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Carcinogênese É todo processo de transformação neoplásica maligna que leva à formação de câncer, pela transformação de uma célula normal em mutante. A carcinogênese é um processo de múltiplas etapas resultante do acúmulo de múltiplas alterações genéticas que coletivamente dão origem ao fenótipo transformado. Trata-se, portanto, de um processo complexo – que envolve diferentes classes de genes e clones de células capazes de se multiplicarem automaticamente, invadirem tecidos vizinhos e gerarem metástases –, dependente de fenômenos genéticos e epigenéticos herdados e/ou esporádicos e multifásico. Etapas da Carcinogênese (Modelo de Carcinogênese Química) Fase pré-clínica: 1. Iniciação: mutação(ões); 2. Promoção: multiplicação da célula que foi iniciada (mutada); 3. Crescimento tumoral: ativação de oncogenes, inativação de genes supressores tumorais e alteração de genes que regulam a apoptose. Ocorre, então, a expressão de produtos gênicos alterados, perda dos reguladores - expansão dos clones e mutações adicionais, que conduzem à fase clínica. Fase clínica: 4. Progressão tumoral: avanço para quadro de neoplasia maligna/câncer, pela aquisição dos atributos de malignidade = crescimento excessivo, invasividade, escape imunológico, invasão local e metástases. A carcinogênese envolve mutação, que pode ser espontânea (rara), adquirida (mais comum) ou herdada (<10%). A mutação se dá pela ação de agentes carcinogênicos em células alvo – células de reserva ou basais dos epitáfios, células-tronco e células em G0 – que lesam o DNA. Agentes Carcinógenos Agentes Carcinógenos Físicos 1. Radiações Ionizantes As radiações eletromagnéticas (raios-X e gama) e partículas (alfa, beta, prótons e nêutrons) são todas carcinogênicas, pois possuem potencial para causarem: provável lesão direta no DNA (mutação - radicais livres); ativação de vírus oncóticos latentes; e ativação de protooncogenes a oncogenes. Ex.: acompanhamento dos sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki Inicialmente houve aumento acentuado na incidência de leucemias (principalmente leucemia mielocítica aguda e crônica). Depois, houve um período de latência médio de 7 anos, seguido por incidência de diversos tumores sólidos (mama, cólon, tireoide e pulmão). Os raios X possuem efeitos dose- dependente, cumulativo e irreversíveis. Seu efeito carcinogênico foi descoberto quando se comprovou uma alta incidência de câncer de pele, principalmente nas mãos, e um aumento da mortalidade por leucemia nos radiologistas pioneiros. Os cuidados erradicaram os riscos de carcinogênese entre estes, mas as radiações terapêuticas e diagnósticas ainda são uma fonte de risco para o paciente. 2. Raio Ultravioleta Derivados do sol, os raios ultravioletas levam a maior incidência de câncer de pele. O grau de risco depende do tipo de raio UV (UVB>UVC>UVA), da intensidade da exposição e da quantidade do manto protetor de melanina. Os tipos de raios UV são: UVA; UVB: responsáveis pela indução dos tumores cutâneos. Causam a formação de dímeros de pirimidina no DNA, que podem ser corrigidos via exclusão de nucleotídeos, através do reparo do DNA; na exposição solar prolongada, a via é sobrecarregada e ocorre lesão do DNA. UVC: tem efeito mutagênico, mas podem ser filtrados pela camada de ozônio em volta da terra. 3. Traumatismo crônico O traumatismo crônico poderia funcionar como um promotor (não gerador de mutação) de proliferação celular. Uma irritação prolongada/crônica atuaria como um agente promotor, promovendo uma inflamação crônica, com consequente liberação de mediadores químicos/citocinas inflamatórias, e estimulando a proliferação celular. Ex.: irritação crônica por bordas pontiagudas de dentes fraturados, dentaduras mal adaptadas ou piercings aumentam as chances de câncer da cavidade oral. Agentes Carcinógenos Biológicos Os vírus oncóticos raramente desencadeiam uma reação inflamatória típica, mas provocam transformações neoplásicas nas células. 1. Vírus RNA Oncogênico Os vírus RNA oncogênicos são retrovírus que possuem uma enzima transcriptase reversa que utiliza o RNA do vírus como modelo para a transcrição de uma cópia de DNA em células novas. A cópia do DNA viral inserido no genoma da célula hospedeira é denominada provírus. O human T lymphotropic virus type 1 (HTLV-1) é semelhante ao vírus da AIDS e apresenta tropismo por células T (CD4+). Está associado à uma forma de leucemia/linfoma de células T e sua transmissão é pela via sexual, hemoderivados ou amamentação. O HTLV-1 é um vírus esporádico nos EUA e endêmico em certas partes do Japão e na bacia do Caribe, América Central e América do Sul. A leucemia só se desenvolve em 3-5% dos infectados, depois de um grande período de latência (40-60 anos). Além da leucemia, esse vírus está associado à um distúrbio neurológico desmielinizante (paraparesia tropical espástica), assim como também à uveíte e artrite nas áreas endêmicas. 2. Vírus DNA Oncogênico Os vírus DNA oncogênicos possuem DNA viral diretamente inserido no DNA da célula hospedeira (mutagênese insercional). a. Papiloma Vírus Humano (HPV) Está relacionado a verrugas (benignas e malignas). Aproximadamente 70 tipos de HPV foram identificados, dentre eles: Subtipos 1, 2, 4 e 7: associados aos papilomas escamosos (verrugas); Subtipos 6 e 11: tem baixo risco; causam lesões de baixo grau no colo uterino; Subtipos 16 e 18: tem alto risco; relação com o câncer cervical; Subtipos 31, 33, 35 e 51: alto risco para câncer de colo uterino, porém em menor frequência; O potencial oncogênico do vírus está relacionado com produtos genéticos virais que agem para transformar e imortalizar as células - proteínas E6 e E7. E6 se liga com p53 (responsável por induzir apoptose na agressão do genoma), enquanto E7 se liga com Rb (responsável pelo “freio" do ciclo celular), induzindo a degradação de p53 e Rb e, consequentemente, induzindo o bloqueio da apoptose e a remoção da restrição à proliferação celular. b. Vírus Epstein-Barr (EBV) Vírus da família herpesviridae que infecta células epiteliais da orofaringe e os linfócitos B. Em pessoas normais, a infecção pode ser controlada pela resposta imunológica (latente) ou até causar mononucleose infecciosa. Em pacientes imunossuprimidos – como os africanos com malária crônica e outros cofatores ou em aidéticos – pode provocar carcinogênese, na forma de: Forma africana do Linfoma de Burkitt: tumor dos linfócitos B; é o tumor mais comum da infância na África Central e Nova Guiné (mais de 90% destes tumores tem genoma EBV positivo); Câncer Nasofaríngeo; Linfoma B em imunossuprimidos; Doença de Hodgkin. c. Vírus da Hepatite B (HBV) Existe importante associação entre o HBV e o câncer de fígado. O HBV é endêmico nos países do Oriente e da África e, do mesmo modo, estas áreas apresentam maior incidência de carcinoma hepatocelular. Ex.: na Tailândia, pessoas infectadas com HBV têm risco 200x maior de desenvolver câncer de fígado, em comparação com indivíduos não infectados da mesma área. Em praticamente todos os casos de câncer de células hepáticas relacionadas ao HBV, o DNA viral está totalmente integrado ao genoma da célula hospedeira (assim como ocorre com o HPV). O genoma do HBV não codifica qualquer oncoproteína e os tumores poderiam se desenvolver através de mutagênese de inserção. Apesar de não ser um vírus DNA, o vírus da hepatite C (HCV) também está muito relacionado com a patogênese do carcinoma hepatocelular, mas devido a sua capacidade de causar lesão hepática crônica e inflamação, acompanhada por regeneração hepática e aumento da atividade mitótica, num ambiente alterado (efeito promotor) = tendem à instabilidade genética e ao câncer. Agentes Carcinógenos Químicos A maioria dos carcinógenos químicos são completos (ação iniciadora+ promotora) e pró-carcinógenos (precisam ser metabolizados previamente para se tornarem carcinógenos). Agentes alquilantes: Ciclosfamida; Hidrocarbonetos aromáticos: Benzopireno (elemento da fumaça do cigarro), fator de risco para câncer de orofaringe (incluindo lábio), laringe, esôfago, pâncreas, bexiga e pulmão; Corantes Azo: Betanaftilamina e corantes de anilina, possuem risco de câncer de bexiga; Carcinógenos de ocorrência natural: Aflotoxina B, toxina produzida por um fungo da casca de grãos (ex.: amendoim), o Aspergillus flavus, de caráter hepatocarcinógena Nitrosaminas e Amidas: produto da ingestão de alimentos ricos em nitritos e nitratos, que apresentam risco de câncer do trato gastrointestinal (TGI); Asbesto: silicato cristalino; a forma anfíbola tem maior risco de câncer de pulmão (carcinoma broncogênico) e pleura (mesotelioma) e, se associado ao fumo, se potencializa o risco; Estrógeno: hormônio relacionado ao câncer de endométrio e ao câncer de mama. Metabolização dos Carcinógenos Químicos A maioria dos carcinógenos químicos requer uma ativação metabólica para conversão na forma final dos carcinógenos (são pró-carcinógenos). Isso ocorre através da metabolização pela monooxigenase dependente do citocromo P-450, mas os genes que codificam estas enzimas são polimórficos – com isto, a atividade destas enzimas apresenta variações com indivíduos diferentes. A susceptibilidade a carcinogênese química é regulada, em parte, pelos polimorfismos dos genes que codificam estas enzimas. Ex. 1: o produto do gene P-450, CYP1A1, metaboliza hidrocarbonetos aromáticos policíclicos como o benzopireno. o Aproximadamente 10% da população branca apresenta uma forma altamente induzível desta enzima = associada a maior risco de câncer de pulmão em fumantes. o As pessoas que fumam pouco mas são portadores do genótipo suscetível CYP1A1 apresentam risco 7x maior de desenvolver câncer de pulmão em comparação com os fumantes sem o genótipo permissivo. Ex. 2: a enzima Glutationa-S-transferase, envolvida na detoxificação dos HCs aromáticos policíclicos também é polimórfica. o Aproximadamente 50% dos brancos tem este lócus inteiramente deletado; logo, apresentam maior risco de contrair câncer de pulmão e bexiga, se forem expostos a fumaça do tabaco. Alvos Moleculares dos Carcinógenos Químicos 70-90% dos agentes químicos que avaliam mutagênese são positivos para o Teste AMES, que usa a capacidade de um agente químico de induzir mutação na bactéria Salmonella typhumurium; A maioria dos agentes químicos que são mutagênicos in vitro, são carcinogênicos in vivo, pois a mutação é somente a primeira etapa; A presença de alguns tipos de lesão de DNA, nos tumores humanos, pode fornecer pistas moleculares de sua causa, pois cada carcinógeno produz uma impressão digital que pode ligar agentes químicos específico com seus efeitos de mutação. Ex.: mutações de p53 nos carcinomas hepatocelulares; o As mutações em p53 estão presentes na maioria dos cânceres hepatocelulares e nas áreas em que existe relação com a Aflotoxina; o 90% destas mutações se apresenta da mesma forma: uma transversão no códon 249, G:C-T:A, chamada mutação 249ser.
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