Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
407.5 – REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA Medicina de Emergência 13ª edição - FMUSP, 2019. INTRODUÇÃO Consciência é definida como perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente ao redor. Inconsciência ou coma é definida como um estado de sono resultante de uma gama diversa de etiologias e patologias. Estados alterados de consciência são comuns na prática clínica e têm uma grande quantidade de etiologias, sendo, portanto, um diagnóstico sindrômico e não etiológico. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA Dois componentes da consciência devem ser analisados: ● Nível (relacionado ao grau de alerta do indivíduo): depende de projeções para todo o córtex oriundas da formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada na porção posterior da transição pontomesencefálica. ● Conteúdo: relaciona-se à função do córtex cerebral, as chamadas funções nervosas superiores, sendo afetado por lesões restritas a essas estruturas. Utilizando-se a tenda do cerebelo como um divisor anatômico, podem-se encontrar alterações de consciência em: ● Coma de causa estrutural (ou encefalopatias focais): o Infratentoriais, que acometem diretamente a FRAA (fig. 2A). o Supratentoriais (fig. 2B). ● Coma por encefalopatias difusas e/ou multifocais (fig. 3). As encefalopatias difusas geralmente são causadas por doenças clínicas, como transtornos metabólicos e intoxicações agudas (exceções possíveis: meningites, múltiplas metástases cerebrais, HSA, HIC). Já nas encefalopatias focais, uma doença intracraniana é encontrada na maior parte das vezes (exceções possíveis: hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica). ABORDAGEM INICIAL 1. ABCD primário e secundário são prioritários. Garantir a patência das vias aéreas, oxigenação adequada e estabilidade hemodinâmica é fundamental. 2. Dosar glicemia imediatamente. 100 mL de glicose a 50% se hipoglicemia (< 60 mg/dL) ou glicemia não reconhecida a tempo + tiamina IV (300 mg) para etilistas pesados. 3. Administrar tiamina mesmo se normoglicêmico quando: etilistas crônicos, desnutridos, dieta parenteral, pós-cirurgia bariátrica, doenças gástricas, vômitos incoercíveis, transtornos alimentares como anorexia nervosa. 4. MOV: monitorização (PA não invasiva, oxímetro, cardioscópio), oxigênio e acesso venoso com coleta de exames laboratoriais; realizar POC na sala de emergência. 5. Considerar administrar naloxona (para opioide) ou flumazenil (para benzodiazepínico), se indício de intoxicação. 6. IOT de rápida sequência se não houver uma causa reversível para o coma (hipoglicemia, intoxicação por opioide, benzodiazepínico, estado pós-ictal). 7. Iniciar medidas clínicas imediatamente se achados de HIC (anisocoria, papiledema, US POC com nervo óptico > 05 mm, etc). 8. Se história compatível com meningite, corticoide e antibiótico imediatos (não esperar TC e punção lombar). 9. Se trauma ou achados clínicos sugestivos de doença vascular ou estrutural, realizar TC imediatamente após a estabilização clínica (intubação, volume, etc) 10.Se crises epilépticas precederam o RNC ou presença de movimentos involuntários (mesmo que sutis), suspeitar de estado de mal epiléptico e considerar prescrição de fenitoína IV. ACHADOS CLÍNICOS Exame inicial SINAIS DE TRAUMA A inspeção do crânio pode mostrar sinais de fratura da base de crânio, que podem incluir: ● Equimose periorbital ● Edema e descolamento da mastoide atrás da orelha ● Hemotímpano ● Perda de LCR pelo nariz ou ouvido. Esse tipo de rinorreia pode ser confirmado pela presença de beta-2 transferrina. ● Palpação de crânio mostrando tecidos edemaciados ou depressão do crânio por fraturas. PRESSÃO ARTERIAL Pode estar normal, baixa ou alta. Pode haver dúvida se a PA elevada é causa (como em encefalopatia hipertensiva) ou consequência (como na HIC) do coma. TEMPERATURA ● Coma com hipotermia: intoxicações agudas (etanol, drogas sedativas, hipoglicemia, encefalopatia hepática e mixedema). ● Coma com hipertermia: infecções, estado epiléptico, hipertermia maligna, intermação (heat stroke), hemorragia pontina, lesões hipotalâmicas e intoxicações agudas (anticolinérgicos). Exame neurológico/abordagem inicial No estado de coma, o paciente não pode ser despertado, sendo completamente inconsciente e insensível aos estímulos externos, com a exceção de respostas oculares motoras como abertura ocular ou retirada do membro com estímulos dolorosos. Em pacientes inconscientes e arresponsivos deve-se realizar a medida de glicemia capilar e a correção de possível hipoglicemia como primeiras medidas obrigatórias. Coletar informações com familiares, testemunhas, paramédicos ou outros profissionais que participaram do atendimento inicial. Questionar sintomas recentes, históricos de doenças, cirurgia ou tratamentos recentes e históricos de medicamentos. São passos no atendimento desses pacientes: 1. Determinar irresponsividade Se o paciente está de olhos fechados, determinar se há ou não responsividade a estímulos ambientais. Uma abordagem para avaliar as respostas inclui os seguintes passos: ● Avaliação de resposta com estímulo verbal com perguntas diretas (“você pode me ouvir?” ou “você está bem?”). ● Avaliação de resposta com estímulo tátil em mãos ou face. ● Avaliação de resposta de estímulos dolorosos que não causem dano (pressão em leito ungueal, esterno). 2. Utilizar instrumentos para determinar o nível de consciência O instrumento mais utilizado é a escala de coma de Glasgow (ECG). Antes, verificar se não existem fatores limitantes à aplicação, como surdez e intubação por exemplo. Pontuar sempre o valor máximo obtido pelo paciente. 3. Resposta motora Importante distinguir respostas reflexas (retirada, flexão ou extensão em resposta) de ato motor voluntário. Pode-se avaliar com: ● Observação da movimentação espontânea do paciente ● Pesquisa de reflexos com atenção à sua presença, simetria e se existem sinais patológicos como o de Babinski ● Pesquisa do tônus muscular pela movimentação passiva, com atenção a hipertonia, hipotonia e paratonia. ● Observação dos movimentos apresentados pelo paciente à estimulação dolorosa ● Caracterizar alguns padrões motores localizatórios: o Hemiparesia dimidiada com comprometimento facial ipsilateral: lesão acima da ponte contralateral. o Decorticação: sugere lesão ou disfunção supratentorial extensa. o Descerebração: sugere lesão ou disfunção de tronco cerebral ou até diencéfalo. o Ausência de resposta motora: sugere lesão periférica, pontina ou bulbar. 4. Avaliação de pupilas e de fundo de olho A fundoscopia pode revelar achados diagnósticos, como papiledema, em pacientes com crise hipertensiva e síndrome de encefalopatia posterior reversível. Alterações pupilares podem sugerir a etiologia da alteração do nível de consciência: ● Pupilas puntiformes (< 02 mm): intoxicação por opioide ou lesão pontina. ● Pupilas médio-fixas (04-06 mm) que não respondem à luz: lesão de mesencéfalo. ● Pupilas midriáticas (> 08 mm): intoxicação por anfetaminas ou cocaína ou acometimento do nervo oculomotor (NC III) ● Pupila fixa unilateral: lesão do nervo oculomotor. 5. Padrão respiratório Pouco informativo em relação à etiologia da alteração do nível de consciência. As seguintes anormalidades podem ser úteis: ● Respiração Cheyne-Stokes ● Respiração atáxica (Biot): grupos de inspirações seguidas de períodos regulares, irregulares ou apneia; indica lesão em regiões inferiores, como o bulbo. ● Hiperventilação neurogênica central: padrão de respiração profunda e rápida, de pelo menos 25 irpm; indica lesão em ponte ou mesencéfalo. 6. Avaliação de nervos cranianos e musculatura ocular extrínseca Manobra oculocefálica Nos pacientes inconscientes, examinar a motricidade ocular extrínseca pela manobra dos olhos de boneca/reflexo oculocefálico. Se os movimentos estão preservados, a transição pontomesencefálica está provavelmente íntegra. Se há comprometimento dos movimentos, a etiologia provável é lesão estrutural infratentorial (como lesões de tronco). Se a alteração é no olhar horizontal, possível lesãopontina. Se a alteração é no olhar conjugado vertical, provável lesão mesencefálica. Manobra oculovestibular (provas calóricas) Água gelada (50 a 100 mL) é injetada no conduto auditivo externo de um lado e repetido do outro lado após 05 minutos. No indivíduo em coma, com vias intratronco intactas, isso provoca desvio dos olhos para o lado estimulado. Lembrar que só deve ser realizada após otoscopia (excluir lesão timpânica) e que o paciente deve ser colocado com a cabeça 30º acima da horizontal. 7. Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness Score) 8. Manejo do paciente com alteração do nível de consciência Deve ser realizado paralelamente à avaliação diagnóstica, priorizando vias aéreas, respiração e circulação (ABC). História ou suspeita de trauma, imobilizar a coluna vertebral. Considerar intubação em pacientes inconscientes a ponto de não proteger a via aérea, mantê-la pérvia (por queda de língua, por exemplo) ou que têm respiração ineficaz e hipoxemia. ● Aferir a glicemia capilar. Quando não for possível aferir rapidamente, realizar infusão de bolus endovenoso de glicose hipertônica. Em etilistas pesados, precedida por reposição de tiamina (evitar encefalopatia de Wernicke – confusão mental, ataxia e alterações de motricidade ocular, choque e coma). ● Se houver suspeita de HIC, paciente deve ser colocado em posição de 30º. ● Enquanto realiza-se a avaliação ABC, obter acesso intravenoso, oximetria para monitorar a SatO2 e iniciar oxigenoterapia, se indicado. A hipotensão deve ser inicialmente tratada com ressuscitação volêmica, considerando usar suporte vasopressórico ou inotrópico. ● O tratamento específico depende da etiologia do RNC subjacente. Nos casos em que houver suspeita clínica de toxicidade, utilizar antídotos específicos: o Intoxicação por opioides: naloxone IV (0,4 e 02 mg). o Intoxicação por benzodiazepínicos: flumazenil (contraindicado em pacientes com histórico de convulsões). Exames complementares 1) Exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas ou sistêmicas: hemograma, eletrólitos, gasometria arterial, função renal, função e enzimas hepáticas, glicemia, coagulograma, exame de urina e ECG. Podem ser necessários: hemocultura, exames toxicológicos, dosagem de anticonvulsivantes em epilépticos, dosagem de hormônios tireoidianos, hormônios adrenais, etc. Em dois terços dos casos, a etiologia é tóxico-metabólica-infecciosa, causando uma encefalopatia difusa. 2) Pacientes com encefalopatia e dados sugestivos de lesões focais (hemiplegia, paralisia facial ou disartria) devem realizar exame de imagem intracraniano. Com exceção de alguns casos de hipoglicemia, encefalopatia hepática e uremia, o achado de encefalopatia focal se relaciona a causas estruturais. 3) A TC de crânio sem contraste é realizada em todos os casos que a alteração do nível de consciência não é rapidamente identificada por história ou outros dados. Em caso de dúvida, RM de crânio pode ser realizada. 4) Está indicada a realização de punção liquórica (LCR) em persistente dúvida diagnóstica ou inicialmente em pacientes com suspeita de infecção do SNC. Cuidado com a possibilidade de herniação com a punção (se atentar a sinais de hipertensão intracraniana grave). 5) Tem sinal focal? Se não, voltar para causas tóxico-metabólicas Punção liquórica. Tríade clássica encefalopatia de Wernicke
Compartilhar