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Carcinogênese: Processo de Formação do Câncer

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Jéssica N. Monte Turma 106 P2 Patologia 
Aula 10 – Carcinogênese 
 
Todo processo de formação do câncer se inicia com a exposição de células normais 
do organismo a agentes carcinógenos extrínsecos e/ou intrínsecos. 
A carcinogênese é o processo de transformação neoplásica maligna, de formação do 
câncer. É a transformação da célula normal em mutante. 
A carcinogênese envolve múltiplas etapas, e o modelo estudado é o modelo de 
carcinogênese química. 
Ainda que haja particularidades para cada neoplasia, algumas características do 
processo são comuns aos diferentes tipos de câncer. 
 
Etapas da carcinogênese no modelo de carcinogênese química: 
 
Fase pré-clínica: as alterações acontecem a nível genético e molecular, sem apresentação 
química. 
 
1) Iniciação: 
 
A primeira mutação tem função de dar instabilidade genética e maior propensão de 
as mutações subsequentes acontecerem. 
Somente a iniciação não leva ao crescimento tumoral. 
Para que o câncer aconteça, a célula que sofreu iniciação (que foi mutada) precisa 
ter a capacidade de progredir no ciclo celular. 
 
2) Promoção: 
 
É a multiplicação da célula que foi iniciada. 
É a capacidade que a célula tem de progredir no ciclo celular gerando novas 
mutações. 
 
3) Crescimento tumoral: 
 
Ocorre quando ocorrem mutações em nível das classes de genes (proto-oncogenes, 
supressores tumorais, reparo de DNA e reguladores da apoptose). 
Acontece a ativação de oncogenes, inativação de genes supressores tumorais e 
alteração de genes que regulam apoptose. 
 
Fase clínica: quando a doença é clinicamente detectável, pois já cresceu e invadiu 
localmente o suficiente para ser percebida. 
 O grau de percepção da doença dependerá dos sintomas clínicos que o paciente 
apresentar e do órgão que neoplasia atingir. 
 
4) Progressão tumoral: 
 
Acontece a expansão clonal e a neoplasia adquire os atributos de malignidade 
(crescimento excessivo, invasividade, escape imunológico, invasão local e metástases). 
Nessa etapa o câncer pode começar a ser perceptível a nível macroscópico. 
Iniciam-se os sintomas clínicos. 
 
Carcinogênese: 
 
 O processo de carcinogênese envolve mutação, ou seja, uma lesão permanente e 
irreparável no DNA. 
 Uma lesão inicial ainda pode ser reparada. As enzimas de reparo reconhecem a 
lesão através da endonuclease, retiram a secção defeituosa através da enzima de reparo 
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hexonuclease, em seguida ocorre a formação de uma nova sequência de DNA com base no 
modelo normal, que é recolocada no local, fazendo o reparo. 
No entanto, as enzimas de reparo não conseguem agir quando os genes de reparo 
sofrem uma mutação que os inativam e os tornam não funcionais. 
A partir daí, a lesão no DNA passa a ser uma mutação ou lesão permanente no DNA. 
 
O motivo que pode provocar a mutação não é somente a inativação dos genes de 
reparo, mas também uma lesão no DNA muito extensa e grave. 
Nesses casos, os genes de reparo podem estar funcionais, já que eles não estão 
desativados em todas as neoplasias. 
Portanto, os genes na forma silvestre/selvagem não são capazes de reparar o DNA 
em cem por cento dos casos. 
 
Tipos de mutação: 
 
As mutações espontâneas são raras, aleatórias e esporádicas. Assim, essas 
mutações não são responsáveis pela carcinogênese. 
 
As mutações herdadas acontecem na linhagem de células germinativas, podendo ser 
chamadas também de mutações germinativas. Essas mutações contribuem com cerca de 
10% a 12% dos processos de carcinogênese. 
 
As mutações adquiridas acontecem na linhagem de células somáticas, podendo ser 
chamadas de mutações somáticas. Essas mutações possuem a maior influência no 
processo de carcinogênese, pois são as mais comuns. 
 
Entre as mutações somáticas se incluem os cânceres familiares, que não se 
enquadram no grupo dos hereditários, mas que têm caráter esporádico e uma história 
familiar importante. 
Os cânceres familiares apresentam vários alelos múltiplos de baixa penetrância que 
compõe o genótipo maligno no indivíduo. 
Assim, mesmo dentro das mutações somáticas existe certa predisposição, a partir 
dos alelos múltiplos de baixa penetrância. 
Esse tipo de câncer não entra na classificação dos cânceres hereditários porque não 
existe um evento genético herdado determinado, mas ocorre uma frequência de 
determinado câncer entre a família. 
 
As mutações somáticas são adquiridas ao longo da vida pela exposição a agentes 
externos físicos, químicos e biológicos. 
Os agentes capazes de causar lesão no DNA, gerando mutação, são os agentes 
carcinógenos ou carcinogênicos. 
 
Agentes carcinógenos: 
 
 Nem tudo que é mutagênico é carcinogênico. 
 O que é mutagênico consegue provocar a iniciação, mas não necessariamente a 
promoção, que é a etapa necessária para o início do processo de carcinogênese. 
 O agente carcinógeno (aquele que provoca a carcinogênese) pode ser completo ou 
incompleto. 
O agente carcinógeno completo é capaz de provocar carcinogênese, ou seja, possui 
ação iniciadora e promotora. 
 Já o agente carcinógeno incompleto não é capaz de causar carcinogênese, pois tem 
somente a ação iniciadora. 
 
 
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Os agentes carcinógenos podem ser físicos, químicos e biológicos. 
 Físicos: radiações ionizantes e raio ultravioleta. 
 Biológicos: vírus e bactérias. 
 Químicos: agentes alquilantes, hidrocarbonetos aromáticos, corantes azo, 
carcinógenos de ocorrência natural, nitrosaminas e amidas e outros agentes. 
 
Agente carcinógenos físicos: 
 
Radiação ionizante: 
 
As radiações eletromagnéticas (raios-X e gama) e partículas (alfa, beta, prótons e 
nêutrons) são todas carcinogênicas. 
Esse efeito carcinogênico é dose-dependente, tem efeito cumulativo e o dano causado ao 
DNA é irreversível. 
A radiação ionizante causa a mutação direta, pontual do DNA, e também provoca a 
geração de radicais livres, que se ligam à timina do DNA e causam distorções, alterando-o. 
A radiação ionizante pode ativar vírus oncóticos latentes e também proto-oncogenes 
em oncogenes. 
 
O acompanhamento de sobreviventes das bombas atômicos apontou inicialmente 
um alto aumento da incidência de leucemias (mieloide aguda e crônica), um período médio 
de latência de 7 anos, e depois uma maior incidência de vários tumores sólidos. 
 
 Raios-X: teve seu efeito carcinogênico descoberto por meio da alta incidência de 
câncer de pele e leucemia nos primeiros radiologistas. 
Os cuidados para esse tipo de exposição, por meio da utilização de chumbo, 
erradicaram os riscos relacionados. 
 
Radiação ultravioleta: 
 
Os raios ultravioletas se dividem em UVA, UVB e UVC. 
Risco dos tipos de radiação UV: UVB > UVC > UVA. 
UVA: é a radiação dos horários alternativos, antes das 10 horas e depois das 16 
horas. 
UVB: é a radiação mais importante para o efeito carcinogênico físico para câncer de 
pele. Ela lesa o DNA formando dímeros de pirimidina. Uma exposição prolongada ao UVB 
pode sobrecarregar as vias de reparo causando lesão permanente no DNA. 
UVC: é filtrado pela camada de ozônio. 
 
A melanina é formada a partir da conversão da diidrofenilalanina pela enzima 
tirosinase. 
Quanto maior a atividade da enzima, maior a quantidade de melanina nas células, 
sendo a sua atividade é determinada geneticamente. 
Como a melanina está no citoplasma das células, quanto maior a quantidade de 
melanina, ou seja, quanto mais escuro o tom de pele, maior o escudo protetor do DNA 
contra a radiação. 
Dessa forma, quanto mais claro o tom de pele, maior a predisposição para câncer de 
pele, enquanto quanto mais escuro o tom de pele, menor o risco para esse câncer. 
O risco depende também de qual tipo de radiação e da intensidade da exposição. 
 
 
 
 
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Além disso, traumatismos crônicos, que ficam permanentemente estimulando lesão 
(como uma prótese mal ajustada ou piercings) podem atuar como agentes que aumentam 
as chances do desenvolvimento do câncer. 
Quando ocorre a lesão, a inflamação libera citocinas inflamatórias que estimulam a 
proliferação celular, podendo colocar as células no ciclo celular e atuar como fatores de 
crescimento. 
Dessa forma, o traumatismo crônico estaria inserido na promoção da célula iniciada, 
devido ao estímulo proliferativo. 
O traumatismo crônico é um fator promotor carcinogênico, mas não iniciador. Assim, 
se não houver uma iniciação anterior, o traumatismo não será capaz de iniciar o processo 
de carcinogênese. 
 
Agentes carcinógenos biológicos: 
 
Vírus RNA oncogênico – retrovírus: 
 
 Os retrovírus possuem a enzima transcriptase reversa, a qual utiliza o RNA do vírus 
como modelo para a transcrição de uma cópia de DNA em células novas. 
 O pro-vírus é a cópia do DNA viral inserido no genoma da célula hospedeira. 
 Um exemplo de vírus RNA oncogênico do tipo retrovírus é o HTLV-1. 
 
HTLV-1: 
 
 O HTLV-1 (human T lymphotropic virus type 1) apresenta tropismo por células T, 
assim como o vírus HIV, mas nesse caso especialmente pelos linfócitos T helper ou CD4. 
 Assim como o vírus da AIDS, a transmissão do HTLV-1 acontece por via sexual, 
derivados de sangue e pela amamentação. 
 Esse retrovírus possui relação com a paraparesia tropical espástica, um distúrbio 
neurológico desmielinizante. 
 De 3% a 5% dos pacientes infectados por HTLV-1 desenvolvem uma forma de 
leucemia ou linfoma de células T em longo prazo, após um grande período de latência de 
cerca de 40 a 60 anos da infecção. 
 Esse vírus é esporádico nos Estados Unidos e é endêmico no Japão, bacia do 
Caribe, América Central e América do Sul. 
 A maneira como o vírus se incorpora no hospedeiro acontece por meio de um CDNA, 
o qual é obtido por meio da transcriptase reversa. 
 
Vírus DNA oncogênicos: 
 
 Os vírus DNA oncogênicos inserem o DNA viral diretamente no DNA da célula 
hospedeira, processo chamado de mutagênese insercional. 
 Entre esses vírus, tem-se o HPV, o EBV e HBV. 
 O HPV atua na produção de onco-proteínas do tipo E6 e E7, que inativam os genes 
supressores tumorais P53 e RB, respectivamente. O EBV é o vírus Epstein-Barr e apresenta 
um efeito insercional ainda maior, pois não produz oncoproteínas como o HPV. Já o HBV 
está relacionado com a hepatite B. 
 
HPV: 
Cepas: 
1, 2, 4 e 7 – apresentam relação com lesões benignas de pele, como papilomas 
(excrescências para fora da superfície epitelial) escamosos (verrugas). 
6 e 11 – apresentam relação com a lesão escamosa intraepitelial de baixo grau no 
colo uterino. 
16 e 18 – são cepas de alto risco para câncer devido às lesões escamosas epiteliais 
de alto grau, que apresentam relação com o câncer cervical. 
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31, 33, 35 e 51 – são cepas de alto risco para câncer de colo de útero, mas ocorrem 
em menor frequência. 
 
Quanto à vacina para o HPV, existem dois tipos: um tipo inclui somente as cepas de 
alto risco e outro tipo aborda tanto cepas de alto quanto de baixo risco, incluindo, porém, um 
número de menor de cepas de alto risco em relação ao outro tipo. 
Entre as cepas de baixo risco, somente 10% delas evolui. 
O HPV produz as oncoproteínas E6 e E7. A proteína E6 degrada o gene supressor 
tumoral P53, impedindo-o de ativar a apoptose. Já a proteína E7 degrada o gene supressor 
tumoral RB, que é responsável pelo controle do ciclo celular. 
 
EBV: 
O vírus Epstein-Barr causa mutagênese de inserção, incorporando-se ao DNA do 
hospedeiro. 
O EBV faz parte da família do vírus da herpes, infectando linfócitos B e células 
epiteliais da nasofaringe. 
Em pacientes imunocompetentes, pode não causar sintomas, permanecendo na 
forma latente, ou causar a mononucleose infecciosa, que é uma doença autolimitada. 
Já em pacientes imunocomprometidos, o EBV pode provocar a carcinogênese, como 
o carcinoma nasofaríngeo, linfoma B e linfoma de Burkitt. 
 
HBV: 
 O HBV é o vírus da hepatite B e apresenta íntima relação com o carcinoma de 
células hepáticas ou câncer primário de fígado. 
 É endêmico nos países do Oriente e da África, que são os locais que apresentam a 
maior incidência de carcinoma hepatocelular. 
Nas áreas endêmicas, pacientes infectados com esse vírus apresentam um risco 
200x maior de desenvolver câncer de fígado. 
 
 *O vírus da hepatite C é um vírus de RNA, tendo influência na carcinogênese de 
forma diferente, pois não faz mutagênese de inserção. 
 O efeito carcinogênico do vírus da hepatite C se dá basicamente pela extensa 
inflamação, sendo nesse caso, portanto, o efeito promotor mais importante que o iniciador. 
 
Agentes carcinógenos químicos: 
 
 Agentes alquilantes: a ciclofosfamida é um agente usado em quimioterapias, mas 
que, com baixa frequência, pode induzir um câncer secundário. 
 Hidrocarbonetos aromáticos: o benzopireno é um elemento da fumaça do cigarro 
que causa risco para câncer de orofaringe (incluindo o lábio), laringe, esôfago, pâncreas, 
bexiga e pulmão. 
 Corantes azo: a betanaftilamina e os corantes de anilina desenvolvem risco de 
câncer de bexiga. O risco de câncer devido ao uso de adoçante é causado por eles. 
 Carcinógenos de ocorrência natural: A aflatoxina B é uma toxina hepatocancerígena 
produzida na casca de grãos oleaginosos, especialmente no amendoim, pelo fungo 
Aspergillus flavus. 
 Nitrosaminas e amidas: os produtos da ingestão de nitritos e nitratos são 
metabolizados no trato gastrointestinal, onde são transformados em nitrosaminas e amidas, 
aumentando o risco de câncer nessa região. 
 Asbesto: é um silicato cristalino que, em sua forma anfíbola, tem maior risco para 
câncer de pulmão de pleura. Esse risco é potencializado quando associado ao fumo. 
 Estrógeno: desenvolve risco para câncer de endométrio e de mama. 
 
 
 
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Metabolização dos carcinógenos químicos: 
 
A maioria dos agentes carcinógenos químicos deve ser metabolizada para gerar 
metabólitos reativos. 
São os metabólitos reativos em si que têm o potencial carcinogênico. Caso sejam 
metabolizados, esses metabólitos reativos constituem fator de risco. 
A maioria dos carcinógenos químicos é metabolizada pela monooxigenase 
dependente do citocromo P450, uma enzima muito polimórfica entre indivíduos. 
A suscetibilidade à carcinogênese química é regulada (não só, mas também) pelos 
polimorfismos dos genes que codificam essa enzima. 
A isso se dá o nome de genótipo permissivo ou genótipo não permissivo. 
 
Exemplo 1: o CYP1A1 é um produto do gene P450 que metaboliza hidrocarbonetos 
aromáticos policíclicos como o benzopireno, constituindo, portanto, um genótipo permissivo. 
Cerca de 10% da população branca apresenta uma forma altamente induzível dessa 
enzima, fato associado ao maior risco de câncer de pulmão. 
Esses 10% da população branca é mais suscetível ao câncer de pulmão, mesmo que 
não fume, em comparação a alguém que fuma muito, mas que tem o genótipo não 
permissivo. 
Exemplo 2: a enzima glutationa-5-transferase é polimórfica e envolvida na 
detoxificação dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, apresentando um genótipo 
permissivo protetor. Cerca de 50% dos brancos têm esse lócus deletado totalmente, 
apresentando maior risco de desenvolver câncer de pulmão e de bexiga se forem expostos 
à fumaça do tabaco. 
Um genótipo completamente permissivo acontece quando a glutationa-5-transferase 
é delatada e o CYP1A1 é expresso. 
 
 Alvos moleculares do carcinógenos químicos: 
 
 De 70% a 90% dos agentes químicos são positivos para o teste AMES, que avalia a 
mutagênese ou capacidade de iniciação do composto. No entanto, nem todos esses 
agentes serão carcinogênicos, pois apesarde eles apresentarem a capacidade de iniciação 
em laboratório, precisam ter também a capacidade de promoção em um indivíduo vivo para 
serem considerados carcinogênicos. 
 
 Existe um estudo a respeito das mutações de P53 nos carcinomas hepatocelulares, 
e notou-se que a sua mutação está presente na maioria dos cânceres desse tipo e que, nas 
áreas relacionadas à aflatoxina B, 90% das mutações apresentam uma mutação no códon 
249. 
 Através disso, pode-se concluir que agentes químicos podem assumir determinado 
padrão, e assim, por meio da investigação genética, torna-se possível saber qual o foi o 
agente carcinógeno causador do câncer.

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