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ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBI- DA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) Cultura de moda com João Braga ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) Aula 1 Pudor, adorno e/ou proteção como valores para cobrir a nudez do corpo. Por que cobrimos o corpo? Quais teriam sido as razões pelas quais o ser humano, em um determinado dia, cobriu seu corpo? Três são elas, e podemos distingui-las relacionando-as ao pudor, ao adorno e à pro teção. Talvez aqui apareça uma segunda interrogação, ao tentarmos saber qual das três teria sido a primeira delas. O que posso responder? Isso depende do ponto de vista para orde- ná-las. Sob a ótica da antropologia teológica, não resta dúvida de que a primeira razão que levou o ho- mem a cobrir seu corpo foi o pudor. Podemos compreendê-la pela tradição judaico-cristã ao lermos o livro de Gênesis, no Antigo Testa- mento, capítulo 3, versículo 7: “Abriram-se os olhos de ambos e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si”. Portanto, o homem e sua mulher, ao cometerem o pecado original pela deso- bediência à ordem de Deus, perceberam a nudez e cobriram suas partes pudentas. Desse ponto de vista, a indumentária traz em si um caráter de indignidade da condição humana, pois só foi percebida a nudez e consequentemente a vergonha, ao provarem do fruto proibido e assim sentiram a necessidade de se cobrir. No entanto, Deus, em sua infinita bondade, fez para “Adão e sua mulher tú- nicas de pele e os vestiu”, como nos relata o versículo 21, do mesmo capítulo 3, do livro de Gênesis. Nesse momento, a indumentária é abençoada pelas próprias mãos do Criador. E essa foi a ordem do uso de materiais: primeiro, a folha vegetal, depois, a pele animal (nessa ordem, as antropologias teológica e cultural têm a mesma fundamentação). Sendo assim, a teologia nos ensina que cobrimos, em primeiro lugar, o corpo pela vergonha, pelo pudor. Sob a ótica da antropologia cultural, duas outras foram as razões pelas quais o homem ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) cobriu sua nudez: por adorno e por proteção. Os antropólogos acreditam que, sob a ótica científica, primeiramente foi por adorno ou enfeite. Isso porque o processo civilizatório se deu, inicialmente, em locais de clima quente; portanto, não havia tanta necessidade da pro- teção do corpo contra o frio, apesar de também a necessidade de existir a necessidade de pro- teção contra o calor. Depois, também por causa da necessidade de diferenciação social. Colocados sobre o corpo, esses elemen- tos -tais como dentes, presas, garras, conchas, ossos e pedras- eram distintivos que qualificavam as pessoas com uma determinada identidade entre as demais da tribo. Vale a pena lembrar, que como a ciên- cia sempre procurou provas, esses elementos são bem preservados e conservados pela sua própria natureza material, ao passo que fo- lhas e peles, por serem orgânicos, são mais vulneráveis à deteriorização, não se preser- vando para servir de provas arqueológicas. A outra razão é a proteção, presente também em nossas vestimentas. Então, tam- bém cobrimos o nosso corpo para nos pro- teger de diversos fatores, como, por exemplo, as intempéries: contra chuva, vento, neve, gea- da, sol escaldante, isto é, contra o frio e o calor. Mas também era preciso cobrir o corpo contra outras agressões, como picadas de insetos, mor- didas de animais ferozes, pedradas ou pauladas de agressores, entre outras possibilidades. Logo, essas são as três razões pelas quais em um deter- minado dia o ser humano cobriu o seu corpo, sendo que elas sempre permaneceram como identidade do processo his- tórico da indumentária e/ou da moda. Ainda, hoje, ao usarmos qualquer peça de indumentária e/ou moda, passamos, simul- taneamente, por essas três ideias. É bem possível que uma das três razões prevaleça sobre as demais, mas isso não exclui as outras duas de também estarem presentes. Portanto, os aspectos de pudor, adorno e proteção fazem parte do conteúdo da linguagem não verbal do ato de cobrir o corpo. Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. III. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006. Estilo Uma maneira de entender a identidade criadora. Aula 1 Palavra regularmente usada no universo da moda, estilo viria a ser uma certa identidade visual fundamentada em valores estéticos e ca- racterizada por uma maneira específica de combinação de forma, vo- lumes, cores, padrões e, obviamente, de elementos decorativos de uma determinada época, cultura ou mesmo individualmente. Antes mesmo de redigir com um pouco mais de didatismo o que é estilo, vale a pena entender o significado etimológico da palavra. Nas línguas neolatinas, como na boa, na velha e na difícil “última flor do Lácio”, ou seja, na língua portuguesa, “estilo” deriva do latim stilus, que por sua vez vem do grego stízein. No grego a palavra significa “fa- zer um sinal com instrumento agudo, pintar”; ao passo que no latim, que não muda muito, stilus pode ser “haste de planta”, ou também “fer- ro pontudo com o qual os antigos romanos escreviam nas suas tábuas enceradas”, ou ainda, “maneira ou arte de escrever, de falar”. Portanto, entendemos por stilus um objeto cilíndrico, ou em formato semelhan- te, com uma determinada ponta, segurada pela mão com o qual os ro- manos registravam para a posteridade suas belas letras em conteúdos literários. Na língua portuguesa originou a palavra “estilo”, assim como na língua francesa, outra língua neolatina, originou style, e não é gra- tuitamente que em francês a palavra “caneta” é stylo, isto é, um tipo de objeto com o qual escrevemos. Desta forma, primeiramente, a palavra “estilo” foi utilizada na área literária. Sendo o stilus um objeto fundamental para a escrita, percebemos, então, que este é o prolongamento da própria mão que é capaz de materializar a ordenação do pensamento e, por extensão, tornou-se a maneira própria, pessoal e legítima de cada escritor ou orador, que mais adiante vai se tornar um gênero literário que caracte- rizará a maneira de escrever de uma determinada época. Com o passar do tempo a palavra migra para outro universo da produ- ção cultural, ou seja, para as artes plásticas; mantendo o mesmo signi- ficado, pelo uso de outros elementos, como forma de registro, contudo 1900 1920 ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) correlato ao objeto stilus, que pode ser o pincel da pintura; o buril na es- cultura, e outros objetos de escrita para um projeto arquitetônico ou para a elaboração de uma pauta. Percebemos, então, que estilo é aquilo que está as- sociado a um tipo de registro de linguagem artística, independentemente da área específica. Sendo assim, ao estudarmos a teoria dos estilos através das épocas históricas, notamos que são três as áreas de emprego da palavra: a primeira, e original, é a da literatura; a segunda área, também antiga na uti- lização da palavra, é a da música,e a terceira e mais abrangente é a área das artes visuais, que abarca a arquitetura, a pintura, a escultura, a decoração, o design e, entre outras, também a moda. Portanto, estilo é verdadeiramente uma forma de expressão artística. Sabemos também que, em qualquer área que seja, o estilo tem um tempo de aceitação e, consequentemente, duração; pois nasce, desenvolve- -se, cria e institui a identidade própria, atinge o apogeu, começa a desgastar- -se e, inevitavelmente, entra em decadência até desaparecer. Este ciclo, na- tural nas formas vivas, estende-se para as formas artísticas que também têm suas vidas relacionadas ao clico nascimento-apogeu-decadência-desapare- cimento, que normalmente é culminado pelo excesso, seja ele de requinte ou de ornamentação. Para melhor entendermos a essência do que é estilo, vale subdividi-lo em três espécies, a saber: o do artista, o de época e o do povo. O primeiro, tam- bém chamado de individual, é aquele caracterizado pelo conjunto da obra de um artista (lembremos aqui de também qualificar como artista o profis- sional criador de peças vestíveis - para ainda não dizer moda). É a lingua- gem pessoal do artista por meio de seus projetos, execução técnica e visão do mundo. Entendemos também que o estilo individual pode se modificar durante o percurso da produção material, havendo, portanto, as “fases”. O estilo de época, que também pode ser chamado de “escola” é, por sua vez, a caracterização de produção de um determinado período histórico em di- versas áreas artísticas com suas técnicas, formas e capacidade de produção; havendo, por conseguinte, os estilos grego, gótico, renascentista, barroco etc. E, finalmente, o estilo do povo, em especial caracterizado pela cultura popular, ou seja, uma identidade coletiva relacionada a valores, tradições, gostos, significados, modos de vida etc. de uma cultura específica numa de- terminada época, podendo ser exemplificada pelos estilos brasileiro, fran- cês, italiano e usando e usando uma expressão bem conhecida, o american way of life, isto é, a maneira, o modo de vida, o estilo do povo dos Estados Unidos da América do Norte. Ao mesclarmos os três tipos de estilo, podemos entender que um ar- tista (sensível e, portanto, antecipador do gosto e dos tempos) sugere uma determinada proposta que, ao ser aceita, torna-se identidade e estilo de uma época; e ao se tornar tradição com o passar do tempo, pode até mesmo ser o estilo de um determinado povo ou cultura. Porém, cada estilo é marcado por um tipo de ornamentação, e este 1930 1947 1972 ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) ornato será o motivo identificador de uma época ou artista ou povo, para lhe dar a estrutura visível de qualificação como tal nos objetos, nas construções, na produção artística etc. Este ornato é o elemento aplicado à estrutura de forma em si que pode ser orgânico (animal ou vegetal), geométrico ou misto e, sendo assim, os ornatos também podem ser divididos em pelo menos três tipos: o concreto, quando há uma intenção de perfeita imitação do modelo natural; o abstrato, quando este é inventado e o derivado, quando há uma livre interpretação de um modelo e que costumamos denominar de “estilização”. A própria palavra “estilização” é derivada de “estilo” e, no universo da moda, o profissional criador de peças vestíveis também recebe o nome de uma palavra variante de estilo, “estilista”. Esta adjetivação passou a ser usada pela moda, especialmente a partir dos anos 1960, quando houve uma significativa reviravolta neste setor por meio da imposição do comportamento e da moda jovem. A produção de moda teve que mudar de dinâmica para atender uma enorme demanda de consumo imposta pelos jovens, surgindo daí a palavra e conceito de “estilista”, que significa o profissional responsável pelas criações direcionadas à produção industrializada, isto é, com um plano de criação en- volvendo ergonomia, resistência e comportamento de matérias, produção em séria através de grade e um projeto inicial para materialização de forma, ou seja, utilização dos conceitos de design aplicados à moda. Atualmente, contu- do, há o profissional ligado à criação de roupas mais artísticas, mais concei- tuais, mais sofisticados intelectual e materialmente falando, que é o chamado “criador”, e há aquele, também, que cria roupas para uma maior produção e reprodução, roupas mais comerciais e usáveis no dia a dia com caráter de in- dustrialização, que é o “estilista”. Seriam praticamente as correspondências ao “estilo pessoal” e “estilo de época”, respectivamente. Entretanto, neste universo dos vestíveis, vamos aplicar não só a palavra “estilo” como também “moda”; e qual seria a diferença entre ambas? Estilo seria a subjetividade, a visão pessoal de um artista que o qualifica como tal e o identifica como criador; ao passo que moda seria a democratização, a popula- rização, a diluição e aceitação do estilo do criador que ao ser modificada pela produção industrial (sem perder as características originais) se torna mais aceitável, mais difundida, mais comercial e de fácil assimilação pelo grande público. Desta maneira, moda e estilo estão intimamente ligadas e dependentes, sendo a moda o próprio modo, a própria maneira, a própria atitude, o próprio arre- medo do estilo, que é mais centrado, mais original e mais absoluto. O estilo traz em si um caráter mais sólido, ao passo que a moda é impermanente, é transitória. Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. IV. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Mo- rumbi, 2006. 1980 1990 2010 ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) Aula 2 Plagiando a cantora norte-americana (radicada em Paris) Josephine Baker, posso também assumir que: “J’ai deux amours, mon pays et Pa- ris”. Posso ainda acrescentar uma terceira paixão: a moda. Pensar sobre moda é, inevitavelmente, lembrar de Paris. Falar sobre moda é, obviamente, incluir Paris. Escrever a História da Moda é, obrigatoriamente, contar parte da História de Paris. Na França, o ano de 2005 foi de homenagens ao Brasil, e eu, como bra- sileiro, presto minha homenagem à França, como forma de retribuição, falando um pouco de uma de suas grandes identidades culturais, a moda. A França é apaixonante, de belas paisagens naturais, dos maravilhosos castelos, dos geniais museus, da requintada culinária, da agitada vida cul- tural, da fascinante contribuição para a História universal, da respeitável qualidade de vida, a admirável arquitetura, dos sofisticados perfumes e, inegavelmente, do sempre renovado compromisso estético de criação e transformação das dinâmicas da moda. A moda, com o savoir faire francês, parece que fica mais glamorosa. A moda faz parte da própria História do país e mais especialmente de Paris. De fato, parece que um dos compromissos da França com o mun- do é a responsabilidade de nos proporcionar o prazer de inigualáveis experiências estéticas, por meio de diversas formas de produção cultu- ral, como as artes, a arquitetura, a literatura, a filosofia e, entre outras, a moda - e essa responsabilidade vem de longa data. Em terras gaulesas, os sentidos ficam mais aguçados. Os registros mais antigos de pinturas rupestres e parietais, nas quais o ser humano usa algo sobre o corpo, os quais poderíamos qualificar como protorroupas, estão em grutas noatual território francês. Torna-se impraticável falar de todos os momentos históricos franceses, ou mesmo só parisienses, relacionados à moda. Portanto, vou lembrar das principais contribuições que o país e sua capital nos deixaram como legado. O surgimento do próprio conceito de moda que se deu especialmente na corte de Borgonha, e na época (fim da Idade Média e início da Ida- de Moderna) não pertencia à França, mas que hoje são terras integra- das ao território francês. Ali, a dinâmica de criação pelos integrantes ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) da corte e a cópia pelos burgueses fez surgir a ideia de sazonalidade para as roupas e, consequentemente, o nascimento da ideia de constante mutação que caracteriza o universo das aparências por meio das roupas e dos complementos. A realidade de mudança constante é um dos principais fatores que caracterizam o conceito de moda. Por falar no mundo das aparências, não podemos jamais es- quecer o Rei Sol. Luís XIV, com a corte francesa transferi- da para Versailles, no século XVII, e com a vontade de se tornar o grande senhor da Europa, trouxe para a França o mérito de ser o epicentro divulgador das sutilezas do requin- te, da sofisticação exacerbada, do fausto e do esplendor. Com todos esses atributos, a França tornou-se referência para as outras cabeças coroadas em torno do mundo, e ainda hoje colhe os frutos das estratégias lançadas pelo monarca, que se transformaram em identidades locais, referências cul- turais e, também, sustento econômico. A moda, por sua vez, não ficou fora dessa realidade. Tecidos luxuosos em cores intensas, o apurado gosto pelo requinte das joias, sobretudo as elaboradas com diamantes, sapatos de salto alto, o intenso uso de maquilagem e novos padrões estéticos para o vestir-se passa- ram a ser uma marca registrada francesa. Um fato curioso é que o rei inglês (Carlos II), contemporâneo do monarca francês, certa vez ousou criar algo para sua aparên- cia, por meio das roupas, com o intuito de lançar alguma moda. Imediatamente, Luís XIV mandou que seus empregados usassem roupas seme- lhantes e, com isso, humilhou o monarca britânico. Luís XV e Luís XVI deram continuidade ao processo de sofisticação de Luís XIV, mas o Rei Sol foi, sem dúvida, o precursor da exuberância associada ao luxo e ao requinte em tempos modernos, que se mantém em voga até os dias atuais. Napoleão Bo- ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) naparte, como imperador francês no início do século XIX, não quis ser diferente. Resgatando valo res perdidos nos anos revolucionários, o novo monarca fez, como estratégia econômica de gover- no, grandes investidas, em especial na área têxtil, e a cidade de Lyon reabilitou-se como grande centro produtor de algodão e, em particular, de seda; contudo os holofotes, continuaram voltados para Paris. Bonaparte chegou a proibir repetição de vestidos nas festas, ou mesmo para idas às Tulherias, para que as mulheres comprassem sempre novos tecidos e elaborassem novas roupas. Podemos concluir que o fato das mulheres da atualidade não gostarem de repetir roupas em festas, seja uma herança dos tempos napoleônicos. Para a moda masculina, entre outros fatores, Bonaparte deixou de lembrança os botões na altura dos punhos nas mangas dos paletós que, sem função alguma, ainda estão presentes em nossas roupas. Sua criação tem origem no incômodo que sentia ao ver seus soldados limparem a boca ou assoarem a coriza nas mangas de seus uniformes. Por isso, o Imperador mandou colocar oito bo- tões de metal na parte frontal das mangas das far- das para que, se assim continuassem fazendo, os soldados tivessem sua boca e seu nariz feridos. Até hoje se usa três ou quatro botões na parte traseira das mangas dos paletós. Em meados do século XIX, pelos anos de 1857- 58, em pleno apogeu da Revolução Industrial, surgiu, em Paris, o conceito da “costura” que, mais tarde, a partir de 1910, passou a ser cha- mada de “alta-costura”. Não podemos negar que o processo se deu com um inglês, Charles Frederick Worth, radicado em Paris, quan- do foi trabalhar num estabelecimento têxtil situado na Rue de la Paix. Com seu talento e sua perspicácia, ele introduziu o valor da assinatura do criador às roupas, além de im- por seu gosto pessoal e a sazonalidade dos lançamentos de moda. Com isso, Paris se- diou mais uma dinâmica de moda que ain- da é uma realidade nos dias atuais. Contu- do, frisamos que, no reinado de Luís XIV, a ideia de lançar roupas novas, de tempos em tempos, já havia sido pensada, e, no que diz respeito aos criadores de moda com prestígio social, podemos citar Rose Bertin, ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) que criava as roupas da rainha Maria Antonieta, esposa de Luís XVI, e que, por isso, foi denomi- nada de “ministra de moda da rainha”. Hippolyte Leroy também ganhou muito prestígio quando vestiu a imperatriz Joséphine, na época de Napoleão. Mas ambos faziam mais o que as monarcas queriam que elas fizessem, não impunham o próprio gosto. Worth, verdadeiramente, tornou-se refe- rência, vestindo inclusive a imperatriz Eugênia de Montijo, esposa de Napo- leão III, além de toda a aristocracia e a alta burguesia, não só francesas, mas de toda a Europa e, também, das Américas. Paris ditava o gosto da moda. No Brasil, tivemos D. Eufrásia Teixeira Leite, da cidade de Vassouras, no Rio de Janeiro, no período do ciclo do café do Vale do rio Paraíba do Sul, que também se vestia com a moda de Worth, vinda de Paris. Em meados do século XIX, também sur- gem, em Paris, as primeiras escolas de moda do mundo. Uma delas, a ESMOD (École Superieure des Arts et Techni ques de la Mode), fundada por M. Guerre Lavigne, ainda em funciona mento e com várias filiais ao redor do mundo. Já no século XX, Paris continua a ser refe- rência no mundo da moda e lança novos nomes, novos conceitos e novas realida- des para esse universo. Apenas cem anos e tantas referências... Por isso, se houver a ausência de alguma informação não foi por esquecimento, mas pelo pouco espaço de que disponho para tantas informações. O século na moda começa com o francês Paul Poiret que, antes mesmo do início da Primeira Guerra Mundial, já havia suge- rido que a mulher não ficasse mais espar- tilhada em rígidas estruturas para criar finas cinturas. Foi esse mesmo criador que lançou, em 1911, o primeiro perfume associado a uma casa de costura, e que re- cebeu o nome de sua filha, Rosine. A per- fumaria, juntamente com a cosmética de um modo geral, é um outro item que não pode ser excluído do universo da moda ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) francesa. Ela é tão importante como identidade e economia que se tornou referência para as casas de alta-costura, sendo um produto indispensável para a sobrevivência das casas de moda e um significativo gerador de divisas para o país. Gabrielle Coco Chanel, outra francesa, com toda a sua genialidade revelada em roupas prá- ticas e funcionais associadas a um ex- tremo bom gosto, tornou-se o grande nome referência de toda a moda do século XX. Mais do que moda, Chanel nos deixou comoherança um estilo de vida: o corte de cabelo; o estilo de bolsa; o comprimento da saia e/ou vestido; o sapato bicolor com calcanhar à mostra; o colar de pérolas e as correntes douradas imitando péro- las verdadeiras e o ouro; o debrum; os botões dourados e, entre outras coisas mais, o grande coringa da moda que é “la petite robe noire”, ou seja, “o pretinho”, agora denominado “pretinho básico”, que pode ser usado em diversas circunstâncias, do velório à festa. Por falar em adornos, vale lembrar a importância da joalheria francesa na história do setor e alguns nomes de significativa importância para esta área, como Cartier, Boucheron e Lalique, entre inúmeros outros. Cristian Dior reinventou a feminili- dade, pós Segunda Guerra Mundial, com o seu “New Look” que se tornou o grande padrão estético feminino dos anos 1950, afunilando a cintura da mu- lher, além das saias rodadas usadas com sapato de salto alto e bico fino. André Courrèges, por volta de 1961, criou a “silhueta curta” com seus vesti- dos e saias em tecidos muito inovadores para a época. Ele ditou, e as mulheres do mundo ocidental adotaram as coxas à mostra. Yves Saint-Laurent, argelino de nas- cimento, tornou-se um patrimônio cultural francês,com seu talento incom- parável, ao se estabelecer em Paris. No início de sua carreira, substituiu Dior ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) em sua maison quando este faleceu, em 1957. Depois, abriu negócio próprio. Hoje (início do século XXI), ao deixar o seleto grupo de criadores da alta-cos- tura, Saint-Laurent presenteia Paris e o mundo com sua fundação cultural, deixando-nos um patrimônio cultural de moda de inquestionável valor. Nos anos 1980, dois grandes nomes franceses tornaram-se referência mun- dial de moda. Christian Lacroix, com sua excentricidade na alta-costura e Je- an-Paul Gaultier, com seu bom humor e miscelânea cultural no prêt-à-porter. Ambos fizeram escola e deixaram suas assinaturas na História da Moda fran- cesa e, por extensão, na História da Moda universal. Por falar em prêt-à-por- ter, essa dinâmica desenvolvida pelos norte-americanos nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, foi assimilada e difundida pelos franceses. Ini- cialmente, era denominada de prêt-à-être-porté e, posteriormente, prêt-à- -porter. O mundo inteiro conhece o conceito e a expressão na língua gálica. Ainda nos anos 1980, os criadores de moda japoneses anteriormente já esta- belecidos em Paris, difundem suas propostas em passarelas parisienses e são assimilados como grandes talentos pelo mundo. Chantal Thomas também teve sua importância na moda daquele decênio ao propor o uso da roupa de baixo como roupa propriamente dita. Nume- rosos outros criadores de todo o mundo (até mesmo os franceses Gaultier e Lacroix) fizeram uso dessa referência para trazerem suas criações para a contemporaneidade. O fim do século XX trouxe o conceito de globalização, e o mundo tornou- -se, de fato, aquela prevista “aldeia global”. Outros países, com suas res- pectivas criações, também já haviam se projetado internacionalmente na moda, porém, nomes de diversas nacionalidades ainda precisam do crivo das passarelas parisienses para terem reconhecimento internacional. Esses profissionais (desde as últimas décadas do século XX e ainda neste início de século XXI) muitas vezes tornaram-se nomes respeitáveis no mundo da moda, obviamente pelos seus talentos, porém associados a um nome de tradição francesa. Por ainda trabalharem em Paris ou por já tê-lo feito, eis alguns exemplos: o alemão Karl Lagerfeld, para a a Casa Chanel; os ingle- ses Alexander McQueen, para a casa Givenchy e John Galliano, para a casa Dior; os brasileiro Ocimar Versolato, para a casa Lanvin e Inácio Ribeiro (leia-se Clements Ribeiro), para a casa Cacharel e o norte-americano Marc Jacobs, para a Louis Vuitton, entre outros. Associar tradição à modernidade é uma grande competência da moda francesa e, como significativo exemplo, temos os maravilhosos e incompa- ráveis bordados franceses, usados desde longa data na moda e ainda hoje presentes não só na alta-costura como na moda em geral. Como exemplo, podemos citar a Casa Lésage, estabelecida em Paris, e que há muito tem- po é a principal executora de bordados manuais para a alta-costura. Como divulgação de moda, não podemos esquecer da grande imprensa francesa especializada, dos grandes fotógrafos que congelaram a Histó- ria em seus olhares e cliques e, também, dos grandes museus france- ses de moda, principalmente os de Paris. Nesse caso, cito dois como ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) referência: o Palais Galliera e o Museu de Artes Decorativas do Louvre, que sempre se oxige- nam em geniais exposições de moda, contribuindo para a grande difusão do setor de moda em diversas camadas sociais. Hoje, neste novo século e também novo milênio, Paris continua a ser o epicentro mundial, lançador e divulgador de moda. Ser credibilizado no setor pelo crivo francês é sinônimo de prestígio e reconhecimentos internacionais. França, capital Paris. Moda, capital Paris. Requinte, capital Paris. Sofisticação, capital Paris. Luxo, capital Paris. Tradição, capital Paris. Ir a Paris é, verdadeiramente, passar por uma expe- riência estética. Causa prazer. Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. III. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006. ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) Aula 2 Treze de Junho é o dia de Santo Antônio, este que se tornou o santo casamenteiro na devoção popular portuguesa e que migrou para o restante do mundo, espe- cialmente para a colônia lusitana de além mar, denominada Brasil. Data esta na qual se comemora sua morte; é o período do solstício do hemisfério Norte, fortemente ligado aos rituais de fecundidade; é o santo também que intercede pelas almas do purgatório com a Virgem Maria e o Menino Jesus; protege as casas e as famílias; faz aparecer coisas e animais perdidos; e que tem como atributo maior proteger o amor e o casamento. Eis algumas das razões que o tornaram um dos santos mais populares e devotados da corte celeste e, talvez seja, o santo mais popular do Brasil. Nas tradições populares brasileiras a noite do advogado dos bons casamentos, Santo Antônio, é a noite do dia doze para o dia treze de Junho e é considerada a noite mais fria e mais longa do ano. Talvez aí esteja a explicação para que o dia dos namorados no Brasil seja dia doze de Junho (e não no dia catorze de Fevereiro como o é na Europa e mais tarde nos Estados Unidos: o Valentine’s Day, isto é, o dia de São Valentim). Promessas e simpatias são realizadas para Santo Antônio na noite da véspera do dia 13 de Junho, no intuito de o santo ajudar a encontrar o bem amado. Quando assim acontece, e cul- mina com o casamento, faz-se necessário comemorar e, obviamente, nas grandes celebrações é comum usar uma roupa nova para a festa. Portanto, eis aí a tão celebrada e almejada peça do guardarroupa feminino que se tornou o símbolo da realização de um sonho e a promessa de uma vida nova: o vestido de noiva. Sabemos que o vestido de noiva é um vestido de festa, pois o casamento em si é uma festa de cunho religioso, civil e social. Desta forma, fausto e opulência fazem-se comuns na aparên- cia da noiva. Nem sempre as noivas se casaram como é de costume na atualidade, especialmente comrelação à cor branca. Na realidade, os vestidos das noivas sempre acompanharam a identidade e o gosto vigentes nas roupas de cada período histórico, acrescidos de alguns elementos que vão de fato caracterizá-las como nubentes. Creio que o principal código do vestido de noiva na atualidade seja de fato a cor branca, O vestido de noiva Símbolo de um grande acontecimento, da realização de um sonho e da promessa de uma nova vida. ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) porém, como já disse, nem sempre assim o foi. Na Idade Média era comum casar-se de verme- lho; no período do Barroco, por sua vez, os tecidos para os vestidos de noiva eram comumente ornados de ouro e prata; e vale a pena até mesmo lembrar das noivas que se casavam de preto, tanto em Portugal, quanto numa região do Brasil (as tradicionais e famosas “noivas de preto” do Rio Grande do Sul), especialmente durante o século XIX, sejam por razões econômicas ou por questões de austeridade que a cor negra transmite. O hábito das noivas casarem-se de branco tem aproximadamente 200 anos. No final do século XVIII já são encontrados registros de nubentes casando-se de branco, porém a aceitação maior veio mesmo a partir do início do século XIX. O branco é a cor que está ligada à pureza, à castidade e à inocência, mas também é a cor símbolo da iluminação religiosa; é usada por monarcas, por magos e até mesmo por aqueles que representam o além. O branco está relacionado ao sagrado e vale a pena lembrar que no Egito Antigo os faraós, sua família e os sacerdotes costumavam usar branco (não esqueçamos que o intenso calor no Egito favorece também o uso do branco; mas é louvável também dizer que no Antigo Egito o faraó não era só o governante político, mas também era a própria divin- dade). Na Grécia e na Roma Antigas o hábito de usar o branco para o culto religioso também foi mantido como tradição e, muitas vezes, o branco também tinha a função de passar a ideia de limpeza, pureza e clareza, pois aqueles romanos que se propunham a exercer um cargo público usavam a toga cândida, ou seja, uma toga branca, daí vem a palavra “candidato”. Já as noivas da Antiga Roma casavam-se também de branco, porém eram usados véus cor de laranja, o chamado flammeum, simbolizando a cor do fogo e por extensão a chama do amor eterno. Com o cristianismo, o branco também aparece nas roupas de Cristo, destacando-o en- tre os demais ao emanar luz, e toda uma iconografia das artes, baseada em textos bíblicos, por inúmeras vezes nos mostra Cristo envolto em vestes alvas e luminosas. Percebemos então que o branco nos passa a ideia de iluminação, clareza, pureza, alvura entre outras sensações, mas também nos passa a ideia de inocência e higiene; e o próprio filósofo francês Jean-Jacques Rousseau sugeriu em 1762, num tratado dedicado à educação das crian- ças, que estas deveriam deixar de ser miniaturas dos adultos e terem roupas mais adequadas à sua idade, e também sugeria o branco para as roupas como símbolo de inocência, que está associado à ideia de pureza e virgindade. A descoberta arqueológica das ruínas de Herculano e Pompeia no final do século XVIII ajudou a consolidar o gosto pelo retorno aos valores clássicos que, na realidade, já estavam presentes de maneira incipiente também no final deste mesmo século. Isso só veio firmar os valores do passado Clássico, agora denominado de Neoclássico, que se tornaram grande voga e que na indumentária culminará com a moda Império no início do século XIX, que muito vai resgatar e privilegiar tais refe- rências greco-romanas. Por influência desse classicismo presente no gosto de então, Joséphine e Napoleão vestem-se de branco e, obvia- mente, de ouro para a cerimônia de coroação imperial. Joséphine por sua vez continua a preferir o branco como cor de suas roupas para o dia a dia. Logicamente as classes sociais mais privilegiadas, como a aristocracia e a alta burguesia, também começam a usar o branco e o ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) amarelo como cores preferidas. Vale lembrar que as outras cabeças coroadas europeias também imitam os monarcas franceses. Todas essas referências só vieram consolidar o branco para as roupas de festa e, como já foi dito anteriormente, vestido de noiva é vestido de festa. Assim a história explica a preferência do branco para os trajes das noivas. Logo em seguida, com a chegada dos ideias românticos que se sobrepõem aos neoclássicos, o branco verdadeiramente se consolida mais e mais como cor ideal para os vestidos de noiva. Ao imitar a nobreza, a aristocracia e a burguesia legitimam esse comportamen- to social. Vale lembrar que era comum as moças se casarem muito cedo e o branco usado nos vestidos também é para evidenciar cas- tidade, pureza e inocência. Não podemos deixar de destacar toda uma influência do branco advinda da tradição religiosa cristã, seja ela católica, ortodoxa ou protestante. Desta forma, o branco que cobre o corpo das noivas está assim associado também ao divi- no: as deusas clássicas assim se vestiam e suas esculturas em branco ou rosados mármores estão em voga no sé- culo XIX influenciado a indumentária e, obviamente, também associado à pureza, castidade, virgindade e inocência que são fundamentais a uma donzela oito- centista. A própria rainha Vitória, da Inglaterra, casa- -se com o príncipe Alberto em 1840 e usa um vestido com essas características, o que ajudou a firmar o há- bito da cor branca para o vestido de núpcias e assim se consolida cada vez mais este valor na mentalidade vitoriana. A realeza assim determina o uso do branco e com isso favorece a aceitação popular deste hábito que logo se torna tradição, até mesmo em outras ca- beças coroadas europeias, como foi o caso de Eugênia de Montijo que se casa com o imperador Napoleão III, em 1853, na França, usando as mesmas características visuais; e Sissi que se casa com o Imperador Francisco José, em 1854, na Áustria. A essas circunstâncias sociais juntam-se outras de caráter eminentemente religioso, que foram as aparições de Nossa Senhora no século XIX. Em 1830 a Virgem aparece à Catarina de Labouré pedindo para que houvesse a difusão da Medalha Milagrosa e, em 25 de Março de 1858, a Virgem no- vamente aparece, agora à Bernadete, em Lourdes, na França; e os relatos costumavam dizer a respeito da “Virgem vestida de branco”. Entre as duas aparições de Nossa Senhora, o Papa Pio IX decretou em 8 de Dezembro de 1854 o dogma da Imaculada Conceição. O aspecto da tradi- ção religiosa cristã católica só veio somar contribuições à consolidação das noivas se vestirem de branco. ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) Assim, firmou-se um hábito na indumentária feminina de casamen- to e que se tornou uma prática mantida ao longo dos séculos XIX, XX e ainda nesse início do século XXI. Com relação aos volumes dos vestidos de noiva ao longo destes 200 e poucos anos, esses foram acompanhando os valores es- téticos da moda de cada época, sendo inclusive de fácil iden- tificação o período do casamento somente pela observação das imagens. Não há dúvida deque com a popularização do cinema no século XX algumas coisas mudaram e no- vas realidades foram introduzidas na cerimônia nupcial, inclusive o beijo no altar, que se tornou popular após o casamento de Grace Kelly, em 1953. Nos anos 1920, os vestidos de noiva também tinham cintura baixa e as barras se encurtaram por influência da moda do dia a dia neste período; nos anos 1930, acompanharam o alongamento das saias e cortados em viés em magníficos cetins; nos anos 1940, tornaram-se mais discretos e econômicos conforme o que o período da guerra exigia; nos anos 1950, as cinturas afunilaram- -se e as saias ficaram excessivamente rodadas, privile- giando o romantismo; nos anos 1960, novos materiais e novas proporções acompanharam o gosto da década; nos anos 1970, já são mais transgressores e até mesmo substituídos por calças compridas ou macacões (reflexo da moda unissex); nos anos 1980, o tailleur entra em voga principalmente para as mulheres mais maduras. E no fim do século XX, ou seja, nos anos 1990 e nesse início de século XXI, como reflexo de uma estética que valoriza diversas pos- sibilidades, parece que qualquer tipo de vestido para as noivas é válido. Não há uma identidade específica que determina uma padronização no visual dos vestidos de casamento. Desta forma vale o longo e o curto, o mais simples e o mais rebuscado, o mais volumoso e o mais sequinho e, muitas vezes, até mesmo baseado em épocas passadas e fundamentando-se no conceito das releituras históri- cas. O ponto comum a toda essa diversidade é ainda a cor branca. Contudo, como se não bastasse o vestido ser elaborado em tecidos mais re- finados, ainda há a complementação visual com rendas, bordados e flores. Juntamente ao vestido aparecem outros componentes fundamentais ao entorno da indumentária da noiva, que são essenciais ao rito da cerimônia e que também têm suas respectivas histórias. São eles a grinalda, o véu, o bouquet e a aliança. A grinalda, ou seja, a coroa de flores, está associada aos costumes de tradições pagãs e relacionam-se às festas da primavera que estão associadas aos novos ciclos de vida. São ma- neiras de louvor pela vida que se reinicia a cada ano, visivelmente demonstrada pelos ciclos da natureza e também associadas às promessas de boas colheitas advindas com a energia da pró- ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) pria natureza. Entre outras flores para as grinaldas, a que se destaca na Roma Antiga é a da laranjeira, que simboliza a perpetuidade do casamento. Apesar de usada desde longa data, a grinalda é cristianizada e passa a ser mais difundida a partir do período Napoleônico. Em alguns momentos ou culturas, essas coroas de flores podem ser substituídas por coroas propriamente ditas, como é no caso do rito cristão ortodoxo que inclusive são duas coroas, pois o noivo e a noiva as usam. Com o passar do tempo as coroas de flores não desaparecem, mas também podem ser substituídas por tiaras ou diademas, que podem ser colocadas tanto no alto da cabeça como também mais próximo à testa. O véu também vem de longa data e desde a Roma Antiga já é usado, como já foi dito a respeito do flammeum. O véu tem o caráter de evocação à donzela e normalmente é elaborado em tecido transparente, que ao mesmo tempo vela e revela a noiva. O véu simboliza a pureza, pois escon- de o cabelo, que é sedoso, sedutor e intimista e ao usá-lo é como se a noiva dissesse um não à vida profana. Na tradi- ção católica o homem ao entrar na igreja deve descobrir a cabeça retirando o seu chapéu em sinal de respeito, e a mu- lher também como respeito, ao contrário, deve cobri-la co- locando o véu. Como a noiva vai à igreja para a cerimônia religiosa, sua cabeça de fato deve estar coberta; e quando o noivo descobre a sua face ou a sua testa tirando-lhe o véu publicamente, significa que em breve, na intimidade, o véu da castidade também será tirado. Ao longo dos tempos os véus tornaram-se maiores ou menores que o próprio com- primento do vestido e, em tempos mais contemporâneos, muitas vezes inexiste. Segundo uma conclusão popular, é dito que o tamanho do véu da noiva é proporcional à sua virtude moral da castidade. O bouquet, por sua vez, que é composto por um ramo de flores, veio especialmente da tradição francesa. Talvez a flor mais usada seja a rosa, pois seu formato é circular e concêntrico e nos remete ao Sol, à sua energia vital e à sua perfeição; por isso corresponde à flor do amor. A lingua- gem das flores tornou-se uma constante durante o século XIX e com isso as rosas brancas simbolizam a inocência, as amarelas, o amor e as vermelhas, a paixão. Todavia, o bouquet nem sempre foi usado na ceri- mônia matrimonial. Ao longo dos tempos muitas noivas casaram-se tendo em suas mãos terços ou livros de oração, e, algumas, até mesmo o leque. É a partir do início do sé- culo XX que o bouquet se populariza e até mesmo outras ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) flores substituem as rosas. A posição ideal para carregar o bouquet é na altura do ventre, uma vez que assim como a flor antecede ao fruto, o bouquet carregado à frente do ventre simboliza que ali será gerado o fruto daquela relação conjugal. O uso de um anel, de um modo geral, simboliza a obediência. Entre os noivos significa além de obediência também aceitação, respeito, comprometimento, fidelidade e ajuda recí- proca. O ato de colocar o anel é a simbologia de promessa e entrega mútua, representando um dom ou mesmo um tesouro. Antigamente era a família do rapaz que oferecia à moça o anel de noivado (que podia até mesmo ser uma joia de família) como sinal de aceitação da noiva pela família do noivo. Atualmente, o anel ou aliança de noivado é oferecido pelo próprio noivo à sua amada e futura esposa. É representado pela aliança, a qual é o símbolo que permanece visível, mesmo após a cerimônia, como código de pertencimento a alguém e denunciador de compro- metimento a uma outra pessoa. No noivado, a aliança é usada no dedo anular da mão direita e durante a cerimônia de casamento, após a benção das alianças pelo sacerdote, os noivos passam a usar a aliança também no dedo anular, porém da mão esquerda como sinônimo de compro- misso matrimonial, pois os antigos acreditavam ter uma veia que ia deste dedo direto para o coração... e “o que Deus uniu o homem não separe”. Se outras joias fazem parte do cerimonial de noivado e/ou casamento, normalmente elas são em ouro; e se têm pedras preciosas costumam ser diamantes, pois devido às suas caracte- rísticas de resistência, durabilidade, dureza, brilho e luminosidade, representam o amor eterno e sua indissolubilidade, selando um rito de passagem presente e importante na vida dos seres humanos. A grinalda, o véu, o bouquet, a aliança e, especialmente o vestido, compõem o conjunto da aparência daquele dia que talvez seja o principal e mais feliz da vida de muitas mulheres. As partes compõem o todo, mas não há dúvida de que para o mundo das mesmas aparências, o vestido é peça de maior atenção e maior importância não só para a noiva, mas assim como para a expectativa do noivo e para todos os outros convidados, pois é nele que está depositado todo o impacto da cerimônia. O vestido de noiva representa uma espécie de promessa da felicidade eterna neste mundo. Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. IV. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006. ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃOCOMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) A industrialização da moda Breves referências do processo de industrialização e consequentes mudanças na forma de produção da moda. Aula 3 O trabalho, em qualquer área de atuação, é uma ação humana com capacidade transformadora em função das próprias necessidades humanas e de acordo com o contexto de uma determinada época. Sendo assim, ao longo dos tempos, o ser humano foi descobrindo maneiras de produção que lhe satisfaziam e, por meio do pensar, do sentir e do agir, essas maneiras se tornaram mutáveis, adaptando-se sempre à sua realidade. O trabalho em sim, por sua vez, envolve a capacidade técnica, é uma forma de libertação, auto superação e dignidade da condição humana. Dessa forma a his- tória, como um rio que flui, percorre seu caminho. E o trabalho, também no seu desenrolar, conta a sua própria história evoluindo com o tempo, do manual e prati- camente exclusivo, para o industrial e produzido em série, criando uma sociedade totalmente envolvida com o consumo de bens materiais. No que diz respeito ao hábito de cobrir o corpo, o ser humano também sempre encontrou soluções que lhe satisfizeram, fossem elas técnicas ou estéticas, vigentes em uma determinada sociedade. Numa visão histórica da produção, pode-se começar mesmo na Pré-Histó- ria, quando foi inventado o tear. Desnecessário dizer que é tremendamente rudi- mentar e primitivo comparado com qualquer outro, através dos tempos, todavia, necessário para que fosse dado um primeiro passo. Na Idade Média, sem que se possa ainda usar o termo “industrialização”, o ser humano produziu têxteis de forma manual e limitava-se a comercializá-los para a elaboração, também manual, das roupas. Cabia, especialmente aos alfaiates, a pro- dução dessas roupas, fosse para o dia a dia, para os uniformes, ou aquelas mais sofisticadas para os mais favorecidos materialmente. Até o século XVIII, essa era a forma de produção: manual. Ainda no século XVIII, exatamente em 1767, é que foi permitido às mulheres traba- lharem integralmente na elaboração de uma toilette feminina, cabendo as masculinas, ainda, aos alfaiates. É lógico que, para a elaboração de roupas, houve necessidade de outros recursos que favoreceram o seu próprio desenvolvimento através dos tempos. A agulha, por exemplo, surgiu ainda na Pré-História; pri- meiro de osso, depois de metal. A tesoura, por sua vez, apareceu por volta de 700 a.C. na Grécia. A agulha de aço surgiu na Alemanha já no século XIV; a máquina de tricotar, na Inglaterra no século XVI; ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) a prensa de cobre para a estamparia, na França, no século XVIII. Também na França, um cava- lheiro chamado Joseph-Marie Jacquard, no fim do mesmo século XVIII, inventou uma máqui- na que, posteriormente (início do século XIX), foi aperfeiçoada para simplificar a fabricação de tecidos com padronagens ornamentais. A máquina e o tecido, por ele elaborados, receberam seu próprio nome: Jacquard. A máquina de costura, essa sim de fato revolucionou o processo de industrialização das roupas. Vale a pena lembrar que a Revolução Industrial já vinha caminhando desde a segunda metade do século XVIII e atingiu seu apogeu em meados do século XIX. A máquina de costura tem a sua própria história e importância. Lembremos que as primeiras delas funcionavam com o uso de manivelas e pedais. Em 1790, Thomas Saint patenteia uma máquina de costura própria para a elaboração de trabalhos em couro. Em 1814, o austríaco Joseph Maderspeger cria a considerada primeira máquina com duas agulhas com orifício na ponta, usada para a confecção de chapéus. Em 1818, John Adams Dodge e John Knowles projetaram e construíram a primeira máquina de costura nos Estados Unidos, entretanto, não foi, patenteada. Só em 1829, na França, surgiu a primeira patente de máquina de costura, com o alfaiate Barthélemy Thimonnier que, em 1841, teve toda a sua oficina destruída por seus funcionários. Na sequência, aperfeiçoou seu invento e conseguiu duas novas patentes de máquina de costura, contudo, essas não foram reconhecidas, nem no Reino Unido, nem nos Estados Unidos. E a História atribuiu a invenção da máquina de costura ao norte-americano Elias Howe que, em 1846, patenteou sua máquina que, na reali- dade, foi considerada a única com o primeiro mecanismo prático para seu uso. No que diz respeito à disputa comercial, o primeiro a incomodar Howe foi um outro norte-americano de nome Isaac Merrit Singer, que obteve sua patente em 1851. Apresentou seu invento em Paris, na Exposição Universal, na década de 1850, e encantou a todos, especialmen- te o governo francês, que a adquiriu para a produção de uniformes para os soldados franceses. Foi também a Cia. Singer, em 1889, que adaptou um motor elétrico às máquinas de costura. Duas outras grandes invenções vieram da França e muito contri- buíram para a industrialização do vestuário. Foram elas: a fita métrica (1847) e o busto-manequim (1849), ambos inventados por Alexis Guerre Lavigne que, em 1841, fundou, também em Paris, a escola para costureiras “Guerre-Lavigne”, que é a mais antiga escola para o setor do vestuário, ainda em plena atividade. Em 1947, essa mesma escola mudou de nome, tornan- do-se a ESMOD. Essa não foi a primeira, mas a segunda “escola de moda” do mundo, uma vez que o Duque de La Rochefoucauld fundou, em 1780, também na França, uma escola para alfaiates e sapateiros. Com as máquinas de costura, surgiram as primeiras confecções de roupas em série, que produziam uniformes e roupas de trabalho. Vale a pena ressaltar que a nobreza e a burguesia se vestiam, especialmente, com a alta-costura, surgida na França com o inglês Charles Frederick Worth, na década de 1850. A maneira de produção em série, para o vestuário propriamente dito, destinava-se à população menos favorecida, em termos econômicos. Ainda se tratando do século XIX, outros fatores contribuíram para a produção industrial do vestuário e sua divulgação. Foram eles: o surgimento da primeira ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) loja de departamentos, em 1824, na França, com o nome de “La Belle Jardinière”, com Pierre Parissot; e a comercialização de modelos prontos (só que em um único tamanho), a partir de 1850, também na França, com Madame Roger; e com o próprio Worth que, em 1868, na França novamente, apresentou modelos confeccionados em diversos tamanhos. A França dominava o cenário de moda e, também, o da industrialização. Já no século XX, em 1907, o industrial têxtil francês Marcel Boussac abriu a primeira tecelagem com o cará- ter de produção industrial. Ele, por sua vez, com sua visão comercial, em 1918, com o término da I Guerra Mundial, comprou grande quantidade de tecido de algodão, chamado toile d’avion (tela de avião) para a fabricação em série de pijamas, camisas e capas de chuvas. Esse material era antes utilizado para o fabrico de paraquedas e, também, para forrar internamente os aviões de madeira, antes dos norte-americanos os aperfeiçoarem e fabricá-los em metal. Obviamente que as duas Grandes Guerras (1914-1918 e 1939-1945) influenciaram o de- senvolvimento da industrialização do vestuário. Terminada a II Guerra Mundial, a partir dos anos 1950, a Europa de fato deu um grande passo no aperfeiçoamento industrial do vestuário. Não só a França, mas também a Itália e a Inglaterra. E logo a Europa viria a “bater de frente” com a sua grade pedra no sapato: os Estados Unidos da América do Norte. Depois da II Guerra Mundial, a alta-costura retomousua posição de prestígio e de di- fusora de moda, todavia, os norte-americanos já produziam maravilhosamente bem roupas de qualidade e estilo, em série. Era a invenção do ready to wear, que os franceses assimilaram e transformaram no “prêt-à-porter”. Foi uma espécie de democratização da moda, que muito contribuiu para o desenvolvimento da indústria do vestuário. Foi somente a partir dos anos 1960, porém, que o prêt-à-porter foi verdadeiramente difundido e incorporado pelo consumo de massa. A imprensa teve um grande papel nessa difusão da roupa produzida em série, a revista Elle, criada por Hélène Lazareff no pós-II Guerra Mundial (nos moldes da revista americana Harper’s Bazaar), fez a primeira reportagem sobre o prêt-à-porter, em 1952, intitulada “Você gostaria de encontrar vestidos prontos para vestir?”. No mesmo ano, a Vogue francesa lançou uma edição sobre o mesmo assunto com a seguinte frase: “Tudo pronto para usar”. Alguns outros fatos contribuíram para a difusão da industrialização da moda na segun- da metade do século XX: A abertura da “Casa Dior”, nos EUA, em 1948, com o prêt-à-porter de luxo e, em 1949, com os primeiros contratos para a industrialização de meias e gravatas com o nome Dior. O surgimento, na França, em 1953, da marca Chloé que é, até hoje, a mais conheci- da e prestigiada marca de moda industrializada. A definição das épocas de lançamento do prêt-à-porter em Paris (Fevereiro e Agos- to),em 1955, com a revista francesa Jardins de Mode. A criação do “I Salão de Moda Feminina”, em Porte de Versailles, com o “Salão do Prêt-à-Porter”, em 1963. ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) Nos anos 1980 e 90, com toda a dinâmica da globalização, quando tudo também acaba influenciando a moda, horizontes abriram-se para o Oriente com os denominados “tigres asi- áticos”, não só com seus criadores de moda, mas especialmente, com suas avançadíssimas tec- nologias têxteis de última geração, vindas predominantemente do Japão, Coreia e, também, da China, democratizando a moda nos quatro cantos do mundo com seus produtos de qualidade, em grande quantidade e a preços muito acessíveis. Sem falar na informática associada à moda, que facilita em técnica e produção, por ex- tensão, a comercialização de grandes volumes de têxteis e confeccionados. É o ser humano, afinal, que continua se adaptando, se reinventando e trabalhando em função das circunstâncias que o atingem. Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. II. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005. A criação da primeira consultoria em estilo para a indústria, em 1965, com Fran- çoise Vincent-Ricard, com o surgimento do Bureau de Style “Promostyl”. Os novos criadores de moda, a partir do fim dos anos 1960 e início dos anos 70, chamados de “estilistas” e não mais “costureiros”, valorizando e popularizando a moda por intermédio da influência de rua. É lógico que o avanço tecnológico das indústrias têxtil e de confecção contribuíram também consideravelmente para isso tudo. Em meados dos anos 1970, também foi criada a “Première Vision”, ainda hoje a principal feira de lançamentos têxteis do mundo, realizada duas vezes por ano, em Paris. ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) A herança do século XX “Tudo passa, tudo quebra, tudo cansa”, dizem os franceses. Este foi um século mutante em cultura, modos e moda. Moda vem de modus que, em latim, significa modo, manei- ra. Todavia o termo moda é muito mais abrangente do que só se referir às roupas. Há moda em arquitetura, decoração, lugares a serem frequentados, ritmos musicais, design de objetos, tendência literária etc. Moda, porém, no que diz respeito ao hábito de cobrir o corpo com determinadas características visuais, é de fato uma maneira de ser, um modo de se vestir dentro do padrão vigente. Nem sempre houve, na História humana, o conceito de moda. O termo moda surgiu no final da Idade Média, princípio da Idade Moderna, devido a certas circunstâncias e com algumas características peculiares tais como: ser, de fato, um diferenciador social, um diferenciador de sexo (uma vez que homens e mulheres vestiam-se com aparências muito semelhantes até então), como fa- tor resultante da busca da individualidade (pela transição de uma Idade Média de aspectos coletivos e anônimos para um Renasci- mento que privilegiava os valores individuais) e, principalmente, com o caráter de sazonalidade, ou seja, um certo período de dura- ção para as ideias em vigência. O aspecto de mudança não era dos mais representativos nas roupas antes do surgimento do conceito de moda. Roupas, independente de moda, sempre foram, são e serão diferenciadores e denunciadores das camadas da sociedade à qual o portador pertence, verdadeiras estratificadoras sociais, seja pela cor, tecido corte, volume, forma, técnica etc. Contudo, o tempo de durabilidade de um determinado padrão, gosto ou exigência já foi bem mais duradouro. No Egito Antigo, por exemplo, ao tempo dos faraós, pouca coisa mudou num período de aproximadamente 3 mil anos. Na Grécia Antiga, os aspectos vestimentares permaneceram quase imutáveis, ou pelo menos mantiveram a mesma essência em quase todo o apogeu da cultura helênica. Na cultura romana, não foi tão diferente, dentro das suas características e assim por diante. Na Alta Idade Média, o mundo ocidental conhecido sofreu grandes necessidades materiais e a função da roupa era quase mes- mo a de cobrir o corpo, sem tantos valores estéticos. Já no final da Baixa Idade Média, princípio do Renascimento, foi que surgiu, na corte de Borgonha (atual parte da França), o conceito de moda, uma vez que os burgueses da época (enriquecidos com o comér- cio) copiavam as roupas dos nobres locais e estes, por sua vez, se incomodavam com isso. Começaram, então, a variar as suas roupas ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) com o objetivo de se diferenciarem daqueles que os imitavam. Ao apa- recerem com o novo, ou pelo menos com a novidade, eram novamente copiados e, então, criavam outras novas identidades. Daí, dessa con- tinuidade criação-cópia-criação, apareceu o aspecto da sazonalidade e, por conseguinte, o conceito de moda, dando-lhe a característica de efemeridade. Assim, de “maneira” e de “modo” é que surgiu “moda”. Se moda, em inglês, é fashion, vale ressaltar que o momento histórico era o da “Guerra dos Cem Anos”, quando França e Inglaterra lutavam e se influenciavam. Assim, da palavra francesa façon (significando exatamente modo, maneira), pela corruptela linguística, originou-se fashion. Moda tornou-se sinônimo de mudança, mutação, incorporando aspectos de contextualização à sua época e a cada identidade cultural. As mudanças continuaram acontecendo, com o passar do tempo; mais rápidas se comparadas com as da Antiguidade histórica, e mais lentas, se comparadas com as de hoje em dia. O século XIX, por exemplo, já trouxe quatro estilos distintos (lógico que com sutis variações dentro de cada um deles, no seu espa- ço de tempo). Percebe-se que o fator “tempo de duração” já foi muito reduzido. Ao fazer a média aritmética de cada identidade da moda oi- tocentista, obtém-se 25 anos para cada estilo, mas, na realidade, uns duraram mais ou menos que outros, sendo, então 25 anos a média. Cronologicamente, o século XIX, como qualquer outro, teve cem anos. Entretanto, conceitualmente, eleé considerado o maior século da his- tória, pois as grandes rupturas que o identificaram por inteiro foram a Revolução Francesa (ainda no século XVIII) e a Primeira Guerra Mundial (já no século XX). Ao chegar no foco deste artigo, no século XX, a partir da década de 1910, a dinâmica da moda ganhou outra ca- racterística de tempo de delimitação, reduzindo o mesmo à forma de decênios para estabelecer identidades específicas de moda. Antes mesmo de falar das grandes transformações ocorridas no último século, justifica-se explorar um pouco o tema em si no que tange aos seus aspectos teóricos. A moda, por ser exatamente moda, traz em si a mesma efeme- ridade e, por extensão, torna-se naturalmente autofágica, ou seja, ela engole a si mesma. É de natureza autodestruidora, precisa se matar para se manter viva, obriga-se a deixar de ser (o atual) para ser de ou- tra maneira (o vindouro), alimenta-se da própria morte, uma vez que uma das características que preenchem o requisito de sê-la é um certo tempo de durabilidade. Dessa forma, se estar na moda é estar no ápice de uma curva elíptica ascendente, isso significa que o único caminho a ser percorri- do daí por diante é a continuidade dessa mesma curva, ou seja, a parte que descende, portanto, tornando-se queda e decadência. A moda, en- ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) tão, acaba pertencendo a um processo autode- generador. Basta estar na moda para não estar mais na moda. Não quero, com isso, destruir essa que nos satisfaz em padrões estéticos, vontades, sonhos e sobrevivência financeira. Uma vez que a moda é dessa natureza, en- tão devemos mesmo ir sempre atrás de novas ideias ou, pelo menos, de alguma novidade para podermos mantê-la viva e para que ela mesma, em sua dinâmica, possa se autodes- truir e se renovar. Na curva parabólica da moda, quan- do há processo crescente, ela está saindo do campo de criação e ainda é estilo, pertencen- do ao grupo de criadores e formadores de opi- nião. No momento em que esse estilo é acei- to, adaptado, diluído, difundido, assimilado e comercializado, ele está na crista dessa curva. Daí, não interessa mais para aqueles que estão numa linha de ponta, os quais vão buscar no- vas ideias para continuarem sempre no estágio ascendente. Na continuidade do mecanismo, depois de difundida, a tendência é só de se es- gotar, popularizando e, de fato, desaparecendo em breve. É lógico que tudo isso se refere a um ponto de vista mais teórico, pois, na prática, sempre há um certo vestígio de uma estação anterior, ainda presente na estação vindoura. Os franceses dizem, com muita propriedade, não só para a moda, mas para tudo na vida que “tout passe, tout casse, tout lasse”. É ver- dade, “tudo passa, tudo quebra, tudo se can- sa”, e na moda isso é gradativo e não abrupto. As exigências do mundo contemporâneo pela busca frenética do novo ou, pelo menos, da novidade são tão significativas que tornam o processo parabólico de criação-apogeu-deca- dência ainda mais rápido, sendo também mui- to bem explorado, divulgado e massificado pelos meios de comunicação que nos trazem tudo com muita rapidez. Se a moda também é sinal de um tem- po ou indicadora de uma época, ela se torna uma identidade e, consequentemente, motivo de estudo e reflexão. Por extensão, podemos considerá-la como cultura. Mudanças exter- nas são sinais denunciadores de mudanças, inicialmente internas. Os novos valores na área da criação sobrepõem-se aos antigos, o que acarreta transformação e que por sua vez, está ligada ao aspecto cultural: novas soluções para novos problemas em novos contextos. No amplo campo da criação, as áreas que mais determinam mudanças rápidas são a música, a moda, as artes em geral e a tecnologia, que modificam o processo cultural com novas am- plitudes de abrangência e novas maneiras de ver. A cultura sempre se desenvolve me- diante estruturas econômicas, sociais, políticas etc., e ela pode se dividida em quatro aspectos a saber: cultura científica, cultura erudita, cul- tura popular e cultura de massa (indústria cul- tural). Se cultura científica é aquela que requer um conhecimento com toda a rigorosa exi- gência da ciência, buscando uma metodologia de pesquisa para chegar às conclusões, a moda aqui se enquadra em determinados aspectos como o da modelagem, que envolve a mate- mática, o desenho geométrico, os cálculos para as bases planas que se transformarão em volumes tridimensionais ou os da matemática financeira para a comercialização do produto e, até mesmo, nos campos antropológico da indumentária e sociológico da moda em si. Sem falar da sua associação com a tecnologia, que é um caminho que leva à ciência, envol- vendo não só a área têxtil, que vive um mo- mento de plena expansão, como, também, a computação com programas específicos para o setor. No que diz respeito à cultura erudita, a moda também tem sinais de pertencimento. Se erudição significa ter conhecimento e ser culto, a moda aí é legitimada ao ter um esti- lo que, muitas vezes, pode estar associado a outras manifestações artísticas como as artes visuais, a arquitetura, a música. Isso nos di- versos momentos históricos que é, também, ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) quando criadores se inspiram e mirabolam modelos altamente intelectualizados, criando novos padrões ou ligando-os a culturas passa- das, com técnicas impecáveis, de subjetivida- des geniais, com sutilezas sofisticadas, unindo erudição-técnica-criatividade. Portanto, a al- ta-costura, o prêt-à-porter de luxo ou mesmo a elaboração de um determinado estilo vincu- lam a moda à cultura erudita. Pode-se dizer que é um estilo propriamente dito. No que tange à cul- tura popular, o nome em si já é muito explicativo ao de- terminar que é tudo aquilo ligado ao povo, aquilo que é aceito ou determinado em seu próprio imaginário ou universo, uma espécie “dele para ele mesmo”. É o que o povo cria ou assimi- la do estilo, transformando em moda e, sendo assim, cultura popular. Além dos trajes folclóricos (indumen- tária) estarem nessa área, a moda em si é a cultura po- pular por excelência, pelo fato de ser a diluição de um determinado estilo, isto é, que o povo gosta, o que tem capacidade de assimilar e vontade de usar. O próprio streetwear é um outro im- portante exemplo de que a moda é cultura popular, por ser da rua e para a rua (e às vezes até para os salões). Já a cultura de mas- sa (indústria cultural) é um aspecto cultural muito complexo e requer muito estudo (in- clusive com linhas distintas de pensamento), por ser um viés da cultura relativamente novo, advindo especialmente do próprio século XX. O que vale ressaltar é que a cultura de massa está ligada ao contexto cultural via produção e consumo numa sociedade industrial e que tem, nos meios de comunicação, um pilar de suma importância para a difusão de ideias, o que vai inevitavelmente acarretar mudanças de comportamento. Falando da ligação da moda com a cul- tura de massa, é provável que o vínculo maior esteja na funcionalidade das roupas (a partir dos anos 1920) e no prêt-à-porter (a partir do seu surgimento oficial na moda, nos anos 1940, e de sua grande di- fusão a partir dos anos 1960). É uma espécie de democratização da moda, em que ela pode ser pro- duzida em grande quanti- dade barateando o produ- to, divulgada por diversos veículos de comunicação, sendo assimilada, acessí- vel e usada por grandes massas. Seria mesmo a difusão total do prêt-à- -porter, criando aquela que, muitas vezes, vai serpejorativamente chama- da de “modinha”. A rou- pa cobrindo o corpo com poucas ou quase nenhu- ma referência de estilo. No cômputo geral, a con- clusão a que se pode che- gar é a de que, de fato, não resta dúvida alguma de que moda seja cultura, por ser uma significati- va expressão de criação. Agora depois de defini- dos alguns conceitos, mecanismos e dinâmicas da moda numa tentativa de explicação super- ficial de tudo aquilo que envolve, seja indu- mentária, estilo, moda, roupa etc., vale a pena entrar nos aspectos históricos propriamente ditos que marcaram o século XX, este que tal- vez tenha tido mais mudanças e inovações do Vestido comum no período pós-guerra (década de 1950), um modelo pret-a-porter ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) que praticamente todos os outros séculos jun- tos em toda a História da humanidade. A abrangência é grande e reunir todos os aspectos num único relato, mesmo sendo numa tese, se tornaria impraticável, uma vez que exigiria uma delimitação, um recorte es- pecífico para o real aprofundamento do estu- do. Contudo, no limite de um artigo, tentarei relatar, de forma linear e cronológica, por ser mais didática, aquilo que foi definidor sobre os novos caminhos da moda nesse mutante século XX. O dito popular torna real ao relatar que “o hábito faz o monge”. Tão expressivo foi, também, o slogan de uma campanha publici- tária de uma conhecida marca nacional ao di- zer que “o mundo trata melhor quem se veste bem”. São duas citações que envolvem roupas e que são grandes verdades de moda. A par- tir de agora, a palavra “moda” implica uma unificação de todos os conceitos teóricos que diferenciam os diversos aspectos do hábito de cobrir o corpo. A moda do século XX continua sendo estratificadora social. Relatada aqui a partir da década de 1910, que coincide com a I Guerra Mundial, talvez esteja mais como unificadora do que como diferenciadora de classes, devido às imposições de guerra. A guerra levou os homens ao campo de batalha e as mulheres os substituíram no cam- po de trabalho. Foi o começo da emancipação feminina. O período que antecede a I Guerra Mundial (La Belle Époque) ainda evidenciava traços de muito luxo e sofisticação à moda. As cinturas, que até então estiveram afuniladas em espartilhos, porém, mesmo antes da guer- ra, o francês Paul Poiret já havia excluído essa peça do guardarroupa feminino, só mesmo com o conflito bélico e a necessidade de traba- lhar, a mulher de fato se libertou das amarras de cadarços e ilhoses que a tolhiam. Isso para a evolução da moda foi muito importante, pois trouxe grandes mudanças. Acompanhando o rastro dessa inovação pela necessidade, as saias também começaram a subir - só até a al- tura das canelas - pelo mesmo motivo de pra- ticidade exigida pela situação. Chanel que, ini- cialmente trabalhava com chapéus, começou a aparecer no setor do vestuário. Já em 1916, elaborou tailleurs de jérsei, isto é, de malha com aspecto sedoso, toque macio e estrutura elástica. Com o término da guerra, a mulher não abandonou o trabalho e, de fato, conse- guiu sua emancipação com a independência financeira. As roupas foram se adaptando aos novos padrões, fossem eles para o trabalho, o esporte e, principalmente, o divertimento. As saias continuaram a encurtar e o estilo andró- gino começou a se fazer presente. O aspecto tubular das roupas surgiu no fim da década de 1910. Estava aí tudo definido para a década se- guinte, que acabou recebendo a alcunha de “os anos loucos”. Os anos 1920 só confirmaram e difun- diram a emancipação da mulher. A alegria de viver era a ordem do dia. As mudanças visu- ais iniciadas na década anterior já estavam es- tabelecidas e evoluídas. As bainhas das saias e dos vestidos chegavam à altura dos joelhos (própria para danças como o charleston e o fo- xtrote). A cintura deslocou-se para o quadril (afirmação da emancipação, escondendo as linhas curvas do corpo feminino juntamente com cintas apertando os quadris e achatado- res para os seios) e o cabelo foi cortado “à ma- neira dos meninos” (à la garçonne). O aspecto era totalmente cilíndrico e os objetivos eram a praticidade, a funcionalidade e a simplicidade das roupas. Tem-se, aqui, um verdadeiro eco dos padrões estéticos das outras manifesta- ções artísticas. As linhas retas do Art Déco sobre- põem-se às formas orgânicas do Art Nouveau. Isso tudo motivado pela facilidade da produ- ção em série, pois criar objetos geometrizados é mais fácil e rápido do que os curvilíneos e torneados. Afinal de contas, com o término da guerra, o retorno da figura masculina para ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29) casa e com o trabalho feminino, a renda fa- miliar foi dobrada e gerou maior consumo, portanto, impulsionou a necessidade de maior produção. As roupas também foram reflexos da escola Bauhaus, que, além da forma, privi- legiava a função. Total funcionalidade e prati- cidade para a moda feminina. Foi nessa década que também começou o hábito de bronzear a pele (o banho de mar, que, no século XIX, era de cunho terapêutico, já nas duas primeiras décadas do século XX ganhou aspectos de lazer, mas bronzear a pele não era de bom tom), pois, com o trabalho do casal era óbvia a necessidade de descanso, o que acontecia no final de semana. Para a exibição de sua condição financeira e so- cial pri- vilegiada nos novos padrões, fazia-se necessário mostrar o prestígio na própria pele, exibindo, no corpo, que você podia ir, nos fins de semana, para o litoral para descansar e tomar banho de mar e de sol. Como grande inovação e mu- dança na década de 1920, tem-se o encurtamento das saias até os joelhos. E isso foi de muita relevância porque era a primeira vez, na história da in- dumentária, que a mulher mostrava as suas pernas, à exceção da Pré-His- tória quando ainda usava tangas. Como é da natureza da moda negar o atual para criar o novo, é normal uma moda privilegiar for- mas e volumes opostos aos vi- gentes para de fato ser bem distinto nos novos aspectos visuais. Assim sendo, os anos 1930 chegaram lançando o comprimento longo. Para o dia, o mi-molet (no meio da panturrilha) e, para a noite, o longo. O cinema, em plena atividade, vai ser o referencial de divulgação dos novos costumes. Hollywood quase tinha mais estre- las do que o firmamento e elas, nas grandes te- las das salas de projeção, causavam delírio em todos. Não há dúvida de que as mulheres aca- bavam copiando aquilo que as divas usavam. Na realidade, a crise era grande, devido à depressão provocada pela queda da Bolsa de Nova York, em 1929, e mal sabiam que a situa- ção iria piorar com a insurreição da II Guerra Mundial, em 1939. Mas o sonho precisava ser mantido e o cinema passava a ideia das mil maravilhas. Nomes femininos na criação da moda europeia, que já estavam estabelecidos, sobrepõem-se aos masculinos e, nessa década, as mu- lheres são mais importantes e inovadoras no pro- cesso criativo do que os homens: Chanel, Madeleine Vionnet, Jeanne Lanvin, Nina Ricci, Madame Grès e Elsa Schiaparelli foram os mais significativos expoentes da moda e do estilo desse período. Em verdadeira oposição à moda dos anos 1920, a dos anos 1930 consumiu muito tecido em cor- tes enviesados que predominaram especialmente para os momentos mais sofisticados. Resgatou-se um certo romantismo e uma certa sen- sualidade perdidos no decênio an- terior. As costas de fora foram um marco inesquecível na moda desse período e o uso das calças estilo pantalona (que Chanel já
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