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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL LEONARDO ESPINDOLA ROCHA DIREITO AO ESQUECIMENTO: UMA PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE OU UMA LIMITAÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO/INFORMAÇÃO? Ijuí (RS) 2019 LEONARDO ESPINDOLA ROCHA DIREITO AO ESQUECIMENTO: UMA PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE OU UMA LIMITAÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO/INFORMAÇÃO? Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert Ijuí (RS) 2019 AGRADECIMENTOS De início, gostaria de agradecer a Deus, por me guiar durante toda a jornada acadêmica, bem como em proporcionar esta importante conquista. Aos meus familiares, pelo apoio e confiança depositada nestes anos, em especial à minha mãe Ana Lucia Melo Espindola e a minha companheira Fabiana Martins, pelos incentivos nas horas de angústias e os conselhos de sempre seguir em frente. Frise-se, esta conquista não é somente minha, é de todos nós. À Professora MSc. Lisiane Beatriz Wickert, excelente profissional e pessoa admirável, detentora de um notório saber. Agradecimento este, não só pela preciosa orientação neste trabalho, mas também por todo aprendizado no transcurso destes anos. Aos demais Professores da instituição, meu sincero “muito obrigado”, por toda a dedicação que de cada um dos(as) senhores(as) desempenharam. E, aos amigos, os quais a faculdade me proporcionou, cuja companhia desfrutei imensamente, fica o meu agradecimento por vivenciarmos juntos esta caminhada, seja nos momentos bons, seja nos ruins, contudo sempre estiveram ao meu lado. RESUMO O presente estudo objetiva discutir o direito ao esquecimento, dando-se ênfase ao conflito entre o direito à privacidade vs o direito à informação. Para tanto, aborda os direitos e garantias fundamentais, especialmente os direitos da personalidade (direito à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem), e o direito à liberdade de expressão com suas ramificações. Detém, ainda, foco no direito ao esquecimento no cenário da sociedade da informação, bem como a regulamentação trazida pela legislação brasileira, à visão dos tribunais, inclinando-se à ponderação entre o direito ao esquecimento e o direito à liberdade de expressão/informação. Para tal, fora usada como metodologia a hipotético-dedutivo, sendo realizada uma pesquisa do tipo bibliográfica, a fim de traçar os pressupostos teóricos, necessários ao desenvolvimento dos contornos do direito ao esquecimento, cujo objeto pudesse auxiliar nesta proposta de debate. Também, foi realizada uma análise jurisprudencial, a qual foi de grande relevância para melhor identificação do tema, oportunidade em que, se pretendeu evidenciar como estas novas demandas vêm sendo enfrentadas pelos tribunais e quais suas implicações práticas. Com isso, surgiram alguns questionamentos, sendo eles: o direito ao esquecimento é um delírio da sociedade da informação? O direito ao esquecimento é uma nova forma de censura? O direito ao esquecimento é a garantia dos indivíduos reescreverem suas próprias histórias, ou é um direito de se ver esquecido da memória social, certas lembranças? Ante as indagações, tentar-se-á, ao final deste estudo, respondê-las. Palavras-chave: Privacidade. Liberdade de expressão. Direito ao esquecimento. Direitos fundamentais. Conflitos. SUMMARY The present study aims to discuss the right to forgetting, emphasizing the conflict between the right to privacy vs. the right to information. To this end, it addresses fundamental rights and guarantees, especially the rights of personality (the right to honor, intimacy, privacy and image), and the right to freedom of expression with its ramifications. It also has a focus on the right to forget in the information society scenario, as well as the regulation brought by the Brazilian legislation, to the view of the courts, leaning on the balance between the right to forget and the right to freedom of expression / information. For this purpose, a bibliographic research had been used by methodology, in order to trace the theoretical assumptions, necessary for the development of the contours of the right to forget, whose object could help in this debate proposal. Also, a jurisprudential analysis was performed, which was of great relevance for better identification of the subject, an opportunity in which it was intended to highlight how these new demands have been faced by the courts and what their practical implications. As a result, some questions arose, namely: is the right to forgetting a delusion of the information society? Is the right to forgetting a new form of censorship? Is the right to forgetting the guarantee of individuals rewriting their own stories, or is it a right to be forgotten social memory, certain memories? Before the questions, we will try, at the end of this study, to answer them. Keywords: Privacy. Freedom of expression. Right to forgetfulness. Fundamental rights. Conflicts. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 7 1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ............................................................... 10 1.1 Questões terminológicas........................................................................................... 10 1.2 Definição .................................................................................................................... 12 1.3 Teoria dos quatros status de Jellinek ..................................................................... 14 1.4 As dimensões dos direitos fundamentais e a sua historicidade ......................... 15 1.5 Direito à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem como direitos da personalidade .................................................................................................................. 20 1.6 A liberdade de expressão e suas ramificações: um panorama no contexto- histórico até a modernidade........................................................................................... 26 2 DIREITO AO ESQUECIMENTO .................................................................................... 36 2.1 Definição .................................................................................................................... 36 2.2 Direito ao esquecimento e sua natureza jurídica ................................................... 37 2.3 Origem do direito ao esquecimento ........................................................................ 40 2.4 A sociedade da informação e a legislação brasileira (do Marco Civil da Internet ao direito ao esquecimento) ............................................................................ 43 2.5 Direito ao esquecimento na visão dos Tribunais .................................................. 46 2.6 Ponderação entre o direito ao esquecimento e o direito à liberdade de expressão/informação .................................................................................................... ..................................................................................................................... 52 CONCLUSÂO..................................................................................................................... 57 REFERÊNCIAS.................................................................................................................60 7 INTRODUÇÃO Os direitos fundamentais são garantias permanentes de toda sociedade, mas em diversas ocasiões estes direitos tiveram que ser conquistados, através de muitos esforços. Em alguns momentos se muda o foco de enfrentamento ou o agente repressor, mas são direitos que estão em constante movimento, devido à mutabilidade que se tem no convívio dos seres humanos e em razão das diversas formas de litígios que se formam com o passar dos anos. Quando se adentra no contexto virtual com algum propósito, seja diversão, pesquisa, estudo, dentre outros interesses, não se tem ideia da quantidade de dados que são inseridos diariamente neste espaço, sendo que, na maioria das vezes, ficam armazenados por prazo indefinido. Tomada por exemplo, uma matéria divulgada na data de hoje, na internet, daqui a 10, ou talvez 20 anos, ainda possa ser encontrada na rede mundial de computadores. Ademais, estes dados podem ser compartilhados e, assim, ganhar repercussões inimagináveis. No entanto, na conjuntura da sociedade informacional, a memória da internet acarreta graves riscos aos direitos da personalidade dos indivíduos, o que é agravado em razão da tendência social de autoexposição na rede, dando ênfase ao direito ao esquecimento, que é tido como alternativa à proteção da pessoa humana. 8 Neste prisma, o presente estudo tem como escopo discutir, sem a pretensão de esgotar a matéria, o direito ao esquecimento, dando-se ênfase ao conflito entre os direitos da personalidade vs o direito à informação. A despeito de existir na doutrina e jurisprudência, uma farta discussão sobre a existência e caracterização do direito ao esquecimento, há uma lacuna acerca do não enfrentamento, por parte de ambas, ante a necessidade de implementar soluções técnicas que assegurem sua concretização. Nesta direção, a relevância de uma pesquisa sobre o direito ao esquecimento na sociedade da informação, decorre da premissa de que as tecnologias, a partir das quais, as pessoas estão exigindo o esquecimento, não se prestam a garantir um apagamento completo de dados na internet, onde as informações são mais difíceis de serem esquecidas por conta da sua memória eterna. Assim, a justificativa desta pesquisa cinge-se à necessidade de discutir a eficiência dos mecanismos de tutela do direito ao esquecimento na sociedade da informação, sem deixar de considerar que sua caracterização deve levar em conta todos os problemas que surgem do ponto de vista territorial, na medida em que o ciberespaço não reconhece fronteiras físicas. A importância social e jurídica da presente pesquisa é indiscutível, na medida em que, contribui para que o direito ao esquecimento digital não se torne ineficiente diante as dificuldades práticas que prejudicam um apagamento definitivo de conteúdos na internet. Fato este, contribui para que os inconvenientes dessa memória eterna sejam superados a partir de alternativas, como é o caso da combinação de soluções técnicas, mudança de comportamento dos internautas e desindexação de informações, a fim de não serem mais encontradas pelos motores de busca. Para alcançar os objetivos propostos, utilizando-se do método hipotético- dedutivo, foi realizada uma pesquisa do tipo bibliográfica, com o intuito de traçar os pressupostos teóricos necessários ao desenvolvimento dos contornos do tema, notadamente obras, livros, revistas científicas e artigos de periódicos, cujo objeto pudesse auxiliar nesta pesquisa. 9 Também, foi realizada uma análise jurisprudencial, na qual foi possível evidenciar como essas novas demandas vêm sendo enfrentadas pelos tribunais e, quais as implicações práticas dessas decisões. Para a consecução do objetivo proposto, esta pesquisa encontra-se dividida em dois capítulos, sendo o primeiro uma abordagem dos direitos e garantias fundamentais, especialmente os direitos da personalidade (direito à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem), e o direito à liberdade de expressão e suas ramificações. Tocante ao segundo se debruçará no direito ao esquecimento, inserido na sociedade da informação, bem como a regulamentação trazida pela legislação brasileira, a visão dos tribunais e a ponderação entre o direito ao esquecimento e o direito à liberdade de expressão/informação. 10 1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais perpassam por diversos momentos históricos, estes, de muitas lutas e em determinadas ocasiões, de guerras, que, marcaram a história da humanidade, por buscarem o reconhecimento destes direitos, frente a um Estado totalmente autoritário, que se mostrava despreocupado com a dignidade da pessoa humana. Desta forma, é de suma importância que certas distinções sejam feitas em relação aos direitos fundamentais, primeiramente, levando-se em conta a definição e a terminologia que é dada a estes direitos, em relação ao tempo, ao lugar e ao seu objetivo. Posteriormente, o contexto histórico que se encontravam, para, só então, explicitar quais os direitos fundamentais eram reivindicados pela sociedade, assim como o objetivo destas reinvindicações, pois os direitos fundamentais nem sempre foram os mesmo em todos os períodos históricos. Dessarte, necessário se fazer um diagnóstico mais detalhado sobre os direitos fundamentais, tais como a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem, como sendo direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana. Somado a isso, o direito de liberdade de expressão, que está compreendido entre o direito à informação, o direito de expressão e o direito de imprensa, também ganha espaço no debate, posto que, tais pontos serão analisados a seguir com mais vagar. 1.1. Questão terminológica O uso de diversas terminologias tais como: “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “direito do cidadão”, “direitos da pessoa humana” e “direitos do Homem”, tem inundado o contexto doutrinário. Tendo por base o ordenamento jurídico brasileiro, alguns autores buscam conceituar os direitos fundamentais consagrado na Constituição Federal, utilizando-se desta diversidade. Todavia, apesar das expressões serem comumente utilizadas com a mesma finalidade, há distinções consideráveis a serem feitas, conforme Gilmar Ferreira 11 Mendes (2007, p. 234, apud PAULO E ALEXANDRINO, 2015, p. 99), destaca na distinção de direitos humanos e direitos fundamentais: A expressão direitos humanos reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em base jusnaturalistas, possuem índole filosófica e não tem como características básicas a positivação numa ordem jurídica particular. Essa expressão é empregada, também, para designar pretensões de respeito à pessoa humana, inserida em documentos de direitos internacional. Já a expressão direitos fundamentais é utilizada para designar os direitos relacionados às pessoas, inscritos em textos normativos de cada Estado. São direitos que vigoram numa ordem jurídica, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os estabelece. Para Flávia Moreira de Guimarães Pessoa (2009), a distinção entre os “direitos fundamentais”, “direitos humanos” e “direitos do homem”, se estabelece conforme as concepções de Sarlet (2006), que busca defini-las da seguinte maneira: os “direitos fundamentais” estão relacionados aos direitos do ser humano, mas, limitando a sua aplicabilidade dentro de um território, o qual pertence a um determinado Estado. Mas, ao se referir em “direitos humanos”, tais limites territoriais desaparecem, pois, a aplicação dos direitos inerentes ao ser humano torna-se globalizado. Por outro lado, para “direitos do homem”, se têm uma visão jusnaturalística, fase estaque precedeu o reconhecimento dos direitos do ser humano, no direito positivo, tanto nacional, quanto internacionalmente. Ao diferenciar as nomenclaturas empregadas, Dirley Cunha Júnior (2008, p. 516 – 519), prefere usar o vocábulo “direitos fundamentais” para identificar tais direitos, por uma questão de coerência com a Constituição Federal de 1988, e por esta ser mais abrangente que as outras, conforme distinção feita: A expressão liberdades públicas, entretanto, é muito limitada, pois, não compreende os direitos sociais e econômicos. As liberdades estariam ligadas ao status negativus e por meio delas busca-se defender o indivíduo contra a ingerência estatal. A terminologia direitos individuais está associada ao indivíduo isoladamente considerando, indicativa dos direitos civis aparados dos direitos políticos. Os direitos subjetivos, no sentido estritamente técnico-jurídico, concernem àquelas prerrogativas outorgadas ao indivíduo em conformidade com certas regras do ordenamento jurídico [...]. Quando os direitos subjetivos exprimem uma situação jurídica subjetiva do indivíduo em face do Estado, denominam- se direitos públicos subjetivos. Os direitos humanos são, na precisa dicção de Pérez Luño, “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as 12 exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional” (tradução livre). A distinção terminológica é corroborada pela Constituição Federal, ao tratar de assuntos internos, sendo que o próprio texto já faz menção à expressão “Direitos e Garantias Fundamentais”. Mas, quando o assunto é de cunho internacional, a própria legislação elenca a expressão “direitos humanos”, referindo-se a uma proteção mais ampla, a título de exemplo, as barreiras impostas em tratados internacionais, aos quais o Brasil é signatário de grande parte. Ademais, “direitos do homem”, “direitos da pessoa humana” e “direito do cidadão”, passam convicção de direitos excessivamente genéricos e indefinidos. Dentro desta diversidade terminológica, a distinção tende a ser mais significativa a nível normativo do que substancial, pois, em relação ao conteúdo, é bastante semelhante. Com isso, no próximo ponto tentar-se-á tecer uma definição mais aprofundada do que se pode denominar direitos fundamentais. 1.2. Definição Definir direitos fundamentais não constitui tarefa simples, porque tais direitos provêm do homem na constância da sua história, sendo esta marcada por grandes conflitos, que, na maioria das vezes, objetivavam o reconhecimento destes direitos. Norberto Bobbio (2004, p. 13), aborda a dificuldade em conceituar e, salienta que: Os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições histórica, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Em complemento, Dirley de Cunha Júnior (2008, p. 516), expressa que a imprecisão de um conceito doutrinário, para os direitos fundamentais, deve-se: “[...] sobremodo, à contínua e progressiva ampliação e transformação histórica dos direitos fundamentais”. Nesta direção, Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 270), sustenta que: 13 O catálogo dos direitos fundamentais vem-se avolumando, conforme as exigências especificas de cada momento histórico. A classe dos direitos que são considerados fundamentais não tende à homogeneidade, o que dificulta uma conceituação material ampla e vantajosa que alcance todos eles. Tampouco a própria estrutura normativa dos diversos direitos fundamentais não é coincidente em todos os casos. Diante da dificuldade dos doutrinadores em conceituar os direitos fundamentais, de forma ampla e precisa, se pode buscar por várias definições, de tal sorte que, nenhuma delas seja a mais correta ou precisa, pois todas visam proteger os mesmos direitos. Ao conceituar os direitos fundamentais, José Afonso da Silva (1992, p. 163 - 164, apud GONET BRANCO, 2009, p. 271), aduz que se trata: [...] daquelas prerrogativas e instituições que o [ordenamento jurídico] concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situação jurídica sem as quais pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive. Na concepção de Dirley de Cunha Júnior (2008, p. 522), os direitos fundamentais são conceituados como: Posições jurídicas que investem o ser humano de um conjunto de prerrogativas, faculdades e instituições imprescindíveis a assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna de todas as pessoas. De um modo mais amplo podemos concebê-los como princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico. E, para Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 67), em sendo: Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes. Além das constantes mudanças e evoluções na trajetória dos seres humanos, o que dificulta a conceituação dos direitos fundamentais, para Flávia Moreira de Guimarães Pessoa (2009, p. 15), a imprecisão aumenta quando: “[...] pelo fato de se 14 empregarem várias expressões para designá-los, como direitos naturais, direitos humanos, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais”. Os direitos fundamentais, além de serem uma garantia de todos os seres humanos, é um dever de o Estado assegurar o seu livre exercício, respeitando a igualdade entre todos, não havendo distinção e, caso haja, é obrigação do Poder Público buscar formas de reprimir tais diferenças. Dessa forma, importante analisar a interação entre indivíduos e Estado, o que fará no ponto seguinte. 1.3. Teoria dos quatros status de Jellinek Antes de adentrar-se na história e dimensões dos direitos fundamentais, cumpre clarificar a teoria empregada por Georg Jellinek, que busca examinar os direitos fundamentais pelo seu status diante da sua multifuncionalidade empenhada frente à sociedade (CUNHA JÚNIOR, 2008). Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 289): No final do século XIX, Jellinek desenvolveu a doutrina dos quatro status (status passivo, status negativo, status positivo e status ativo) em que o indivíduo pode encontrar-se em face do Estado. Dessas situações, extraem- se deveres ou direitos diferenciados por particularidades da natureza. O status passivo compreende quando o Estado é detentor dos direitos mandamentais, obrigando aos indivíduos a seguir seus mandamentos e, estes encontrando-se em posição de subordinação ao Estado. Mas, quando reconhece que os indivíduos têm sua personalidade desvencilhada dos mandamentos do Estado, têm-se o status negativos, que compreende uma autodeterminação do indivíduo frente ao Estado. Já, quanto ao status positivo, conhecido também por status civitatis, os indivíduos passam a exigir do Estado a realização de serviços e bens, que venham em benefício de todos. E, por fim, o status ativo, o qual viabiliza a participação dos indivíduos no Estado, através do exercício dos seus direitos políticos (PAULO e ALEXANDRINO, 2015). 15 A teoria dos quatro status do professor alemão Georg Jellinek, buscou analisar a forma que os indivíduos se comportavam frente ao Estado e, através desta, buscou- se assegurar direitos fundamentaisna sua essência tais como, direito de liberdade, direito de participação, direito de defesa, entre outros. Esta busca, contudo, não se deu de forma imediata, sendo que houve etapas, também conhecidas como dimensões, em que foram sendo elencados, a cada ciclo, direitos dotados de grande relevância e fundamentalidade, objeto de estudo no próximo ponto. 1.4. As dimensões dos direitos fundamentais e a sua historicidade Os direitos fundamentais originam-se do homem, transcorre sua evolução histórica, conforme Cunha Júnior (2008, p. 535, apud D’ÁVILA LOPES 2001, p. 46) reconhece: É nesse contexto que se situam a gênese e a evolução dos direitos fundamentais, porquanto está evidenciando que estes direitos não são tão somente de um acontecimento histórico determinado, mas de todo um processo, que compreende várias fases, como os antecedentes, o reconhecimento, as declarações, a positivação constitucional, a generalização, a universalização e a especificação. Ante este processo de evolução, passaram a ter notoriedade com o reconhecimento nas Declarações de Direitos, no século XIII, como observa Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 70 - 71): As primeiras limitações ao poder do Estado surgiram no final da Idade Média. O antecedente mais importante pelos autores é a Magna Carta, na Inglaterra, em 1215, reconhecendo direitos dos barões, com restrições ao poder absoluto do monarca. Em seguida, surgiram diversas outras declarações limitando o poder do Estado. As limitações impostas pelo Estado durante os séculos XVII e XVIII, fizeram surgir os direitos classificados como de primeira dimensão, que correspondem às liberdades individuais, de acordo com Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 267): “esses direitos traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo”. 16 Para Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino (2015, p. 103), os direitos de primeira dimensão podem ser abordados como: [...] direitos civis e políticos, reconhecidos nas Revoluções Francesas e Americana. Caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, de não fazer, de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação de cada indivíduo. São as chamadas liberdades individuais, que têm como foco a liberdade do homem individualmente considerado, sem nenhuma preocupação com as desigualdades sociais. Surgiram no final do século XVIII, como uma resposta do Estado liberal ao Estado absoluto. Representam os meios de defesa das liberdades do indivíduo, a partir da exigência da não ingerência abusiva dos Poderes Públicos na esfera da vida privada. Limitam-se a impor restrições à atuação do Estado, em favor da esfera de liberdades do indivíduo. Por esse motivo são referidos como direitos negativos, liberdades negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado. Neste sentido, Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 566), diz que: O reconhecimento desses direitos coincide com a origem do constitucionalismo moderno, que reivindicava postulados como a separação dos poderes e direitos individuais, garantidos por documentos constitucionais. Daí a razão do afamado art. 16 da Declaração francesa de 1789. Os direitos de primeira dimensão correspondem às chamadas liberdades públicas dos franceses, compreendendo os direitos civis, entre os quais se destacam, sobretudo pela acentuada e profunda inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade de todos perante a lei [...]. Esses direitos de primeira dimensão foram reconhecidos para a tutela das liberdades públicas, em razão de haver naquela época uma única preocupação, qual seja, proteger as pessoas do poder opressivo do estado. O constituinte ao elaborar a Constituição Federal de 1988, buscou trazer no início do seu texto, os direitos de primeira dimensão, elencando-os no Título II, a partir do artigo 5º, tais como, direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à liberdade de reunião, entre outros. O Estado liberal vigorou nos séculos XVIII e XIX, e, segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 267) teve como aspecto negativo o descaso com a justiça social, como assevera: O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar a État Gendarme1, associado às pressões decorrentes da industrialização em 1 Segundo Samuel Pontes do Nascimento (2008, n.p.) tem como significado de “Estado-guardião”. Com o intuito de ter poderes limitados para intervir no domínio privado dos indivíduos, era o de promover o 17 marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia, satisfatoriamente, às exigências do momento. Transformações estas corroboram a derrocada do Estado liberal, como bem assenta Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 568): [...] século XX que o Estado liberal perde o seu primado. Inúmeras transformações foram inseridas nas estruturas política e econômica da sociedade, transformações esta que se aceleraram a partir da Primeira Guerra Mundial, porque antes dela já se vinham processando e motivando as mais variadas manifestações justificadoras da conformação da ordem social do Estado, fruto da reação contra o Estado Liberal [...]. Toda essa transformação, portanto, ocorreu em virtude do fracasso do Estado liberal, que não logrou concretizar materialmente as conquistas formais e abstratas da liberdade e, sobretudo igualdade. Com ascensão do Estado social, surgem os direitos de segunda dimensão, caracterizados por outorgarem ao indivíduo direito a prestações sociais estatais, como saúde, educação, trabalho, assistência social, entre outras, relevando uma transição das liberdades formais abstratas, conquistadas pelo liberalismo, para as liberdades matérias concretas. Todas essas mudanças resultam nos direitos de segunda dimensão, que se concretizam com o reconhecido em 1917 da Constituição Mexicana, que estabeleceu a proteção aos direitos sociais. Seguindo essa linha, são promulgadas a Constituição Russa de 1918 e, posteriormente, a Constituição de Weimar em 1919. Conforme Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 69), os direitos de segunda dimensão visam: “melhorar as condições de vida e de trabalho da população”. Logo, através dos movimentos, almejava-se a transformação de um Estado liberal, para um Estado que realmente mostrasse preocupação com os hipossuficientes, na busca por igualdades materiais e trazendo maior comodidade para esta população menos favorecida. Ademais, Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino (2015, p. 103), destacam que os direitos de segunda dimensão, são: “denominados de direitos positivos, direitos do bem-estar, liberdades positivas ou direitos dos desamparados”. De tal maneira que buscavam, à época, um Estado que viesse a programar políticas e serviços públicos, máximo desenvolvimento das faculdades de uma sociedade dominada pelos ideais econômicos burgueses, uma vez que, eram estes que promoviam o surgimento de uma esfera pública política. 18 como saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social, dentre outros instrumentos sociais. Seguindo esta senda, o Estado brasileiro não poderia deixar de observar a evolução do movimento constitucionalista, como leciona Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 573): A Constituição de 1934 fundou, no Brasil, o modelo Estado intervencionista. Sob a influência da Constituição de Weimar [...]. A influência alemã foi tão grande, a ponto de o saudoso mestre baiano JosaphatMarinho haver afirmado que o Brasil sofreu um “sopro de socialização”. Esse sopro de socialização pendurou nas constituições seguintes, notadamente nas de 1946 e de 1988. O sopro de socialização mencionado acima pelo autor pode ser observado na Carta Magna de 1988, conforme o artigo 6º, caput, demostra: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 2019). Outrossim, a busca por garantias avançou, deixando o individualismo de lado, passando, então, a reivindicar direitos à coletividade, conforme Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 575), aborda: [...] destinarem-se à proteção, não do homem em sua individualidade, mas do homem em coletividade social, sendo, portanto, de titularidade coletiva ou difusa. Compreendem o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à segurança, o direito à paz, o direito à solidariedade universal, ao reconhecimento mútuo de direitos entre vários países, à comunicação, à autodeterminação dos povos e ao desenvolvimento. São denominados usualmente de direitos de solidariedade ou fraternidade, em razão do interesse comum que liga e une as pessoas e, de modo especial, em face de sua implicação universal, e por exigirem esforços e responsabilidade em escala, até mesmo mundial, para sua efetivação. Não têm por fim a liberdade ou igualdade, e sim preservar a própria existência do grupo. Dessa forma, têm-se os direitos de terceira dimensão, que por sua vez, buscam dar proteção ao próprio gênero humano, presente ou futuro, pois, não se destinam pessoas em sua individualidade, ou classe social, tampouco a determinado Estado (PAULO e ALEXANDRINO, 2015). 19 Com isso, a Constituição Federal de 1988 tutelou os direitos de terceira dimensão, de maneira contundente. Por conseguinte abarcou-os como sendo direitos pertencentes à humanidade, tais como o direito ao meio ambiente (art. 225), o direito à paz mundial (art. 4º, VI e VII), da proteção à infância e à juventude (art. 227), ao idoso (art. 230), ao deficiente físico, à saúde, à educação e a proteção ao consumidor. Este último, por sua vez, denominado Código de Defesa do Consumidor, traz em seu artigo 81, I e II, a definição de interesses e direitos difusos/coletivos, in verbis: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (BRASIL, 2019). Porém, na doutrina há divergência quanto às dimensões dos direitos fundamentais, porque existe uma parcela que assevera existir direitos fundamentais de quarta e quinta dimensão. Estes, por sua vez, compreendem o direito à democracia direta e os relacionados à biotecnologia e à paz (destaca-se que, não se tem um consenso sobre este bem protegido), respectivamente. Diametralmente oposta, parte da doutrina acredita existir os direitos de sexta dimensão, sendo estes, os direitos de liberdade à informação e ao pluralismo político. Há, ainda, alguns autores que acreditam serem os direitos da busca da felicidade e o acesso à água potável, em sendo pertencentes a esta dimensão. Dentre estes doutrinadores, cita-se Zumar Fachin (2008), que defende a água potável, como um bem protegido. Assegura que é um componente do meio ambiente ecologicamente equilibrado, exemplo de direito fundamental incluído na terceira dimensão de direitos, merecendo, assim, ser ressaltada e alçada a um plano que justifique o surgimento de uma nova dimensão de direitos, tendo em vista que a carência de água potável coloca em risco, além de outros direitos, o direito à vida. 20 Além destes direitos, protegidos constitucionalmente, têm-se outros, que de maneira não menos importante, merecem análise dentro do presente estudo, a qual se fará no tópico seguinte. 1.5. Direito à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, como direitos da personalidade Os direitos de primeira dimensão, desde as primeiras Constituições, já detinham proteção por seu constituinte, haja vista que tal respaldo se deu em razão do autoritarismo que o Estado absoluto exercia, mas, com os avanços do Estado liberal, o constituinte procurou impor ao Estado que não viesse a interferir nos direitos da personalidade dos indivíduos. Este critério também foi observado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, X, que determina: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 2019). Mas a consagração destes direitos se deu mediante o acompanhamento pelo constituinte brasileiro das tendências das constituições contemporâneas, precisamente a Constituição da Itália, de 1947, e a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949 (FARIAS, 1996). Sendo assim, o constituinte procurou preservar os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, passando uma segurança aos bens tutelados, todavia, a Carta Maior não trouxe uma definição destes direitos. Ao buscar uma definição, Costa Jr. (1970, apud CUNHA JÚNIOR 2008, p. 663), compreende que direito à honra não é: [...] a consideração social, o bom nome e a boa fama, como o sentimento íntimo, a consciência da própria dignidade pessoal. Isto é, honra é a dignidade pessoal refletida na consideração alheia e no sentimento da própria pessoa. Bebendo desta fonte, Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 107), define a honra como: “[...] um atributo pessoal. Compreende a autoestima e a reputação, ou 21 seja, a consideração que ela tem de si mesma (honra subjetiva), bem como a de gozar no meio social (honra subjetiva)”. Para Edilsom Pereira de Farias (1996, p.109), tal direito pode ser abordado: “[...] no sentido objetivo, à honra é a reputação desfruta ante ao meio social em que está situada; no sentido subjetivo, à honra é a estimação que a pessoa realiza de sua própria dignidade moral”. Tendo por base este entendimento, o direito à honra se irradia do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo inerente a qualquer pessoa, uma vez que, de forma alguma se distingui por razão de raça, crença, religião ou classe social, etc. A proteção que a Constituição traz à honra, se propaga na visão de uma coletividade (honra objetiva), ou na própria pessoa em si (honra subjetiva). O direito à honra, mesmo sendo protegido pela Constituição, detém outros mecanismos que passaram a tutelá-lo, conforme se observa no Código Civil. Apesar deste direito estar interligado com outros oriundos da personalidade, não por um descuido ou desprezo do legislador, como explica Anderson Shreiber (2013, p. 74), ele se dá pelo fato: [...] forte influência histórica da tutela da honra explica, por exemplo, a menção à honra no tratamento do direito de imagem, direito ao qual a maior parte da doutrina e jurisprudência não reconhecia autonomia na década de 1970, época da elaboração do projeto que deu ensejo ao Código Civil. Miscelânea não advém, portanto, de uma negação do direito à honra, mas da insistência em enxergá-lo como fundamento de outros direitos cuja independência só anosmais tarde viria a ser reconhecida. Também por força de sua importância histórica, o direito à honra aparece em diversas normas específicas, espalhadas pelo Código Civil. De fato, se carece de tratamento sistemático no novo capítulo reservado aos direitos da personalidade, o direito à honra acaba se manifestando em outros tantos setores da codificação, que vão do direito dos contratos ao direito das sucessões, passando pela responsabilidade civil. Por sua vez, no Código Penal, o direito à honra possui no Título I, Capítulo V, tutela que trata dos “crimes contra a honra”, tais como calúnia (art. 138), difamação (art. 139), e a injúria (art. 140). Mas, apesar de tratar-se de um direito atribuído a dignidade da pessoa humana, não se trata de um direito absoluto ou ilimitado, vez que o próprio código prevê a exceção de verdade, admitindo-se ao agente que prove a veracidade dos fatos que imputou a outrem. 22 Quanto ao direito à intimidade, para Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 106): “advém do latim, intimus, significando o que é interior a cada ser humano. É o direito de estar só, de não ser perturbado em sua vida particular”. Abordando o tema, Cinara Palhares (2008, p. 48), compreende que o direito à intimidade: [...] não representa qualquer interesse público que justifique a sua violação, salvo raríssimas exceções, como a apuração da pratica de um crime (caso seja necessário, por exemplo, escuta telefônica ou violação de correspondência e de domicílio). Para Edilsom Pereira de Farias (1996, p. 111 - 112), o direito à intimidade: [...] era desconhecida dos antigos, cuja vida transcorria em espaços públicos. Aquela necessidade surge historicamente somente quando a burguesia se universaliza como classe social, e o avanço tecnológico aumentam as possibilidades de violação da cidadela de intimidade da pessoa humana. Nem mesmo as primeiras declarações de direitos fizeram menção ao direito à intimidade. O primeiro texto internacional a proteger a intimidade foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada Bogotá no dia 02 de maio de 1948, no seu artigo 5º. Logo em seguida, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em Nova York, no dia 10 de dezembro de 1948, pela Organização das Nações Unidas – ONU, no seu artigo 12, reconheceu o direito à intimidade. A intimidade, como exigência moral da personalidade para que em determinadas situações seja o indivíduo deixado em paz, constituindo um direito de controlar a indiscrição alheia nos assuntos privados que só a ele interessa, tem como um de seus fundamentos o princípio da exclusividade [...]. Dessa forma, o direito à intimidade é tido como um direito subjetivo autônomo, devido ao fato da Constituição separá-lo dos demais direitos da personalidade. Por estar interligado à essência do indivíduo, o direito à intimidade ganha especial relevância em maio de 1967, em Estocolmo, na Conferência Nórdica sobre o Direito à Intimidade, que buscou tratá-lo com ênfase, discriminando algumas ofensas ao direito em questão, tais como a exposição através de cenas fotográficas ou cinematográficas, divulgação de conversação privadas, publicações com exploração de nome, identidade ou outros conteúdos sem sua permissão (CUNHA JÚNIOR, 2008). 23 Ademais, muito embora em algumas situações o direito à intimidade e o direito à honra pareçam entrelaçados, Edilsom Pereira de Farias (1996, p. 117), menciona que não se deve confundi-los, pois, direito à intimidade visa: [...] a proteção da intimidade, pretende-se assegurar uma parcela da personalidade que se reserva da indiscrição alheia para satisfazer exigências de isolamento moral do sujeito. Ao revés, com o direito à honra, procura-se preserva a personalidade de ofensas que depreciem ou ataquem sua reputação. No que diz respeito ao direito à vida privada, por sua vez, advém do relacionamento de um indivíduo com outras pessoas, como seus familiares, amigos, sócios ou relações no ambiente de trabalho. Laços estes, que demandam ter sua privacidade assegurada, sem o receio de que os fatos de sua vida privada venham a se tornar públicos. Para Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 662): “a vida privada não se confunde com a intimidade, pois é menos secreta do que esta, logo a vida privada é sempre um viver entre os outros, mas que também exige certa reserva”. Em complemente, Cinara Palhares (2008, p. 48), expõe que a vida privada não se confunde com a intimidade, senão: Privacidade e intimidade também são bens jurídicos que não se confundem. A intimidade é considerada um âmbito mais restrito e exclusivo do indivíduo, enquanto que a vida privada envolve relações interpessoais, que são protegidas contra a ação de terceiros. Encima do termo privacidade, Anderson Schreiber (2013, p. 135 - 136), entende como: [...] a proteção à vida íntima, familiar, pessoal de cada ser humano. Tratava- se, em essência, de um direito à intimidade. É visível, nesse primeiro momento da privacidade, uma forte influência do modelo proprietário: “não se entra na propriedade, não se entra na vida privada”. Do mesmo modo que o direito à propriedade permitia repelir o esbulho dos bens materiais, a privacidade permitia afastar a interferência alheia sobre a vida íntima de cada um. Em uma sociedade caracterizada pelo constante intercâmbio de informações, o direito à privacidade deve se propor a algo mais que àquela finalidade inicial, restrita à proteção da vida íntima. Deve abranger também o direito da pessoa humana de manter o controle sobre os seus dados pessoais. Mais sutil, mas não menos perigosa que a intromissão na intimidade doméstica de uma pessoa, é a sua exposição ao olhar alheio por meio de dados fornecidos ou coletados de forma aparentemente inofensiva, no preenchimento de um cadastro de hotel ou no acesso a um site qualquer da internet. O uso 24 inadequado desses dados pessoais pode gerar diversos prejuízos ao seu titular. Já na concepção de Edilsom Pereira de Farias (1996, p. 117 – 118), o direito à vida privada tem sua aplicabilidade em sentido amplo, consideradas determinadas situações, ou seu sentido mais restrito. Segundo o autor: [...] sentido amplo de realizar a proteção daquela parte da personalidade que se deseja ver preservada do conhecimento do público. Na segunda acepção, a locução vida privada stricto sensu significa apenas uma das esferas da intimidade. Por conseguinte, o direito à imagem, sendo para Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 663): “[...] aquele que tem como escopo resguardar esses aspectos físicos da pessoa, impedindo a sua divulgação”. Neste sentido o autor complementa que a “imagem é a representação de alguma coisa ou pessoa pelo desenho, pintura, fotografia ou outro meio de caracterização de seus atributos”. Ao referir-se a este direito, Anderson Schreiber (2013, p. 105 – 106), trata de lembrar que este direito, para os legisladores, não se tratava de um direito autônomo, mas: “[...] como mero instrumento de violação a outros direitos da personalidade, como a honra ou a privacidade. É o equívoco em que incorre ainda hoje o Código Civil, ao afirmar; em seu art. 202 [...]”. Tendo por pano de fundo este conceito de direito à imagem, Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 107), buscou dividi-lo em duas acepções, sendo a primeira delas: [...] possui um sentido de “retrato físico” (imagem-retrato), e outro de “retrato social” (imagem-atributo) de um indivíduo. A imagem-retrato é a representação gráfica, fotográfica, televisionada ou cinematográfica de uma pessoa. É o direito de não ter sua representação reproduzida por qualquer meio de comunicação sem a devida autorização [...]. A imagem-atributo é a forma pela qual uma pessoa é vista no meio social em que vive. Uma imagem de bom profissional, pessoa de boa índole, leal,2 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (grifo nosso). 25 honesta é construída ao longo dos anos, não podendo ser atingida por uma notícia difamatória veiculada de forma precipitada. Tanto a pessoa física como a pessoa jurídica pode ser atingida em sua imagem-atributo, cabendo indenização tanto por danos materiais como danos morais. A sociedade, na constância de sua convivência, demanda alguns questionamentos referentes ao direito à imagem, sendo que um destes seria como a imagem das pessoas com notoriedade (celebridades, atletas, políticos, dentre outros), deteria proteção, haja vista que não teriam um direito à imagem tão abrangente e intensa, devido ao fato destas viverem de sua exposição na mídia. Mas, para Anderson Schreiber (2013, p. 112), o mesmo não ocorreria, vez que: [...] a proteção ao direito de imagem de celebridades é tão intensa quanto a de qualquer um. O fato de viverem de sua imagem na mídia só reforça a importância que a representação física assume em relação àquelas pessoas. Famosa ou não, qualquer pessoa tem o direito de proibir a circulação indesejada da sua representação exterior. Tal exigência somente pode ser afastada naquelas situações em que outros interesses de hierarquia constitucional (liberdade de informação, liberdade de expressão etc.) venham exigir, diante das concretas circunstâncias, proteção mais intensa que o direito à imagem. Seguindo esta ótica, os instrumentos que realizam a captação das imagens em lugares públicos, encontram-se questionados por Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 663), que indaga: “quem os frequenta está abrindo mão do seu direito à imagem? Pode ser fotografada sem o seu consentimento?”. O próprio autor entende que o fato da imagem ser captada em lugar público, por si só, não mitigaria o direito à imagem por ser um direito fundamental. Não obstante, quando se está a tratar de publicidade institucional, o autor refere que o intuito da propaganda é promover a instituição e não a imagem das pessoas, logo, não ferindo o direito fundamental à imagem. A proteção dos direitos fundamentais ligados à personalidade torna-se ainda mais relevante, na medida em que há o alastramento dos meios de comunicação. Hodiernamente, se caracteriza uma época intitulada como “sociedade da informação”, devido a evolução dos mecanismos de comunicação, os quais não perpassam segurança alguma aos direitos fundamentais ligado à personalidade. Nesse ínterim, Cinara Palhares (2008, p. 46), esclarece que: 26 [...] a esfera privada é constantemente invadida pelos meios de comunicação, sujeitando os indivíduos até mesmo a informações indesejadas, como é o caso dos Spams, do telemarketing, das propagandas enganosas e abusivas, dos programas sensacionalistas ou violentos, dentre outras formas que poderíamos imaginar, deve-se reforçar a importância da proteção aos direitos da personalidade ligados a proteção da vida privada. Por estes motivos, é de extrema importância observar o conjunto de garantias que os ordenamentos internacionais e nacionais, trazem em relação aos direitos fundamentais ligados à personalidade. Tal abordagem mostra-se contundente, ante o intuito de obstar que tais violações estejam sendo praticadas em relação aos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem dos indivíduos. Mesmo que haja uma preocupação com os direitos da personalidade, com o objetivo de garantir-lhes uma máxima proteção, não se deve obstaculizar as liberdades alheias (sem analisar a materialidade fática), de forma que estes não consigam expressar seus pensamentos, ideias, opiniões e convicções, conforme se abordará no próximo ponto. 1.6. A liberdade de expressão e suas ramificações: um panorama no contexto histórico até a modernidade O direito à liberdade de expressão, além de ser um direito fundamental, Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 402), afirma que ele: “[...] é um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reinvindicações dos homens de todos os tempos”. Tecendo uma caracterização de modelos democráticos atuais, Edilsom Pereira de Farias (1996, p. 128), expõe que a liberdade de expressão, é como: “[...] uma das características das atuais sociedades democráticas. Essa liberdade é considerada inclusive como termômetro do regime democrático”. O direito de liberdade de expressão teve seu reconhecimento como direito fundamental, a partir das revoluções liberais, segundo Riva Sobrado de Freitas e Matheus Felipe de Castro (2013, p. 328) revelam: 27 […] a Liberdade de Expressão, desdobrada em diferentes modalidades (Liberdade de Imprensa e Liberdade Religiosa), adquire relevância extrema para a afirmação da burguesia no período das Revoluções Liberais, quer como um instrumento de propagação das ideias revolucionárias (Liberdade de Imprensa) quer para a afirmação do Estado Laico, repelindo qualquer subordinação ou influência da Igreja Católica (Liberdade Religiosa). Em oposição a esta reprimenda monarquista, a classe burguesa da época não se contentou com o autoritarismo do monarca, que detinha todo o Estado em suas mãos. Diante disso, passou a reivindicar direitos civis e políticos, entre eles a liberdade de expressão. O marco inicial de reconhecimento dos direitos à liberdade de expressão, do pensamento e da opinião, foi na Inglaterra, em 1695. Posteriormente, os Estados Unidos da América emprenharam-se em levantar a bandeira pelos direitos da liberdade de expressão. Fatos estes, que, segundo Emerson Penha Malheiro (2018, p. 137) ocorreu quando: “[...] a Constituição norte-americana começou a ser formada, cuja aprovação ocorreu em 1787 pela Convenção de Filadélfia”. Ainda que aprovada a Constituição dos Estados Unidos da América, a liberdade de expressão ganhou traços de direito fundamental com a primeira emenda, que ocorreu em 1791, com o seguinte texto: O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos (tradução nossa)3. Por sua vez, na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, reconheceu a liberdade de expressão, de pensamento e de opinião, como bem de grande valia, a que o homem teria direito (DE FARIAS, 1996). Conforme o texto da declaração, seu artigo 11 estabelece que: A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir 3 Congress shall not legislate to establish a religion, or to prohibit the free exercise of worship; or curtailing the freedom of speech, or the press, or the right of the people to assemble peacefully, and to petition the Government for reparation for their wrongdoing. 28 livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei (tradução nossa)4. Seguindo esta linha, a liberdade de expressão passou a ser difundida mundialmente através dos tratados internacionais, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela ONU, e a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, aprovada pelo Convênio Europeu, em Roma, no ano de 1950. Posteriormente, no ano de 1969, o Pacto de San José da CostaRica, no capítulo II (Direito Civis e Políticos), artigo 13 (Liberdade de Pensamento e Expressão), reconheceu o direito à liberdade de pensamento e expressão, como se verifica: Artigo 13 - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. 1. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha5. Sob este prisma, o Brasil apresenta suas primeiras manifestações no que tange à liberdade de expressão, com a promulgação da Constituição de 1824, a qual assegurava em seu texto a liberdade de imprensa, vetando que a censura fosse aplicada a estes meios de comunicação. A bem da verdade, a liberdade de expressão foi assegurada, de modo expresso, na Constituição de 1891, que visava assegura-la como um direito/garantia inserido no texto constitucional, vedando o anonimato (COSTA GARCIA, 2003). Com o advento da Revolução de 1930, houve uma maquiagem ao direito de expressão, uma vez que, no governo provisório de Getúlio Vargas, sua efetividade fora limitada, como menciona Guiomari Garson da Consta Garcia (2003, p. 277): [...] instaurou aparentemente um regime democrático. Entretanto, não passou de mera aparência, pois se ampliaram as limitações ao livre fluxo de informação, culminando com a Constituição de 1934. A Carta Política de 1934 (art. 113, n. 9) instituiu o direito de resposta e, ao mesmo tempo em que vedou o anonimato, previu expressamente a 4 Free communication of ideas and opinions is one of the most precious rights of man. Every citizen can, therefore, speak, write, print freely, but is liable for the abuses of this freedom under the law. 5 Article 13 Everyone has the right to freedom of thought and expression. 1. This right shall include the freedom to seek, receive and disseminate information and ideas of all kinds, regardless of boundaries, either verbally or in writing, in printed or artistic form, or by any other process of your choosing. 29 possibilidade de censura prévia aos espetáculos e diversões públicas, bem assim proibiu a propaganda de guerra ou de processos violentos de subversão da ordem política e social [...]. Ademais, segundo concepção de Luís Roberto Barroso (2001, p. 130), o início da intolerância com ideias que fossem contrárias às do governo se dá quando: [...] editada a primeira lei de segurança nacional, em 1935. Com o colapso das instituições democráticas e o advento do Estado Novo e da Carta de 1937, implantou-se um rigoroso sistema de censura prévia à liberdade de expressão, abrangendo a imprensa, espetáculos e diversões públicas. O Dec. 1949, de 30.12.1939, previa, inclusive, a possibilidade de proibição da circulação de periódicos. A Constituição de 1946 retomou a inspiração do Texto de 1934, em reprodução quase literal, com o acréscimo da vedação ao preconceito de raça ou de classe. Contudo, sob os efeitos da guerra fria, prestou-se à interpretação que proscrevia o partido comunista, permitindo a condenação de idéias à ilegalidade. Após o movimento militar de 1964, foi editada a Constituição de 1967, logo substituída pela Emenda n. 1, de 1969, outorgada pelos Ministros do Exército, da Marinha de Guerra e da Aeronáutica Militar. A Carta de 1969, procurando manter a fachada liberal e com penosa insinceridade normativa, enunciava no art. 153, § 8.º: "§ 8.º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes". Como se observa na evolução do direito à liberdade de expressão deve-se atentar que, ao garantir que este direito seja reconhecido pelo Estado, todo indivíduo está buscando o reconhecimento de poder manifestar sua opinião, suas ideias e também seu livre arbítrio de poder criticar as posições ideológicas que não lhe convém. Tal direito hoje é garantido de forma ampla pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º, IV e IX, e 220, os quais preveem: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...] Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 30 § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (BRASIL, 2019). Ainda que protegido constitucionalmente como direito único, o direito à liberdade de expressão se subdivide em liberdade à manifestação do pensamento (de opinião e de ideias), direito à informação (liberdade de informar, de informar-se e de ser informado), e liberdade de imprensa (informação jornalística), as quais, apesar de distintas, se relacionam. Embora seja composto de vários aspectos, há distinção entre ambos, sendo que o direito de informação e a liberdade de expressão não podem ser considerados como sinônimos, como menciona Luís Roberto Barroso (2004, p. 115): [...] a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. A liberdade de pensamento torna-se um bem jurídico protegido na medida em que o indivíduo venha a exteriorizá-la, pois, enquanto estiver no seu consciente e fora do poder social, não haverá como regulamentá-la, senão, estar-se-ia ante o cerceamento no mundo imaginário, o qual não se torna relevante neste contexto. Por seu turno, a liberdade de expressão, segundo Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 647): “[...] interessa ao mundo jurídico, no instante em que o indivíduo passa a exercer o seu direito de exprimir o que se pensa. É a liberdade de expressar juízos, conceitos, convicções e conclusões sobre alguma coisa”. Conforme a Carta Magna disciplina no artigo 5º, inciso IV e IX, a liberdade de manifestação de pensamento é livre, sendo vedado seu anonimato, vez que, tal precaução é tida como uma forma de se assegurar a origem manifestação, sua autoria e qual seu objetivo. Conforme explicação de Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 86), a identificação é com o intuito de que: “ninguém pode fugir da responsabilidade do pensamento exteriorizado, escondendo-se sob a forma do anonimato”. 31 No que se refere ao direito à informação, sendo uma das bases da liberdade de expressão, também se subdivide, de acordo com Rodrigo César Rebello Pinho (1996, p. 89), em um: “tríplice alcance: direito de informar, o de se informar e o de ser informado”. Com essa concepção, Luis Gustavo GrandinettiCastanha de Carvalho (1999, p. 52 - 53) percebe a importância de preservar o valor imparcial da informação, que segundo ele: A informação tem, assim, a função social de disseminar o conhecimento humano para pôr em ordem a sociedade, ou seja, ministrar aos membros da sociedade o mesmo conhecimento a fim de torná-los mais iguais no saber, mais próximos uns dos outros, mais aptos a tomar decisões e para que uns aproveitem e compartilhem o saber dos outros. Além dessa justificação social, a informação tem outra função política de grande monta. Em um sistema democrático, onde o poder político repousa no povo, que o exerce por representantes eleitos ou diretamente, sobreleva a necessidade de cada membro do povo fazer opções políticas sobre a vida nacional [...]. A importância que o autor se refere, é em relação aos indivíduos terem acesso às informações, dando maior autonomia às pessoas em formular sua própria opinião a respeito de determinado assunto. Sobre o direito de ser informado, Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 650), explicita que: [...] à faculdade de ser mantido completa e adequadamente informado. Esse direito, entretanto, na ordem constitucional brasileira, como ressalta Vidal Serrano Nunes Júnior, é restrito aos assuntos ligados as atividades do poder público. Com efeito, prevê o inciso XXXIII do art. 5º que todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral. Lado outro, o direito de se informar possui outro viés de proteção, o qual determina a garantia a qualquer indivíduo que venha buscar informação, sem que lhe seja importo qualquer obstáculo. Esse direito é garantido na essência do Estado Democrático de Direito e assegurado pelo artigo 5º, XVI, onde estabelece que: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (CASTANHO DE CARVALHO, 1999). 32 Quanto ao direito de informar, consiste no dever de prestar a informação, através de qualquer meio que possa ocasionar a divulgação em massa. Destarte, o constituinte reconheceu tal direito ao formular o artigo 220, caput, da Constituição Federal de 1988, que determina: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (grifou-se). Assegurando o livre exercício deste direito, tão caro ao indivíduo, Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 650), observa que o constituinte propiciou o livre exercício da informação com certas lacunas, sendo que: “[...] veda qualquer obstrução ao exercício deste direito de informar, sem, contudo, garantir os meios de transmissão dessa informação”. Considerados estes conceitos, componentes ao direito de informação, parte da doutrina, compreende que existe um direito chamado de “liberdade de informação jornalística”. Dentre estes autores, Rodrigo César Rebello Pinho (2006, p. 90), elucida que: Trata-se de um direito de conteúdo mais abrangente que o tradicional conceito de liberdade de imprensa, assegura o direito de veiculação de impressos sem qualquer restrição por parte do Estado. A liberdade de informação jornalística compreende o direito de informar, bem como o direito de ser devidamente informado. Qualquer legislação infraconstitucional que constitua embaraço à atividade jornalística, por expressa disposição de nossa Carta Magna, deve ser declarada inconstitucional (CF, art. 200, § 1º). Na concepção de Luis Gustavo Grandinetti Castanha de Carvalho (1999, p. 81): A informação jornalística substituiu, nos dias de hoje, a antiga e consagrada expressão liberdade de imprensa, sob a qual erigiu-se como direito e garantia fundamental, como guardiã das liberdades públicas, como trincheira contra as iniquidades do Estado. Mas a expressão não lhe presta mais, não é suficiente para designar um complexo de relações jurídicas em que se transformou a imprensa na sociedade moderna. Derrocada a expressão liberdade de imprensa, firmando a pretensão de um Estado Democrático, o direito de imprensa, por outro lado, foi fundamental, conforme José Henrique Rodrigues Torres (1994, p. 25), bem leciona sobre tal direito: [...] importante função de investigar, noticiar, denunciar e fiscalizar tem um 33 relevante e indispensável papel a desempenhar na democracia. Como um poderoso instrumento de formação da opinião pública, a imprensa tem o direito de informar e de exercer com liberdade a sua atividade. Contudo, como a imprensa também tem o dever de informar e de exercer a sua atividade com respeito à verdade e aos direitos dos cidadãos, ela desempenha, na realidade, modernamente, uma relevante função social. Nesse mesmo conceito, Luis Gustavo Grandinetti Castanha de Carvalho (1999, p. 82), enfatiza que: [...] o uso do termo imprensa só pode mesmo ser justificada como um tributo, uma concessão romântica à batalha política e jurídica que ela enfrentou para pôr cobro ao arbítrio político reinante em épocas passadas, em qualquer parte do mundo. Reconheça-se o mérito e compreenda-se o romantismo: em qualquer dos quadrantes da Terra, a imprensa lutou contra alguém ou contra um sistema, geralmente inimigos poderosíssimos que a golpeavam por todos os lados e de todos os modos. Os governantes podem ter caídos, os jornais podem ter sido fechados, os jornalistas podem ter sidos fuzilados..., mas a instituição imprensa sobreviveu a tudo e tornou-se indispensável a sociedade. Desse modo, é compreensível e até justo manter-se o termo [...]. Mas, por uma questão de rigor, deve-se preferir a expressão jornalística. Assim, a Constituição Federal de 1988 tratou dos meios de comunicação social e da liberdade de impressa, no artigo 220 e parágrafos, com intuito de lhe dar tratamento privilegiado. Em tempos passados, o termo imprensa, passava a ideia, de acordo com Celso Ribeiro Basto (2015, p. 825), de se estar falando: “[...] de maneira restritiva, somente para os jornais; os jornalistas, igualmente, eram somente os profissionais ligados aos periódicos”. No século XXI, denominado por alguns doutrinadores como Sociedade da Informação, o sentido de imprensa estava ligado a toda gama de veículo de comunicação, que detinha a função de repassar informações. Para Guiomari Garson da Costa Garcia (2003, p. 276): “[...] a imprensa hoje significa informação, jornalismo, independentemente do processo que o gerou, preponderando a atividade e não o meio empregado para divulgá-la: jornais, revista, televisão, rádio, internet”. Tendo em vista esta evolução tecnológica, que preponderou após a promulgação da Constituição Federal de 1988, deverá o legislador, preocupar-se em regulamentar estes diversos métodos de comunicação social, pois, segundo Emerson Penha Malheiro (2018, p. 134): 34 [...] evidente que diversos direitos assumiram novas feições, situação essa que também pode ser constatada quando da análise da liberdade de expressão. Deveras, o papel da Web 2.06 deixa essa constatação ainda mais evidente, pois, de meros telespectadores, os usuários passaram a produzir informações. Ainda, cumpre ressaltar que o conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito da personalidade, ganhou notoriedade nos últimos anos, conforme relata Regina Vera Villas Bôas (2014, p. 59): Nos últimos anos o conflito entre liberdade de expressão e intimidade tem despertado, no Brasil, grande interesse da doutrina jurídica, dos meios de comunicação e da sociedade em geral, especialmente a respeito dos limites a que a imprensa estaria submetida ao noticiar certos fatos, afetos à vida privada, do cidadão comum e de determinadas pessoas públicas. A Constituição Federal de 1988 previu no seu texto, o direito à liberdade de expressãoabarcando suas diferentes formas, bem como o direito da personalidade na proteção à dignidade da pessoa humana. Porém, tamanha amplitude não é suficiente hodiernamente, pois há uma constante evolução dos meios de comunicação, em elevada proporção, ao ponto de o legislador não conseguir acompanhar estas transformações. Compartilhando essa ideia, Emerson Penha Malheiro (2018, p. 134), atine que: Quando a história da liberdade de expressão começa a ser analisada, é interessante notar que a sua importância sempre foi ressaltada, principalmente como forma de repudiar governos autoritários e viabilizar os democráticos. Nos dias atuais, contudo, a preocupação não cinge a essa questão. Pelo contrário, na Sociedade da Informação, notadamente com o fortalecimento da Internet e com a feição difusa que ela vem conferindo às diversas manifestações que são exaradas em seu âmbito, as discussões a respeito do assunto passaram a ter outros focos, centrados, por exemplo, na compatibilização dos atos de se manifestar e ser informado com outros direitos fundamentais, tais como a honra, a vida privada, etc. Assim, um dilema entre a segurança e a privacidade no ato de se manifestar ocupou espaço nas discussões jurídicas. Notadamente passar-se-á ter de dialogar sobre novas ferramentas que visem proteger os direitos fundamentais da personalidade interligados com a dignidade da pessoa humana. Neste caminhar, encontra-se o direito ao esquecimento, conhecido 6 Segundo informativo do Jornal de São Paulo o termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segunda geração da World Wide Web - tendência que reforça o conceito de troca de informações e colaboração dos internautas com sites e serviços virtuais. A ideia é que o ambiente on-line se torne mais dinâmico e que os usuários colaborem para a organização de conteúdo. 35 há tempos, porém pouco debatido, sendo que buscar-se-á uma definição adequada e sua essência, para poder encaixá-lo ao ordenamento jurídico, na medida que se tem mais clareza dos pontos tutelados por este dispositivo, direito este abordado no próximo capítulo. 36 2. DIREITO AO ESQUECIMENTO Estabelecer o direito ao esquecimento no mesmo patamar que os direitos fundamentais é reconhecer sua autenticidade aos demais direito da personalidade, estabelecendo critérios onde todos os indivíduos poderão se beneficiar, seja na busca por reparação devido à violação da sua intimidade, seja no reconhecimento de não ser lembrado por fatos pretéritos. Em sua materialização, analisar-se-á os casos de Aída Curi e da Chacina da Candelária, onde se verificará quais foram os posicionamentos dos tribunais nestes casos, sendo estes, a gênese do direito ao esquecimento na sua autenticidade, sem estar vinculado aos demais direitos da personalidade. Ainda, pretende-se abordar o sistema de ponderação entre os direitos à liberdade de expressão e informação, frente ao direito do esquecimento, com o intuito de demonstrar que a aplicabilidade dos direitos em questão, deverá ser analisada em casos concretos, para se ter uma definição de qual direito deverá prevalecer. 2.1. Definição O direito ao esquecimento já era discutido há tempos na Europa e nos Estados Unidos, onde se têm uma definição concreta e, consubstancial, sobre ele, asseguram Antonio Rulli Júnior e Antonio Rulli Neto (2013, p. 20): O direito ao esquecimento, tratado no direito norte-americano como “the right to be alone”, é aquele em que se garante que os dados sobre uma pessoa somente serão conservados de maneira a permitir a identificação do sujeito a eles ligados, além de somente poder ser mantido durante o tempo necessário para sua finalidade. Nesse seguimento, Ana Luisa Soares Nader Zschaber (2019, p. 95), conceitua o direito ao esquecimento como: “[...] direito que toda pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verdadeiro, seja eternamente exposto na sociedade, causando danos e sofrimento à pessoa a quem é atribuído”. Também, merece destaque a definição de Lucas Guglielmelli Lopes e Matheus 37 Guglielmelli Lopes (2015, p. 95), que, nesta mesma conclusão, conceituam o direito ao esquecimento como: [...]inerente ao ser humano de que não seja autorizado que determinado acontecimento, mesmo verdadeiro, ocorrido em determinado tempo de sua vida, seja divulgado a população, uma vez que geraria sofrimento e transtornos [...]. Para Gustavo Carvalho Chehab (2015, p. 115, apud ZSCHABER; VIEGAS 2019, p. 95), o direito ao esquecimento é tido como: [...] a faculdade que o titular de um lado pessoal tem para vê-lo apagado, suprimido ou bloqueado, pelo decurso do tempo, por ter cessado sua finalidade ou por afrontar seus direitos fundamentais. Trata-se de uma espécie de caducidade em que a informação, pelo decurso do tempo, pela expiração da sua finalidade ou por sua proximidade com os direitos fundamentais afetos a personalidade, parece ou deveria perecer, ainda que por imposição de lei. Na definição de Fábio Vinícius Maia Trigueiro (2016, p. 83), o direito ao esquecimento apresenta-se como: [...] um poder ou faculdade conferido ao indivíduo para objetar a comunicação de um fato pretérito ou realidade modificada que lhe diga respeito e que ele queira ver esquecido; e ainda, para apagar registros desse passado. Marcos Augusto de Albuquerque E. Jr. e outros (2017, p. 64), preceituam tal direito, buscando entender de seu conteúdo, como asseveram: O direito de ser esquecido preconiza, em suma, que os atos praticados no passado não possam ecoar para sempre: as pessoas têm o direito de ser esquecida pela opinião pública e pela imprensa. Portanto, das mais variadas definições que se têm do direito ao esquecimento, todas desaguam a conclusões semelhantes. Ele vai além da faculdade dada ao indivíduo em não ser lembrado, de forma infindável, por toda sociedade. É o direito de poder viver sua intimidade ou a sua vida privada, sem temer que determinados fatos pretéritos ou descontextualizados com a realidade estejam na memória da sociedade de forma permanente. Assim, ao próximo ponto incumbe trazer à baila o referido direito, bem como sua natureza jurídica. 2.2. Direito ao esquecimento e sua natureza jurídica 38 Importante, ao tratar do direito ao esquecimento, analisa-lo como um dispositivo dissociado dos demais direitos relacionados à personalidade, ainda que todos estejam interligados, possibilitando assim, uma melhor compreensão deste. Elucidando sua importância, bem como discorrendo sobre a natureza jurídica, Fábio Vinícius Maia Trigueiro (2016, p. 86), alude sobre as correntes doutrinárias divergentes: Autores da primeira alternativa autonomizam o tratamento do direito ao esquecimento destacando características próprias que o distinguem dos demais direitos da personalidade, a exemplo da intimidade da vida privada, porquanto o direito ao esquecimento visa ao desaparecimento permanente de uma informação passada, diga respeito ou não à vida privada do indivíduo; sendo, por isso, um direito merecedor de tratamento distinto (LETTERON, 1996, p. 407 – 413). Outros o tratam como espécie de uma nova geração de direitos, decorrente da era da informática, embora o fundamente nos valores da privacidade, dignidade e proteção dos dados pessoais (SORIANO GARCÍA, 2012, p. 208). Todavia, por si só, os novos desafios impostos à dignidade da pessoa humana pela Internet não fundamentam suficientemente a afirmação de que o direito ao esquecimento consiste num direito de nova geração de direitos fundamentais. Importa investigar se os elementos característicos desse direito não coincidem com os de outros direitos já conhecidos e tutelados, caso em que o direito ao esquecimento seria uma particular manifestação ou diferente modo de exercício daqueles.
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