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ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS W BA 00 93 _v 2. 0 22 © 2019 POR EDITORA E DISTRIBUIDORA EDUCACIONAL S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Danielle Leite de Lemos Oliveira Giani Vendramel de Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis Editorial Alessandra Cristina Fahl Daniella Fernandes Haruze Manta Flávia Mello Magrini Hâmila Samai Franco dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Siqueira, Estela Cristina Vieira de S618e Estado e políticas públicas / Estela Cristina Vieira de Siqueira – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018. 96 p. ISBN 978-85-522-1319-2 1. Estado. 2. Governo. I. Siqueira, Estela Cristina Vieira de. II. Título. CDD 370 Responsável pela ficha catalográfica: Thamiris Mantovani CRB-8/9491 2019 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ mailto:editora.educacional%40kroton.com.br?subject= http://www.kroton.com.br/ 3 3 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS SUMÁRIO Apresentação da disciplina 4 Estado e governo: conceito e representações 5 Estado e formação: o Estado brasileiro 20 Globalização: unidade e fragmentação 34 Globalização e suas características na acentuação da desigualdade 49 Democracia e Estado-nação 63 Estado e globalização: por uma outra democracia 80 O multiculturalismo e a ética igualitária 95 Movimentos multiculturais e suas organizações políticas 110 44 Apresentação da disciplina A disciplina de Estado e políticas públicas tem como objetivo principal promover a reflexão acerca da importância exercida pelo Estado na elaboração de políticas públicas e na organização social, e como essa instituição, central para a existência de uma sociedade plural e mais igualitária, surgiu de um contexto histórico de exclusão e dominação, até que se tornasse concebível um modelo de Estado com amplitude de acesso a direitos e garantias a todos os seus cidadãos. Ao passar, aprofundadamente, pelas etapas de evolução do Estado moderno e perceber seus desdobramentos no mundo contemporâneo, compreenderemos melhor como se reproduziram as desigualdades ao longo dos séculos e como o Estado, um dos principais elementos perpetuadores da dinâmica capitalista de supressão de diversidades, pode se tornar o oposto: um promotor de políticas sociais bem engendradas, voltadas a real inclusão de quem mais precisa. A relação íntima entre Estado e a elaboração de projetos sociais depende, necessariamente, da compreensão de seus principais elementos constitutivos e como a construção dos mercados a nível global influenciou nas dinâmicas sociais desiguais que hoje dão ensejo a múltiplas atuações, tanto do setor público, quanto do privado, no sentido de promover espaços mais democráticos de debate e de inclusão de minorias, antes subjugadas, em um modelo político mais acessível e igualitário. Ao longo desta disciplina, com o apoio da bibliografia principal e de apoio, será possível entender um pouco mais sobre como o Estado se relaciona com a sociedade e como a fragmentação cultural artificialmente criada pelo sistema mercantil, e necessária à unificação e gênese do Estado, pode se tornar a principal fonte de força humana na promoção de justiça social. 55 5 Estado e Governo: conceito e representações Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira Objetivos • Compreender como o Estado moderno se formou historicamente, conhecer os três elementos essenciais constitutivos dos Estados, quais sejam, povo, território e soberania para, a partir deles, perceber a diferença entre os conceitos de Estado e governo. 66 1. Introdução A instituição Estado, até que chegássemos aos dias atuais, passou por inúmeras fases de transformação em suas estruturas de organização e administração, algo que somente foi possível após sucessivas tentativas históricas, nas quais o seres humanos, tomados por aquilo que seria chamado na concepção aristotélica de “pulsão de gregária” – uma propensão ao agrupamento, que tornaria possível a sobrevivência prolongada dos seres humanos – terminariam por juntar-se ao redor de instituições hierarquizadas, antes mesmo que as pudéssemos chamar de Estado e governo, como as conhecemos hoje. Dizemos “antes mesmo que as pudéssemos denominar Estado”, pois a utilização moderna da expressão Estado foi cunhada por Maquiavel, em 15121, em sua obra O Príncipe, publicada após sua morte, em 1532. Muito embora o florentino não tenha inventado a palavra, foi a sua utilização que promoveu a guinada semântica que envolveria a delimitação dos elementos essenciais condicionantes de existência do Estado moderno. PARA SABER MAIS Maquiavel, diplomata nascido em Florença, na Itália, foi uma figura polêmica para sua época, e imortalizado no ideário popular através de frases e ideias como “os fins justificam os meios”, ou sobre um príncipe dever ser temido e amado na mesma proporção, mas que, na impossibilidade de ser amado, melhor que seja temido – frases nem sempre corretamente utilizadas, que deram origem à 1 A primeira utilização da expressão Estado feita na obra O Príncipe aparece no Capítulo I, logo no primeiro pa- rágrafo, quando Maquiavel afirma que “Todos os Estados, os domínios todos que existiram e existem sobre os homens foram e são repúblicas ou principados”. In: BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe – comentado por Napoleão Bonaparte. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977. p. 11. 77 7 expressão maquiavélico, quando se quer denominar alguém ardiloso, cruel, capaz de agir de má-fé – fama injusta e anacrônica quando se analisa o imenso legado daquele que revolucionaria o pensamento político pelos séculos que se seguiriam. Maquiavel escreveu “O Príncipe” em uma Europa fragilizada e fragmentada, na qual qualquer análise atual não prosperaria. DE SANTI, Alexandre. Os fins justificam os meios. Superinteressante. Disponível em: https://super. abril.com.br/cultura/os-fins-justificam-os-meios/. Acesso em: 12 jul. 2018. O Estado Moderno surge – e alguns autores adotam o marco cronológico de 1492 para seu início2, coincidindo com a invasão das Américas e as mudanças estruturais de poder, promovidas pelas novas relações entre o Antigo e o Novo mundo e o crescente mercantilismo expansionista – e, com ele, uma pretensão de universalidade dos ideais europeus que marcaria profundamente o impacto das relações de poder no mundo contemporâneo. É importante salientar que, no entanto, o Estado, como pode se depreender de inúmeras teorias contratuais, não é uma formulação natural. A convivência harmoniosa entre nós, humanos, dependeria de mecanismos artificiais de poder, ou seja, da criação de um poder centralizado e hierárquico, com o qual os seres humanos contratariam. De forma a justificar a existência do Estado, surgem pensadores que tentaram teorizar este surgimento em torno da ideia de contrato social: os seres humanos abririam mão de parte de sua liberdade em troca da proteção do Estado. 2 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p.19. https://super.abril.com.br/cultura/os-fins-justificam-os-meios/88 Alguns dos principais teóricos do Contratualismo são Thomas Hobbes3, defensor do absolutismo, que associava o Estado soberano ao Leviatã, monstro mitológico destruidor, atribuindo à instituição a característica de ser “um mal”, mas “um mal necessário” e detentor do poder soberano; John Locke4, que considerava o Estado, cujo representante seria eleito pelo povo, responsável por proteger as liberdades individuais e a propriedade privada – essa última tida como direito divino - e Jean- Jacques Rousseau5, partindo da premissa de que a soberania era do povo, que a concedia ao Estado em troca da garantia de promoção daquilo que ele chamava de “vontade geral”. Também em nome da construção do Estado, seria necessária uma homogeneização dos elementos internos e uma rejeição a fatores externos, pois o Estado moderno surge a partir da centralização de poder em torno de uma unidade soberana6, algo que não era possível no plural e fragmentado mundo feudal, com seus múltiplos monarcas, e sem a qual o capitalismo não teria sido viável. Era necessário criar o nacional, tomando por parâmetro a exclusão de multiculturalidades, sendo que um dos momentos históricos que mais contribuíram para essa exclusão do outro foi a expulsão dos muçulmanos de Granada na Espanha - coincidentemente, também no emblemático ano de 14927. Baseada na perseguição de todos aqueles que não professassem a fé católica, o Estado nesse período surge também como uma estrutura intimamente ligada à religião, em razão da necessidade de criação de um ideário comum que permitisse a fácil visualização de que, se havia algo que era Estado, deveria haver algo que não era, por abstração. 3 HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edi- pro, 2015. 4 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Edipro, 2014. 5 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013. 6 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p.13. 7 Idem. p.21. 99 9 Contudo, estamos falando apenas sobre Estado até agora. E o que se entende por governo? São Estado e governo expressões referentes à mesma instituição? A confusão entre as expressões é comum e, por isso, precisamos compreender quais são as suas principais diferenças. 2. Estado e governo: conceitos Falamos muito sobre o surgimento do Estado moderno, a maneira como historicamente se compuseram os primeiros Estados conhecidos, e até mesmo sobre como teria surgido a palavra Estado, mas ainda não aprendemos a identificar seus principais elementos constitutivos, nem pudemos compreender qual a diferença entre Estado e governo – uma linha tênue, mas de fundamental importância para a compreensão das funções de cada um. Assim, entende-se que existem três elementos essenciais que todo Estado deve ter: povo, território e soberania (dividida em duas dimensões, como veremos a frente). 2.1 Elementos essenciais do Estado Povo compreende a parcela da população de um Estado que possui vínculo jurídico e político com ele. Ou seja, não se trata apenas de um conceito demográfico, numérico, pois este seria a população, o número de habitantes. Povo, necessariamente, possui vinculação com a unidade política de um determinado território. O que significa que nem todos os habitantes serão considerados povo, por exemplo. Tal vinculação, normalmente ocorre através da nacionalidade, cujos critérios variam de Estado para Estado. Essa definição de quem é nacional ou não normalmente ocorre dentro da Constituição dos Estados, como ocorre com a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 12. LINK Para leitura na íntegra da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, acesse: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 1010 Território corresponde à porção territorial na qual o Estado está localizado, sendo contínua ou não (ilhas e territórios ultramarinos, por exemplo, não estão no mesmo limite territorial, ainda que façam parte de determinado Estado). Soberania, confundida erroneamente por alguns autores com a figura de governo, compreende, segundo Carré de Malberg, a qualidade do poder de um Estado que não reconhece nenhum poder superior8, nem na esfera interna, nem na esfera externa. Isso significa dizer que o Estado tem poder sobre seus indivíduos e também que os outros Estados, assim reconhecidos, o devem respeito. ASSIMILE Estado, portanto, é a estrutura de organização de poder formada pela junção de três elementos essenciais condicionantes, sendo estes: povo, território e soberania, sem os quais, não se pode falar na existência de um Estado. Sendo assim, somente a representação do Estado pode estabelecer relações internacionais com outros Estados. Quando vemos o Brasil participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, por exemplo, tal apresentação é feita enquanto Estado brasileiro. PARA SABER MAIS Quanto à abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, tradicionalmente, o Brasil costuma ser o primeiro país a discursar (embora nem sempre tenha sido assim), pois em 1947, quando ocorreu a primeira reunião deste tipo 8 MALBERG, Carré de. Teoria General del Estado. Cidade do México: UNAM, 2001. p. 83. 1111 11 na Organização, a delegação brasileira presidiu a sessão, na pessoa do Embaixador Oswaldo Aranha, que discursou perante a Assembleia. ORSI, Carlos. Por que o Brasil sempre discursa primeiro na Assembleia Geral da ONU? Gazeta do Povo. Curitiba, jul. 2017. p. 1-4. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil- sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu- 2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7. Acesso em: 29 jun. 2018. 2.2 Soberania e governo Se o Estado necessita de três elementos essenciais para sua existência, percebemos que a soberania se configura como sendo a maior escala de poder reconhecível dentro de um dado Estado. Porém, há que se distinguir a soberania em seus aspectos externo e interno. A soberania externa se relaciona às funções de Estado, à unicidade dos três elementos essenciais que vimos no tópico anterior e, principalmente, à capacidade de reconhecimento por parte de outros Estados. A possibilidade que um Estado possui de estabelecer relações diplomáticas com outros Estados e de ser reconhecido como semelhante por eles é o seu desdobramento externo de soberania. Já a soberania interna se relaciona com as funções específicas e administrativas de um Estado. Tais funções de organização e hierarquização internas recebem, em nossa disciplina, o nome de governo. Logo, o governo corresponde à divisão administrativa interna dos Estados, conforme disposta em sua Constituição - documento no qual consta a forma de organização dos Estados. O governo, enquanto forma de organização de poder, pode assumir duas formas: a monárquica e a republicana. Na República, temos a transição de lideranças, fundada no princípio da temporalidade, o que https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7/ https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7/ https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7/ 1212 significa que os chefes de governo são eleitos por tempo determinado, o que não ocorre na Monarquia, com seu poder caracterizado pela vitaliciedade e hereditariedade9. Porém, além da forma de governo, a organização administrativa dos Estados também possui divisão em dois sistemas de governo: o presidencialista e o parlamentarista10, No parlamentarismo, o governo é exercido através da presença de um parlamento, órgão representativoresponsável pela produção legislativa. O chefe de governo no Parlamentarismo é o Primeiro-Ministro, havendo distinção entre as figuras do chefe de Governo e do chefe de Estado. De forma a tornar a diferença mais visível, o parlamentarismo é mais frequente em regimes monárquicos, por sua formulação histórica11. Já o presidencialismo, formulação política surgida nos Estados Unidos e modelo adotado pelo Brasil em contraposição ao parlamentarismo, funda-se na presença de um presidente, não havendo divisão das funções executivas com o parlamento. Assim, as figuras do chefe de Governo e do chefe de Estado confundem-se na mesma pessoa: o Presidente12. EXEMPLIFICANDO Em alguns países, como é o caso do Brasil, as figuras do Chefe de Estado, responsável pelas relações exteriores, e do Chefe de Governo, responsável pela administração interna, são representadas pela mesma pessoa, o que dificulta a nossa visualização das diferenças entre Estado e Governo. 9 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Niterói: Editora Impetus, 2007. p. 13. 10 Idem. 11 BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 416. 12 Idem. 1313 13 No entanto, a diferença é mais fácil de ser visualizada em países que adotam o sistema parlamentarista, onde Chefe de Governo e Chefe de Estado não são a mesma pessoa, como é o caso do Reino Unido, onde há um Chefe de Governo, na figura do Primeiro-Ministro, gabinete atualmente ocupado por Theresa May, e um chefe de Estado, responsável pelas relações diplomáticas, posição ocupada há 65 anos pela Rainha Elizabeth I. Como pudemos perceber, o Estado, desde sua necessidade de ex- pulsão do diferente em nome da unificação territorial em torno de um único centro de poder – como no episódio histórico da expulsão dos muçulmanos de Granada – até os processos de colonização e in- vasão das Américas, se constituiu sobre uma dinâmica de exclusão e supressão de diversidades. Reflita sobre os conceitos dos elementos essenciais que formam o Estado e tente compreender como o surgi- mento destes influencia as relações de poder até os dias atuais. QUESTÃO PARA REFLEXÃO 3. Considerações finais • O Estado Moderno, em sua gênese, historicamente, formou- se através da ideia de exclusão daquilo que lhe era externo: como o feudalismo não possuía unidade de poder, de forma a conseguir unir os feudos em torno de um só rei, foi necessário criar uma identidade unificada. Um dos exemplos, a expulsão dos muçulmanos de Granada, após a unificação do Estado espanhol. • A unificação do Estado Moderno passa também por uma fase mercantil, diante da necessidade de unificação do comércio e da crescente expansão das navegações. Os Estados precisavam possuir um único rei, ao qual pudessem responder. 1414 • Para que se possa considerar a existência de um Estado, há que identificar-se a presença de 3 elementos essenciais: povo, território e soberania. A expressão povo se refere à parcela da população que possui vínculo jurídico e político com o Estado, o território compreende a porção geográfica – contínua ou não – na qual um Estado se localiza e a soberania é a qualidade do poder de um Estado que não admite poder superior a si, nem internamente, nem externamente. • O conceito de soberania pode ser dividido em duas dimensões: externa e interna. A soberania, sendo a qualidade do poder supremo de um Estado, quando se manifesta em sua faceta externa, tem a ver com as relações internacionais entre os Estados e a capacidade de um Estado ser reconhecido perante os outros como tal; já em sua faceta interna, a soberania se manifesta através da expressão de governo, referindo-se a toda cadeia hierárquica que compõe os órgãos da administração pública. Glossário • Estado: forma de organização de poder aprimorada pelos seres humanos ao longo da história, composta por instituições adminis- trativas, com o objetivo de, ao menos dentro da teoria contratu- alista, permitir-se a proteção de seus indivíduos, diante de amea- ças externas. Politicamente, deve ser composto por 3 elementos essenciais: povo, território e soberania. • Organização das Nações Unidas: organização internacional entre Estados, de caráter universal, criada em 1945, a partir da Carta das Nações Unidas, com o objetivo de evitar novas guer- ras, logo após a Segunda Guerra Mundial, e promover a coope- ração entre as nações do mundo para os mais diversos assuntos – daí o nome, Nações Unidas. 1515 15 • Administração Pública: a expressão Administração Pública se re- fere à capacidade de gestão que o Estado possui sobre seus órgãos internos, de forma a promover serviços e ações voltados ao inte- resse público, em várias áreas, como educação, transporte, saúde, entre outros, sendo o conjunto de atividades que o Estado imple- menta ao oferecer serviços essenciais à população que administra. • Nação: conjunto de pessoas unidas pelos mesmos ideais culturais, religiosos, étnicos e/ou históricos. Não se confunde com o conceito de Estado. Trata-se de um conceito de identidade coletiva de fundo emocional, etéreo, e não necessariamente relacionado à existên- cia de um espaço territorial definido, embora, frequentemente, as nações estejam inseridas em Estados. VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. O Estado moderno se caracteriza, exceto: a. Pela centralização em torno da figura do monarca, em contraste com o que ocorria na fase imediatamente anterior, o feudalismo, caracterizado pela profunda descentralização de poder; b. Pela existência de três elementos essenciais, sem os quais o Estado não se estabelece: uma dimensão humana, composta pelo povo; uma dimensão geográfica, composta pelo território; uma dimensão político-administrativa, composta pela soberania; c. Pela homogeneização cultural, realizada em razão da necessidade de que o povo, parcela humana da composição do Estado, se identificasse com um único soberano, a fim de que o poder pudesse ser centralizado, como fica evidente a partir do episódio da expulsão dos Muçulmanos de Granada; 1616 d. Pela existência de um contrato social, conforme disposto pelas teorias contratualistas, nas quais os seres humanos abririam mão de parcela de sua liberdade pessoal em troca da segurança do Estado; e. Pela ausência de centralização de poder, formando- se por inúmeras unidades pulverizadas de administração, em razão da maior facilidade para se garantir a proteção dos indivíduos, algo que Hobbes denominaria de “mal necessário”, associando-o ao Leviatã, um monstro mitológico, capaz de a todos engolir. 2. A evolução histórica do instituto do Estado é muito mais longínqua do que se pode atribuir à utilização da expressão Estado como definidora de uma unidade de poder, composta por elementos condicionantes. No entanto, a primeira utilização, dentro da Ciência Política, da expressão Estado, é comumente atribuída a um famoso diplomata do século XV. De quem estamos falando? a. Thomas Hobbes b. Nicolau Maquiavel c. John Locke d. Jean-Jacques Rousseau e. Aristóteles 3. Com relação aos desdobramentos de soberania, em seus aspectos interno e externo, pode-se dizer que: 1717 17 a. A soberania, tanto internamente quanto externamente, possui as mesmas funções, sendo reflexo da qualidade do poder supremo de um Estado, possuindo como destinatários desse poder os mesmos órgãos. b. A soberania, em suas duas dimensões, possui reflexos que não se confundem, pois a soberania externa, voltada às relações internacionais e ao caráter de reconhecimento de Estado, embora também reflexo da qualidade do poder supremo de um Estado, não possui como destinatário a mesma parcela política que a soberania interna, destinada ao governo e à administração pública. c. A soberania interna, como a conhecemos, volta-se especificamente à relação entre os Estados, naquilo que denominamos de relações internacionais, conforme disposto na Constituição da República Federativa do Brasil. d. A soberania externa,como a conhecemos, volta- se especificamente à administração doméstica dos Estados, através do surgimento do instituto denominado governo, que, embora reflexo do surgimento do Estado, com ele não se confunde. e. A ideia de soberania advém de uma interpretação bíblica, na qual monstros mitológicos eram utilizados como maneira de se referenciar o poder único dos Estados, noção que se perpetuou até os dias atuais, com forte inspiração religiosa, em razão da influência da Igreja Católica na divisão de poder da Idade Média. 1818 Referências bibliográficas ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Niterói: Editora Impetus, 2007. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Globo, 2008. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2010. BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe – comentado por Napoleão Bonaparte. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977. BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros, 2000. HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edipro, 2015. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Edipro, 2014. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora, 2012. MALBERG, Carré de. Teoria General del Estado. Cidade do México: UNAM, 2001. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013. Gabarito Questão 1 – Resposta: E A alternativa incorreta é aquela na qual vem disposto que o Estado Moderno seria caracterizado pela descentralização de poder, o que não procede: o que caracteriza a transição do feudalismo para o Estado moderno é exatamente o oposto, a centralização de poder nas mãos de um único poder soberano, que a todos controlaria. Questão 2 – Resposta: B A questão 2 possui como alternativa correta aquela que indica a utilização da expressão Estado como denotativa de unidade de poder soberano, composta por elementos condicionantes de sua própria existência, o diplomata florentino Nicolau Maquiavel, que utilizou a expressão Estado pela primeira vez, conforme utilizamos ainda hoje, na obra “O Príncipe”, escrita em 1512, porém publicada postumamente, em 1532. 1919 19 Questão 3 – Resposta: B A alternativa correta à questão 3 é aquela na qual se encontra a definição de soberania externa como sendo desdobramento de relações internacionais e reconhecimento entre os Estados e a soberania interna como dimensão interna, doméstica e administrativa, dentro daquilo que denominamos governo. 202020 Estado e formação: o Estado Brasileiro Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira Objetivos • Compreender como o Estado Brasileiro se formou, desde sua gênese, iniciando-se nos movimentos de independentização, que culminaram na Independência do Brasil de Portugal, em 1822. • Visualizar como as políticas agrárias e escravagistas do período do Brasil Império interferiram na formação das dinâmicas sociais e políticas que se perpetuam até os dias atuais. • Entender a influência do movimento político do Coronelismo, após a Revolução Republicana, sistema que moldaria profundamente as relações sociais do início do Século XX, e como a política brasileira sofre com os reflexos deste sistema. 2121 21 1. Introdução O Estado Brasileiro inicia seu processo de construção e formação a partir do momento da emancipação político-administrativa causada pelo movimento de independência, que possuiu sua culminância no histórico 7 de setembro de 1822, quando o Brasil se torna independente do Reino de Portugal1. Apesar das dimensões territoriais continentais, o Brasil – em oposição ao que havia ocorrido na América Espanhola – não se fragmentou ao deixar de ser colônia portuguesa, mantendo o poder centralizado nas mãos do então Imperador, D. Pedro I. É importante salientar que, concomitantemente à ausência de fragmentação de poder, o Brasil se configurou como um Estado Unitário, marcado pela intensa centralização de poder. PARA SABER MAIS O Estado Unitário, forma de poder marcada pela ausência de divisões administrativas e forte centralização de poder, apesar de ser difícil de imaginar, não é forma de Estado exclusiva das monarquias. Há Estados não monárquicos que são Estados Unitários, como é o caso da China dos dias atuais. Eric X. Li, em sua palestra no TEDx explica melhor o sistema chinês, para entendermos como é possível um país tão grande como é a China funcionar como Estado Unitário em pleno século XXI. Disponível em: htpps://www.ted.com/ talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt- br. Acesso em: 20 jul. 2018. 1 DE CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial; Teatro das Sombras: A política imperial. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, RelumeDumará, 1996, 436 p. https://www.ted.com/talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt-br https://www.ted.com/talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt-br https://www.ted.com/talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt-br 2222 O fato de a concentração de poder estar focada na figura do imperador gozava de garantia constitucional, conforme o texto da primeira constituição do Brasil, de 1824, que estabelecia uma mínima divisão de Estado em Províncias, que, no entanto, não gozavam de autonomia. Além do poder centralizado, o Brasil do século XXI focava a maioria de sua produção no setor agrícola, sem o qual a colônia portuguesa não teria se estabelecido nos séculos anteriores, e baseava-se em políticas exploratórias e escravagistas, cujo impacto da exclusão social gera reflexos na sociedade até hoje. Desde o passado brasileiro enquanto colônia, a divisão de terras no Brasil, para fins de monocultura de café, sempre foi composta por grandes latifúndios, o que nos remete à força política da classe agroexportadora, que se constituiria, neste mesmo período, como a classe dominante no cenário nacional, possuindo mecanismos de pressão sobre o Estado, garantindo a manutenção do status quo colonial, apesar da independência, e de seus interesses próprios. O Brasil emancipado era interessante sob o aspecto econômico, mas a classe fundiária não identificava qualquer relevância em abrir mão de seus privilégios. E assim, latifundiária e escravagista, segue a produção econômica do Brasil Império, até o ano de 1888, quando, após anos de revoltas e insurgências contra o poder central e um movimento abolicionista que abalava as estruturas da monarquia, a escravidão seria abolida. Tal cenário construiu-se, em grande parte, do apelo dos revolucionários republicanos por mudanças no modelo de produção imperial, que se amoldava ainda ao modelo colonial. PARA SABER MAIS Um dos movimentos revolucionários de insurgência contra a monarquia de maior relevância histórica no Brasil foi a Revolução Farroupilha, um movimento de matriz liberal e 2323 23 organizado pela elite fundiária rio-grandense, liderada por Bento Gonçalves, contra a centralização de poder nas mãos do governo central, após a morte de D. Pedro I, que deixou no trono seu filho menor de idade, D. Pedro II – fato que poderia fragilizar a manutenção de poder. Os 10 anos de intensa batalha que se seguiram ao ano de 1835 teve como principal bandeira a alta carga de impostos cobrada pelo a separação do Rio Grande do Sul do Brasil, chegando ao fim, após um acordo de paz com Duque de Caxias, através do Tratado do Poncho Verde, em 1845. Em pouco tempo, mesmo como Estado emancipado, ficaria claro que para um país tão grande, governa-lo a partir de uma única fonte de poder central seria inviável, fazendo-se necessária uma maior descentralização de poderes, passando por sucessivas modificações estruturais, até que assumíssemos a forma federativa, em 1891. Antes de compreendermos como o poder agrário continuou forte no Brasil, precisamos entender o que é o Estado Federado, pois este seria o modeloseguido pelo Estado brasileiro dali em diante. Dá-se o nome de Federação à forma de Estado na qual há divisão de poder em unidades que, muito embora não sejam independentes da união soberana, são autônomas entre si – o que significa que possuem capacidade de autogoverno e auto-organização. No Brasil atual, ainda somos uma federação e damos às nossas divisões autônomas o nome de unidades federativas (UFs) ou estados. EXEMPLIFICANDO São Paulo é uma unidade federativa, logo, um estado. Percebeu a diferença sutil entre as denominações Estado 2424 e estado? Quando falamos em Estado – assim, com a letra “E” maiúscula – estamos nos referindo à União, ao todo soberano, que já vimos no tópico anterior. Já a expressão estado, com “e” minúsculo, será utilizada para referirmo-nos às unidades federativas – salvo, logicamente, se a palavra “estado” estiver iniciando a frase. Assim, nem mesmo a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, cedendo aos apelos abolicionistas dos republicanos, seria suficiente para apaziguar os ânimos dos republicanos, e em 1891, o Brasil sofreria um golpe de Estado que, embora tenha sido promovido por um grupo de patente militar, teve como objetivo a mudança do sistema monárquico ao sistema republicano, nos levando ao período do Brasil República. No entanto, a forma como o poder estava relacionado às grandes propriedades de terra durante os séculos anteriores e, principalmente, nas primeiras décadas do recém emancipado Estado Brasileiro, seria fundamental para que a nova fase política se formasse, o que influenciou o pensar representativo do Brasil por todo o século seguinte, como veremos. 2. Brasil: Estado republicano Em 15 de novembro de 1891, o Brasil, uma monarquia nas mãos de Portugal por 3 séculos, e um Império emancipado por 69 anos, tornar- se-ia uma República. O modelo republicano tem como principal marca, teoricamente, a garantia de participação dos interesses de todos na forma de governar. Enquanto uma forma de governo mais inclusiva, a República contaria com a presença da representação popular na tomada de decisões, algo que até então não acontecia a nível nacional, mas apenas para as casas legislativas, já que não havia um presidente, mas um Imperador. 2525 25 O Primeiro Presidente Eleito por voto popular no Brasil, Deodoro da Fonseca, havia sido também presidente durante o período revolucionário, anterior à constituição de 1891, com a instituição de um governo provisório. O voto, no entanto, ainda não era universal como ocorre hoje. A modalidade de sufrágio da época era o voto censitário, assim como no período do Império, embora mais amplo quanto à possibilidade de eleger-se um presidente. Voto censitário é aquele pelo qual vota-se pela aferição de renda, o que significa que, novamente, a divisão de poder dos grandes latifúndios seguiria determinante para a nova dinâmica política brasileira. Vale mencionar, também, que apenas homens poderiam votar, o que afunilava mais ainda a definição de quem era ou não cidadão em 1891. No entanto, a figura do líder regional, que receberia um status maior de destaque na nova república, ganharia outros contornos, com o poder de influenciar o voto do povo através de mecanismos de controle que ficariam conhecidos como “voto de cabresto”2. O período que se segue entraria para a história da política brasileira através da figura dos Coronéis, em um período marcado pela profunda dominação política das classes não-dominantes, delineando a composição representativa e social do Brasil até os dias atuais. 2.1 República Velha e Coronelismo É impossível falar sobre práticas de dominação política através dos meios de produção sem, necessariamente, falar um pouco sobre exclusão social e as políticas de classe. Retornando ao período da abolição da escravidão no Brasil, é necessário salientar que não houve qualquer política social de inserção econômica da classe recém liberta, em sua maioria formada por índios nativos, 2 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975. p.23. 2626 bem como negros e negras trazidos forçosamente do continente africano ao Brasil. Encontravam-se segregados economicamente, pela impossibilidade de conseguirem empregos, sem moradia, forçados a áreas periféricas dos municípios e discriminados racialmente. Considerando este contexto, a abolição da escravatura, embora essencial, tendo em vista que o Brasil foi o último país a realizá-la, não foi bem executada, e gerou problemas sociais que impactariam os séculos seguintes: a pobreza e a segregação racial. Tal situação está relacionada à forma como, apesar de constituírem a maioria da população do Brasil nos dias atuais, os negros ainda sofrem com as consequências do desprivilégio promovido pelo sectarismo do Brasil colônia e, posteriormente, Império. Os proprietários rurais locais permaneceriam como detentores da maior parcela do poder no país, e agora ganhariam o nome de Coronéis – em referência à Guarda Nacional. Quando de sua instituição, a Guarda Nacional, em excerto das memórias do Barão do Rio Branco3, teria como principal atribuição manter a ordem pública. Para que isso se realizasse, cada município possuiria seu próprio regimento da guarda, e o chefe político da comuna exerceria o papel de comando, o chamado Coronel. Ocorre que o título era conferido, apesar de ser uma guarda militarizada e fardada, aos mais ricos fazendeiros da época, o que já nos permite compreender o porquê do surgimento de famílias tradicionalmente políticas – se é que assim se pode chamá-las – nos rincões do Brasil. Difícil compreender, no entanto, como isso seria possível em uma República, já que o voto, ainda que censitário e masculino, era livre – na teoria. Porém, apesar de livre, não era secreto, o que permitia fraudes e trocas de favores, com a pressão por parte do Coronel para que seus eleitores sempre satisfizessem seus interesses. 3 PARANHOS, José Maria da Silva. 18 de agosto. In: GARCIA, Rodolfo (org). Obras do Barão do Rio Branco VI: Efemérides Brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. p.469. 2727 27 ASSIMILE O Coronelismo, portanto, foi uma prática da política brasileira, que se estendeu por décadas, na qual o poder político era exercido por grandes proprietários de terra, que exerciam pressão sobre as classes dominadas – estas, que não detinham poder econômico. Tal dinâmica se perpetuaria no período histórico conhecido como República do Café com Leite, nos quais, invariavelmente, os líderes políticos seriam definidos pelas lideranças dos Estados com maior concentração de latifúndios, Minas Gerais e São Paulo, algo que se findaria apenas em 1930. LINK A forma como os líderes políticos seriam definidos por Minas Gerais e São Paulo recebeu o nome de café com leite, por serem estes os principais produtos de agroexportação dos dois estados, que também eram os mais populosos e com a economia mais forte do país. Disponível em: https:// educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/politica-do- cafe-com-leite-acordo-marcou-a-republica-velha.htm. Acesso em: 25 jul. 2018. As marcas dessa frágil República se alastrariam pelo cenário político brasileiro e influenciariam a forma como o poder se divide e se organiza desde então até o século atual, intervalo no qual passaríamos por inúmeras trocas de textos constitucionais, totalizando cinco Constituições (excetuando-se, evidentemente, as duas constituições https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/politica-do-cafe-com-leite-acordo-marcou-a-republica-velha.htm 2828 do século XIX). Destas cinco, apenas duas foram elaboradas por meios democráticos, sendo que três foram impostas por regimes ditatoriais, fortemente influenciadas pelo status quo surgido, em grande parte, no período das grandes propriedades agrícolas. Quadro sinótico das constituições brasileiras no século XX 1934 Promulgadano primeiro governo de Getúlio Vargas, seu texto era progressista, criando direitos trabalhistas e estendendo o voto às mulheres 1937 Outorgada três anos depois, durante o período ditatorial da Era Vargas, possuía inspiração fascista e restringia direitos 1946 Promulgada no governo de Gaspar Dutra, retomaria o caráter democrático do texto de 1934 1967 Outorgada durante o período da Ditadura Militar, no governo Castelo Branco, consolidava o regime ditatorial no Brasil 1988 Promulgada no governo de José Sarney, no processo de redemocratização, possui o rol mais extenso de direitos individuais, entre todas as Constituições, sendo conhecida como a “Constituição-cidadã”. A partir da análise do conteúdo apresentado, é possível perceber como as dinâmicas políticas, fortemente influenciadas pela presença de grandes propriedades agrárias e do poder político dos latifundiá- rios, além da ausência de direcionamento social pós-abolição da es- cravidão, exerce força até hoje, no cenário político e social nacional, sobre como o status quo segue mantido? QUESTÃO PARA REFLEXÃO 3. Considerações finais • O Estado brasileiro, em um primeiro momento histórico, após a Independência de Portugal, em 1822, adota a conformação de Estado Unitário, com a centralização de poder nas mãos do monarca, com mínima divisão administrativa em Províncias, sem que estas, no entanto, possuíssem autonomia política; 2929 29 • Durante o período do Brasil Império, apesar da emancipação promovida no processo de Independência, o status quo das grandes propriedades de terra permanece central à dinâmica política e a produção agrícola segue fundada na mão de obra escrava, até que a escravidão fosse abolida, em 1888; • No entanto, apesar da abolição da escravidão, esta não foi realizada de maneira bem-sucedida, embora fosse necessária, gerando um problema social de segregação dos recém-libertos, que não conseguem se inserir no mercado de trabalho e sofrem preconceito por serem negros, algo que impacta as estruturas sociais do Brasil até os dias atuais. • Mesmo após a Revolução Republicana, a forma como os grandes latifúndios estão divididos continua a surtir efeitos de pressão política no Brasil, e o que antes era uma monarquia, passa a ser uma República fundada em uma falsa ideia de representação democrática. Novamente, a classe dominante impõe seus interesses econômicos a uma classe dominada, privada da possibilidade de se emancipar através do voto, pois este é censitário e não é secreto, dando origem ao “voto de cabresto” – dinâmica política que imperou no Brasil até 1930 e ainda possui reflexos na política nacional, através da presença de famílias dominantes. Glossário • Federação: forma de Estado cuja principal característica é a pre- sença de descentralização interna de poder, através da existência de unidades federativas autônomas, dotadas de capacidade de au- togoverno e auto-organização. • Cidadania: condição dos indivíduos que gozam de direitos políti- cos em um determinado Estado com o qual possuam vínculo jurí- dico e político, sendo garantida a possibilidade de participar ativa- mente da vida política. 3030 • Sufrágio: mecanismo através do qual uma eleição se opera – em ou- tras palavras, sufrágio é uma expressão alternativa para falar-se voto. • Constituição Promulgada: trata-se de Constituição formada por uma expressão democrática da representação popular, através de uma Assembleia Constituinte, típica de regimes democráticos e plurais. • Constituição Outorgada: trata-se de Constituição formada, ao con- trário da Constituição Promulgada, pela imposição de um regime não democrático, ausente de representação da vontade popular, satisfazendo aos interesses de pequenas parcelas da população. VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Entre as opções a seguir, quais as principais características de um Estado Unitário? a. Descentralização de poder e voto censitário; b. Centralização de poder e ausência de divisões administrativas autônomas; c. Descentralização de poder e divisões administrativas autônomas; d. Os estados federados devem se submeter a um poder central no Estado Unitário; e. A instituição de uma Guarda Nacional, que deu origem ao sistema político do Coronelismo. 2. A grande concentração de terras nas mãos de uma parcela da população, que possuía meios para pressionar as classes dominadas, influenciou de que maneira o futuro da política brasileira, considerando-se o período que ficou conhecido como República Velha? 3131 31 a. O fato de que os produtores agrícolas exerciam grande pressão sobre as decisões políticas no país e considerando-se também o recente passado escravocrata, fez com que núcleos de poder se formassem, dificultando que as classes dominadas ascendessem à política, criando inúmeros dos problemas sociais existentes até os dias atuais; b. O fato de que o poder era exercido majoritariamente por pequenos produtores rurais constituiu-se como fator positivo para a política brasileira, pois estes agiam sempre imbuídos de ideais sociais e pensavam sempre no bem comum, para além de interesses de classe; c. O Coronelismo, criado por Bento Gonçalves, seria a ordenação política dominante até a década de 30 do século XX, constituindo-se como sistema de dominação das classes sociais menos abastadas e impossibilitando o acesso à política por parte dela; d. Dom Pedro I, sempre se baseando em ideais revolucionários, acatou os pedidos populares de transição à república, pois acreditava se tratar da melhor forma de governo, em razão da possibilidade de participação popular nas decisões, já que o voto deveria ser livre e universal; e. As alternativas A e C estão corretas. 3. Quais características apresentadas pelo Estado brasileiro, após a transição de Império para a República, nos deram contornos de Estado Federativo? 3232 a. O fato de que, após 69 anos como Império, a escolha de representação a nível nacional pode ser feita através do voto, porém, apenas para o Presidente, mantendo a centralização de poder, uma das principais características da Federação; b. Uma maior aproximação com os Estados Unidos, a primeira Federação de que se tem notícia na história, e o estabelecimento de relações diplomáticas com esta potência; c. Após a transição, o poder, antes centralizado em uma única fonte, pulverizou-se por unidades federativas autônomas, dotadas de auto-organização e autogoverno, as principais características da Federação; d. Duque de Caxias tornou-se Presidente do Brasil por indicação da confiança de D. Pedro II, em clara demonstração de respeito, apesar da ruptura constitucional com o regime antecedente; e. Ao tornar-se uma República, o poder, que antes era fragmentado em unidades federativas autônomas, passou a ser centralizado nas mãos do monarca, que instituiu a guarda nacional apenas com o intuito de facilitar a administração, sem que estas unidades possuíssem capacidade de se governarem ou se organizarem autonomamente. Referências bibliográficas DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2016. DE CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial; Teatro das Sombras: A política imperial. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, RelumeDumará, 1996, 436 p. 3333 33 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975. MARTINS, Paulo Emílio Matos; MOURA, Leandro Souza; IMASATO, Takeyoshi. Coronelismo: um referente anacrônico no espaço organizacional brasileiro contemporâneo? Organizações & Sociedade, v. 18, n. 58, 2011. PARANHOS, José Maria da Silva. 18 de agosto. In: GARCIA, Rodolfo (org). Obras do Barão do Rio Branco VI: Efemérides Brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. PESAVENTO, Sandra Jatahy. A revolução farroupilha. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 13, n. 1, 1985. RIO GRANDE DO SUL. História. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/historia.Acesso em: 23 jul. 2018 Gabarito Questão 1 – Resposta: B As principais características de um Estado Unitário são a centralização de poder e a ausência de divisões administrativas autônomas, diferentemente do que ocorreria no Federalismo, sendo correta a alternativa B. Questão 2 – Resposta: A O Coronelismo, sistema político surgido em razão das grandes concentrações de terra, constituiu-se como mecanismo de dominação das classes mais dominadas por décadas, durante a nova República; porém, seu surgimento tem relação com práticas fundiárias e distribuição de postos da Guarda Nacional, e nada tem a ver com Bento Gonçalves, líder da Revolução Farroupilha. Apenas a alternativa A está correta. Questão 3 – Resposta: C A Federação se caracteriza pela pulverização de poder em unidades autônomas, dotadas de capacidade de autogoverno e auto-organização, logo a alternativa que apresentava a resposta correta é a letra C. https://estado.rs.gov.br/historia 343434 Globalização: unidade e fragmentação Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira Objetivos • Compreender como os processos de industrialização levaram à fragmentação territorial de continentes menos industrializados, o que foi essencial ao surgimento da globalização, séculos depois; • Perceber que essa mesma fragmentação criaria um regime mundial de mercado que favoreceria o surgimento de grandes desigualdades no campo social; • Visualizar a transição entre o período anterior, com um Estado forte e de poder centralizado, para um Estado mais flexível, com maior circulação de bens e serviços entre fronteiras, permitindo o surgimento e desenvolvimento do livre mercado, que provocaria o processo de globalização. 3535 35 1. Introdução Dentro de toda a conceituação de Estado exposta até o presente momento, vimos que a centralização de poder foi fundamental ao surgimento do Estado e favoreceu a expansão mercantilista, em razão da necessidade de unificação da moeda e de regras comerciais dentro dos Estados. Havia, sobretudo, uma vinculação ao território, algo que se expressaria de diversas formas, como na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ao definir a noção de soberania como necessariamente vinculada à ideia de nação, e da qual não poderia se desvincular. No entanto, nos séculos que se seguiram, o mundo passou por inúmeras revoluções no campo da indústria, que modificaram a forma como a produção de bens e serviços se organizava. A produção em larga escala, gradualmente foi substituindo os processos de manufatura, e o implemento de máquinas a vapor garantiu agilidade nos transportes de longa distância, com o surgimento de navios e trens muito mais velozes, permitindo maior integração entre regiões da Europa – e do restante do mundo –, facilitando o comércio. Assim, pouco a pouco, a maneira de pensar a economia também se transformou, e o século XIX foi palco para o surgimento de teorias econômicas formuladas a partir da crítica ao controle estatal sobre o sistema econômico1, contrariando a noção de desenvolvimento econômico nacional, fortemente defendido até então, e se voltando ao livre mercado. A essa nova forma de pensamento econômico deu-se o nome de Liberalismo, com seu Laissez-faire – em tradução livre, “deixar fazer” –, preconizando pela mínima interferência do poder Estatal nas 1 HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Ter- ra, 2016. p. 39-40. 3636 decisões econômicas, algo que teria muito impacto nas décadas que se seguiriam. Teóricos como Adam Smith e sua “mão invisível”, em A Riqueza das Nações2, estabeleceriam que o mercado não dependeria do Estado e possuía mecanismos de autorregulação, razão pela qual a economia deveria ser livre. De estatal e regionalizado, o mercado, capaz de se autorregular, passaria a ser mundial. O termo “nação” desaparece da literatura francesa sobre economia, a partir de 18903. Em razão desse rompimento com o paradigma anterior, o capital, fortalecido pela ampliação dos mercados, ganha mais fluidez e circulação, o que gera uma relativização das fronteiras em nome da universalização do comércio – ainda que apenas a título de economia. Além disso, a facilidade de se produzir mais e em larga escala, rapidamente geraria excedentes de produção, cujo escoamento seria complexo se os mercados permanecessem restritos à Europa do século XIX. Era necessário encontrar outros lugares para onde a produção pudesse ser direcionada. Era preciso colonizar e fragmentar o mundo, no maior número de mercados quanto fosse possível. ASSIMILE A necessidade de expandir territorialmente o alcance do Estado, em razão da necessidade de escoamento dos excedentes de produção, levou a um dos últimos ciclos de colonização da história, primando sempre pela máxima fragmentação possível, como forma de facilitar a dominação sobre os povos. 2 SMITH, Adam. A riqueza das nações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. 3 Idem. p. 41. 3737 37 Tal fragmentação gerou, inicialmente, um grande fluxo de migração dos “pontos quentes da modernização”4, ou seja, das regiões mais industrializadas, para as menos desenvolvidas, “ainda intocadas pelos processos modernizantes”, às quais eram vistas pelo colonizador como “vazias”5, onde se operaria uma colonização maciça, fundada no extermínio daquilo que fosse diferente e problemático aos anseios das metrópoles. A homogeneização que criaria uma sociedade de consumidores não poderia incluir quem não se pudesse colonizar de forma lucrativa. Tal fragmentação e a busca desenfreada por mercados levariam à Primeira Guerra Mundial, uma disputa pela supremacia entre as potências imperialistas da época sobre as colônias no continente africano. Ao fim do conflito, a divisão territorial continuaria como motivo de insatisfação, principalmente para os Estados que perderam colônias quando da assinatura do Tratado de Versalhes, como aconteceu com a Alemanha. PARA SABER MAIS O Tratado de Versalhes, documento responsável pelo surgimento da Sociedade das Nações, foi o acordo de paz que resultou no fim da Primeira Guerra Mundial, no qual se determinou a cessão de inúmeros territórios dominados pela Alemanha a outros países, como França e Dinamarca, o que gerou insatisfação em parcela da população alemã, culminando no sentimento de nacionalismo exacerbado que levaria a Europa à Segunda Guerra Mundial. 4 BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.50. 5 BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 51. 3838 O descontentamento gerado pelo fim da Primeira Guerra seria a motivação para Segunda Guerra, um conflito que surgiria, novamente, como meio de se estabelecer a supremacia territorial sobre os mercados. No entanto, o conflito de 1939 assumiria contornos de limpeza étnica, sob o regime do III Reich da Alemanha nazista – uma tentativa de segregar e exterminar aqueles que não eram semelhantes aos alemães considerados puros e, portanto, superiores, pelas políticas de governo. Ao chegar-se em 1945, com o fim da guerra, o nacionalismo exacerbado se tornaria tabu, e o mundo assistiria ao fim da hegemonia das potências europeias: surge um mundo bipolar, dominado por Estados Unidos e União Soviética6, em um período que ficaria conhecido como Guerra Fria. PARA SABER MAIS A expressão Guerra Fria refere-se ao período da história mundial no qual o mundo, dividido entre duas potências hegemônicas, Estados Unidos e União Soviética, foi palco de disputas que ocorreram exclusivamente através de estratégias, ao invés de levar a uma guerra, de forma declarada. Chegou ao fim no ano de 1991, com a extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Surge também a Organização das Nações Unidas e com ela inúmeras organizações de cunho econômico, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), facilitando o fluxo de capitais. O capitalismo, sistema 6 A União Soviéticaera formada pelos seguintes países: Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Ucrânia, Moldova, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão 3939 39 econômico da parcela do mundo influenciada pelos Estados Unidos, em contraposição à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, onde o socialismo era o modelo adotado, tornar-se-ia cada vez mais intenso e o mundo conheceria um novo processo, denominado globalização. LINK Conheça os princípios e funcionamento da Organização das Nações Unidas (ONU) acessando o site: https:// nacoesunidas.org/conheca/ 2. Globalização Entende-se por globalização o período após a década de 60 do século XX, no qual a livre circulação de serviços e bens atingiu níveis históricos, ampliando cada vez mais o consumo, em uma sociedade fortemente influenciada pela terceira revolução industrial, tecnológica e científica7. O Estado, já relativizado anteriormente pela fluidez do livre mercado, passa ao posto de sustentáculo do grande capital8. A escolha da expressão globalização para caracterizar ao período se refere à tendência ao global, ao mundial, e a uma pretensão de universalidade do capitalismo. Coincide também, apesar de ser fruto da fragmentação territorial do mundo no século anterior, com um processo de universalização, no pós Segunda Guerra, que se reflete no surgimento de normas a nível 7 COUTINHO, Luciano. A terceira revolução industrial e tecnológica. As grandes tendências das mudan- ças. Economia e sociedade, v. 1, n. 1, p. 69-87, 1992. 8 VALENTE, Valdemar. GLOBALIZAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO, EXCLUSÃO. VIDYA, v. 19, n. 34, p. 14, 2015. https://nacoesunidas.org/conheca/ https://nacoesunidas.org/conheca/ 4040 internacional – a despeito de sua força coercitiva ou da ausência dela –, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Carta das Nações Unidas, de 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), auxiliando a percepção de que havia uma sociedade global, horizontalizada, na qual os Estados soberanos eram iguais entre si. A nível político, princípios como a não intervenção, a não agressão e a autodeterminação dos povos, criavam a impressão de que, cada vez mais, tratava-se de uma nova era, mais igualitária, mais inclusiva. No entanto, no cenário econômico, a realidade era outra. O ser humano universal dos discursos políticos encontraria limites na expansão econômica, de cunho segregador, algo que reflete o processo pelo qual o surgimento de grandes multinacionais, pulverizadas nos países menos modernizados, criariam uma periferia global dependente dos bens de consumo, e fornecedora de mão de obra barata e produtora de matéria-prima, pois não tendo como investir na própria industrialização, viam-se obrigados a comprar produtos dos países do centro global9 e, ao comprá-los, cada vez mais teriam que produzir e fornecer matérias-primas para pagá-los10. Mais do que isso, o Estado, enquanto produtor de normas relativas às regulamentações das relações de trabalho, passaria a produzir leis que favorecessem a acumulação de capital por parte das empresas, sem que, no entanto, estes trabalhadores fossem incorporados ao processo de consumo11 e, em razão da fragmentação dos setores da sociedade, a luta de classes ficasse prejudicada. 9 A expressão “centro global”, aqui utilizada, refere-se às regiões do mundo compostas pelos países economi- camente dominantes, centrais à economia mundial, e não ao centro geográfico, literal. 10 ESLAVA, Luis; OBREGÓN, Liliana; URUEÑA, René. Imperialismo(s) y derecho(s) internacional(es): ayer y hoy. In: ANGHIE, A.; KOSKENNIEMI, M.; ORFORD, A. Imperialismo y derecho internacional: historia y legal. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, Universidad de los Andes, Pontificia Universidad Javeriana, 2016. p. 11-94. 11 Idem. 4141 41 Tal segregação, portanto, contraditoriamente, partiria da tentativa de homogeneização e universalização promovida pela fragmentação da sociedade em grupos sociais, áreas de interesse, setores da indústria e blocos econômicos – algo que se reflete até mesmo na forma como as cidades do centro global se organizaram no último século. EXEMPLIFICANDO Ao promover a segregação da sociedade em setores e grupos, contraditoriamente, essa segregação só é possível através da homogeneidade que há entre esses grupos: nas periferias, permanece o que é periférico; nos centros, o que é de centro; Na União Europeia, o que é europeu; No MERCOSUL, o que é das Américas; e assim, sucessivamente. A relativização das fronteiras por força da circulação de bens e serviços não se opera apenas sobre o tema de migração, por exemplo, embora seja necessário mencionar o fluxo de pessoas das regiões mais pobres do mundo para as mais abastadas. Opera-se, também, sobre as duas realidades urbanísticas absolutamente distintas convivendo nos mesmos espaços, como na “metacidade desterritorializada”, de Paul Virilio12, “cujo caráter totalitário, ou antes, globalitário, não escapa a ninguém”, e onde, no mundo inteiro, há uma parcela da sociedade que é servida pelos mesmos arquitetos, as mesmas empresas, o mesmo fluxo de capital, e do outro lado, há conflitos, pobreza e desigualdades, embora não necessariamente apenas em países de terceiro mundo, mas dentro das próprias capitais-centro13. 12 VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18. 13 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.43. 4242 Além disso, ocorre uma massificação com relação aos padrões de mercado, uniformizando a parcela da população global dotada de poder aquisitivo: multinacionais dos mais diversos setores passam a se instalar por países do mundo inteiro, ocupando espaços de consumo comuns, como os programas televisivos, o que colabora para o sentimento de exclusão social daqueles que permanecem à margem de tais padrões, vivendo uma realidade radicalmente distinta daquela da televisão e das campanhas publicitárias14. Assim, povos das mais diferentes origens étnicas, históricas, culturais, passaram a adotar os mesmos hábitos. EXEMPLIFICANDO Há obras de arquitetura do brasileiro Oscar Niemeyer, com seus mosaicos assimétricos e curvas sinuosas, no mundo todo, desde a capital do Brasil, Brasília, até o Líbano, Espanha, Portugal, Noruega e outros, entre residências e prédios públicos, incluindo o prédio-sede das Nações Unidas, em Manhattan, nos Estados Unidos. Um outro exemplo seria a presença das mesmas marcas por todo o globo, provenientes de grandes conglomerados industriais, desde gigantes do setor alimentício e de vestuário, até a área de informática. 14 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.52-54. 4343 43 Após compreender como a fragmentação territorial, que levou aos dois maiores conflitos do século XX, foi gerada com o objetivo de am- pliação de mercados, percebemos como a dinamização das frontei- ras e de circulação de bens foi essencial para que o capitalismo e o livre mercado se desenvolvessem; o que se refletiria no surgimento da ONU e na produção normativa a nível internacional. No entanto, também percebemos que se iniciou uma separação da sociedade, da política e dos fluxos econômicos em blocos, compartimentando iguais em grupos de iguais, e gerando mais segregação, ao contrário da pretensão de universalidade advogada na seara política. Reflita como essa segregação pode ter favorecido o aprofundamento das desigualdades sociais, nosso próximo capítulo. QUESTÃO PARA REFLEXÃO 3. Considerações finais • A evolução nos meios de produção, com aumento de velocidade da indústria, promoveu a expansão de mercados e também a facilidade de trânsito de produtos, através de novos meios de transporte, o que proporcionou maior integração comercial a nível global; • Em razão disso, surgem teorias econômicas que advogam pela diminuição da intervenção do Estado na economia, rompendo com oparadigma político anterior, do Estado centralizador e absoluto, dando espaço a um novo modelo de Estado, que interfere na economia quando é necessário favorecê-la; • No entanto, excedentes de produção, em razão do aumento de velocidade, precisavam ser escoados para novos mercados, o que gerou disputas por territórios, em um novo período de colonizações, fazendo das colônias, polos fornecedores de matéria-prima, também consumidores – dividindo tais nações 4444 entre as que eram mercados em potencial e as que possuíam alguns obstáculos a essa modalidade de imperialismo de mercado, determinante para o seu desenvolvimento; • As disputas por esses novos territórios estariam entre as causas da Primeira e da Segunda Guerra e, em razão disso, o mundo adotaria, a nível político, discursos de universalidade entre os povos, algo que se refletiria no surgimento da ONU, por exemplo. Iniciava-se a Guerra Fria, com um mundo bipolarizado, dividido entre duas potências, Estados Unidos e União Soviética; • Contudo, tal pretensão de uniformização não atingiria o campo econômico, que seguiria segregador e adentraria um novo período, altamente tecnológico, denominado globalização, no qual, mais uma vez, a pretensão global dependeria, paradoxalmente, a divisão do mundo em blocos econômicos, entre periferia e centro, entre consumidores e não consumidores. Glossário • Liberalismo: doutrina fundada na noção de liberdade dos indiví- duos, em contraponto ao absolutismo estatal e sua intensa cen- tralização de poder, idealizada por John Locke, em seu “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, e aprofundada por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”, sendo esse último a principal obra para o surgimento do liberalismo econômico, no qual o Estado não deve intervir na economia, que possuiria mecanismos para se autorregular, em caso de crise do sistema. • Blocos econômicos: grupos formados por países com interesses comuns, com o objetivo de promover a integração econômica e aduaneira, através da gradual supressão de barreiras para o co- mércio entre os membros do bloco, através da implementação de 5 fases: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado co- mum, união monetária e união política. 4545 45 • Capital: é a expressão utilizada para definir recursos que sejam utilizados na aquisição e produção de bens e serviços, passíveis de acumulação e considerada a atribuição de lucro proveniente da mais-valia15. • Autodeterminação dos povos: princípio definido na Carta das Nações Unidas, de 1945, como sendo a possibilidade que os po- vos têm de determinar livremente sua política, seu desenvolvi- mento econômico, cultural e social, sem interferência externa. VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Adam Smith, ao elaborar sua obra a Riqueza das Nações, desenvolveu conceitos significativos para os estudos em economia, como sobre quem pertenceria a titularidade do poder de regulação do mercado, algo que se eternizou na literatura especializada como “a mão invisível do mercado”. Neste contexto, em que consiste o liberalismo econômico? a. Trata-se de um sistema econômico baseado na concentração de poder do Estado, que o exerce sobre a economia, regulando preços e fluxo de bens; b. Trata-se da total supressão das fronteiras territoriais, permitindo o livre fluxo de pessoas, juntamente com seus bens, sem que sequer haja a necessidade de visto de entrada nos países; 15 O conceito de mais-valia corresponde, dentro da teoria de Karl Marx, à discrepância entre o valor atribuído ao produto que o operário produz e o salário recebido em contraprestação a essa produção. Significa dizer que o trabalhador trabalha mais do que seria necessário para produzir o correspondente ao seu salário, e é nesse excedente que consiste o lucro do patrão. 4646 c. Trata-se de um sistema econômico baseado na ideia da não-intervenção por parte do Estado na economia, garantindo a capacidade de se autorregular do livre mercado; d. Trata-se de um sistema econômico no qual o Estado se responsabiliza pela diminuição das desigualdades, distribuindo as riquezas produzidas entre todos os seus habitantes; e. Trata-se de um sistema econômico caracterizado pela monocultura agrícola e forte investimento do Estado na pecuária. 2. A velocidade de produção em larga escala gerou excedentes de bens no mercado europeu, o que fez com que alguns países transformassem os processos colonizatórios em uma busca por novos mercados e fornecedores de matéria-prima. Contudo, os conflitos acerca da distribuição destes territórios culminariam em 2 guerras de gravíssimas proporções, sendo estas: a. Primeira Guerra Mundial e Segunda Guerra Mundial; b. Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria; c. Revolução Francesa e Primeira Guerra Mundial; d. Guerra Fria e Guerra da Coreia; e. Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coreia. 3. Em um mundo cada vez mais veloz e informatizado, o trânsito de bens e serviços atingiu níveis históricos desde a década de 1960, permitindo negociações entre 4747 47 as mais distantes parcelas do mundo e o consumo dos mesmos produtos por povos que sequer compartilham a mesma cultura, em uma espécie de homogeneização. Ao fenômeno econômico responsável por tal massificação, dá-se o nome de: a. Liberalismo; b. Socialismo; c. Comunismo; d. Globalização; e. Militarização. Referências bibliográficas AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. COUTINHO, Luciano. A terceira revolução industrial e tecnológica. As grandes tendências das mudanças. Economia e sociedade, v. 1, n. 1, p. 69-87, 1992. ESLAVA, Luis; OBREGÓN, Liliana; URUEÑA, René. Imperialismo(s) y derecho(s) internacional(es): ayer y hoy. In: ANGHIE, A.; KOSKENNIEMI, M.; ORFORD, A. Imperialismo y derecho internacional: historia y legal. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, Universidad de los Andes, Pontificia Universidad Javeriana, 2016. p. 11-94. HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Terra, 2016. SMITH, Adam. A riqueza das nações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. VALENTE, Valdemar. Globalização, Fragmentação, Exclusão. VIDYA, v. 19, n. 34, p. 14, 2015. VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. 4848 Gabarito Questão 1 – Resposta: C O liberalismo econômico possui como principal característica a não intervenção do Estado na economia, o que significa que o mercado, através de seus próprios mecanismos, possui meios para se auto-organizar e regular, algo que se consagrou na literatura sobre economia como o princípio da “mão invisível do mercado”. A alternativa correta é a letra C. Questão 2 – Resposta: A A distribuição de territórios, em um período no qual havia intensa disputa por novos mercados entre os países europeus, causou insatisfação em países que se sentiram desfavorecidos em sua parcela de colônias, fato que provocou a Primeira Guerra Mundial. Ao fim da Primeira Guerra, com a assinatura do Tratado de Versalhes, novamente, a Alemanha perderia alguns de seus territórios para países como França e Dinamarca, o que esteve entre as motivações para o surgimento de movimentos nacionalistas radicais, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. A alternativa correta é a letra A. Questão 3 – Resposta: D Dá-se o nome de globalização ao processo de aceleração da produção de bens e serviços em escala global, internacionalizando o mercado e permitindo que países em regiões distintas do globo façam parte de um mesmo padrão de consumo, incentivados pelas grandes corporações. A alternativa correta é a letra D. 4949 49 Globalização e suas características na acentuação da desigualdade Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira Objetivos • Compreender como os processos de aceleração da produção e do consumo durante o período da globalização contribuíram para a acentuação de desigualdades; • Perceber que a expressão“desigualdade” possui dimensões mais profundas do que apenas a discrepância de renda entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos; • Analisar como a massificação do consumo leva a graves problemas sociais na periferia do mundo, excluída socialmente da metacidade global, integrada pelos mesmos hábitos e padrões de mercado. 5050 1. Introdução A globalização foi responsável por integrar economicamente diferentes regiões do globo terrestre, permitindo a padronização de hábitos de consumo entre países que não compartilhariam traços culturais, não fosse a necessidade do mercado. O momento histórico no qual tal processo de massificação se intensificou foi acompanhado por uma intensa revolução tecnológica, encurtando distâncias para a difusão de informações, bens e serviços. A criação de meios de transporte mais velozes permitiu que regiões do globo que até então não poderiam ser acessadas tão facilmente figurassem, enfim, entre as nações passíveis de fazer parte do grande mercado global. Um dos mecanismos tecnológicos que permitiu essa integração – a menos em um aspecto físico e territorial – foi a criação do avião, pelo brasileiro Alberto Santos Dumont. Dumont, filho de franceses e engenheiro de formação, fazia parte de uma elite latifundiária que se estabeleceu no Brasil durante o século XIX, garantindo a estabilidade financeira que permitiu que o mineiro concluísse seus estudos na França, onde também ocorreu o primeiro voo autônomo de seu 14-Bis, o primeiro avião a ter um voo homologado na história da aviação1. O que o pai da aviação não poderia prever, para além da utilização bélica de seu invento, causa da angústia que tragicamente o levou ao suicídio, era que os avanços em engenharia aeronáutica permitiriam um acesso ainda maior a todas as regiões do globo e, consequentemente, uma ampliação substancial de mercados. O capitalismo, fundado na noção de propriedade privada e fluxo de capital, em detrimento da classe trabalhadora, desprovida dos meios de produção, promoveu a expansão industrial para além de 1 BARROS, Henrique Lins de. Alberto Santos-Dumont: pioneiro da aviação. Exacta, v. 4, n. 1, p. 35-46, 2008. 5151 51 fronteiras, pois a vida econômica não poderia se confinar a apenas uma sociedade delimitada e “desde suas origens, o capitalismo é internacional em escopo”2. Até mesmo a vida local, nas cidades, passa a ser influenciada pelos padrões de transformação visíveis no restante do mundo, como as dinâmicas de mercado e o consumo de bens. Isso significa dizer, por exemplo, que as zonas mais prósperas das grandes metrópoles mundiais fazem parte da “metacidade”3 de Paul Virilio, já mencionada anteriormente, para a qual não há fronteiras físicas, mas econômicas, delineadas por diferenças sociais abissais, para aquela parcela da população que não é vista como consumidora em potencial, nem produz competitivamente para ser percebida pelo mercado. Após inúmeras conquistas sociais concebidas no século XX, como ampliação de direitos trabalhistas e maiores possibilidades de acesso a saúde e educação, a globalização se reveste de uma face universal que, no entanto, não supre tais demandas sociais, pois a produção assume uma velocidade incompatível com a amplitude de direitos do Estado de Bem-Estar Social, período imediatamente anterior à globalização. Para justificar o neoliberalismo e o retorno ao capitalismo obstinado, cria-se um mito de mundialização “racionalizado e cínico”4, que mantém o status quo de países dominantes, que necessitam controlar mercados e, para isso, valem-se de sistemas jurídicos flexíveis e dos meios de comunicação em massa5, proporcionando o alcance a países de economia menos modernizada, provedores de mão de obra barata. 2 GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p.69. 3 VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18. 4 BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 50. 5 Idem. p. 53. 5252 Dessa forma, a discrepância entre países desenvolvidos e pobres se acentua, ao mesmo passo em que eufemismos para tratar a desigualdade se proliferam: não há países subdesenvolvidos, mas “em desenvolvimento”, o trabalho noturno ou aos finais de semana, passa a ser “trabalho flexível” – ideias de um patronato arcaico, mas revestidas de uma “mensagem muito chique”6. Ao mesmo tempo, em dados do Banco Mundial para o ano de 2015, 700 milhões de pessoas ao redor do mundo todo viviam abaixo da linha da pobreza7. PARA SABER MAIS A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu uma série de metas, denominadas Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, para serem atingidas até o ano de 2030, dentre as quais figuram a obrigação dos Estados de cooperarem com a diminuição da pobreza. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sustainable Development Goals. Disponível em: https://www.un.org/sustainabledevelopment/poverty/. Acesso em: 19 ago. 2018. No entanto, o próprio fato de existir uma indexação de pobreza não significa que tal aferição seja suficiente para definir onde há desigualdade ou não, pois, além de tratar-se de uma linha imaginária, como definiria o economista indiano Amartya Sen, há mais elementos definidores de pobreza do que apenas a possibilidade de ganhar mais de 2 dólares por dia, o que significa dizer que Não se pode estabelecer uma linha de pobreza e aplicá-la rigidamente a todos da mesma forma, sem levar em conta as características e circunstâncias pessoais. Certos fatores geográficos, biológicos e sociais 6 Idem. 7 BANCO MUNDIAL. FAQS: Global Poverty Line Update. Disponível em: http://www.worldbank.org/en/topic/ poverty/brief/global-poverty-line-faq Acesso em: 19 ago. 2018. https://www.un.org/sustainabledevelopment/poverty/ http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/brief/global-poverty-line-faq http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/brief/global-poverty-line-faq 5353 53 multiplicam ou reduzem o impacto exercido pelos rendimentos sobre cada indivíduo. Entre os mais desfavorecidos faltam em geral determinados elementos, como instrução, acesso a terra, saúde e longevidade, justiça, apoio familiar e comunitário, crédito e outros recursos produtivos, voz ativa nas instituições e acesso a oportunidades8. Dessa forma, podemos perceber que a desigualdade, no plano da globalização, é muito mais do que apenas uma questão de renda e possui outras facetas, menos visíveis do que apenas a questão monetária dos indivíduos. Trata-se de uma disparidade sistemática entre padrões de consumo, capacidade laborativa e acesso ao conhecimento e a direitos básicos, como saúde e educação. 2. A acentuação de desigualdades na globalização A globalização, portanto, gerou mais do que apenas desenvolvimento econômico e científico: criou uma cisão entre espaços de consumo e não-consumo. Os lugares que não são atingidos pela supermodernidade e sua economia passam a ser vistos como não lugares pelo sistema. O urbano deixa de ser apenas o local, e a cidade toma proporções universais, em uma espécie de metacidade virtual, que espelha a massificação do consumo a nível global. Não se fala mais em urbanismo sem integração global: as grandes megalópoles estão em uma rede mundial de comunicação e circulação9, que compartilha a vida econômica, artística, cultural e científica de todo o planeta10. 8 SEN, Amartya. Amartya Sen e as mil facetas da pobreza. In: BID AMÉRICA (Banco Interamericano de De- senvolvimento). Amartya Sen e as mil facetas da pobreza. Disponível em: http://www.iadb.org/pt/noticias/arti- gos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html Acesso em 19 ago. 2018. 9 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.38. 10 Idem. p.40. http://www.iadb.org/pt/noticias/artigos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html http://www.iadb.org/pt/noticias/artigos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html
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