloremia e hipopotassemia QUADRO 61.5 Composição do plasma de acordo com a espécie animal. Plasma normal Na+ (mEq/ℓ) Cl– (mEq/ℓ) K+ (mEq/ℓ) Ca++ (mg/dℓ)/Mg++ (mg/d?) (ionizado) HCO–3 (mEq/ℓ) Equinos 141 (131 a 147) 101 (95 a 107) 4,2 (3,2 a 5,2) 4,5/2 24 Bovinos adultos 145 (135 a 155)100 (90 a 110) 4,4 (4 a 5) 5,4/2,3 24 a 30 Bezerros 130 (115 a 145) 95 (75 a 115) 4,2 (3,5 a 5) 5,4/2,3 22 a 28 Caninos 143 (137 a 149) 106 (99 a 110) 4,4 (3,9 a 5,2) 4,9/1,9 20 a 29 Felinos 151 (147 a 156) 120 (117 a 123) 4,3 (4 a 4,5) …/2,2 18 A via retal, relativamente pouco usada, poderia ser considerada especialmente em animais muito jovens. A via intraóssea é referida em pequenos animais, particularmente filhotes, porém não é muito utilizada pelas dificuldades que apresenta, além dos riscos de contaminação. As vias parenterais são as mais usadas e talvez as mais práticas para a aplicação de fluidos e eletrólitos: intravenosa ou endoflébica, subcutânea ou intraperitoneal. A via intravenosa é a mais versátil, sendo a via de eleição para a terapia de perdas agudas de líquidos, nas alterações do equilíbrio hidreletrolítico de moderadas a graves, prostração intensa com incapacidade de sugação/deglutição, nos estados de choque e na administração de fluidos não isotônicos. Todos os fenômenos tóxicos de soluções administradas por essa via, fundamentalmente, se relacionam mais à velocidade de aplicação do que à composição e ao volume ministrado. Alguns dos problemas vistos com o uso desta via referemse a manutenção e assepsia de cateteres para fluidoterapia de longo tempo, coagulação e hematomas, maior risco de tromboembolismo e infecção. Grandes volumes de fluidos administrados rapidamente podem determinar sobrecarga do sistema cardiocirculatório, provocando efusão pleural, edema pulmonar e até a morte. É a via preferida, ainda, para a administração de sangue, plasma sanguíneo e expansores do volume plasmático. A via subcutânea é utilizada particularmente em pequenos animais, podendo ser usada em ruminantes de pequeno porte ou bezerros jovens, todavia, não é indicada em grandes animais adultos por causa dos enormes volumes de fluidos que devem ser administrados. Nos pequenos animais é usada com certa frequência, porém as soluções devem ser isotônicas e são absorvidas mais lentamente que pela via intravenosa. É recomendada para manutenção de fluidoterapia em doenças crônicas, desidratação discreta e em animais jovens ou muito pequenos. É uma via contraindicada em perdas agudas de fluidos, desidratação grave, hipotermia, hipotensão e quando existe edema de subcutâneo. A glicose em qualquer concentração ou soluções que não contenham eletrólitos em teores isotônicos são contraindicadas pela via subcutânea. A via intraperitoreal é de mais rápida absorção do que a via subcutânea para a infusão de fluidos, sendo, todavia, potencialmente mais perigosa que esta, pois apresenta riscos de peritonite, se não houver rigorosa assepsia, como também de perfuração de órgãos abdominais. É uma boa via para a absorção de água e eletrólitos, sendo o plasma e a grande porcentagem de eritrócitos do sangue total absorvidos pelo peritônio. Tem recomendação em neonatos das espécies ovina e suína, podendo ser usada para administração de grandes volumes de fluidos em grandes animais, porém a principal indicação desta via seja, talvez, para a lavagem peritoneal. Velocidade ou taxa de administração A velocidade de administração de fluidos depende do tamanho do animal, da intensidade da desidratação ou da enfermidade, da forma aguda ou crônica com que as perdas de líquidos se estabeleceram, a condição cardiovascular, da composição do fluido que está sendo usada e da resposta apresentada pelo paciente à fluidoterapia. As perdas agudas e volumosas de fluidos demandam uma rápida reposição de líquidos, e as crônicas, uma administração gradativa do fluido para facilitar restauração dos equilíbrios intra e extracelular, evitandose efeitos colaterais. Inicialmente, os fluidos devem ser administrados rapidamente e após mais lentamente, até a correção da alteração. Ao utilizarse a via intravenosa, uma regra geral consiste em administrar fluidos na velocidade maior até que se restabeleça o fluxo urinário e, posteriormente, a taxa deve ser reduzida em um terço e mantida até a reposição completa, mas sempre monitorada. Caso o fluxo urinário não se faça presente, a cada hora deverá reduzirse a velocidade à metade. A administração de fluidos isotônicos e com composição eletrolítica semelhante à do plasma pode ser realizada seguramente nas grandes perdas agudas, em uma taxa de: até 90 m ℓ /kg/hora aos cães; 40 a 55 m ℓ /kg/hora aos gatos; 30 a 40 m ℓ /kg/hora a bezerros, podendo chegar até 80 m ℓ /kg/hora; 20 a 25 m ℓ /kg/hora a bovinos e a equinos adultos, com limite máximo de 40 m ℓ /kg/hora. Todavia, é necessário, com essas maiores taxas, monitorar as funções renal e cardiovascular, observandose os sinais de sobrecarga fluídica (inquietação, tremores, taquicardia, descarga nasal serosa, taquipneia, estertores úmidos, tosse e ganho de peso corpóreo). Soluções hipertônicas de bicarbonato de sódio com concentração maior que 1,3% devem ser ministradas com velocidade reduzida a um terço; soluções em que se adicionou potássio devem ser ministradas cautelosamente em taxa semelhante, não devendo conter mais do que 10 a 20 mEq de K+/ℓ e de forma a não exceder a taxa de 0,5 mEq/kg/hora. Essas soluções contendo potássio devem ser utilizadas após a correção da acidose e da desidratação. Avaliação da fluidoterapia O único método eficiente para a avaliação do êxito da terapia é a utilização do exame clínico. Neste julgamento devese considerar a gravidade inicial da desidratação e das alterações dos equilíbrios eletrolítico e acidobásico. A boa resposta clínica à fluidoterapia é indicada pela recuperação das funções vitais, melhoria na coloração das mucosas, regularização da arritmia e bradicardia presentes na hiperpotassemia, pela micção com retorno da função renal dentro de 30 a 60 min, melhoria da depressão e mais tardia recuperação do turgor de pele e pelo desaparecimento da enoftalmia. As respostas desfavoráveis incluem: dispneia, tosse, estertores úmidos em caso de edema pulmonar; ausência de micção devido a insuficiência renal ou paralisia de bexiga urinária; taquicardia e persistência da depressão. Se houver retaguarda laboratorial disponível: a determinação seriada do hematócrito e as proteínas totais séricas servem para avaliar a reidratação; a diminuição da azotemia (principalmente da ureia sérica) indica retorno da perfusão renal; a hemogasometria – pH, bicarbonato/BE e pCO2 – possibilita avaliar a recuperação do equilíbrio acidobásico. O retorno ao valor normal dos diversos parâmetros avaliados é indicativo do sucesso da fluidoterapia. FLUIDOTERAPIA EM CÃES E GATOS A seguir, são apresentadas algumas das afecções clínicas mais frequentemente observadas nas espécies canina e felina e que requerem a indicação de fluidoterapia. Afecções gastrintestinais Vômitos Os episódios eméticos estão relacionados com os processos primários localizados no estômago e no duodeno, e também com algumas alterações metabólicas em que há o comprometimento central (ativação do centro do vômito decorrente de várias substâncias), como na insuficiência renal, na doença hepática, na pancreatite e na cetoacidose pelo diabetes melito. O surgimento de déficit de eletrólitos, ácidos e água está na dependência da frequência, do volume e da composição do material eliminado durante os episódios eméticos. Geralmente, as principais alterações observadas estão associadas aos quadros de desidratação, alcalose metabólica, hipocloremia e hipopotassemia. A hipopotassemia ou hipocalemia que se desenvolve durante os episódios eméticos pode estar
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