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Thaize de Carvalho - Dissertação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA 
FACULDADE DE DIREITO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
THAIZE DE CARVALHO CORREIA GUTIERRIZ 
 
 
 
 
 
 
JUSTIÇA RESTAURATIVA: 
MÉTODO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS 
JURÍDICO-PENAIS PRATICADOS CONTRA A MULHER EM 
AMBIENTE DOMÉSTICO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2012 
 
 
 
THAIZE DE CARVALHO CORREIA GUTIERRIZ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JUSTIÇA RESTAURATIVA: 
MÉTODO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS 
JURÍDICO-PENAIS PRATICADOS CONTRA A MULHER EM 
AMBIENTE DOMÉSTICO 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito, Faculdade de Direito, 
Universidade Federal da Bahia, como requisito 
parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito. 
 
Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Selma Pereira de Santana 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2012 
 
 
 
 
 
G984 Gutierriz, Thaize de Carvalho Correia, 
 
 Justiça restaurativa: método adequado de resolução dos 
conflitos jurídico-penais praticados contra a mulher em ambiente 
doméstico / por Thaize de Carvalho Correia Gutierriz. – 2012. 
 180 f. 
 
 Orientadora: Profa. Doutora Selma Pereira de Santana. 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, 
Faculdade de Direito, 2012. 
 
1. Justiça restaurativa 2.Violência contra a mulher 3.Violência 
familiar 
 I. Universidade Federal da Bahia 
 
 CDD- 345.0254 
 
 
 
 
 
THAIZE DE CARVALHO CORREIA GUTIERRIZ 
 
 
 
 
 
 
 
JUSTIÇA RESTAURATIVA: 
MÉTODO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS 
JURÍDICO-PENAIS PRATICADOS CONTRA A MULHER EM 
AMBIENTE DOMÉSTICO 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito, Faculdade de Direito, 
Universidade Federal da Bahia, como requisito 
parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito. 
 
 
Aprovada em _____ de _____________ de 2012. 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
 
Selma Pereira de Santana – Orientadora ____________________________ 
Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade 
de Coimbra. 
Universidade Federal da Bahia 
 
Saulo José Casali Bahia – Examinador ______________________________ 
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
Universidade Federal da Bahia 
 
Riccardo Cappi – Examinador ______________________________ 
Doutor em Criminologia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica. 
Universidade Federal de Feira de Santana 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Registro, inicialmente, que este trabalho é dedicado aos meus alunos, pois no 
dia em que entrei em uma sala de aula, como professora, pela primeira vez, e não 
fugi nos primeiros segundos, tive a certeza de que é isso que eu quero fazer por 
esta vida. É como me reconheço, onde me sinto bem, segura e feliz. 
Em relação ao trabalho desenvolvido, confesso que, por não ter tido contato 
com a pesquisa, nem com a elaboração de trabalhos científicos na graduação, (e 
também, na especialização, não nos moldes adequados), escrever esta dissertação 
foi uma mistura de desafio, superação e, muitas vezes, angustia. 
Porém, a vontade de lecionar sempre é muito maior, e foi em nome dessa 
paixão que entrei no programa de Pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, 
local, até então, completamente desconhecido para mim. E acreditem, valeu a pena 
cada passo, por mais longe que parecesse estar o fim. 
Pela decisiva passagem que enfrentei nesta casa, rendo meus cumprimentos 
àqueles que fazem do curso de extensão um período de dedicação, aprofundamento 
e ruptura paradigmática de vida, pois, depois de passar por aqui, posso afirmar que 
sou outra pessoa, em todos os aspectos, e, especialmente, em relação ao Direito e 
ao ensino jurídico. 
Os encontros foram acalentadores e, na mesma intensidade, reveladores. 
Primeiro em relação aos colegas penalistas, que me deram a certeza, desde a 
primeira aula, que para nos enquadrarmos em tal designação é preciso acreditar que 
trabalhar em prol do ser humano vale a pena, e que é preciso algo mais do que pena 
e castigo para melhorar a intervenção estatal. É preciso um pouco mais de 
humanidade para acreditar nisso. 
Preciso, ainda, registrar o encantamento e a perturbação vivenciados nas aulas 
da enorme Professora Marília Murici, que rompeu, de vez, com a minha arcaica e 
cartesiana visão do Direito. 
Não poderia, também, deixar de mencionar o quanto a disciplina Metodologia 
da Pesquisa influenciou a minha forma de pensar, pois os professores Nelson 
Cerqueira e Rodolfo Pamplona são capazes de tocar fundo na nossa consciência, 
 
 
além de acabar com nossos finais de semanas, madrugadas e intervalos, sempre no 
sentido de fazer com que, revisitando os clássicos, entendêssemos que não existe a 
melhor forma de pesquisar, devendo prevalecer, sempre, a produção científica. 
Com igual zelo e admiração, registro meu muito obrigada ao professor Saulo 
Casali que, de forma peculiar, contribuiu para o meu ciclo de aprendizado, ao tecer 
considerações decisivas sobre este trabalho quando da pré-banca. 
Lembrando, ainda, a importância da amizade, essa forma de amor atemporal e 
gratuita, não poderia deixar de dedicar o meu muitíssimo obrigada ao filósofo, 
professor e querido amigo Thiago Anton Alban, que esteve à minha disposição, não 
só para me indicar referências e ouvir as minhas impressões sobre o que havia lido, 
mas por apontar o capítulo da obra que deveria ser consultado, com uma precisão 
cirúrgica, própria dos estudiosos e atentos pesquisadores. 
Agradeço, ainda, e de maneira muito especial, à minha orientadora, Selma 
Santana, que no decorrer do curso, e mesmo antes dele, se mostrou uma verdadeira 
amiga, que, tenho certeza, não passou pela minha vida apenas neste caminho 
acadêmico, devendo permanecer, pelo menos, por esta encarnação. Minha gratidão 
por me proporcionar o contato com a Justiça Restaurativa, me fazendo acreditar que 
algo diferente do que está posto pode acontecer. 
Agradeço também ao meu marido, Ives Gutierriz, por me entender, muitas 
vezes só com um olhar ou com um silêncio, e me mostrar que o amor é um 
sentimento único e inquebrantável se embasado na admiração, ternura e uma dose 
de bom humor, sempre pela manhã e pela noite. 
Por fim, e sempre, meu eterno carinho à minha mainha, Odete Lima, pela 
dedicação e por me ensinar, a cada dia, o valor das pequenas coisas, me fazendo 
crer que o universo conspira sempre a favor, e que é preciso acreditar em dias e 
pessoas melhores. Um beijo do tamanho do globo terrestre mãe e obrigada, sempre, 
pelo companheirismo, também, nesta empreitada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Há um tempo em que é preciso 
abandonar as roupas usadas, que já têm 
a forma do nosso corpo, e esquecer os 
nossos caminhos, que nos levam sempre 
aos mesmos lugares. É o tempo da 
travessia: e, se não ousarmos fazê-la, 
teremos ficado, para sempre, à margem 
de nós mesmos. 
 
Fernando Pessoa 
 
 
 
GUTIERRIZ, Thaize de Carvalho Correia. Justiça restaurativa: método adequado 
de resolução dos conflitos jurídico-penais praticados contra a mulher em ambiente 
doméstico. 2012. 174 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, 
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. 
 
 
RESUMO 
 
 
Junto com a Teoria do Delito e o estudo propedêutico, a Teoria da Pena forma o 
tríplice alicerce da parte geral do Direito Penal. As críticas que brotam em torno 
deste ramo do ordenamento jurídico são mais contundentes quando se referem à 
sanção penal,sua forma de aplicação e execução. Por isso, revisitar as razões que 
fundamentam a pena é o primeiro passo para apresentar novas formas de 
tratamento dos eventos rotulados como criminosos. O Estado atua baseando-se em 
uma racionalidade aflitiva, justificando o seu modo de intervir na prevenção de 
infrações penais. São as Teorias Relativas que legitimam a sanção penal atual, sob 
o argumento de prevenir novos conflitos jurídico-penais. Este paradigma dominante 
está em crise, pois os fins propostos não conseguem ser alcançados. A forma atual 
de responder aos delitos não é capaz de atender aos anseios de uma sociedade 
complexa e plural. As causas e as consequências do crime são diversas, como 
também são os desejos dos envolvidos. Por isso, as partes podem, se assim 
entenderem, participar da solução do problema, democratizando a resposta aos 
conflitos rotulados como criminosos. Assim, em observância à Intervenção Mínima, 
os conflitos podem ser tratados pela Justiça Restaurativa, especialmente os que 
envolvem relações paritárias, como os são os decorrentes da violência doméstica. 
Mas não só esta modalidade de violência contra a mulher precisa ser tratada, pois 
há uma brutalidade estrutural contra as mulheres que também deve ser abordada de 
forma séria, e até de maneira mais densa do que a doméstica. Nesse contexto, 
atendendo a uma urgência democrática, apresenta-se a Justiça Restaurativa, um 
conjunto de práticas em busca de uma teoria, que, através da voluntariedade e do 
enfrentamento, devolve o conflito às partes. Juntos os envolvidos encontrarão a 
adequada resposta para aquele conflito. Esta forma de tratar os delitos é mais eficaz 
porque as partes participam da resolução do conflito, defendendo-se, nesta 
premissa, a importância autônoma deste procedimento. Dando o alinhamento à 
pesquisa, investiga-se, ainda, algumas questões relacionadas à construção social 
dos gêneros feminino e masculino, a fim de demonstrar que as questões 
relacionadas à violência doméstica são, antes de tudo, problemas de base, para só 
depois analisar a Lei 11.340/2006, chegando-se, por derradeiro, à conclusão de que 
o novo paradigma restaurador é muito mais adequado do que o atual paradigma 
hermético e aflitivo com que o Estado trata esses crimes e os envolvidos neles. 
 
Palavras-Chave: Justiça restaurativa. Resposta adequada. Violência contra mulher. 
Ambiente doméstico. 
 
 
 
 
GUTIERRIZ, Thaize de Carvalho Correia. Restorative justice: adequate method of 
resolving criminal-legal conflicts practiced against women in domestic environment. 
2012. 174 pp. Master Dissertation – Faculdade de Direito, Universidade Federal da 
Bahia, Salvador, 2012. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
Along with Criminal Offence Theory and the propaedeutic study, the Crime Theory 
creates the triple foundation of Criminal Law general part .The criticism around this 
portion of law are stronger when they refer to criminal sanction, its form of 
implementation and enforcement. That is why is important to review the reasons that 
substantiate the penalty. This is the first step to introduce new forms of treatment to 
events described as criminals. The state operates based on a distressing rationality, 
justifying its intervening in preventing criminal offences way. There are the Relating 
Theories that legitimize the current criminal penalty under the argument to prevent 
new conflicts legal-criminal. But this dominant paradigm is in crisis, because the final 
purpose can not be achieved. The current way to respond to crimes is not able to 
attend the needs of a plural and complex society. The causes and consequences of 
crime are diverse, the involved desires are diverse as well. Victim, offender and 
society can find out the solution to the problem by themselves, using democracy to 
respond conflicts described as criminals. In observance to the Minimum Intervention, 
conflicts can be dealt by Restorative Justice, especially those relationships which 
involve parity such as domestic violence. Not only this form of violence against 
women needs to be treated, there is a structural brutality against women that must 
also be addressed seriously, and even denser than the domestic violence. In this 
context, attending a democratic urgency, Restorative Justice appears, a set of 
practices in searching of a theory, which through the willingness and confrontation, 
conflict returns to the parties. The involved find the proper response to that conflict 
together and extrajudicially. This method of treating the offences is more effective 
because the parties involved in the conflict defend themselves, on this premise, the 
importance of an independent process. Continuing and investigating this research, 
some of social construction about female and male genders in order to demonstrate 
issues related to domestic violence are basis problems, for only then analyze the law 
11.340/2006, coming up to the conclusion that the new restorer paradigm is more 
appropriate than the current airtight and distressing paradigm which the State treats 
these crimes and the involved. 
 
Keywords: Restorative justice. Appropriate response. Violence against women. 
Domestic environment. 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................10 
2 A (R) EVOLUÇÃO DO PODER DE PUNIR ..................................................15 
2.1 O AUTISMO ESTATAL E A HERMETIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ............15 
2.1.1 O Atuar Estatal em Nome da Proteção de Bens ......................................18 
2.1.2 As Teorias Legitimadoras da Pena como Sanção Pública Soberana ....21 
2.1.3 Breve Visão Criminológica da Pena ..........................................................28 
2.1.4 Constatando Problemas e Verificando a Necessidade de Flexibilização 
do Atuar Estatal ..........................................................................................34 
2.2 A ABERTURA DIALÓGICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA 
RESPOSTA PENAL......................................................................................39 
2.2.1 A Difícil Tarefa entre a Ordem e a Dinâmica Social .................................40 
2.2.2 Adaptando o Paradigma Atual aos Novos Anseios Democráticos ........43 
2.2.3 O Delito Não Existe Fora da Linguagem ...................................................49 
2.2.4 Justiça Intersubjetiva: Uma Releitura Paradigmática..............................53 
3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO RESPOSTA ADEQUADA A 
SITUAÇÃO ATUAL ......................................................................................57 
3.1 A CONTRIBUIÇÃO DOS ABOLICIONISTAS ...............................................58 
3.2 A NECESSÁRIA DIVERSIFICAÇÃO NO SISTEMA PENAL ........................63 
3.2.1 O Delito como Problema de Dois Antes de Ser Problema de Todos .....65 
3.2.2 A Promessa Estatal e a Realidade Alcançada ..........................................67 
3.2.3 A Interpretação dos Princípios Penais a partir da Releitura Paradigmática
 ......................................................................................................................71 
3.3 O PROCESSO RESTAURATIVO .................................................................75 
3.3.1 Histórico e Conceito da Justiça Restaurativa ..........................................75 
3.3.2 Princípios Relacionados ao Tema .............................................................77 
3.3.3 A Mediação na Ótica Restaurativa ............................................................84 
3.3.4 O Processo como Caminho e Não como Fim ..........................................97 
 
 
 
4 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: AMPLIANDO O DEBATE PARA ACERTAR NA 
PROTEÇÃO .................................................................................................100 
4.1 UMA QUESTÃO DE GENÊRO .....................................................................101 
4.2 A PROTEÇÃO PENAL ATRAVÉS DA LEI MARIA DA PENHA....................107 
4.2.1 A Lei 11.340/2006 ........................................................................................108 
4.2.2 A Mulher Destinatária da Proteção e as Espécies de Violência .............114 
4.2.3 Tratamento Dispensado às Vítimas ..........................................................116 
4.2.4 A Estigmatização da Mulher como Sexo Frágil .......................................122 
4.3 A NECESSIDADE DE DIVERSIFICAR AS RESPOSTAS AOS DELITOS QUE 
ENVOLVEM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA........................................................130 
4.3.1 A Mulher como Agente Transformador ....................................................131 
4.3.2 Por um Processo Duplo de Descontinuidade ..........................................136 
4.3.3 E Agora? Efeitos Permanentes do Processo Restaurativo ....................141 
5 A ADEQUAÇÃO DOS MÉTODOS RESTAURATIVOS NOS CONFLITOS 
ENVOLVENDO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ..............143 
5.1 OS DESEJOS DOS ENVOLVIDOS E AS POSSIBLIDADES NOS MOLDES 
ATUAIS .........................................................................................................145 
5.2 OS MÉTODOS RESTAURATIVOS COMO FORMA ADEQUADA DE 
TRATAMENTO PENAL ................................................................................152 
5.2.1 Delitos que Comportam o Diálogo ............................................................156 
5.2.2 Método Restaurativo Eleito: A Mediação ..................................................158 
5.3 CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS DO PROCESSO RESTAURADOR ...............161 
5.4 ENFIM, A EMANCIPAÇÃO FEMININA .........................................................164 
6 CONCLUSÃO ..............................................................................................168 
 REFERÊNCIAS ...........................................................................................171 
 
10 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O objetivo deste trabalho é apresentar a Justiça Restaurativa como caminho 
adequado na busca pela prevenção do delito, de forma efetiva e adequada no 
tratamento dos conflitos que envolvem a violência contra a mulher em ambiente 
doméstico. 
Para tanto, é indispensável entender as bases que sustentam a sanção aflitiva, 
imposta hermeticamente pelo Estado, sem considerar as peculiaridades do caso 
concreto de forma ampla, impondo uma resposta idêntica e, muitas vezes, 
ineficiente ao comportamento rotulado como criminoso, sem se perquirir as causas, 
as consequências e, especialmente, os desejos dos envolvidos na situação 
problemática. 
Nesse contexto, o primeiro capítulo de desenvolvimento se destina a 
apresentar as bases nas quais se edificam as justificativas para a conformação da 
atual justiça penal. A hipótese básica desta intervenção se dá em nome da proteção 
de bens jurídicos. 
Torna-se necessário, ainda, revisitar as teorias que sustentam a existência da 
pena nos moldes contemporâneos, revelando que as doutrinas preventivas ocupam, 
de forma adequada, o espaço democrático, na medida em que demonstram que a 
punição só pode se justificar quando objetivarem fins mais amplos do que a mera 
retribuição. Nesse contexto, defender-se-á a imposição de pena privativa de 
liberdade àquele que praticou uma conduta descrita como criminosa só quando 
extremamente necessário, devendo o Estado atuar, sempre, no sentido de reintegrar 
o cidadão à sociedade. 
Esta finalidade acolhedora não encontra consonância, nem na forma com que 
o Estado aplica esta sanção, nem na consciência da sociedade atual, que deseja, na 
grande maioria das vezes, que aquele que ofendeu seu bem jurídico “pague pelo 
que fez”, seja preso, e fique na cadeia o maior tempo possível, baseando-se em um 
sentimento retributivo que cega e desvirtua o aparelho estatal e os membros 
coletivos. 
Assim, o que se vê, na prática, é um afastamento abismal entre a teoria e a 
realidade. A intervenção estatal mediante o Direito Penal, especialmente em países 
11 
 
periféricos e de tamanha desigualdade social, como o Brasil, não pode ser no 
sentido de excluir e estigmatizar o cidadão que praticou uma conduta rotulada como 
criminosa. 
A intenção precípua da sanção penal deve ser pautada na ressocialização 
social do condenado, associada à tentativa de fazê-lo escolher outro caminho, não 
criminoso. Tudo em harmonia com as doutrinas que fundam as Teorias Relativas da 
pena, também apresentadas no primeiro capítulo. 
Se as promessas preventivas não estão sendo cumpridas, é dever de todos 
investigar caminhos que as efetivem. A justificativa da intervenção está nas teorias 
preventivas, as práticas eleitas pela Política Criminal devem se adequar à esta 
doutrina. Se os métodos atuais não vem dando resultado, que sejam alterados, até 
que os objetivos sejam, enfim, alcançados. A obrigação é de todos, e ainda mais 
densa daqueles que participam desse fazer penal. A pesquisa leva à estas 
conclusões, devendo as investigações se inclinarem para alterar os paradigmas, 
sempre no sentido de atender às demandas sociais com efetividade, respeitando a 
Carta Magna deste país e suas diretrizes básicas. 
Este sentido deve pautar as obrigações estatais, no intuito de garantir a 
convivência pacífica entre os cidadãos, alterando sua maneira de atuar quando os 
antigos métodos se mostrarem desatualizados, observando que certos paradigmas 
só são mantidos por uma questão de costume, de acomodação. 
Se a pena, nos atuais moldes aflitivos, não atende às finalidades propostas, é 
preciso alterá-la. Isso não significa que o Direito Penal será abolido, mas, em nome 
do princípio da Intervenção Mínima, que outras formas não aflitivas e democráticas 
de solucionar os conflitos são capazes de atender, de maneira muito mais 
adequada, as necessidades das partes e também da coletividade. 
Sair do conforto, apresentar outra via dialógica aos conflitos é sempre uma 
tarefa incômoda, pois ocasiona desconfiança e medo. Por isso, é preciso entender 
as limitações humanas, presas a convicções que, muitas vezes, não se justificam, 
pois edificadas no terreno frágil de preconceitos e amarras que se desfazem no ar, 
pela insustentabilidade dos argumentos. 
Diante desta realidade, os preconceitos são apresentados através da filosofia 
de Francis Bacon, seguida da necessidade de transmutação de paradigmas em 
12 
 
crise, nas raízes filosóficas de Thomas Kuhn. Dois autores que, junto com 
Boaventura de Sousa Santos, regem a defesa da possibilidade de troca da 
racionalidade aflitiva da sanção penal atual, caracterizada pela univocidade da 
mesma, por uma Justiça dialógica, onde todos os envolvidos podem falar e ser 
ouvidos, dando relevância ao processo e não só ao seu resultado. 
Preparando o terreno para o novo paradigma, ressalta-se, também, a 
inexistência do delito fora da comunicação, da valoração, pois essencialmente o 
delito não existe, já que é sempre aquilo que a sociedade disse que é, em 
determinado tempo, dependendo da intervenção humana. Nesse prisma, as razões 
e as consequências, bem como a forma de enxergar aquele que cometeu um crime 
são sempre variáveis, devendo ser assim também, a resposta a tal comportamento. 
Verifica-se, ainda, que as promessas preventivas que justificam (ou tentam 
justificar) a existência de uma sanção aflitiva não foram alcançadas, devendo o 
Estado adequar sua atuação à dinâmica social, que exige mudanças para 
atendimento dos novos anseios. 
Assim, no capítulo seguinte, a Justiça Restaurativa é apresentada como forma 
de oxigenar o sistema penal, ressaltando que este conjunto de métodos ainda não 
conta com uma conceituação fechada, sendo muito mais uma prática do que uma 
teoria, situação que não traz grandes problemas, diante, especialmente, do 
esvaziamento das teorias que legitimam as atuais formas de intervenção penal. 
Na continuação, são apresentados os princípios que sustentam a Justiça 
Restaurativa, que tem, porescopo, o refazimento dos elos partidos pelo evento 
danoso, oferecendo especial atenção à reparação material e moral do conflito, 
possibilitando, em um ambiente negocial, que as partes sejam ouvidas e enfrentem 
seus problemas de maneira pessoal, dando a solução que entenderam mais 
adequadas. 
Colaciona-se, ainda, algumas experiências da aplicação dos métodos da 
Justiça Restaurativa no mundo, demonstrando a eficácia desta espécie de justiça 
reparadora, que considera o delito, primeiramente, um problema de dois, antes de 
ser tratado como um ataque à sociedade, como se considera no paradigma atual, 
tornando-o um problema a ser solucionado pelas partes diretamente envolvidas e 
pela coletividade circunscrita. 
13 
 
Esta forma de encarar o crime possibilita que os atores do evento danoso 
aproximem-se, participem da construção da resposta e não apenas assistam suas 
vidas sendo tratadas e interpretadas de forma artificial e, muitas vezes, em 
descompasso com a realidade e seus desejos. 
Democratizando a resposta ao crime, previne-se o delito de forma muito mais 
densa, pois todos experimentam a justiça, porque participam da sua realização. 
Dando recorte ao tema, no terceiro capítulo de desenvolvimento, analisa-se a 
violência doméstica, conflitos ocorridos no seio de relações paritárias, ou seja, as 
partes envolvidas no problema continuarão, na grande maioria das vezes, a 
conviver, especialmente quando desta relação advierem filhos. Estes problemas 
precisam ser tratados com especial atenção, pois a relação entre os envolvidos não 
é pontual, eles se conhecem, estão envoltos em sentimentos e histórias que 
superam a vida dos autos, necessitando de tratamento diverso, pois, provavelmente, 
continuarão a conviver após o encerramento de mais um caso penal. 
Nesse sentido, analisando as nuances desta modalidade de violência, 
apresenta-se o tratamento dispensado à violência doméstica cometida contra a 
mulher pelo ordenamento jurídico brasileiro, sopesando-se a legislação pátria, a 
conformação histórica que a originou, especialmente a história da farmacêutica 
Maria da Penha Fernandes, e a interpretação jurídica dada à Lei 11.340, de 2006. 
O trabalho foi além da história e da análise da legislação acerca da violência 
doméstica, pois esta forma de agressão, muitas vezes, deriva de um comportamento 
social violento para com o gênero feminino. A violência estrutural contra a mulher é 
mais ampla, e, muitas vezes, tão cruel quanto a violência doméstica, pois, muitas 
vezes, todos (inclusive a própria mulher) dispensam tratamento preconceituoso e 
agressivo às mesmas, mantendo-as vítimas de um destino e de um sistema 
socialmente impostos. 
Esta forma velada de agredir, mediante olhares animalescos, comentários que 
reduzem as mulheres a um mero objeto de desejo sexual, também precisa ser 
abordada, pois este comportamento repugnante acaba por incentivar, quando não 
corrobora, com a prática da violência entre companheiros e cônjuges. 
A normalidade desta forma de violência assusta tanto quanto àquela agressão 
que ocorre no seio da família, praticada pelo companheiro, por quem já lhe deu 
14 
 
amor, carinho e sustento. 
Nesse prisma, ampliando o debate sobre a violência contra a mulher, se 
defende, já no capítulo final de desenvolvimento, a aplicação dos métodos 
restaurativos, como forma de empoderar esta mulher vítima de violência, que precisa 
retomar as rédeas da sua vida, assumir o comando, sair do papel de submissa e se 
tornar agente transformadora da sua própria história, revelando que a participação 
dela em um procedimento restaurativo auxilia nesse processo de resolução 
participativa de conflitos. 
Assim, acreditando que todos os envolvidos no conflito precisam de ajuda e 
podem intervir de maneira ativa na construção da resposta ao problema, é que a 
proposta pela aplicação da mediação, como forma adequada de tratar problemas 
advindos dos conflitos domésticos, é defendida, pois se entende mais equânime e 
satisfatória, uma vez que possibilita o debate, dirigido por um terceiro preparado 
para tal fim, mediante o qual todos – vítima, agressor e sociedade –, juntos, 
alcançam a melhor solução para o problema. 
Por derradeiro, faz-se uma análise do momento que estes conflitos serão 
encaminhados a um procedimento restaurativo, revelando, ainda, os benefícios 
dessa técnica e consequências judiciais do acordo celebrado na mediação, e 
homologado posteriormente pelo Judiciário, considerando, para tanto, a gravidade 
do delito, entre outros fatores como a reincidência. 
Revelando a importância central do processo restaurativo, dada à suficiência 
no trato de delitos que envolvem violência contra mulher no ambiente doméstico, 
pondera-se, aduz-se, também, uma importância transcendental desses 
procedimentos, pois esta especial vítima, submissa ao sistema, dependendo sempre 
da proteção do outro (do masculino), passa a assumir um papel de agente, 
oportunizando-se, assim, a efetiva igualdade entre os gêneros. 
 
15 
 
2 A (R) EVOLUÇÃO DO PODER DE PUNIR 
 
Se eu fosse príncipe ou legislador, não perderia 
meu tempo em dizer o que é preciso fazer; eu o 
faria ou me calaria. 
Jean-Jacques Rousseau 
 
Para questionar o atual sistema penal e apresentar uma nova roupagem à 
atuação Estatal no que se refere a esta forma de intervenção, é necessário expor as 
bases que o legitimam. Isso porque são as promessas estatais que irão sustentar a 
nova opção no tratamento dos problemas rotulados como criminosos. 
Assim, para manter legítimo o sistema penal atual, é imprescindível trazer à 
baila as bases que esse conjunto de regras e princípios se funda, para, após, 
defender a Justiça Restaurativa como opção adequada de reação penal aos 
problemas jurídicos desta natureza, especialmente, aos delitos cometidos dentro da 
vida privada das pessoas. 
Esta transição atende aos novos anseios sociais, diante da necessidade de 
articulação entre o Direito e as novas estruturas que emergem da coletividade e 
clamam por novas formas de atuação estatal. 
Destarte, passa-se a expor os fundamentos da sanção penal e as justificativas 
da sua existência, sendo indispensável tal sintetização para a defesa de novos 
rumos, dentro, ainda, destas mesmas bases, porém, de forma a atender, com 
eficiência, aos atuais problemas penais, diante dos resultados desastrosos das 
presentes formas de intervenção penal. 
 
2.1 O AUTISMO ESTATAL E A HERMETIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI 
 
Entre as mais diversas condutas humanas, algumas delas são consideradas 
criminosas, e o são aquelas que determinado órgão1 assim determinou, no caso 
brasileiro, o Congresso Nacional, mediante uma lei com características próprias. 
Porém, nem sempre foi o Estado o responsável por esta seleção. Ao longo da 
 
1
 A necessidade de atribuir a qualidade de delituosa a certa conduta será debatida no item 2.2.3. 
16 
 
história, tal poder esteve nas mãos dos particulares, da Igreja, e, por fim, quando da 
ascensão do Estado Absoluto, este poder passou a ser exercido pela coroa, 
tornando-se, a partir de então, exclusivamente pública tal decisão. 
Este sistema penal, por meio do qual o Poder Público domina o direito de punir, 
e o faz de forma hermética e automática, não é questionado de maneira adequada, 
isto porque a racionalidade penal moderna, nas palavras de Álvaro Pires, impõe uma 
equação, linear e simplificada, que privilegia uma linha de pensamento medieval: 
“segundo a qual é a pena aflitiva que comunica o valor da norma de 
comportamento”2, ou seja: a um comportamento “x” aplica-se uma sanção “y”. 
A proposta deste trabalho é também sopesar esta situação posta e poucas 
vezes contestada. Prega-se que o crime é sempre uma lesão mediata ou imediata à 
coletividade, e a sanção precisa ser aplicada e executada pelos órgãos do Poder 
Público, sem a participação ativados envolvidos. 
Sobre o tema sistema penal, é preciso deixar claro o que ele significa, nos 
termos propostos por Eugênio Raúl Zaffaroni: 
Chamamos de “sistema penal” ao controle social punitivo institucionalizado, 
que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se 
uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo 
uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a 
atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação. 
Esta é a ideia de “sistema penal” em um sentido limitado, englobando a 
atividade do legislador, do público, dos juízes, promotores e funcionários da 
execução penal
3
. 
Estudar este controle punitivo, institucionalizado e fechado em relação aos 
anseios dos diretamente envolvidos no conflito, faz-se indispensável, pois é com 
base nesse caráter público e aflitivo do Direito Penal, e do atuar estatal, que todo 
conhecimento é construído4. 
Esta racionalidade substancial (estrutura telescópica consubstanciada na 
fórmula: quem prática “x” recebe a pena “y”) causa três problemas, nos dizeres de 
Álvaro Pires. O primeiro é a que o crime vai ser definido pela pena. Não havendo 
delito sem a cominação de medida repressiva. Isso impossibilita pensar o sistema 
 
2
 PIRES, Álvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos, 
São Paulo, n. 68, mar. 2004, p. 41. 
3
 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. rev. e atual. São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 1, p. 65-66. 
4
 Cf. Ibid., loc. cit. 
17 
 
sem sanção penal5. O segundo é a tentativa de simplificar o trabalho do legislador e 
do juiz, no momento da escolha: “tender-se-á a crer que eles devem privilegiar a 
escolha da pena aflitiva, particularmente a de prisão, de modo que ela aparecerá 
como uma resposta evidente”6. E o terceiro problema é verificado no plano filosófico, 
já que crime e pena provocam uma “formidável ilusão” de necessidade e identidade 
quanto à natureza dessa associação, o que se manifesta sobre dois aspectos: o 
primeiro é conceber que ambas (norma de comportamento e sanção) são 
obrigatórias. Enquanto só a primeira o é. 
Nessa linha de racionalidade penal, outro problema se estabelece. O de que a 
sanção seja sempre negativa, vez que o crime é visto como um mal que a ela se 
aplica outro mal, a pena: “buscando direta e intencionalmente produzir um mal para 
apagar o primeiro mal ou para efeito de dissuasão”7. 
Dito isso, o autor adverte: “a racionalidade penal moderna constitui, portanto 
um obstáculo epistemológico ao conhecimento da questão penal e, ao mesmo 
tempo, à inovação, isto é, à criação de uma nova racionalidade penal e de outra 
estrutura normativa”8. 
Assim, a forma de tratar os delitos baseia-se em um raciocínio aflitivo, sempre 
no intuito de impor um mal doloroso àqueles que cometem crimes. E esta forma de 
resolver os problemas, muitas vezes, não encontra respaldo social, pois as 
pretensões assumidas pelo Estado, no desenvolvimento da tarefa penal, não estão 
sendo alcançadas, pois os resultados carcerários são desastrosos. Além do 
endurecimento das penas não diminuir a criminalidade, a inadequação da execução 
das sanções impostas pelo Estado não atende às expectativas das partes 
envolvidas no conflito, além de não atender aos anseios dos demais membros da 
coletividade, que rogam por sanções mais rigorosas, ao mesmo tempo em que 
demonstram que não acreditam na intervenção penal. 
Diante do contrassenso, faz-se necessário investigar caminhos mais eficazes 
no tratamento dos comportamentos delitivos. 
 
 
5
 Cf. PIRES, 2004, p. 41. 
6
 Ibid., p. 42. 
7
 Ibid., loc. cit. 
8
 Ibid., loc. cit. 
18 
 
2.1.1 O Atuar Estatal em Nome da Proteção de Bens 
 
Estando o jus puniendi sob o controle exclusivo do Estado, será ele quem 
decidirá quais as condutas devem ser consideradas criminosas, e qual a sanção a 
ser aplicada àqueles que a praticarem. E como critério deste atuar penal, o Estado 
elegeu a proteção de bem jurídico9. Assim, baseando-se no valor superior de certos 
bens da vida, decidirá quais as ações e omissões os violarão se praticadas, situação 
que justificará a imposição da sanção penal. 
Nesse sentido, Luiz Régis Prado, aduz que: “o pensamento jurídico moderno 
reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção 
de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e a comunidade”10. 
Assim, o Direito Penal existe como instrumento de proteção e pacificação 
social, possibilitando que a coletividade conviva, de forma harmônica, sem guerras 
constantes diante da violação de bens da vida, na medida em que oferece um 
conjunto de regras predefinidas no trato com os problemas considerados penais. 
E esse argumento é válido. O Estado precisa intervir na individualidade de 
cada cidadão, quando este viola a esfera de proteção do outro, isto porque a 
liberdade humana convive (e até mesmo se revela) na sociabilidade. Nos dizeres de 
Calmon de Passos: 
A abertura para o mundo que somos, enquanto liberdade (ser individual) 
cumpre-se, portanto, e inevitavelmente, no contexto fechado que é a ordem 
social. Duas evidências que se impõem e não podem ser ignoradas: uma 
dada ordem social precede qualquer desenvolvimento individual orgânico; o 
que importa o reconhecimento de que a ordem social apropria-se, 
previamente e sempre, da abertura para o mundo que somos como 
liberdade, como individuo, embora esta abertura, esta liberdade sejam 
intrínsecas à constituição biológica do homem
11
. 
Nessa seara, projetado para ser aplicado dentro do Estado Democrático de 
 
9
 Importante deixar registrado que a ideia de proteção de bem jurídico como função precípua do 
Direito Penal só foi introduzida a partir do século XIX, conforme asseveram Bianchini, Molina e 
Gomes (Cf. BIANCHINI, Alice; MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Direito 
penal: introdução e princípios fundamentais. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2009, p. 252-254) e ainda Prado (Cf. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e 
constituição. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 27), quando 
afirmam que antes o delito era encarado como uma ofensa a um direito subjetivo, por isso 
sancionado. Só a partir da publicação do artigo de Birnbaum (1834) é que nasce a ideia de tutela de 
bem jurídico, como forma de limitar o atuar penal estatal, restringindo-o a proteção de bens. 
10
 PRADO, 2009, p. 54-55. 
11
 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos 
julgam. Rio de janeiro: Forense, 2003, p. 42. 
19 
 
Direito, eleito pela Constituição Federal de 1988, o Direito Penal deve ser limitado 
por certos princípios12, já que aplicará ao homem uma sanção, em regra, privativa de 
liberdade, prática que precisa ser abundantemente justificada, na medida em que 
violará uma garantia individual outorgada aos cidadãos no texto constitucional. 
Por esta razão, todos os princípios que fundam o Direito Penal devem ser 
estritamente observados, sendo tarefa precípua do Estado, rotular, como criminosa, 
a conduta que lesione, efetivamente, esses bens considerados de maior importância 
para e pela coletividade. 
De mais a mais, não é qualquer bem jurídico que receberá a proteção penal (só 
os mais importantes), e nem toda conduta que se subsumir à lei penal será 
considerada merecedora de sanção penal13, analisando-se, tanto o desvalor da 
 
12 Os princípios estampados ou decorrentes da Constituição Federal devem ser cumpridos com rigor 
no campo penal, pois é observando essas normas de otimização (nos termos do quantodemonstrado 
na importante obra de Robert Alexy denominada “Teoria dos Direitos Fundamentais”) que a atuação 
estatal se legitima. Não é outra a conclusão do movimento chamado Neoconstitucionalista, 
manifestação que fortalece a proteção dos direitos fundamentais, nos dizeres de Dirley da Cunha 
Junior: A esse pensamento dá-se o nome de neoconstitucionalismo e instaura o Estado 
Constitucional de Direito. Isso se deu em razão da barbárie do holocausto, ocorrido na Segunda 
Grande Guerra, “legitimado” pelo Estado Legislativo de Direito. Transmutando o paradigma da 
legalidade para o da constitucionalidade, condicionando a produção legislativa, tanto formal como 
material, à Constituição (CUNHA JUNIOR, Dirley da, Curso De Direito Constitucional. 5. ed. ampl. 
rev. e atual., Salvador: Juspodivm, 2011, p. 40). Nesse prisma, apresenta-se, como princípio basilar 
do Direito Penal, a Intervenção Mínima, que limita o sistema na medida em que condiciona sua 
destinação à proteção de certos bens jurídicos. Outro princípio do sistema penal é a Legalidade, que 
determina que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. 
Trata-se de orientação vinculante que inaugura a forma como o Estado vai operar, observando a 
segurança dos cidadãos, que devem conhecer previamente quais as condutas criminosas, com a 
precisão e clareza (além da anterioridade) necessárias ao atendimento da expectativa gerada pela 
norma. Nas linhas de Nilo Batista: “o princípio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, 
como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva”. 
Ressalvando, ainda, o autor, que além desse caráter, o analisado princípio: “deve igualmente ser 
entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, 
mesmo associada causalmente a um resultado, lhe seja reprovável (BATISTA, Nilo. Introdução 
Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Revan, 11. ed., 2007, p.103). Na mesma esteira, 
elenca-se, ainda, o princípio da Adequação Social, como norteador da tarefa legislativa, devendo se 
observar quais as demandas sociais clamam por esta proteção penal. Assim, a conduta a ser descrita 
como criminosa precisa ter relevância social, para ser definida como delituosa. Para tanto, o 
legislador deve sopesar aquilo que a sociedade considera como repugnante, não tipificando condutas 
toleradas ou fomentadas. Traz-se, ainda, à baila o princípio da Ofensividade, decorrente da alteridade 
que caracteriza o Direito Penal, não podendo ser eleita como delituosa uma conduta interna, imoral 
ou que não exceda a esfera individual do agente, devendo, portanto, atingir o bem jurídico de terceiro 
para justificar a etiqueta de criminosa. Assim, a atuação estatal deve se pautar observando esses 
pilares traçados na Carta Magna deste país, sob pena de deslegitimar sua atuação, ferindo, portanto, 
o sistema eleito como Democrático de Direito. Nunca é demais frisar a importância da observância 
dos princípios constitucionalmente eleitos como basilares da atuação estatal, principalmente após a 
segunda grande guerra, quando surgiu o movimento neoconstitucionalista, orientando que os juristas 
harmonizassem a lei com as normas programáticas previstas no texto constitucional. 
13
 Aplicação do princípio da insignificância, por exemplo, que vai afastar a tipicidade material daquela 
conduta que não ferir, de forma mínima, o bem jurídico tutelado pela lei. Assim, algumas condutas 
20 
 
conduta, como o desvalor do resultado. 
Assim, a atuação estatal que se baseia na proteção de bens jurídicos deve 
atuar com premissas claras, trilhando um caminho seguro na maneira de intervir, já 
que elegeu, como juízo de valor, a concretização dessa proteção, devendo pautar-se 
em três regras básicas, conforme demonstra Luiz Régis Prado. 
Primeiro em relação à atuação legiferante, uma vez que o legislador não é livre 
para elevar a categoria de bem jurídico qualquer juízo de valor, estando ele 
vinculado às metas traçadas na Constituição Federal14. Segundo, as condições e as 
funções da sociedade é que vão delimitar, valorativamente, este conteúdo material 
do bem jurídico e, por fim, (terceira regra) esse tipo penal deve ser, ainda, atingido 
por ações que efetivamente exponham ou lesionem este bem protegido, para 
legitimar, assim, a intervenção estatal penal. 
Sobre a relação do poder15 e o Direito, Calmon de Passos frisa que esta 
convivência deve ser pautada por certos limites, lembrando que a atuação estatal 
funda-se em exercício de força, já que os indivíduos se juntaram para que, em 
sociedade, vivam melhor, elegendo, consequentemente, um centro que a gerencie16. 
Nesta seara, faz-se indispensável a criação de mecanismos limitadores, para 
que aquele que exerce o poder não substitua os interesses coletivos pelos seus 
particulares, já que, nos dizeres do supracitado autor, o poder, entregue à sua 
vocação, independente de quem o exerça (não importa a classe social) não 
concede, não negocia, submete exatamente porque é poder, vez que: 
Entregue à sua vocação intrínseca, todo poder é opressor, excludente, 
apropriador e desigualizador, deixando de ter essa fisionomia na medida em 
 
que se encaixem na descrição formal de um tipo penal, não serão consideradas criminosas, diante da 
pouca lesividade do resultado danoso. Frise-se que este princípio deriva do sistema, não estando 
expresso no texto constitucional, porém, sendo abundantemente utilizado, como forma de política 
criminal. Nesse sentido, ver decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: HC 109.739/SP, rel. 
Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 
rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674, rel. Min. Carmen Lúcia, DJe 14.9.2011. 
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 12 jul. 2012. 
Da mesma forma, também por opção político criminal, algumas pessoas que agiram praticando 
crimes considerados graves, não receberão pena, quando o resultado da ação, por si só, já significar 
uma sanção. É o caso de mães e pais que praticam homicídio culposo contra sua prole. Nesses 
casos bizarros, o Estado deixará de sancioná-los, pois a dor causada pela ação já é penosa o 
suficiente, aplicando-se o perdão judicial previsto no art. 107, inciso IX, do Código Penal brasileiro. 
14
 Cf. PRADO, 2009, p. 54. 
15
 Termo utilizado aqui nos moldes descritos por José Joaquim Calmon de Passos que define poder 
como capacidade, para qualquer instância que seja de levar alguém a fazer (ou não fazer) o que, 
entregue a si mesmo, ele não faria necessariamente. 
16
 Cf. PASSOS, 2003, p. 44. 
21 
 
que outro poder a ele se contraponha e lhe diminua o espaço da 
dominação, da apropriação. Donde concluir que a justiça socialmente 
possível é sempre o resultado do confronto dessas duas forças – o poder 
dos que comandam e o não-poder dos que obedecem, o que gera sempre 
um equilíbrio instável, só capaz de manter-se mediante um agir permanente 
e eficaz tanto de dominadores como de dominados
17
. 
Esse contrapoder é exercido, no caso do Direito Penal, pelos princípios, que 
atuam como barreira de contenção, devendo, portanto, ser sempre enfatizados, 
tanto na atividade legiferante, como na atividade jurisdicional18. 
Esta restrição é extraída da mesma fonte que legitima o atuar penal: a 
Constituição Federal, que através dos princípios limita o poder de punir do Estado, 
condicionando sua atividade a certos rigores, já que a intervenção através do Direito 
Penal terá sempre uma consequência violenta, pois retirará do cidadão sua 
liberdade ou, no mínimo, suprimirá certos direitos. De qualquer maneira, a sanção 
penal significa uma restrição, e, consequentemente, uma cicatriz social indesejada19.2.1.2 As Teorias Legitimadoras da Pena como Sanção Pública Soberana 
 
A Modernidade apresentou a pena privativa de liberdade como resposta oficial 
às infrações penais, já que a Antiguidade e a Idade Média não a adotavam como 
sanção principal. 
Assim, quando a pena privativa de liberdade foi eleita como sanção cardeal, 
nasceu a necessidade de teorizar essa mudança, surgindo, então, as chamadas 
Teorias da Pena. 
Nesse interim, é indispensável apresentar as teorias que justificam a aplicação 
da pena aos comportamentos taxados como criminosos, baseando-se na ideia de 
que aquele que realiza a conduta descrita no tipo penal incriminador significa uma 
ameaça à toda coletividade, justificando, destarte, a atuação exclusiva do aparelho 
 
17
 PASSOS, 2003, p. 55-56. 
18
 Fundamental deixar registrado que todos os aplicadores e construtores do Direito devem pautar 
seu trabalho para concretizar a harmonia social, não esquecendo que o Direito é apenas um 
mecanismo que instrumentaliza essa promessa, não havendo como não relacioná-lo aos fins sociais 
que o justificam. O conjunto de regras e princípios que destinam-se a cumprir fins extrínsecos a ele, 
que deve observar os anseios daquela coletividade em determinada época que ele serve. 
19
 Principalmente da sociedade brasileira que vê o cidadão condenado penalmente como alguém 
eternamente perigoso, diferente, logo, que vai carregar o estigma da culpa e da delinquência por toda 
vida. 
22 
 
estatal, impossibilitando qualquer processo comunicacional entre os envolvidos na 
contenda. 
Frise-se que as teorias apresentadas pela doutrina relacionadas à sanção 
penal classificam-se em legitimadoras (Absoluta e Relativas), na medida em que 
embasam o atuar penal nos moldes atuais; e em deslegitimadoras (etiquetamento, 
manutenção da ordem20, mero exercício de poder), recebendo esta nomenclatura 
em razão da crítica da doutrina21 que assim as classificam. Serão abordadas, de 
forma sintética, as principais teorias que legitimam a sanção penal, pois estão 
relacionadas ao tema. 
Jorge de Figueiredo Dias esclarece que, para o grupo de juristas que defende a 
Teoria denominada Absoluta: “a essência da pena criminal reside na retribuição, 
expiação, reparação ou compensação do mal do crime e nesta essência se 
esgota”22. 
Demonstrando o que foi largamente defendido por Hegel e Kant, o autor lembra 
que, para esta teoria: 
a medida concreta da pena com que deve ser punido um certo agente por 
um determinado facto não pode ser encontrada em função de outros pontos 
de vista (por mais que eles se revelem socialmente valiosos e desejáveis) 
que não sejam o da correspondência entre a pena e o facto
23
. 
Também nesse sentido, Roxin aduz que: 
La concepción de la pena como retribución compensatoria realmente ya es 
conocida desde la antigüedad y permanece viva en la conciencia de los 
profanos con una cierta naturalidad: la pena debe ser justa y eso presupone 
que se corresponda en su duración e intensidad com la gravedad del delito, 
que lo compense
24
. 
Para Immanuel Kant, o homem não poderia ser instrumentalizado, devendo ser 
 
20
 Como representante desta corrente tem-se Alessandro Baratta, na obra Criminologia Crítica e 
Crítica do Direito, onde o autor demonstra como o discurso penal e a prática penal não se encaixam, 
defendendo, nesse interim, uma política criminal alternativa inspirado no conceito de Direito Penal 
Mínimo. 
21
 Os abolicionistas, a exemplo de Louk Hulsman, na obra Penas Perdidas (cf. HULSMAN, Louk; 
CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema criminal em questão. Tradução de Maria 
Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam, 1993) e Nils Christie, na obra A Industria do Controle do Delito 
(CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: a caminho dos gulags em estilo ocidental. 
Tradução de Luis Leiria. Rio de Janeiro: Forense, 1998). Entre outros, defendem que o Direito Penal 
não tem por finalidade tutelar os bens jurídicos, mas manter uma sociedade desigual através do 
Direito Penal, pois, defendem através do empirismo, que só uma parcela dos delitos são de interesse 
do sistema penal, razão pela qual haveria uma eleição de pessoas a serem controladas, e não de 
bens jurídicos a serem protegidos. 
22
 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 43. 
23
 Ibid., loc. cit. 
24
 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Traducción de la 2. edición por Diego-Manuel Luzon 
Peña, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. t. 1, p. 82. 
23 
 
punido porque cometeu um crime, apenas por isso: “pois um ser humano nunca 
pode ser tratado como meio para fins alheios ou ser colocado entre os objetos de 
direito a coisas: sua personalidade inata o protege disso, ainda que possa ser 
condenado à perda de sua personalidade civil”25. 
Não se preocupando com a utilidade, Kant entendia que a pena não poderia 
ser aplicada em nome de outro bem, nem em benefício do culpado, nem da 
sociedade, mas contra o culpado, pela simples razão de ter delinquido, porque para 
o autor, o homem não poderia ser tomado como instrumento para outros desígnios. 
E exemplifica a sua posição retributiva, quando afirma que se uma determinada 
sociedade resolvesse se desfazer, o último assassino restante na prisão deveria ser 
executado26. 
Esta doutrina coadunava-se com o pensamento contratualista no qual estavam 
imersos os doutrinadores no momento de sua concepção, e, nesse sentido, à 
fundamentação da pena como exclusiva retribuição a um mal, a uma ruptura 
contratual, como lembra Luigi Ferrajoli, baseava-se em uma confusão entre direito e 
moral, vez que as doutrinas retributivas: “revelam-se idôneas para justificar modelos 
não liberais de direito penal máximo”27, frisando, portanto, que eleger como 
fundamento apenas a teoria absoluta, logo, meramente retributiva: “certamente não 
seria suficiente para justificar os sofrimentos impostos pela pena, ao menos em um 
ordenamento dominado por crenças supersticiosas”28. 
Porém, os argumentos apresentados pela teoria retributiva (que admite a pena 
exclusivamente como retribuição a um mal) não encontram ressonância com um 
Estado Constitucional e Democrático de Direito, conforme salienta Roxin, frisando 
que: “No obstante, la teoría de la retribución ya no se puede sostener hoy 
cientificamente”, pois: “la finalidad del Derecho penal consiste en la protección 
subsidiaria de bienes jurídicos, entonces, para el cumplimiento de este cometido, no 
está permitido servirse de una pena que de forma expresa prescinda de todos los 
fines sociales”29. 
 
25
 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 
174-175. 
26
 Cf. KANT, 2003, p. 176. 
27
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2010, p. 240. 
28
 Ibid., loc. cit. 
29
 ROXIN, 1997, p. 84. 
24 
 
Verifica-se, desta forma, que a doutrina retributiva perdeu espaço, na tentativa 
de fundamentar a pena, inclusive, no que se refere à vantagem de restringir a 
sanção à culpa do agente, limitando-a. 
Aceitar que a pena seja auferida, considerando exclusivamente a culpabilidade 
do agente, mantendo o caráter meramente retributivo, implica em castigar por 
castigar, sem atender a fins coletivos, que baseiam a formação e legitimação do 
Estado, devendo, portanto, ser afastada a teoria meramente retributiva, pois não 
atende a um desígnio comunitário, de maneira ampla e satisfatória, em consonância 
com a essência do Estado. 
Isto porque o Estado tem, por objetivo, propiciar as condições para a existência 
em sociedade, protegendo os bens jurídicos de fundamental importância, contra os 
ataques de maior gravidade. 
Esta medidasocial negativa, imposta sem outras finalidades, não pode ser 
utilizada para justificar a intervenção estatal. A Teoria Absoluta não se ampara. 
De outra banda, nascem as Teorias Relativas, defendendo que as penas 
referem-se a um fim, pois as sanções dirigem-se também a outros objetivos diversos 
da simples retribuição do mal cometido, nos termos definidos por Roxin: “La posición 
diametralmente opuesta a la teoría de la retribución se encuen tra en la 
interpretación de que la misión de la pena consiste únicamente em hacer desistir al 
autor de futuros delitos”30. Abordando, particularmente, a teoria da prevenção 
especial, o autor sustenta: 
En tanto la teoría preventivo especial sigue el principio de resocialización, 
que entre sus partidarios se encuentra hoy en primer plano, sus méritos 
teóricos y prácticos resultan evidentes. Cumple extraordinariamente bien 
con el cometido del Derecho penal
31
. 
A doutrina referenciada defende a pena como um instrumento destinado ao 
delinquente, com o fim de evitar futuros delitos, não pela neutralização causada pelo 
encarceramento, mas pela alteração de consciência, provocada pela intervenção 
estatal. 
Neste prisma, a Teoria da Prevenção Especial consiste na tentativa de evitar 
que aquele que cometeu um ato ilícito volte a fazê-lo, através de uma atuação 
psíquica, intervindo na esfera interna do apenado, possibilitando que opte por não 
 
30
 ROXIN, 1997, p. 85. 
31
 Ibid., p. 87. 
25 
 
mais cometer crimes, diferente, portanto, da Teoria Absoluta, que até defende a 
ideia de inocuização do criminoso, mas só por via oblíqua, porque o objetivo 
declarado é compensar um mal. 
Já para a Teoria da Prevenção Geral, a aplicação da pena tem, por objetivo, 
prevenir delitos através de uma destinação à coletividade, ou seja, evita-se a prática 
de infrações aplicando uma reprimenda, porém, com o objetivo de alcançar os 
membros da comunidade, que não participaram na empreitada criminosa. Nos 
dizeres de Claus Roxin a pena: “en la retribución ni en su influencia sobre el autor, 
sino en la influencia sobre la comunidad, que mediante las amenazas penales y la 
ejecución de la pena debe ser instruida sobre las prohibiciones legales y apartada de 
su violación”32. 
Ainda fazendo referência às Teorias Relativas, particularmente na seara da 
prevenção geral, Gunther Jakobs contrapondo-se à Teoria Absoluta, defende: “no 
puede considerarse misión de la pena evitar lesiones de bienes jurídicos. Su misión 
es más bien reafirmar la vigência de la norma”33. 
Assim, para os adeptos da Teoria da Prevenção Geral, a pena se destina à 
coletividade, pune-se alguém com objetivo de atingir os seus pares, podendo-se, 
também, classificá-la em Prevenção Geral Negativa, que teve como representante 
Feuerbach, que acreditava que a aplicação da pena sobre aquele que cometeu 
crime, intimidaria os demais membros da coletividade, como lembra Claus Roxin: 
Fue desarrollada en su forma más eficaz históricamente por Paul Johann 
Anselm v. Feuerbach (1775-1833), quien es considerado como el fundador 
de la moderna ciencia del Derecho penal alemán. Feuerbach derivaba su 
doctrina de prevención general de la llamada ‘teoría psicológica de la 
coacción’, desarrollada por él
34
. 
Prega-se que a ameaça da pena, e a sua aplicação, quando necessária, 
amedronta os membros da comunidade, e impede que eles pratiquem crimes, pois 
acredita-se: “que muchas personas sólo contienen sus impulsos antijurídicos cuando 
ven que aquel que se permite su satisfacción por medios extralegales no consegue 
éxito con ello, sino que sufre graves inconvenientes”35. 
 
32
 ROXIN, 1997, p. 89. 
33
 JAKOBS, Günther. Derecho penal: parte geral. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 14. Importante 
registrar que para Jakobs a função do Direito Penal é a estabilidade normativa e não a tutela de bens 
jurídicos. 
34
 ROXIN, op. cit., p. 89-90. 
35
 Ibid., p. 91. 
26 
 
No tocante, ainda, à Teoria da Prevenção Geral, agora no seu aspecto positivo, 
defende-se a pena, como forma de estabilização dos elos sociais afetados pelo 
delito, reafirmando-se, portanto, a norma infringida através da prática de um 
comportamento criminoso, nas lições de Gunther Jakobs acima aduzidas. 
Em termos teóricos, as Teorias Relativas encontram consonância com o 
Estado Democrático de Direito, justificando a atuação estatal, na medida em que 
pregam efeitos transcendentes à mera retribuição. 
Importante, ainda, apresentar a chamada Teoria Unificadora, defensora de que 
a pena atende, tanto a um fim retributivo, como preventivo. Nesse sentido, Claus 
Roxin apresenta esta corrente: “Consideran la retribución, la prevención especial y la 
prevención general como fines de la pena que se persiguen simultaneamente”36. 
Acrescente-se, também, que o Código Penal brasileiro consagrou esta 
fundamentação híbrida, expressamente no seu artigo 59, ao dispor: 
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à 
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências 
do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme 
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime
37
. 
(grifo nosso). 
Claus Roxin afirma que esta sobreposição resta natural, na medida em que 
nenhuma das teorias anteriormente apresentadas consagrou uma justificativa 
plausível ao fundamentar a sanção penal. 
Una teoría mixta de este tenor parte del correcto entendimiento de que ni la 
teoría de la retribución ni ninguna de las teorías preventivas pueden 
determinar justamente por sí solas el contenido y los límites de la pena. 
Pero le falta el fundamento teórico en cuanto sus defensores se contentan 
con poner sencillamente uno al lado del otro, como fines de la pena, la 
compensación de la culpabilidad y la prevención especial y general.
38
 
Para o autor, porém, a tentativa de unir as Teorias Relativas à Teoria Absoluta 
não encontra legitimidade, pois o Estado não pode defender a retribuição como 
argumento válido para a aplicação da pena. Isso não implica dizer que a sanção 
penal não é, essencialmente, retributiva. Essa característica é natural à pena. O que 
não se admite é que o Estado utilize esse argumento de compensação para aplicar 
esta sanção. 
 
36
 ROXIN, 1997, p. 93. 
37
 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial [da] 
República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 17 jul. 2012. 
38
 ROXIN, op. cit., p. 94. 
27 
 
A diferença é decisiva. Se o Estado toma para si a responsabilidade de se 
vingar, em nome do particular, ou da coletividade, sua atuação ganhará um 
determinado contorno. Por outro lado, assumindo o caráter preventivo do atuar 
estatal, as instituições penais tratarão o crime e o criminoso de outra forma, com 
objetivos transcendentais à mera compensação de um mal. 
Por esta razão, Roxin defende que, atualmente, os ordenamentos 
democráticos, devem materializar sua atuação penal na consagração (e união) das 
Teorias Preventivas, pois, somente elas são capazes de justificar uma intervenção 
penal. É o que o autor chama de “Teoria Unificadora Preventiva Dialética”, já que a 
sanção só se justifica quando objetiva proteger a liberdade individual e a ordem 
social39. 
Ressocializar, portanto, é tarefa do Estado, porém, não é dever a ser cumprido 
a qualquer custo, pois, como assinala, mais uma vez, Claus Roxin, para que esta 
ocorra, faz-se necessária a voluntariedade por parte do apenado. Nas palavras do 
autor: “Lo prohibido es únicamente la educación forzada de adultos; no obstante, el 
condenado tiene derecho a que el Estado le ayude en la reinserciónsocial a la que 
él mismo aspira”40. 
Ademais, essa ressalva não impede que o Estado atue quando o agente aceite 
essa intervenção penal, pois a consciência de que precisa de ajuda implica em uma 
menor necessidade de socialização, devendo tal situação ser considerada quando 
da aplicação da pena. Da mesma forma que pode haver uma compensação na 
pena, quando o dano não obtiver um grande impacto social. Ressalta ainda o autor: 
La teoría unifícadora, tal y como aquí se defiende, no legitima, pues, 
cualquier utilización, sin orden ni concierto, de los puntos de vista 
preventivoespeciales y generales, sino que coloca a ambos en un sistema 
cuidadosamente equilibrado, que sólo en el ensamblaje de sus elementos 
ofrece un fundamento teórico a la pena estatal
41
. 
Assim, negando o efeito meramente retributivo da sanção, defende-se que a 
pena atualmente imposta deve se destinar a prevenir delitos. Baseando-se nisso, é 
que o processo de construção desta resposta deve ser aberto, para que os 
envolvidos participem de forma direta. 
Importante salientar, desde já, que nenhuma das teorias apresentadas 
 
39
 Cf. ROXIN, 1997, p. 95. 
40
 Ibid., loc. cit. 
41
 Ibid., p. 98. 
28 
 
preocupou-se com a vítima. Aliás, o ofendido perdeu espaço dentro das discussões 
que fundamentaram o desenvolvimento do Direito Penal nos moldes atuais, voltando 
a ganhar lugar, mais tarde, com o nascimento da Vitimologia42. 
Assim, deixando a vítima fora das preocupações, com exceção da delimitação 
do bem jurídico que foi violado, o Direito Penal não se preocupou, quando da 
elaboração da defesa da intervenção penal, de maneira séria, em atender aos 
anseios desta parte, que suporta a lesão, pois, quando da aplicação da pena, os 
magistrados não questionam qual a vontade da vítima, daquele que teve o seu 
direito violado, dando-lhe tratamento isonômico seja qual for o crime. 
 
2.1.3 Breve Visão Criminológica da Pena 
 
Sobre o crime e a sanção penal, a Criminologia, oferecendo uma visão muita 
mais ampla desses conceitos, registra que: 
O crime não é um tumor nem uma epidemia, senão um doloroso ‘problema’ 
interpessoal e comunitário. Uma realidade próxima, cotidiana, quase 
doméstica: um problema ‘da’ comunidade, que nasce ‘na’ comunidade e 
que deve ser resolvido ‘pela’ comunidade.
43
 
Nesse sentido, ressaltam os autores, que a Criminologia Clássica defendeu a 
ideia de que o delito era um conflito entre o Estado e o infrator, entre o bem e o mal, 
entre a luz e a treva, entre dois rivais, sem outro fim a não ser a submissão do 
vencido à força vitoriosa do vencedor. Esse castigo, público, polarizava e esgotava a 
resposta ao fato delitivo, não havia preocupação com a vítima, nem com a 
comunidade, nem a efetiva prevenção do delito, mas apenas uma dissuasão penal44. 
Já a Moderna Criminologia, pelo contrário, ofertando uma imagem mais 
complexa do acontecimento delitivo, atribuindo um papel mais ativo e dinâmico aos 
seus protagonistas (vítima, agressor e comunidade), destacando, ainda, o lado 
humano e conflitivo do delito, passou a se preocupar com o castigo, de uma maneira 
secundária, elevando o enfoque de primeira magnitude à ressocialização do agente, 
 
42
 O estudo da vítima, os reflexos e as consequências do delito, foi iniciado apenas no século XX, 
quando estudiosos como Benjamin Mendelsohn (década de 40) preocuparam-se em classificar e 
estudar essa figura até então mantida em um lado escuro da sala de audiência, sem o tratamento e a 
preocupação por parte do Estado. 
43
 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminologia. 6. ed. rev., atual. e ampl. 
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 362. 
44
 Cf. Ibid., p. 363. 
29 
 
a reparação do dano e a prevenção do crime45. 
Destarte, a prevenção do crime pode ser uma preocupação principal ou 
secundária. Para quem defende que a pena é, primordialmente, uma forma de 
castigar alguém que praticou um mal (um crime), a prevenção acaba tendo um efeito 
secundário, último a ser perseguido, quando, na verdade, a pena deveria atacar a 
causa do problema, como ensinam Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de 
Mollina: “trata-se, pois, não tanto de evitar o delito, senão de evitar a reincidência do 
infrator”46. 
Prevenir o delito é algo mais do que evitar que o infrator insista na conduta 
delitiva, sob a ameaça do castigo, não podendo o conceito de prevenção se 
desvincular da gênese do fenômeno criminal, isto é: “reclama uma intervenção 
dinâmica e positiva que neutralize suas raízes, suas ‘causas’. A mera dissuasão 
deixa essas raízes intactas”47. 
Dando o adequado vetor à prevenção de delitos, com o uso da sanção penal, 
os autores alertam que essa prevenção é social, ou seja, deve ter a participação da 
comunidade, para enfrentar, solidariamente, o problema. 
E nesse sentido, esclarecem as três dimensões de prevenção do crime. A 
prevenção primária é aquela mais eficaz, de médio e longo prazo, pois atua para 
não deixar que o crime aconteça originariamente. É exercida através de políticas 
públicas, quando os poderes outorgam educação, casa, trabalho, bem estar social 
aos membros da comunidade. Já a prevenção secundária é aquela que atua mais 
tarde, através da política legislativa e da ação policial, que vão destinar seus 
trabalhos a certos grupos de pessoas, potencialmente criminosas. E a prevenção 
terciária é aquela que atua posteriormente à prática do delito, e tem um destinatário 
perfeitamente individualizado: o condenado. Esta forma de prevenção não atua na 
gênese do problema, estando distante da sua raiz, mas deve ser utilizada, sempre 
em conjunto com as demais formas de prevenção. O que se critica é a utilização 
maciça, e no Brasil quase que exclusiva, da última espécie de prevenção, muito 
menos eficaz do que as demais”48. 
 
45
 Cf. Ibid., p. 363-364. 
46
 Ibid., p. 364. 
47
 GOMES; MOLINA, 2008, p. 364. 
48
 Ibid., p. 365-366. 
30 
 
Nesse contexto: “pena e delito constituem os dois elementos de uma equação 
linear”49. Acreditando-se nisso: “muitas políticas criminais identificam-se com este 
modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito, e que trata de 
ocultar o fracasso da política preventiva (na realidade, repressiva) apelando, em vão, 
às ‘iras’ da lei”50. 
Porém, este sistema binário e fechado não alcança as finalidades propostas, 
porque a capacidade do sistema preventivo é auferida através dos efeitos que o 
modo de intervenção produz, e esta conta não fecha, na medida em que os índices 
de criminalidade, com o rigor legislativo em matéria penal, não reduzem. 
Por isso, é preciso equilibrar as forças entre as formas de prevenção, dando 
ênfase às mais eficazes (primária e secundária), e deixando para a prevenção 
terciária (a mais violenta e superficial), casos que efetivamente escaparam das 
anteriores. Nas palavras, ainda, de Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de 
Mollina: “nenhuma política criminal realista pode prescindir da pena; porém, 
tampouco cabe denegrir a política de prevenção, convertendo-a em mera política 
penal”51. E nesse contexto, alertam: “um rigor desmedido, longe de reforçar os 
mecanismos inibitórios e de prevenir o delito, tem paradoxalmente efeitos 
criminógenos”52. 
Diante das constatações, concluem os autores, que a pena é imprescindível, 
em nome de uma estrita necessidade social: 
como instrumento indispensável para a salvaguarda da sociedade e 
prevenção ao crime. Os penalistas temos a tempo dado o ‘definitivo adeus a 
Kant e Hegel’, aceitando que a pena é só um ‘meio’, não um ‘fim’ em si 
mesma. Castigamos, pois ne peccetur, não quia peccatum est, já que – 
afortunadamente – a pena tem perdido sua aréola magica, sacra, e só se 
legitima na medida em que cumpre as funções quese lhe conferem
53
. 
Por tudo isso, o programa de política criminal deve se preocupar muito mais 
com as causas do delito, uma vez que: 
esta prevenção implica em ações positivas, contribuições e esforços 
solidários que neutralizem situações carenciais, conflitos, desequilíbrios, 
necessidades básicas. Só reestruturando a convivência, redefinindo 
positivamente a relação entre seus membros – e a destes com a 
comunidade -, cabe esperar resultados satisfatórios no tocante à prevenção 
 
49
 Ibid., p. 368. 
50
 Ibid., loc. cit. 
51
 GOMES; MOLINA, 2008, p. 368. 
52
 Ibid., loc. cit. 
53
 Ibid., p. 370. 
31 
 
puramente ‘negativa’, policial ou semipolicial, sobre bases puramente 
dissuasórias, carece de operatividade
54
. 
Sobre os modelos e sistemas de reação ao crime, a Criminologia os classifica, 
ainda, em dois grupos: o modelo dissuasório clássico, acima apresentado (e 
criticado), que carrega a função preventiva de maneira desfocada, acreditando que a 
pena vai inibir a reincidência, mas esquece-se das demais causas do crime e das 
outras formas de prevenção, muito mais eficazes, porém, de aplicação mais lenta, e 
por isso, limitada e carente, e contrapondo-se a este sistema, o modelo 
ressocializador, como afirmam Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de 
Mollina que tem, também, conceito “ambíguo e impreciso”55. 
Nesse sentido, alertam os autores, que muitas correntes que defendem uma 
finalidade ressocializadora da pena, preenchem esse fim de diversas formas, 
ressaltando que essa polêmica é salutar, pois obriga a repensar a função do Direito 
Penal. 
Resumidamente, pode-se classificar esta função ressocializadora em três 
grupos: anti-retribucionismo, concepção assistencial e neo-retribucionismo. Todas as 
correntes alinhadas no sentido de empregar uma função ressocializadora à pena, 
porém, cada um oferta um conteúdo diferente a esta finalidade56. 
A corrente denominada anti-retribucionismo, esclarecem os autores, também 
se subdivide, pois uns (Planungsrecht) veem o Direito como instrumento de 
expressão de uma sociedade que se autocontrola, e dirige seu próprio processo de 
transformação. Sob esse prisma, o conceito de ressocialização não estaria dirigido 
ao passado, senão ao futuro, como poderoso meio de transformação social. 
Já o anti-retribucionismo: “invoca a ideia de ressocialização para conceder 
maiores oportunidades sociais aos diversos grupos e estratos da população, em 
função do princípio da igualdade real”57. Para esses, o conceito de ressocialização 
encerra uma tarefa pedagógica e social, obrigando o sistema a outorgar maiores 
possibilidades para aqueles que foram alcançados pelo Direito Penal. 
Para os paritários de uma concepção assistencial de ressocialização, conferem 
a essa expressão uma ideia de compensação, vez que deve ter lugar a reparação 
 
54
 Ibid., p. 415-416. 
55
 Ibid., 422. 
56
 Cf. GOMES; MOLINA, 2008, p. 422. 
57
 Ibid., p. 423. 
32 
 
do dano suportado pela vítima e a reabilitação do delinquente, pois compreendem o 
crime como um ‘acidente social’ e a sanção penal como “remédio assistencial”58. 
Enfim, para a corrente neorretributivista, a ressocialização persegue a: “coativa 
adaptação do infrator ao status quo, mediante um Direito Penal eficaz”59. Nesse 
sentido, pode-se classificar tal corrente como uma versão “moderna e atualizada do 
retribucionismo, já que as pretensões de eficácia, defesa social e adaptação coativa 
do delinquente, procuram ser asseguradas precisamente por meio de programas de 
ressocialização”60. 
Eleger uma ou outra corrente vai depender da imagem que se professa sobre 
àquele que praticou uma conduta descrita como criminosa. Assim, para as teses 
radicais da prevenção especial, o conceito de ressocialização é um eufemismo, da 
mesma forma como o é no pensamento positivista, uma vez que, para estes, o 
delinquente é um animal selvagem “um sujeito perigoso e terrível, condenado ao 
crime por sua natureza”61, logo, para eles, o castigo se apresenta: 
como remédio defensivo da sociedade, e a reincorporação do condenado a 
esta não se opera como meta ou objetivo do sistema, senão como mera 
consequência lógica derivada da prévia inocuização de um sujeito que 
deixou de ser perigoso
62
. 
Segundo os mesmos autores, para os correcionalistas: “o delinquente é um ser 
inválido, incapaz de reger responsavelmente sua vida, em razão de um déficit 
‘interior’ que afeta a sua vontade”63. Por isso, a pena apresenta uma função 
pedagógica e curativa, pois: “restaura o equilíbrio que o delinquente perdeu na 
ordem moral.” Assim, o castigo é considerado um bem em si mesmo e acontece no 
interesse do cidadão que cometeu o delito. Para os correcionalistas, a função 
precípua do Direito Penal é reintegrar o delinquente à sociedade. 
D’outra banda, para a chamada Defesa Social, a pena significa uma opção: 
autônoma e intermediária, por se tratar de um movimento de política 
criminal que concilia a eficaz luta contra o delito e o objetivo humanista de 
ressocialização do infrator, ou retorno deste à comunidade jurídica, em 
condições de levar a cabo uma vida social, livre e consciente
64
. 
Sendo livre quem cometeu o crime, este deve ser compreendido e recuperado 
 
58
 Ibid., loc. cit. 
59
 Ibid., loc. cit. 
60
 Ibid., loc. cit. 
61
 GOMES; MOLINA, 2008, p. 426. 
62
 Ibid., loc. cit. 
63
 Ibid., loc. cit. 
64
 Ibid., loc. cit. 
33 
 
por esta comunidade, tornando-se a ressocialização um objetivo realista, viável: “que 
pode ser alcançado mediante tratamento científico adequado, associado à 
coordenação dos saberes penológicos, criminológicos e penitenciários”65. 
Apresentam ainda, os autores citados, a visão marxista depositada sobre o 
delinquente, afirmando que para os adeptos dessa corrente, o infrator seria sempre 
uma vítima das estruturas criminógenas da sociedade capitalista, defendendo que 
quem tem que ser ressocializada é a sociedade, e não o delinquente, posto que este 
seria uma produção daquela66. 
Independente das linhas de defesa, fato é que a ressocialização do condenado 
é um desejo explícito do ordenamento, consignado em documentos e no discurso 
oficial, devendo, por isso, concretizar-se, pois é função precípua e declarada da 
sanção penal: tornar possível a integração social do condenado. Ainda nas palavras 
dos autores: “uma função penal ressocializadora e humanitária, de interesse real do 
recluso, e não por motivos defensivistas, é hoje uma meta desejada que se assinala 
como última fase da evolução do Estado e do Direito”67. 
É por esta razão, que a intervenção deve se realizar de maneira a oportunizar 
que o ofensor opte por outro caminho. O Estado não pode impor uma reformação da 
moral do infrator, ele não tem poder para isso. Assim, deve-se operar um conceito e 
harmonização pluridimensional, amplo e realista dessa intervenção. 
O que se sabe, é que um trabalho sério, voltado à pessoa do delinquente, visto 
este como um cidadão que pode escolher, desde que lhe seja facultado outros 
meios de sobrevivência, é o caminho adequado para a efetiva ressocialização do 
condenado. 
Deve-se, portanto, ter em mente que a intervenção através do Direito Penal 
não vai mudar o agente (utopia), devendo esta ser encarada: “como oferta do 
sistema ao infrator, dirigida a enriquecer seu horizonte pessoal e vital (para interesse 
deste e não do sistema) e a potencializar efetivamente suas possibilidades de 
participação social”68. 
Tais objetivos podem ser alcançados através de formas não aflitivas de replicar 
 
65
 Ibid., loc. cit. 
66
 Cf. Ibid., loc. cit. 
67
 GOMES; MOLINA, 2008, p. 427. 
68
 Ibid., p. 431. 
34 
 
os comportamentos indesejados, especialmente quando os

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