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Estado e Políticas Públicas

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ESTADO E 
POLÍTICAS PÚBLICAS
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© 2019 POR EDITORA E DISTRIBUIDORA EDUCACIONAL S.A.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Siqueira, Estela Cristina Vieira de 
S618e Estado e políticas públicas / Estela Cristina Vieira de 
 Siqueira – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018.
 96 p.
ISBN 978-85-522-1319-2
1. Estado. 2. Governo. I. Siqueira, Estela Cristina Vieira 
de. II. Título. 
 CDD 370
Responsável pela ficha catalográfica: Thamiris Mantovani CRB-8/9491
2019
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CEP: 86041-100 — Londrina — PR
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http://www.kroton.com.br/
3 3
ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
SUMÁRIO
Apresentação da disciplina 4
Estado e governo: conceito e representações 5
Estado e formação: o Estado brasileiro 20
Globalização: unidade e fragmentação 34
Globalização e suas características na acentuação da desigualdade 49
Democracia e Estado-nação 63
Estado e globalização: por uma outra democracia 80
O multiculturalismo e a ética igualitária 95
Movimentos multiculturais e suas organizações políticas 110
44 
Apresentação da disciplina
A disciplina de Estado e políticas públicas tem como objetivo principal 
promover a reflexão acerca da importância exercida pelo Estado na 
elaboração de políticas públicas e na organização social, e como essa 
instituição, central para a existência de uma sociedade plural e mais 
igualitária, surgiu de um contexto histórico de exclusão e dominação, 
até que se tornasse concebível um modelo de Estado com amplitude de 
acesso a direitos e garantias a todos os seus cidadãos.
Ao passar, aprofundadamente, pelas etapas de evolução do Estado 
moderno e perceber seus desdobramentos no mundo contemporâneo, 
compreenderemos melhor como se reproduziram as desigualdades 
ao longo dos séculos e como o Estado, um dos principais elementos 
perpetuadores da dinâmica capitalista de supressão de diversidades, 
pode se tornar o oposto: um promotor de políticas sociais bem 
engendradas, voltadas a real inclusão de quem mais precisa.
A relação íntima entre Estado e a elaboração de projetos sociais 
depende, necessariamente, da compreensão de seus principais 
elementos constitutivos e como a construção dos mercados a nível 
global influenciou nas dinâmicas sociais desiguais que hoje dão ensejo 
a múltiplas atuações, tanto do setor público, quanto do privado, no 
sentido de promover espaços mais democráticos de debate e de 
inclusão de minorias, antes subjugadas, em um modelo político mais 
acessível e igualitário.
Ao longo desta disciplina, com o apoio da bibliografia principal e de 
apoio, será possível entender um pouco mais sobre como o Estado 
se relaciona com a sociedade e como a fragmentação cultural 
artificialmente criada pelo sistema mercantil, e necessária à unificação e 
gênese do Estado, pode se tornar a principal fonte de força humana na 
promoção de justiça social.
55 5
Estado e Governo: conceito e 
representações
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
• Compreender como o Estado moderno se 
formou historicamente, conhecer os três 
elementos essenciais constitutivos dos Estados, 
quais sejam, povo, território e soberania para, 
a partir deles, perceber a diferença entre os 
conceitos de Estado e governo.
66 
1. Introdução
A instituição Estado, até que chegássemos aos dias atuais, passou por 
inúmeras fases de transformação em suas estruturas de organização e 
administração, algo que somente foi possível após sucessivas tentativas 
históricas, nas quais o seres humanos, tomados por aquilo que seria 
chamado na concepção aristotélica de “pulsão de gregária” – uma 
propensão ao agrupamento, que tornaria possível a sobrevivência 
prolongada dos seres humanos – terminariam por juntar-se ao redor de 
instituições hierarquizadas, antes mesmo que as pudéssemos chamar 
de Estado e governo, como as conhecemos hoje.
Dizemos “antes mesmo que as pudéssemos denominar Estado”, 
pois a utilização moderna da expressão Estado foi cunhada por 
Maquiavel, em 15121, em sua obra O Príncipe, publicada após sua 
morte, em 1532. Muito embora o florentino não tenha inventado a 
palavra, foi a sua utilização que promoveu a guinada semântica que 
envolveria a delimitação dos elementos essenciais condicionantes de 
existência do Estado moderno.
PARA SABER MAIS
Maquiavel, diplomata nascido em Florença, na Itália, foi 
uma figura polêmica para sua época, e imortalizado no 
ideário popular através de frases e ideias como “os fins 
justificam os meios”, ou sobre um príncipe dever ser temido 
e amado na mesma proporção, mas que, na impossibilidade 
de ser amado, melhor que seja temido – frases nem 
sempre corretamente utilizadas, que deram origem à 
1 A primeira utilização da expressão Estado feita na obra O Príncipe aparece no Capítulo I, logo no primeiro pa-
rágrafo, quando Maquiavel afirma que “Todos os Estados, os domínios todos que existiram e existem sobre os 
homens foram e são repúblicas ou principados”. In: BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe 
– comentado por Napoleão Bonaparte. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977. p. 11.
77 7
expressão maquiavélico, quando se quer denominar alguém 
ardiloso, cruel, capaz de agir de má-fé – fama injusta e 
anacrônica quando se analisa o imenso legado daquele que 
revolucionaria o pensamento político pelos séculos que se 
seguiriam. Maquiavel escreveu “O Príncipe” em uma Europa 
fragilizada e fragmentada, na qual qualquer análise atual 
não prosperaria. DE SANTI, Alexandre. Os fins justificam os 
meios. Superinteressante. Disponível em: https://super.
abril.com.br/cultura/os-fins-justificam-os-meios/. 
Acesso em: 12 jul. 2018.
O Estado Moderno surge – e alguns autores adotam o marco 
cronológico de 1492 para seu início2, coincidindo com a invasão das 
Américas e as mudanças estruturais de poder, promovidas pelas novas 
relações entre o Antigo e o Novo mundo e o crescente mercantilismo 
expansionista – e, com ele, uma pretensão de universalidade dos ideais 
europeus que marcaria profundamente o impacto das relações de 
poder no mundo contemporâneo.
É importante salientar que, no entanto, o Estado, como pode se 
depreender de inúmeras teorias contratuais, não é uma formulação 
natural. A convivência harmoniosa entre nós, humanos, dependeria 
de mecanismos artificiais de poder, ou seja, da criação de um poder 
centralizado e hierárquico, com o qual os seres humanos contratariam.
De forma a justificar a existência do Estado, surgem pensadores que 
tentaram teorizar este surgimento em torno da ideia de contrato social: 
os seres humanos abririam mão de parte de sua liberdade em troca da 
proteção do Estado.
2 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora, 
2012. p.19.
https://super.abril.com.br/cultura/os-fins-justificam-os-meios/88 
Alguns dos principais teóricos do Contratualismo são Thomas Hobbes3, 
defensor do absolutismo, que associava o Estado soberano ao Leviatã, 
monstro mitológico destruidor, atribuindo à instituição a característica 
de ser “um mal”, mas “um mal necessário” e detentor do poder 
soberano; John Locke4, que considerava o Estado, cujo representante 
seria eleito pelo povo, responsável por proteger as liberdades individuais 
e a propriedade privada – essa última tida como direito divino - e Jean-
Jacques Rousseau5, partindo da premissa de que a soberania era do 
povo, que a concedia ao Estado em troca da garantia de promoção 
daquilo que ele chamava de “vontade geral”.
Também em nome da construção do Estado, seria necessária uma 
homogeneização dos elementos internos e uma rejeição a fatores 
externos, pois o Estado moderno surge a partir da centralização de 
poder em torno de uma unidade soberana6, algo que não era possível 
no plural e fragmentado mundo feudal, com seus múltiplos monarcas, e 
sem a qual o capitalismo não teria sido viável.
Era necessário criar o nacional, tomando por parâmetro a exclusão 
de multiculturalidades, sendo que um dos momentos históricos que 
mais contribuíram para essa exclusão do outro foi a expulsão dos 
muçulmanos de Granada na Espanha - coincidentemente, também no 
emblemático ano de 14927.
Baseada na perseguição de todos aqueles que não professassem a fé 
católica, o Estado nesse período surge também como uma estrutura 
intimamente ligada à religião, em razão da necessidade de criação de 
um ideário comum que permitisse a fácil visualização de que, se havia 
algo que era Estado, deveria haver algo que não era, por abstração.
3 HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edi-
pro, 2015.
4 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Edipro, 2014.
5 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013.
6 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora, 
2012. p.13.
7 Idem. p.21.
99 9
Contudo, estamos falando apenas sobre Estado até agora. E o que se 
entende por governo? São Estado e governo expressões referentes à 
mesma instituição? A confusão entre as expressões é comum e, por isso, 
precisamos compreender quais são as suas principais diferenças.
2. Estado e governo: conceitos
Falamos muito sobre o surgimento do Estado moderno, a maneira como 
historicamente se compuseram os primeiros Estados conhecidos, e 
até mesmo sobre como teria surgido a palavra Estado, mas ainda não 
aprendemos a identificar seus principais elementos constitutivos, nem 
pudemos compreender qual a diferença entre Estado e governo – uma 
linha tênue, mas de fundamental importância para a compreensão das 
funções de cada um. Assim, entende-se que existem três elementos 
essenciais que todo Estado deve ter: povo, território e soberania 
(dividida em duas dimensões, como veremos a frente).
2.1 Elementos essenciais do Estado
Povo compreende a parcela da população de um Estado que possui 
vínculo jurídico e político com ele. Ou seja, não se trata apenas de um 
conceito demográfico, numérico, pois este seria a população, o número 
de habitantes. Povo, necessariamente, possui vinculação com a unidade 
política de um determinado território. O que significa que nem todos 
os habitantes serão considerados povo, por exemplo. Tal vinculação, 
normalmente ocorre através da nacionalidade, cujos critérios variam 
de Estado para Estado. Essa definição de quem é nacional ou não 
normalmente ocorre dentro da Constituição dos Estados, como ocorre 
com a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 12.
LINK
Para leitura na íntegra da Constituição da República 
Federativa do Brasil de 1988, acesse: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
1010 
Território corresponde à porção territorial na qual o Estado está 
localizado, sendo contínua ou não (ilhas e territórios ultramarinos, por 
exemplo, não estão no mesmo limite territorial, ainda que façam parte 
de determinado Estado).
Soberania, confundida erroneamente por alguns autores com a figura de 
governo, compreende, segundo Carré de Malberg, a qualidade do poder 
de um Estado que não reconhece nenhum poder superior8, nem na 
esfera interna, nem na esfera externa. Isso significa dizer que o Estado 
tem poder sobre seus indivíduos e também que os outros Estados, 
assim reconhecidos, o devem respeito.
ASSIMILE
Estado, portanto, é a estrutura de organização de poder 
formada pela junção de três elementos essenciais 
condicionantes, sendo estes: povo, território e soberania, 
sem os quais, não se pode falar na existência de um Estado.
Sendo assim, somente a representação do Estado pode estabelecer 
relações internacionais com outros Estados. Quando vemos o Brasil 
participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, por exemplo, tal 
apresentação é feita enquanto Estado brasileiro.
PARA SABER MAIS
Quanto à abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, 
tradicionalmente, o Brasil costuma ser o primeiro país a 
discursar (embora nem sempre tenha sido assim), pois 
em 1947, quando ocorreu a primeira reunião deste tipo 
8 MALBERG, Carré de. Teoria General del Estado. Cidade do México: UNAM, 2001. p. 83.
1111 11
na Organização, a delegação brasileira presidiu a sessão, 
na pessoa do Embaixador Oswaldo Aranha, que discursou 
perante a Assembleia. ORSI, Carlos. Por que o Brasil 
sempre discursa primeiro na Assembleia Geral da ONU? 
Gazeta do Povo. Curitiba, jul. 2017. p. 1-4. Disponível em: 
https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-
sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-
2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7. Acesso em: 29 jun. 2018.
2.2 Soberania e governo
Se o Estado necessita de três elementos essenciais para sua existência, 
percebemos que a soberania se configura como sendo a maior escala 
de poder reconhecível dentro de um dado Estado. Porém, há que se 
distinguir a soberania em seus aspectos externo e interno.
A soberania externa se relaciona às funções de Estado, à unicidade 
dos três elementos essenciais que vimos no tópico anterior e, 
principalmente, à capacidade de reconhecimento por parte de 
outros Estados. A possibilidade que um Estado possui de estabelecer 
relações diplomáticas com outros Estados e de ser reconhecido como 
semelhante por eles é o seu desdobramento externo de soberania. 
Já a soberania interna se relaciona com as funções específicas 
e administrativas de um Estado. Tais funções de organização e 
hierarquização internas recebem, em nossa disciplina, o nome de 
governo. Logo, o governo corresponde à divisão administrativa interna 
dos Estados, conforme disposta em sua Constituição - documento no 
qual consta a forma de organização dos Estados.
O governo, enquanto forma de organização de poder, pode assumir 
duas formas: a monárquica e a republicana. Na República, temos a 
transição de lideranças, fundada no princípio da temporalidade, o que 
https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7/
https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7/
https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/por-que-o-brasil-sempre-discursa-primeiro-na-assembleia-geral-da-onu-2b5pw0cuynjwhs1eaphvu6re7/
1212 
significa que os chefes de governo são eleitos por tempo determinado, 
o que não ocorre na Monarquia, com seu poder caracterizado pela 
vitaliciedade e hereditariedade9.
Porém, além da forma de governo, a organização administrativa 
dos Estados também possui divisão em dois sistemas de governo: o 
presidencialista e o parlamentarista10, 
No parlamentarismo, o governo é exercido através da presença de um 
parlamento, órgão representativoresponsável pela produção legislativa. 
O chefe de governo no Parlamentarismo é o Primeiro-Ministro, havendo 
distinção entre as figuras do chefe de Governo e do chefe de Estado. 
De forma a tornar a diferença mais visível, o parlamentarismo é mais 
frequente em regimes monárquicos, por sua formulação histórica11.
Já o presidencialismo, formulação política surgida nos Estados Unidos 
e modelo adotado pelo Brasil em contraposição ao parlamentarismo, 
funda-se na presença de um presidente, não havendo divisão das funções 
executivas com o parlamento. Assim, as figuras do chefe de Governo e do 
chefe de Estado confundem-se na mesma pessoa: o Presidente12.
EXEMPLIFICANDO
Em alguns países, como é o caso do Brasil, as figuras do 
Chefe de Estado, responsável pelas relações exteriores, e do 
Chefe de Governo, responsável pela administração interna, 
são representadas pela mesma pessoa, o que dificulta a 
nossa visualização das diferenças entre Estado e Governo. 
9 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Niterói: Editora Impetus, 
2007. p. 13.
10 Idem.
11 BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 416.
12 Idem.
1313 13
No entanto, a diferença é mais fácil de ser visualizada 
em países que adotam o sistema parlamentarista, onde 
Chefe de Governo e Chefe de Estado não são a mesma 
pessoa, como é o caso do Reino Unido, onde há um Chefe 
de Governo, na figura do Primeiro-Ministro, gabinete 
atualmente ocupado por Theresa May, e um chefe de 
Estado, responsável pelas relações diplomáticas, posição 
ocupada há 65 anos pela Rainha Elizabeth I.
Como pudemos perceber, o Estado, desde sua necessidade de ex-
pulsão do diferente em nome da unificação territorial em torno de 
um único centro de poder – como no episódio histórico da expulsão 
dos muçulmanos de Granada – até os processos de colonização e in-
vasão das Américas, se constituiu sobre uma dinâmica de exclusão e 
supressão de diversidades. Reflita sobre os conceitos dos elementos 
essenciais que formam o Estado e tente compreender como o surgi-
mento destes influencia as relações de poder até os dias atuais.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
3. Considerações finais
• O Estado Moderno, em sua gênese, historicamente, formou-
se através da ideia de exclusão daquilo que lhe era externo: 
como o feudalismo não possuía unidade de poder, de forma a 
conseguir unir os feudos em torno de um só rei, foi necessário 
criar uma identidade unificada. Um dos exemplos, a expulsão dos 
muçulmanos de Granada, após a unificação do Estado espanhol.
• A unificação do Estado Moderno passa também por uma fase 
mercantil, diante da necessidade de unificação do comércio e 
da crescente expansão das navegações. Os Estados precisavam 
possuir um único rei, ao qual pudessem responder.
1414 
• Para que se possa considerar a existência de um Estado, há 
que identificar-se a presença de 3 elementos essenciais: povo, 
território e soberania. A expressão povo se refere à parcela da 
população que possui vínculo jurídico e político com o Estado, 
o território compreende a porção geográfica – contínua ou não 
– na qual um Estado se localiza e a soberania é a qualidade do 
poder de um Estado que não admite poder superior a si, nem 
internamente, nem externamente.
• O conceito de soberania pode ser dividido em duas dimensões: 
externa e interna. A soberania, sendo a qualidade do poder 
supremo de um Estado, quando se manifesta em sua faceta 
externa, tem a ver com as relações internacionais entre os Estados 
e a capacidade de um Estado ser reconhecido perante os outros 
como tal; já em sua faceta interna, a soberania se manifesta 
através da expressão de governo, referindo-se a toda cadeia 
hierárquica que compõe os órgãos da administração pública.
Glossário
• Estado: forma de organização de poder aprimorada pelos seres 
humanos ao longo da história, composta por instituições adminis-
trativas, com o objetivo de, ao menos dentro da teoria contratu-
alista, permitir-se a proteção de seus indivíduos, diante de amea-
ças externas. Politicamente, deve ser composto por 3 elementos 
essenciais: povo, território e soberania.
• Organização das Nações Unidas: organização internacional 
entre Estados, de caráter universal, criada em 1945, a partir da 
Carta das Nações Unidas, com o objetivo de evitar novas guer-
ras, logo após a Segunda Guerra Mundial, e promover a coope-
ração entre as nações do mundo para os mais diversos assuntos 
– daí o nome, Nações Unidas.
1515 15
• Administração Pública: a expressão Administração Pública se re-
fere à capacidade de gestão que o Estado possui sobre seus órgãos 
internos, de forma a promover serviços e ações voltados ao inte-
resse público, em várias áreas, como educação, transporte, saúde, 
entre outros, sendo o conjunto de atividades que o Estado imple-
menta ao oferecer serviços essenciais à população que administra.
• Nação: conjunto de pessoas unidas pelos mesmos ideais culturais, 
religiosos, étnicos e/ou históricos. Não se confunde com o conceito 
de Estado. Trata-se de um conceito de identidade coletiva de fundo 
emocional, etéreo, e não necessariamente relacionado à existên-
cia de um espaço territorial definido, embora, frequentemente, as 
nações estejam inseridas em Estados.
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. O Estado moderno se caracteriza, exceto: 
a. Pela centralização em torno da figura do monarca, em 
contraste com o que ocorria na fase imediatamente 
anterior, o feudalismo, caracterizado pela profunda 
descentralização de poder; 
b. Pela existência de três elementos essenciais, sem 
os quais o Estado não se estabelece: uma dimensão 
humana, composta pelo povo; uma dimensão 
geográfica, composta pelo território; uma dimensão 
político-administrativa, composta pela soberania;
c. Pela homogeneização cultural, realizada em razão 
da necessidade de que o povo, parcela humana 
da composição do Estado, se identificasse com um 
único soberano, a fim de que o poder pudesse ser 
centralizado, como fica evidente a partir do episódio 
da expulsão dos Muçulmanos de Granada;
1616 
d. Pela existência de um contrato social, conforme 
disposto pelas teorias contratualistas, nas quais 
os seres humanos abririam mão de parcela de sua 
liberdade pessoal em troca da segurança do Estado;
e. Pela ausência de centralização de poder, formando-
se por inúmeras unidades pulverizadas de 
administração, em razão da maior facilidade para se 
garantir a proteção dos indivíduos, algo que Hobbes 
denominaria de “mal necessário”, associando-o 
ao Leviatã, um monstro mitológico, capaz de a 
todos engolir. 
2. A evolução histórica do instituto do Estado é muito 
mais longínqua do que se pode atribuir à utilização da 
expressão Estado como definidora de uma unidade 
de poder, composta por elementos condicionantes. 
No entanto, a primeira utilização, dentro da Ciência 
Política, da expressão Estado, é comumente atribuída 
a um famoso diplomata do século XV. De quem 
estamos falando?
a. Thomas Hobbes
b. Nicolau Maquiavel
c. John Locke
d. Jean-Jacques Rousseau
e. Aristóteles
3. Com relação aos desdobramentos de soberania, em 
seus aspectos interno e externo, pode-se dizer que:
1717 17
a. A soberania, tanto internamente quanto 
externamente, possui as mesmas funções, sendo 
reflexo da qualidade do poder supremo de um 
Estado, possuindo como destinatários desse poder os 
mesmos órgãos.
b. A soberania, em suas duas dimensões, possui reflexos 
que não se confundem, pois a soberania externa, 
voltada às relações internacionais e ao caráter de 
reconhecimento de Estado, embora também reflexo 
da qualidade do poder supremo de um Estado, não 
possui como destinatário a mesma parcela política 
que a soberania interna, destinada ao governo e à 
administração pública.
c. A soberania interna, como a conhecemos, volta-se 
especificamente à relação entre os Estados, naquilo 
que denominamos de relações internacionais, 
conforme disposto na Constituição da República 
Federativa do Brasil.
d. A soberania externa,como a conhecemos, volta-
se especificamente à administração doméstica 
dos Estados, através do surgimento do instituto 
denominado governo, que, embora reflexo do 
surgimento do Estado, com ele não se confunde.
e. A ideia de soberania advém de uma interpretação 
bíblica, na qual monstros mitológicos eram utilizados 
como maneira de se referenciar o poder único dos 
Estados, noção que se perpetuou até os dias atuais, 
com forte inspiração religiosa, em razão da influência 
da Igreja Católica na divisão de poder da Idade Média.
1818 
Referências bibliográficas
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 
Niterói: Editora Impetus, 2007.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Globo, 2008.
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe – comentado por 
Napoleão Bonaparte. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977.
BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros, 2000. 
HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado 
Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edipro, 2015.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Edipro, 2014.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. 
Curitiba: Juruá Editora, 2012.
MALBERG, Carré de. Teoria General del Estado. Cidade do México: UNAM, 2001.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013.
Gabarito
Questão 1 – Resposta: E
A alternativa incorreta é aquela na qual vem disposto que o Estado 
Moderno seria caracterizado pela descentralização de poder, o que 
não procede: o que caracteriza a transição do feudalismo para o 
Estado moderno é exatamente o oposto, a centralização de poder 
nas mãos de um único poder soberano, que a todos controlaria.
Questão 2 – Resposta: B
A questão 2 possui como alternativa correta aquela que indica a 
utilização da expressão Estado como denotativa de unidade de 
poder soberano, composta por elementos condicionantes de sua 
própria existência, o diplomata florentino Nicolau Maquiavel, que 
utilizou a expressão Estado pela primeira vez, conforme utilizamos 
ainda hoje, na obra “O Príncipe”, escrita em 1512, porém publicada 
postumamente, em 1532.
1919 19
Questão 3 – Resposta: B
A alternativa correta à questão 3 é aquela na qual se encontra 
a definição de soberania externa como sendo desdobramento 
de relações internacionais e reconhecimento entre os Estados 
e a soberania interna como dimensão interna, doméstica e 
administrativa, dentro daquilo que denominamos governo.
202020 
Estado e formação: o Estado 
Brasileiro
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
• Compreender como o Estado Brasileiro se formou, 
desde sua gênese, iniciando-se nos movimentos 
de independentização, que culminaram na 
Independência do Brasil de Portugal, em 1822.
• Visualizar como as políticas agrárias e escravagistas 
do período do Brasil Império interferiram na 
formação das dinâmicas sociais e políticas que se 
perpetuam até os dias atuais.
• Entender a influência do movimento político do 
Coronelismo, após a Revolução Republicana, sistema 
que moldaria profundamente as relações sociais do 
início do Século XX, e como a política brasileira sofre 
com os reflexos deste sistema.
2121 21
1. Introdução
O Estado Brasileiro inicia seu processo de construção e formação a 
partir do momento da emancipação político-administrativa causada 
pelo movimento de independência, que possuiu sua culminância 
no histórico 7 de setembro de 1822, quando o Brasil se torna 
independente do Reino de Portugal1.
Apesar das dimensões territoriais continentais, o Brasil – em oposição ao 
que havia ocorrido na América Espanhola – não se fragmentou ao deixar 
de ser colônia portuguesa, mantendo o poder centralizado nas mãos do 
então Imperador, D. Pedro I.
É importante salientar que, concomitantemente à ausência de 
fragmentação de poder, o Brasil se configurou como um Estado Unitário, 
marcado pela intensa centralização de poder.
PARA SABER MAIS
O Estado Unitário, forma de poder marcada pela ausência 
de divisões administrativas e forte centralização de poder, 
apesar de ser difícil de imaginar, não é forma de Estado 
exclusiva das monarquias. Há Estados não monárquicos 
que são Estados Unitários, como é o caso da China dos dias 
atuais. Eric X. Li, em sua palestra no TEDx explica melhor o 
sistema chinês, para entendermos como é possível um país 
tão grande como é a China funcionar como Estado Unitário 
em pleno século XXI. Disponível em: htpps://www.ted.com/
talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt-
br. Acesso em: 20 jul. 2018.
1 DE CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial; Teatro das Sombras: A política 
imperial. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, RelumeDumará, 1996, 436 p.
https://www.ted.com/talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt-br
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https://www.ted.com/talks/eric_x_li_a_tale_of_two_political_systems?language=pt-br
2222 
O fato de a concentração de poder estar focada na figura do imperador 
gozava de garantia constitucional, conforme o texto da primeira 
constituição do Brasil, de 1824, que estabelecia uma mínima divisão de 
Estado em Províncias, que, no entanto, não gozavam de autonomia.
Além do poder centralizado, o Brasil do século XXI focava a maioria de 
sua produção no setor agrícola, sem o qual a colônia portuguesa não 
teria se estabelecido nos séculos anteriores, e baseava-se em políticas 
exploratórias e escravagistas, cujo impacto da exclusão social gera 
reflexos na sociedade até hoje.
Desde o passado brasileiro enquanto colônia, a divisão de terras no Brasil, 
para fins de monocultura de café, sempre foi composta por grandes 
latifúndios, o que nos remete à força política da classe agroexportadora, 
que se constituiria, neste mesmo período, como a classe dominante 
no cenário nacional, possuindo mecanismos de pressão sobre o 
Estado, garantindo a manutenção do status quo colonial, apesar da 
independência, e de seus interesses próprios. O Brasil emancipado 
era interessante sob o aspecto econômico, mas a classe fundiária não 
identificava qualquer relevância em abrir mão de seus privilégios.
E assim, latifundiária e escravagista, segue a produção econômica do 
Brasil Império, até o ano de 1888, quando, após anos de revoltas e 
insurgências contra o poder central e um movimento abolicionista que 
abalava as estruturas da monarquia, a escravidão seria abolida. Tal 
cenário construiu-se, em grande parte, do apelo dos revolucionários 
republicanos por mudanças no modelo de produção imperial, que se 
amoldava ainda ao modelo colonial.
PARA SABER MAIS
Um dos movimentos revolucionários de insurgência contra 
a monarquia de maior relevância histórica no Brasil foi a 
Revolução Farroupilha, um movimento de matriz liberal e 
2323 23
organizado pela elite fundiária rio-grandense, liderada por 
Bento Gonçalves, contra a centralização de poder nas mãos 
do governo central, após a morte de D. Pedro I, que deixou 
no trono seu filho menor de idade, D. Pedro II – fato que 
poderia fragilizar a manutenção de poder. Os 10 anos de 
intensa batalha que se seguiram ao ano de 1835 teve como 
principal bandeira a alta carga de impostos cobrada pelo a 
separação do Rio Grande do Sul do Brasil, chegando ao fim, 
após um acordo de paz com Duque de Caxias, através do 
Tratado do Poncho Verde, em 1845.
Em pouco tempo, mesmo como Estado emancipado, ficaria claro 
que para um país tão grande, governa-lo a partir de uma única fonte 
de poder central seria inviável, fazendo-se necessária uma maior 
descentralização de poderes, passando por sucessivas modificações 
estruturais, até que assumíssemos a forma federativa, em 1891.
Antes de compreendermos como o poder agrário continuou forte no 
Brasil, precisamos entender o que é o Estado Federado, pois este seria o 
modeloseguido pelo Estado brasileiro dali em diante.
Dá-se o nome de Federação à forma de Estado na qual há divisão de 
poder em unidades que, muito embora não sejam independentes da 
união soberana, são autônomas entre si – o que significa que possuem 
capacidade de autogoverno e auto-organização. No Brasil atual, ainda 
somos uma federação e damos às nossas divisões autônomas o nome 
de unidades federativas (UFs) ou estados.
EXEMPLIFICANDO
São Paulo é uma unidade federativa, logo, um estado. 
Percebeu a diferença sutil entre as denominações Estado 
2424 
e estado? Quando falamos em Estado – assim, com a letra 
“E” maiúscula – estamos nos referindo à União, ao todo 
soberano, que já vimos no tópico anterior. Já a expressão 
estado, com “e” minúsculo, será utilizada para referirmo-nos 
às unidades federativas – salvo, logicamente, se a palavra 
“estado” estiver iniciando a frase.
Assim, nem mesmo a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, 
cedendo aos apelos abolicionistas dos republicanos, seria suficiente para 
apaziguar os ânimos dos republicanos, e em 1891, o Brasil sofreria um 
golpe de Estado que, embora tenha sido promovido por um grupo de 
patente militar, teve como objetivo a mudança do sistema monárquico 
ao sistema republicano, nos levando ao período do Brasil República.
No entanto, a forma como o poder estava relacionado às grandes 
propriedades de terra durante os séculos anteriores e, principalmente, 
nas primeiras décadas do recém emancipado Estado Brasileiro, 
seria fundamental para que a nova fase política se formasse, o que 
influenciou o pensar representativo do Brasil por todo o século 
seguinte, como veremos.
2. Brasil: Estado republicano
Em 15 de novembro de 1891, o Brasil, uma monarquia nas mãos de 
Portugal por 3 séculos, e um Império emancipado por 69 anos, tornar-
se-ia uma República. O modelo republicano tem como principal marca, 
teoricamente, a garantia de participação dos interesses de todos na 
forma de governar.
Enquanto uma forma de governo mais inclusiva, a República contaria 
com a presença da representação popular na tomada de decisões, algo 
que até então não acontecia a nível nacional, mas apenas para as casas 
legislativas, já que não havia um presidente, mas um Imperador.
2525 25
O Primeiro Presidente Eleito por voto popular no Brasil, Deodoro 
da Fonseca, havia sido também presidente durante o período 
revolucionário, anterior à constituição de 1891, com a instituição de um 
governo provisório. O voto, no entanto, ainda não era universal como 
ocorre hoje. A modalidade de sufrágio da época era o voto censitário, 
assim como no período do Império, embora mais amplo quanto à 
possibilidade de eleger-se um presidente.
Voto censitário é aquele pelo qual vota-se pela aferição de renda, o que 
significa que, novamente, a divisão de poder dos grandes latifúndios 
seguiria determinante para a nova dinâmica política brasileira. Vale 
mencionar, também, que apenas homens poderiam votar, o que 
afunilava mais ainda a definição de quem era ou não cidadão em 1891.
No entanto, a figura do líder regional, que receberia um status maior de 
destaque na nova república, ganharia outros contornos, com o poder 
de influenciar o voto do povo através de mecanismos de controle que 
ficariam conhecidos como “voto de cabresto”2. O período que se segue 
entraria para a história da política brasileira através da figura dos 
Coronéis, em um período marcado pela profunda dominação política 
das classes não-dominantes, delineando a composição representativa e 
social do Brasil até os dias atuais.
2.1 República Velha e Coronelismo
É impossível falar sobre práticas de dominação política através dos 
meios de produção sem, necessariamente, falar um pouco sobre 
exclusão social e as políticas de classe.
Retornando ao período da abolição da escravidão no Brasil, é necessário 
salientar que não houve qualquer política social de inserção econômica 
da classe recém liberta, em sua maioria formada por índios nativos, 
2 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 
São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975. p.23.
2626 
bem como negros e negras trazidos forçosamente do continente 
africano ao Brasil. Encontravam-se segregados economicamente, pela 
impossibilidade de conseguirem empregos, sem moradia, forçados a 
áreas periféricas dos municípios e discriminados racialmente. 
Considerando este contexto, a abolição da escravatura, embora 
essencial, tendo em vista que o Brasil foi o último país a realizá-la, 
não foi bem executada, e gerou problemas sociais que impactariam 
os séculos seguintes: a pobreza e a segregação racial. Tal situação 
está relacionada à forma como, apesar de constituírem a maioria da 
população do Brasil nos dias atuais, os negros ainda sofrem com as 
consequências do desprivilégio promovido pelo sectarismo do Brasil 
colônia e, posteriormente, Império.
Os proprietários rurais locais permaneceriam como detentores da maior 
parcela do poder no país, e agora ganhariam o nome de Coronéis – em 
referência à Guarda Nacional. Quando de sua instituição, a Guarda 
Nacional, em excerto das memórias do Barão do Rio Branco3, teria como 
principal atribuição manter a ordem pública. Para que isso se realizasse, 
cada município possuiria seu próprio regimento da guarda, e o chefe 
político da comuna exerceria o papel de comando, o chamado Coronel. 
Ocorre que o título era conferido, apesar de ser uma guarda militarizada 
e fardada, aos mais ricos fazendeiros da época, o que já nos permite 
compreender o porquê do surgimento de famílias tradicionalmente 
políticas – se é que assim se pode chamá-las – nos rincões do Brasil. 
Difícil compreender, no entanto, como isso seria possível em uma 
República, já que o voto, ainda que censitário e masculino, era livre – na 
teoria. Porém, apesar de livre, não era secreto, o que permitia fraudes 
e trocas de favores, com a pressão por parte do Coronel para que seus 
eleitores sempre satisfizessem seus interesses.
3 PARANHOS, José Maria da Silva. 18 de agosto. In: GARCIA, Rodolfo (org). Obras do Barão do Rio Branco VI: 
Efemérides Brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. p.469.
2727 27
ASSIMILE
O Coronelismo, portanto, foi uma prática da política 
brasileira, que se estendeu por décadas, na qual o poder 
político era exercido por grandes proprietários de terra, que 
exerciam pressão sobre as classes dominadas – estas, que 
não detinham poder econômico.
Tal dinâmica se perpetuaria no período histórico conhecido como 
República do Café com Leite, nos quais, invariavelmente, os líderes 
políticos seriam definidos pelas lideranças dos Estados com maior 
concentração de latifúndios, Minas Gerais e São Paulo, algo que se 
findaria apenas em 1930. 
LINK
A forma como os líderes políticos seriam definidos por 
Minas Gerais e São Paulo recebeu o nome de café com leite, 
por serem estes os principais produtos de agroexportação 
dos dois estados, que também eram os mais populosos e 
com a economia mais forte do país. Disponível em: https://
educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/politica-do-
cafe-com-leite-acordo-marcou-a-republica-velha.htm. 
Acesso em: 25 jul. 2018.
As marcas dessa frágil República se alastrariam pelo cenário político 
brasileiro e influenciariam a forma como o poder se divide e se 
organiza desde então até o século atual, intervalo no qual passaríamos 
por inúmeras trocas de textos constitucionais, totalizando cinco 
Constituições (excetuando-se, evidentemente, as duas constituições 
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/politica-do-cafe-com-leite-acordo-marcou-a-republica-velha.htm
2828 
do século XIX). Destas cinco, apenas duas foram elaboradas por meios 
democráticos, sendo que três foram impostas por regimes ditatoriais, 
fortemente influenciadas pelo status quo surgido, em grande parte, no 
período das grandes propriedades agrícolas.
Quadro sinótico das constituições brasileiras no século XX
1934
Promulgadano primeiro governo de Getúlio 
Vargas, seu texto era progressista, criando direitos 
trabalhistas e estendendo o voto às mulheres
1937 Outorgada três anos depois, durante o período ditatorial da Era Vargas, possuía inspiração fascista e restringia direitos
1946 Promulgada no governo de Gaspar Dutra, retomaria o caráter democrático do texto de 1934
1967 Outorgada durante o período da Ditadura Militar, no governo Castelo Branco, consolidava o regime ditatorial no Brasil
1988
Promulgada no governo de José Sarney, no processo de 
redemocratização, possui o rol mais extenso de direitos individuais, entre 
todas as Constituições, sendo conhecida como a “Constituição-cidadã”.
A partir da análise do conteúdo apresentado, é possível perceber 
como as dinâmicas políticas, fortemente influenciadas pela presença 
de grandes propriedades agrárias e do poder político dos latifundiá-
rios, além da ausência de direcionamento social pós-abolição da es-
cravidão, exerce força até hoje, no cenário político e social nacional, 
sobre como o status quo segue mantido?
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
3. Considerações finais
• O Estado brasileiro, em um primeiro momento histórico, após 
a Independência de Portugal, em 1822, adota a conformação 
de Estado Unitário, com a centralização de poder nas mãos do 
monarca, com mínima divisão administrativa em Províncias, sem 
que estas, no entanto, possuíssem autonomia política;
2929 29
• Durante o período do Brasil Império, apesar da emancipação 
promovida no processo de Independência, o status quo das 
grandes propriedades de terra permanece central à dinâmica 
política e a produção agrícola segue fundada na mão de obra 
escrava, até que a escravidão fosse abolida, em 1888;
• No entanto, apesar da abolição da escravidão, esta não foi 
realizada de maneira bem-sucedida, embora fosse necessária, 
gerando um problema social de segregação dos recém-libertos, 
que não conseguem se inserir no mercado de trabalho e sofrem 
preconceito por serem negros, algo que impacta as estruturas 
sociais do Brasil até os dias atuais.
• Mesmo após a Revolução Republicana, a forma como os grandes 
latifúndios estão divididos continua a surtir efeitos de pressão 
política no Brasil, e o que antes era uma monarquia, passa a ser 
uma República fundada em uma falsa ideia de representação 
democrática. Novamente, a classe dominante impõe seus interesses 
econômicos a uma classe dominada, privada da possibilidade de se 
emancipar através do voto, pois este é censitário e não é secreto, 
dando origem ao “voto de cabresto” – dinâmica política que imperou 
no Brasil até 1930 e ainda possui reflexos na política nacional, 
através da presença de famílias dominantes.
Glossário
• Federação: forma de Estado cuja principal característica é a pre-
sença de descentralização interna de poder, através da existência 
de unidades federativas autônomas, dotadas de capacidade de au-
togoverno e auto-organização.
• Cidadania: condição dos indivíduos que gozam de direitos políti-
cos em um determinado Estado com o qual possuam vínculo jurí-
dico e político, sendo garantida a possibilidade de participar ativa-
mente da vida política.
3030 
• Sufrágio: mecanismo através do qual uma eleição se opera – em ou-
tras palavras, sufrágio é uma expressão alternativa para falar-se voto.
• Constituição Promulgada: trata-se de Constituição formada por uma 
expressão democrática da representação popular, através de uma 
Assembleia Constituinte, típica de regimes democráticos e plurais.
• Constituição Outorgada: trata-se de Constituição formada, ao con-
trário da Constituição Promulgada, pela imposição de um regime 
não democrático, ausente de representação da vontade popular, 
satisfazendo aos interesses de pequenas parcelas da população.
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. Entre as opções a seguir, quais as principais 
características de um Estado Unitário?
a. Descentralização de poder e voto censitário;
b. Centralização de poder e ausência de divisões 
administrativas autônomas;
c. Descentralização de poder e divisões administrativas 
autônomas;
d. Os estados federados devem se submeter a um poder 
central no Estado Unitário;
e. A instituição de uma Guarda Nacional, que deu origem 
ao sistema político do Coronelismo.
2. A grande concentração de terras nas mãos de uma 
parcela da população, que possuía meios para 
pressionar as classes dominadas, influenciou de que 
maneira o futuro da política brasileira, considerando-se 
o período que ficou conhecido como República Velha?
3131 31
a. O fato de que os produtores agrícolas exerciam 
grande pressão sobre as decisões políticas no país 
e considerando-se também o recente passado 
escravocrata, fez com que núcleos de poder se 
formassem, dificultando que as classes dominadas 
ascendessem à política, criando inúmeros dos 
problemas sociais existentes até os dias atuais;
b. O fato de que o poder era exercido majoritariamente 
por pequenos produtores rurais constituiu-se 
como fator positivo para a política brasileira, pois 
estes agiam sempre imbuídos de ideais sociais e 
pensavam sempre no bem comum, para além de 
interesses de classe;
c. O Coronelismo, criado por Bento Gonçalves, seria 
a ordenação política dominante até a década de 
30 do século XX, constituindo-se como sistema de 
dominação das classes sociais menos abastadas e 
impossibilitando o acesso à política por parte dela;
d. Dom Pedro I, sempre se baseando em ideais 
revolucionários, acatou os pedidos populares de 
transição à república, pois acreditava se tratar da 
melhor forma de governo, em razão da possibilidade 
de participação popular nas decisões, já que o voto 
deveria ser livre e universal;
e. As alternativas A e C estão corretas.
3. Quais características apresentadas pelo Estado 
brasileiro, após a transição de Império para a República, 
nos deram contornos de Estado Federativo?
3232 
a. O fato de que, após 69 anos como Império, a escolha 
de representação a nível nacional pode ser feita 
através do voto, porém, apenas para o Presidente, 
mantendo a centralização de poder, uma das 
principais características da Federação;
b. Uma maior aproximação com os Estados Unidos, 
a primeira Federação de que se tem notícia 
na história, e o estabelecimento de relações 
diplomáticas com esta potência;
c. Após a transição, o poder, antes centralizado 
em uma única fonte, pulverizou-se por unidades 
federativas autônomas, dotadas de auto-organização e 
autogoverno, as principais características da Federação;
d. Duque de Caxias tornou-se Presidente do Brasil 
por indicação da confiança de D. Pedro II, em clara 
demonstração de respeito, apesar da ruptura 
constitucional com o regime antecedente;
e. Ao tornar-se uma República, o poder, que antes era 
fragmentado em unidades federativas autônomas, 
passou a ser centralizado nas mãos do monarca, que 
instituiu a guarda nacional apenas com o intuito de 
facilitar a administração, sem que estas unidades 
possuíssem capacidade de se governarem ou se 
organizarem autonomamente.
Referências bibliográficas
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: 
Saraiva, 2016.
DE CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial; 
Teatro das Sombras: A política imperial. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, RelumeDumará, 
1996, 436 p.
3333 33
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime 
representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975.
MARTINS, Paulo Emílio Matos; MOURA, Leandro Souza; IMASATO, Takeyoshi. 
Coronelismo: um referente anacrônico no espaço organizacional brasileiro 
contemporâneo? Organizações & Sociedade, v. 18, n. 58, 2011.
PARANHOS, José Maria da Silva. 18 de agosto. In: GARCIA, Rodolfo (org). Obras do 
Barão do Rio Branco VI: Efemérides Brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de 
Gusmão, 2012.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A revolução farroupilha. Boletim Gaúcho de Geografia, 
v. 13, n. 1, 1985.
RIO GRANDE DO SUL. História. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/historia.Acesso em: 23 jul. 2018
Gabarito
Questão 1 – Resposta: B
As principais características de um Estado Unitário são a 
centralização de poder e a ausência de divisões administrativas 
autônomas, diferentemente do que ocorreria no Federalismo, 
sendo correta a alternativa B.
Questão 2 – Resposta: A
O Coronelismo, sistema político surgido em razão das grandes 
concentrações de terra, constituiu-se como mecanismo de 
dominação das classes mais dominadas por décadas, durante a 
nova República; porém, seu surgimento tem relação com práticas 
fundiárias e distribuição de postos da Guarda Nacional, e nada tem 
a ver com Bento Gonçalves, líder da Revolução Farroupilha. Apenas 
a alternativa A está correta.
Questão 3 – Resposta: C
A Federação se caracteriza pela pulverização de poder em 
unidades autônomas, dotadas de capacidade de autogoverno e 
auto-organização, logo a alternativa que apresentava a resposta 
correta é a letra C. 
https://estado.rs.gov.br/historia
343434 
Globalização: unidade e 
fragmentação
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
• Compreender como os processos de industrialização 
levaram à fragmentação territorial de continentes 
menos industrializados, o que foi essencial ao 
surgimento da globalização, séculos depois;
• Perceber que essa mesma fragmentação criaria 
um regime mundial de mercado que favoreceria 
o surgimento de grandes desigualdades no 
campo social;
• Visualizar a transição entre o período anterior, com 
um Estado forte e de poder centralizado, para um 
Estado mais flexível, com maior circulação de bens e 
serviços entre fronteiras, permitindo o surgimento e 
desenvolvimento do livre mercado, que provocaria o 
processo de globalização.
3535 35
1. Introdução
Dentro de toda a conceituação de Estado exposta até o presente momento, 
vimos que a centralização de poder foi fundamental ao surgimento do 
Estado e favoreceu a expansão mercantilista, em razão da necessidade de 
unificação da moeda e de regras comerciais dentro dos Estados.
Havia, sobretudo, uma vinculação ao território, algo que se expressaria de 
diversas formas, como na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do 
Cidadão, de 1789, ao definir a noção de soberania como necessariamente 
vinculada à ideia de nação, e da qual não poderia se desvincular.
No entanto, nos séculos que se seguiram, o mundo passou por 
inúmeras revoluções no campo da indústria, que modificaram a forma 
como a produção de bens e serviços se organizava. A produção em larga 
escala, gradualmente foi substituindo os processos de manufatura, e o 
implemento de máquinas a vapor garantiu agilidade nos transportes de 
longa distância, com o surgimento de navios e trens muito mais velozes, 
permitindo maior integração entre regiões da Europa – e do restante do 
mundo –, facilitando o comércio.
Assim, pouco a pouco, a maneira de pensar a economia também se 
transformou, e o século XIX foi palco para o surgimento de teorias 
econômicas formuladas a partir da crítica ao controle estatal sobre 
o sistema econômico1, contrariando a noção de desenvolvimento 
econômico nacional, fortemente defendido até então, e se voltando 
ao livre mercado.
A essa nova forma de pensamento econômico deu-se o nome de 
Liberalismo, com seu Laissez-faire – em tradução livre, “deixar fazer” 
–, preconizando pela mínima interferência do poder Estatal nas 
1 HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Ter-
ra, 2016. p. 39-40.
3636 
decisões econômicas, algo que teria muito impacto nas décadas que 
se seguiriam. Teóricos como Adam Smith e sua “mão invisível”, em A 
Riqueza das Nações2, estabeleceriam que o mercado não dependeria 
do Estado e possuía mecanismos de autorregulação, razão pela qual a 
economia deveria ser livre.
De estatal e regionalizado, o mercado, capaz de se autorregular, 
passaria a ser mundial. O termo “nação” desaparece da literatura 
francesa sobre economia, a partir de 18903. Em razão desse 
rompimento com o paradigma anterior, o capital, fortalecido pela 
ampliação dos mercados, ganha mais fluidez e circulação, o que gera 
uma relativização das fronteiras em nome da universalização do 
comércio – ainda que apenas a título de economia.
Além disso, a facilidade de se produzir mais e em larga escala, 
rapidamente geraria excedentes de produção, cujo escoamento seria 
complexo se os mercados permanecessem restritos à Europa do século 
XIX. Era necessário encontrar outros lugares para onde a produção 
pudesse ser direcionada. Era preciso colonizar e fragmentar o mundo, 
no maior número de mercados quanto fosse possível.
ASSIMILE
A necessidade de expandir territorialmente o alcance do 
Estado, em razão da necessidade de escoamento dos 
excedentes de produção, levou a um dos últimos ciclos de 
colonização da história, primando sempre pela máxima 
fragmentação possível, como forma de facilitar a dominação 
sobre os povos.
2 SMITH, Adam. A riqueza das nações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.
3 Idem. p. 41.
3737 37
Tal fragmentação gerou, inicialmente, um grande fluxo de migração 
dos “pontos quentes da modernização”4, ou seja, das regiões mais 
industrializadas, para as menos desenvolvidas, “ainda intocadas 
pelos processos modernizantes”, às quais eram vistas pelo 
colonizador como “vazias”5, onde se operaria uma colonização 
maciça, fundada no extermínio daquilo que fosse diferente e 
problemático aos anseios das metrópoles. A homogeneização que 
criaria uma sociedade de consumidores não poderia incluir quem 
não se pudesse colonizar de forma lucrativa.
Tal fragmentação e a busca desenfreada por mercados levariam 
à Primeira Guerra Mundial, uma disputa pela supremacia entre as 
potências imperialistas da época sobre as colônias no continente 
africano. Ao fim do conflito, a divisão territorial continuaria como 
motivo de insatisfação, principalmente para os Estados que perderam 
colônias quando da assinatura do Tratado de Versalhes, como 
aconteceu com a Alemanha.
PARA SABER MAIS
O Tratado de Versalhes, documento responsável pelo 
surgimento da Sociedade das Nações, foi o acordo de paz 
que resultou no fim da Primeira Guerra Mundial, no qual 
se determinou a cessão de inúmeros territórios dominados 
pela Alemanha a outros países, como França e Dinamarca, 
o que gerou insatisfação em parcela da população alemã, 
culminando no sentimento de nacionalismo exacerbado 
que levaria a Europa à Segunda Guerra Mundial.
4 BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.50.
5 BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 51.
3838 
O descontentamento gerado pelo fim da Primeira Guerra seria 
a motivação para Segunda Guerra, um conflito que surgiria, 
novamente, como meio de se estabelecer a supremacia territorial 
sobre os mercados. No entanto, o conflito de 1939 assumiria 
contornos de limpeza étnica, sob o regime do III Reich da Alemanha 
nazista – uma tentativa de segregar e exterminar aqueles que não 
eram semelhantes aos alemães considerados puros e, portanto, 
superiores, pelas políticas de governo.
Ao chegar-se em 1945, com o fim da guerra, o nacionalismo 
exacerbado se tornaria tabu, e o mundo assistiria ao fim da 
hegemonia das potências europeias: surge um mundo bipolar, 
dominado por Estados Unidos e União Soviética6, em um período que 
ficaria conhecido como Guerra Fria.
PARA SABER MAIS
A expressão Guerra Fria refere-se ao período da história 
mundial no qual o mundo, dividido entre duas potências 
hegemônicas, Estados Unidos e União Soviética, foi palco 
de disputas que ocorreram exclusivamente através de 
estratégias, ao invés de levar a uma guerra, de forma 
declarada. Chegou ao fim no ano de 1991, com a extinção 
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Surge também a Organização das Nações Unidas e com ela inúmeras 
organizações de cunho econômico, como o Fundo Monetário 
Internacional (FMI), facilitando o fluxo de capitais. O capitalismo, sistema 
6 A União Soviéticaera formada pelos seguintes países: Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Ucrânia, 
Moldova, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão 
3939 39
econômico da parcela do mundo influenciada pelos Estados Unidos, 
em contraposição à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, onde o 
socialismo era o modelo adotado, tornar-se-ia cada vez mais intenso e o 
mundo conheceria um novo processo, denominado globalização.
LINK
Conheça os princípios e funcionamento da Organização 
das Nações Unidas (ONU) acessando o site: https://
nacoesunidas.org/conheca/
2. Globalização
Entende-se por globalização o período após a década de 60 do século 
XX, no qual a livre circulação de serviços e bens atingiu níveis históricos, 
ampliando cada vez mais o consumo, em uma sociedade fortemente 
influenciada pela terceira revolução industrial, tecnológica e científica7. 
O Estado, já relativizado anteriormente pela fluidez do livre mercado, 
passa ao posto de sustentáculo do grande capital8. A escolha da 
expressão globalização para caracterizar ao período se refere à 
tendência ao global, ao mundial, e a uma pretensão de universalidade 
do capitalismo.
Coincide também, apesar de ser fruto da fragmentação territorial do 
mundo no século anterior, com um processo de universalização, no 
pós Segunda Guerra, que se reflete no surgimento de normas a nível 
7 COUTINHO, Luciano. A terceira revolução industrial e tecnológica. As grandes tendências das mudan-
ças. Economia e sociedade, v. 1, n. 1, p. 69-87, 1992.
8 VALENTE, Valdemar. GLOBALIZAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO, EXCLUSÃO. VIDYA, v. 19, n. 34, p. 14, 2015.
https://nacoesunidas.org/conheca/
https://nacoesunidas.org/conheca/
4040 
internacional – a despeito de sua força coercitiva ou da ausência dela –, 
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Carta 
das Nações Unidas, de 1945, com a criação da Organização das Nações 
Unidas (ONU), auxiliando a percepção de que havia uma sociedade global, 
horizontalizada, na qual os Estados soberanos eram iguais entre si.
A nível político, princípios como a não intervenção, a não agressão e a 
autodeterminação dos povos, criavam a impressão de que, cada vez 
mais, tratava-se de uma nova era, mais igualitária, mais inclusiva. No 
entanto, no cenário econômico, a realidade era outra.
O ser humano universal dos discursos políticos encontraria limites na 
expansão econômica, de cunho segregador, algo que reflete o processo 
pelo qual o surgimento de grandes multinacionais, pulverizadas nos 
países menos modernizados, criariam uma periferia global dependente 
dos bens de consumo, e fornecedora de mão de obra barata e 
produtora de matéria-prima, pois não tendo como investir na própria 
industrialização, viam-se obrigados a comprar produtos dos países do 
centro global9 e, ao comprá-los, cada vez mais teriam que produzir e 
fornecer matérias-primas para pagá-los10.
Mais do que isso, o Estado, enquanto produtor de normas relativas às 
regulamentações das relações de trabalho, passaria a produzir leis que 
favorecessem a acumulação de capital por parte das empresas, sem 
que, no entanto, estes trabalhadores fossem incorporados ao processo 
de consumo11 e, em razão da fragmentação dos setores da sociedade, a 
luta de classes ficasse prejudicada.
9 A expressão “centro global”, aqui utilizada, refere-se às regiões do mundo compostas pelos países economi-
camente dominantes, centrais à economia mundial, e não ao centro geográfico, literal.
10 ESLAVA, Luis; OBREGÓN, Liliana; URUEÑA, René. Imperialismo(s) y derecho(s) internacional(es): ayer y 
hoy. In: ANGHIE, A.; KOSKENNIEMI, M.; ORFORD, A. Imperialismo y derecho internacional: historia y legal. 
Bogotá: Siglo del Hombre Editores, Universidad de los Andes, Pontificia Universidad Javeriana, 2016. p. 11-94.
11 Idem.
4141 41
Tal segregação, portanto, contraditoriamente, partiria da tentativa de 
homogeneização e universalização promovida pela fragmentação da 
sociedade em grupos sociais, áreas de interesse, setores da indústria e 
blocos econômicos – algo que se reflete até mesmo na forma como as 
cidades do centro global se organizaram no último século.
EXEMPLIFICANDO
Ao promover a segregação da sociedade em setores e 
grupos, contraditoriamente, essa segregação só é possível 
através da homogeneidade que há entre esses grupos: nas 
periferias, permanece o que é periférico; nos centros, o 
que é de centro; Na União Europeia, o que é europeu; No 
MERCOSUL, o que é das Américas; e assim, sucessivamente. 
A relativização das fronteiras por força da circulação de bens e serviços 
não se opera apenas sobre o tema de migração, por exemplo, embora 
seja necessário mencionar o fluxo de pessoas das regiões mais pobres 
do mundo para as mais abastadas. 
Opera-se, também, sobre as duas realidades urbanísticas 
absolutamente distintas convivendo nos mesmos espaços, como 
na “metacidade desterritorializada”, de Paul Virilio12, “cujo caráter 
totalitário, ou antes, globalitário, não escapa a ninguém”, e onde, 
no mundo inteiro, há uma parcela da sociedade que é servida pelos 
mesmos arquitetos, as mesmas empresas, o mesmo fluxo de capital, 
e do outro lado, há conflitos, pobreza e desigualdades, embora não 
necessariamente apenas em países de terceiro mundo, mas dentro das 
próprias capitais-centro13.
12 VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18.
13 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.43.
4242 
Além disso, ocorre uma massificação com relação aos padrões de 
mercado, uniformizando a parcela da população global dotada de poder 
aquisitivo: multinacionais dos mais diversos setores passam a se instalar 
por países do mundo inteiro, ocupando espaços de consumo comuns, 
como os programas televisivos, o que colabora para o sentimento de 
exclusão social daqueles que permanecem à margem de tais padrões, 
vivendo uma realidade radicalmente distinta daquela da televisão e das 
campanhas publicitárias14. Assim, povos das mais diferentes origens 
étnicas, históricas, culturais, passaram a adotar os mesmos hábitos.
EXEMPLIFICANDO
Há obras de arquitetura do brasileiro Oscar Niemeyer, 
com seus mosaicos assimétricos e curvas sinuosas, no 
mundo todo, desde a capital do Brasil, Brasília, até o Líbano, 
Espanha, Portugal, Noruega e outros, entre residências 
e prédios públicos, incluindo o prédio-sede das Nações 
Unidas, em Manhattan, nos Estados Unidos. Um outro 
exemplo seria a presença das mesmas marcas por todo o 
globo, provenientes de grandes conglomerados industriais, 
desde gigantes do setor alimentício e de vestuário, até a 
área de informática.
14 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.52-54.
4343 43
Após compreender como a fragmentação territorial, que levou aos 
dois maiores conflitos do século XX, foi gerada com o objetivo de am-
pliação de mercados, percebemos como a dinamização das frontei-
ras e de circulação de bens foi essencial para que o capitalismo e o 
livre mercado se desenvolvessem; o que se refletiria no surgimento 
da ONU e na produção normativa a nível internacional. No entanto, 
também percebemos que se iniciou uma separação da sociedade, 
da política e dos fluxos econômicos em blocos, compartimentando 
iguais em grupos de iguais, e gerando mais segregação, ao contrário 
da pretensão de universalidade advogada na seara política. Reflita 
como essa segregação pode ter favorecido o aprofundamento das 
desigualdades sociais, nosso próximo capítulo.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
3. Considerações finais
• A evolução nos meios de produção, com aumento de 
velocidade da indústria, promoveu a expansão de mercados e 
também a facilidade de trânsito de produtos, através de novos 
meios de transporte, o que proporcionou maior integração 
comercial a nível global;
• Em razão disso, surgem teorias econômicas que advogam pela 
diminuição da intervenção do Estado na economia, rompendo 
com oparadigma político anterior, do Estado centralizador 
e absoluto, dando espaço a um novo modelo de Estado, que 
interfere na economia quando é necessário favorecê-la;
• No entanto, excedentes de produção, em razão do aumento 
de velocidade, precisavam ser escoados para novos mercados, 
o que gerou disputas por territórios, em um novo período de 
colonizações, fazendo das colônias, polos fornecedores de 
matéria-prima, também consumidores – dividindo tais nações 
4444 
entre as que eram mercados em potencial e as que possuíam 
alguns obstáculos a essa modalidade de imperialismo de mercado, 
determinante para o seu desenvolvimento;
• As disputas por esses novos territórios estariam entre as causas 
da Primeira e da Segunda Guerra e, em razão disso, o mundo 
adotaria, a nível político, discursos de universalidade entre os 
povos, algo que se refletiria no surgimento da ONU, por exemplo. 
Iniciava-se a Guerra Fria, com um mundo bipolarizado, dividido 
entre duas potências, Estados Unidos e União Soviética;
• Contudo, tal pretensão de uniformização não atingiria o campo 
econômico, que seguiria segregador e adentraria um novo 
período, altamente tecnológico, denominado globalização, no qual, 
mais uma vez, a pretensão global dependeria, paradoxalmente, a 
divisão do mundo em blocos econômicos, entre periferia e centro, 
entre consumidores e não consumidores.
Glossário
• Liberalismo: doutrina fundada na noção de liberdade dos indiví-
duos, em contraponto ao absolutismo estatal e sua intensa cen-
tralização de poder, idealizada por John Locke, em seu “Segundo 
Tratado sobre o Governo Civil”, e aprofundada por Adam Smith 
em “A Riqueza das Nações”, sendo esse último a principal obra 
para o surgimento do liberalismo econômico, no qual o Estado 
não deve intervir na economia, que possuiria mecanismos para se 
autorregular, em caso de crise do sistema.
• Blocos econômicos: grupos formados por países com interesses 
comuns, com o objetivo de promover a integração econômica e 
aduaneira, através da gradual supressão de barreiras para o co-
mércio entre os membros do bloco, através da implementação 
de 5 fases: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado co-
mum, união monetária e união política.
4545 45
• Capital: é a expressão utilizada para definir recursos que sejam 
utilizados na aquisição e produção de bens e serviços, passíveis 
de acumulação e considerada a atribuição de lucro proveniente 
da mais-valia15.
• Autodeterminação dos povos: princípio definido na Carta das 
Nações Unidas, de 1945, como sendo a possibilidade que os po-
vos têm de determinar livremente sua política, seu desenvolvi-
mento econômico, cultural e social, sem interferência externa.
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. Adam Smith, ao elaborar sua obra a Riqueza das 
Nações, desenvolveu conceitos significativos para os 
estudos em economia, como sobre quem pertenceria 
a titularidade do poder de regulação do mercado, algo 
que se eternizou na literatura especializada como “a mão 
invisível do mercado”. Neste contexto, em que consiste o 
liberalismo econômico?
a. Trata-se de um sistema econômico baseado na 
concentração de poder do Estado, que o exerce sobre 
a economia, regulando preços e fluxo de bens;
b. Trata-se da total supressão das fronteiras territoriais, 
permitindo o livre fluxo de pessoas, juntamente com 
seus bens, sem que sequer haja a necessidade de 
visto de entrada nos países;
15 O conceito de mais-valia corresponde, dentro da teoria de Karl Marx, à discrepância entre o valor atribuído 
ao produto que o operário produz e o salário recebido em contraprestação a essa produção. Significa dizer que 
o trabalhador trabalha mais do que seria necessário para produzir o correspondente ao seu salário, e é nesse 
excedente que consiste o lucro do patrão.
4646 
c. Trata-se de um sistema econômico baseado na ideia 
da não-intervenção por parte do Estado na economia, 
garantindo a capacidade de se autorregular do 
livre mercado;
d. Trata-se de um sistema econômico no qual o Estado 
se responsabiliza pela diminuição das desigualdades, 
distribuindo as riquezas produzidas entre todos os 
seus habitantes;
e. Trata-se de um sistema econômico caracterizado pela 
monocultura agrícola e forte investimento do Estado 
na pecuária.
2. A velocidade de produção em larga escala gerou 
excedentes de bens no mercado europeu, o que fez 
com que alguns países transformassem os processos 
colonizatórios em uma busca por novos mercados e 
fornecedores de matéria-prima. Contudo, os conflitos 
acerca da distribuição destes territórios culminariam em 
2 guerras de gravíssimas proporções, sendo estas:
a. Primeira Guerra Mundial e Segunda Guerra Mundial;
b. Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria;
c. Revolução Francesa e Primeira Guerra Mundial;
d. Guerra Fria e Guerra da Coreia;
e. Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coreia.
3. Em um mundo cada vez mais veloz e informatizado, 
o trânsito de bens e serviços atingiu níveis históricos 
desde a década de 1960, permitindo negociações entre 
4747 47
as mais distantes parcelas do mundo e o consumo dos 
mesmos produtos por povos que sequer compartilham a 
mesma cultura, em uma espécie de homogeneização. Ao 
fenômeno econômico responsável por tal massificação, 
dá-se o nome de: 
a. Liberalismo;
b. Socialismo;
c. Comunismo;
d. Globalização;
e. Militarização.
Referências bibliográficas
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
COUTINHO, Luciano. A terceira revolução industrial e tecnológica. As grandes 
tendências das mudanças. Economia e sociedade, v. 1, n. 1, p. 69-87, 1992.
ESLAVA, Luis; OBREGÓN, Liliana; URUEÑA, René. Imperialismo(s) y derecho(s) 
internacional(es): ayer y hoy. In: ANGHIE, A.; KOSKENNIEMI, M.; ORFORD, A. 
Imperialismo y derecho internacional: historia y legal. Bogotá: Siglo del Hombre 
Editores, Universidad de los Andes, Pontificia Universidad Javeriana, 2016. p. 11-94.
HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e 
realidade. São Paulo: Paz e Terra, 2016.
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.
VALENTE, Valdemar. Globalização, Fragmentação, Exclusão. VIDYA, v. 19, n. 34, 
p. 14, 2015.
VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
4848 
Gabarito
Questão 1 – Resposta: C
O liberalismo econômico possui como principal característica a 
não intervenção do Estado na economia, o que significa que o 
mercado, através de seus próprios mecanismos, possui meios para 
se auto-organizar e regular, algo que se consagrou na literatura 
sobre economia como o princípio da “mão invisível do mercado”. A 
alternativa correta é a letra C.
Questão 2 – Resposta: A
A distribuição de territórios, em um período no qual havia 
intensa disputa por novos mercados entre os países europeus, 
causou insatisfação em países que se sentiram desfavorecidos 
em sua parcela de colônias, fato que provocou a Primeira 
Guerra Mundial. Ao fim da Primeira Guerra, com a assinatura do 
Tratado de Versalhes, novamente, a Alemanha perderia alguns 
de seus territórios para países como França e Dinamarca, o que 
esteve entre as motivações para o surgimento de movimentos 
nacionalistas radicais, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. 
A alternativa correta é a letra A.
Questão 3 – Resposta: D
Dá-se o nome de globalização ao processo de aceleração da 
produção de bens e serviços em escala global, internacionalizando 
o mercado e permitindo que países em regiões distintas do globo 
façam parte de um mesmo padrão de consumo, incentivados pelas 
grandes corporações. A alternativa correta é a letra D.
4949 49
Globalização e suas características 
na acentuação da desigualdade
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
• Compreender como os processos de aceleração 
da produção e do consumo durante o período da 
globalização contribuíram para a acentuação de 
desigualdades;
• Perceber que a expressão“desigualdade” possui 
dimensões mais profundas do que apenas a 
discrepância de renda entre países desenvolvidos e 
subdesenvolvidos;
• Analisar como a massificação do consumo leva a 
graves problemas sociais na periferia do mundo, 
excluída socialmente da metacidade global, 
integrada pelos mesmos hábitos e padrões 
de mercado.
5050 
1. Introdução
A globalização foi responsável por integrar economicamente diferentes 
regiões do globo terrestre, permitindo a padronização de hábitos de 
consumo entre países que não compartilhariam traços culturais, não 
fosse a necessidade do mercado. O momento histórico no qual tal 
processo de massificação se intensificou foi acompanhado por uma 
intensa revolução tecnológica, encurtando distâncias para a difusão de 
informações, bens e serviços.
A criação de meios de transporte mais velozes permitiu que regiões 
do globo que até então não poderiam ser acessadas tão facilmente 
figurassem, enfim, entre as nações passíveis de fazer parte do grande 
mercado global. Um dos mecanismos tecnológicos que permitiu essa 
integração – a menos em um aspecto físico e territorial – foi a criação do 
avião, pelo brasileiro Alberto Santos Dumont.
Dumont, filho de franceses e engenheiro de formação, fazia parte de 
uma elite latifundiária que se estabeleceu no Brasil durante o século 
XIX, garantindo a estabilidade financeira que permitiu que o mineiro 
concluísse seus estudos na França, onde também ocorreu o primeiro 
voo autônomo de seu 14-Bis, o primeiro avião a ter um voo homologado 
na história da aviação1.
O que o pai da aviação não poderia prever, para além da utilização bélica 
de seu invento, causa da angústia que tragicamente o levou ao suicídio, 
era que os avanços em engenharia aeronáutica permitiriam um acesso 
ainda maior a todas as regiões do globo e, consequentemente, uma 
ampliação substancial de mercados.
O capitalismo, fundado na noção de propriedade privada e fluxo 
de capital, em detrimento da classe trabalhadora, desprovida dos 
meios de produção, promoveu a expansão industrial para além de 
1 BARROS, Henrique Lins de. Alberto Santos-Dumont: pioneiro da aviação. Exacta, v. 4, n. 1, p. 35-46, 2008.
5151 51
fronteiras, pois a vida econômica não poderia se confinar a apenas 
uma sociedade delimitada e “desde suas origens, o capitalismo é 
internacional em escopo”2.
Até mesmo a vida local, nas cidades, passa a ser influenciada pelos 
padrões de transformação visíveis no restante do mundo, como as 
dinâmicas de mercado e o consumo de bens. Isso significa dizer, 
por exemplo, que as zonas mais prósperas das grandes metrópoles 
mundiais fazem parte da “metacidade”3 de Paul Virilio, já mencionada 
anteriormente, para a qual não há fronteiras físicas, mas econômicas, 
delineadas por diferenças sociais abissais, para aquela parcela da 
população que não é vista como consumidora em potencial, nem produz 
competitivamente para ser percebida pelo mercado.
Após inúmeras conquistas sociais concebidas no século XX, como 
ampliação de direitos trabalhistas e maiores possibilidades de acesso a 
saúde e educação, a globalização se reveste de uma face universal que, 
no entanto, não supre tais demandas sociais, pois a produção assume 
uma velocidade incompatível com a amplitude de direitos do Estado de 
Bem-Estar Social, período imediatamente anterior à globalização.
Para justificar o neoliberalismo e o retorno ao capitalismo obstinado, 
cria-se um mito de mundialização “racionalizado e cínico”4, que mantém 
o status quo de países dominantes, que necessitam controlar mercados 
e, para isso, valem-se de sistemas jurídicos flexíveis e dos meios 
de comunicação em massa5, proporcionando o alcance a países de 
economia menos modernizada, provedores de mão de obra barata.
2 GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p.69.
3 VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18.
4 BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 
Editor, 1998. p. 50.
5 Idem. p. 53.
5252 
Dessa forma, a discrepância entre países desenvolvidos e pobres 
se acentua, ao mesmo passo em que eufemismos para tratar a 
desigualdade se proliferam: não há países subdesenvolvidos, mas “em 
desenvolvimento”, o trabalho noturno ou aos finais de semana, passa a 
ser “trabalho flexível” – ideias de um patronato arcaico, mas revestidas 
de uma “mensagem muito chique”6. Ao mesmo tempo, em dados do 
Banco Mundial para o ano de 2015, 700 milhões de pessoas ao redor do 
mundo todo viviam abaixo da linha da pobreza7.
PARA SABER MAIS
A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu uma série 
de metas, denominadas Objetivos do Desenvolvimento 
Sustentável, para serem atingidas até o ano de 2030, dentre 
as quais figuram a obrigação dos Estados de cooperarem 
com a diminuição da pobreza. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES 
UNIDAS. Sustainable Development Goals. Disponível em: 
https://www.un.org/sustainabledevelopment/poverty/. 
Acesso em: 19 ago. 2018.
No entanto, o próprio fato de existir uma indexação de pobreza 
não significa que tal aferição seja suficiente para definir onde há 
desigualdade ou não, pois, além de tratar-se de uma linha imaginária, 
como definiria o economista indiano Amartya Sen, há mais elementos 
definidores de pobreza do que apenas a possibilidade de ganhar mais 
de 2 dólares por dia, o que significa dizer que 
Não se pode estabelecer uma linha de pobreza e aplicá-la rigidamente 
a todos da mesma forma, sem levar em conta as características e 
circunstâncias pessoais. Certos fatores geográficos, biológicos e sociais 
6 Idem.
7 BANCO MUNDIAL. FAQS: Global Poverty Line Update. Disponível em: http://www.worldbank.org/en/topic/
poverty/brief/global-poverty-line-faq Acesso em: 19 ago. 2018.
https://www.un.org/sustainabledevelopment/poverty/
http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/brief/global-poverty-line-faq
http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/brief/global-poverty-line-faq
5353 53
multiplicam ou reduzem o impacto exercido pelos rendimentos sobre cada 
indivíduo. Entre os mais desfavorecidos faltam em geral determinados 
elementos, como instrução, acesso a terra, saúde e longevidade, justiça, 
apoio familiar e comunitário, crédito e outros recursos produtivos, voz 
ativa nas instituições e acesso a oportunidades8.
Dessa forma, podemos perceber que a desigualdade, no plano da 
globalização, é muito mais do que apenas uma questão de renda 
e possui outras facetas, menos visíveis do que apenas a questão 
monetária dos indivíduos. Trata-se de uma disparidade sistemática 
entre padrões de consumo, capacidade laborativa e acesso ao 
conhecimento e a direitos básicos, como saúde e educação.
2. A acentuação de desigualdades na globalização
A globalização, portanto, gerou mais do que apenas desenvolvimento 
econômico e científico: criou uma cisão entre espaços de consumo e 
não-consumo. Os lugares que não são atingidos pela supermodernidade 
e sua economia passam a ser vistos como não lugares pelo sistema.
O urbano deixa de ser apenas o local, e a cidade toma proporções 
universais, em uma espécie de metacidade virtual, que espelha a 
massificação do consumo a nível global. Não se fala mais em urbanismo 
sem integração global: as grandes megalópoles estão em uma 
rede mundial de comunicação e circulação9, que compartilha a vida 
econômica, artística, cultural e científica de todo o planeta10.
8 SEN, Amartya. Amartya Sen e as mil facetas da pobreza. In: BID AMÉRICA (Banco Interamericano de De-
senvolvimento). Amartya Sen e as mil facetas da pobreza. Disponível em: http://www.iadb.org/pt/noticias/arti-
gos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html Acesso em 19 ago. 2018.
9 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.38.
10 Idem. p.40.
http://www.iadb.org/pt/noticias/artigos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html
http://www.iadb.org/pt/noticias/artigos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html

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