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11 Metodologias de Leitura de Musica


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METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
1 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR 
Metodologias de Leitura de Musica 
Quem deseja conhecer e entender música provavelmente já quis saber como ler partitura, afinal essa 
é a escrita musical mais completa que existe. Além disso, quando um músico confessa que não sabe 
partitura, geralmente ele acaba perdendo sua reputação, e isso é muito inconveniente. 
O problema é que aprender partitura por meio de livros é muito complicado, pois as explicações que 
aparecem por aí são difíceis de assimilar. Nosso objetivo aqui é acabar com esse problema. É possí-
vel sim aprender partitura, e não é difícil! Vamos explicar tudo agora e mostrar o quanto esse conhe-
cimento vai te acrescentar de benefícios. 
Como ler partitura na prática 
As partituras registram ideias harmônicas, rítmicas e melódicas. Por isso, ao ler esse capítulo, você 
possivelmente recordará do momento em que aprendia o alfabeto. Assim como você decorou o som 
de cada letra, também precisará decorar a maneira como cada nota é representada no papel. Ao 
final, você estará dominando uma nova linguagem! Vamos começar: 
Pauta da partitura 
Pauta é a região onde escrevemos as notas musicais. Essa região é formada por linhas e espaços. 
Cada linha e cada espaço são usados para representar uma nota musical diferente. Na figura abaixo, 
você pode ver as linhas, os espaços e as respectivas notas: 
 
Repare como existem 5 linhas na pauta. É possível também criarmos mais linhas para alcançarmos 
outras oitavas (a primeira nota Dó desse exemplo, bem como a última nota Lá, estão em linhas ex-
tras, também chamadas de “suplementares”). Falaremos dessas linhas extras logo em seguida, por 
enquanto apenas observe que cada linha e espaço são utilizados para representar uma nota diferente 
em sequência. 
Clave de Sol 
Os músicos, ao longo da história, escolheram posições diferentes para as notas nas linhas das pau-
tas. E por isso foram inventadas as claves, símbolos que serviriam para sinalizar a nota e a linha de 
referência que se adotava. A clave mais usada para violão, piano e voz é a clave de Sol. 
Ela recebeu esse nome porque informa que a nota que estiver sobre a segunda linha se chamará Sol. 
Note como o próprio desenho da clave começa na 2º linha (indicação em vermelho na figura abaixo). 
Muito bem, agora que você já sabe onde está o Sol, poderá registrar todas as outras notas seguindo 
a mesma lógica que vimos acima: 
 
Obs: Você já deve ter percebido que a primeira coisa que você tem que saber para ler uma partitura é 
a sequência de notas, de cor e salteado, de trás para frente e de frente para trás! 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
2 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR 
Agora vamos esclarecer qual é a relação desses pontinhos no papel com o instrumento. Na figura 
abaixo, estão representadas as oitavas de um piano comum. Perceba como cada Dó tem uma posi-
ção diferente na pauta, dependendo da oitava em que se encontra. Utilizaremos um número ao lado 
da letra C para dizer em qual oitava ele está: 
 
Obs: Esse Dó central (C4) é o Dó que se localiza bem no meio do teclado ou piano. Para você se 
localizar ainda mais, vamos ampliar a oitava destacada em vermelho (Dó central) e mostrar 
a correspondência das notas do instrumento com o registro na pauta: 
 
No violão, o Dó central situa-se na terceira casa, quinta corda: 
 
Obs: A partitura para o violão está deslocada de uma oitava em relação ao piano. Na realidade, o Dó 
central do piano corresponde à altura da nota Dó na segunda corda do violão. Essa definição deslo-
cada foi escolhida para facilitar a escrita, pois se não fosse assim, a escrita no violão precisaria de 
muitas linhas suplementares para representar os acordes mais simples e comuns. 
O correto para representar a partitura no violão é colocar o símbolo “8” na clave de Sol, indicando que 
a representação está deslocada de um oitava em relação ao dó central do piano: 
 
Mas nem todos os escritores colocam esse símbolo, então fique atento ao instrumento em questão 
para se localizar corretamente. Continuaremos ensinando como ler partitura no próximo tópico. 
A sonoridade vocal e seus efeitos no interior da transicionalidade 
Sem dúvida uma das contribuições mais influentes de D.W. Winnicott, a transicionalidade figura como 
um conceito incontornável na psicanálise voltada às relações objetais da segunda metade do século 
XX. O artigo intitulado “Objetos transicionais e fenômenos transicionais”, apresentado originalmente 
em 1951, publicado em 1953 e revisto com significativas alterações em 1971 como capítulo de O 
brincar e a realidade, é um marco tanto na obra winnicottiana, quanto na literatura psicanalítica. Nes-
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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se artigo, Winnicott propõe uma série de contribuições cujos desdobramentos alcançam nossos dias 
com grande vitalidade. Entre elas estão o valor positivo da ilusão, a noção de uma área intermediária 
da experiência, sua extensão posterior ao espaço potencial e o princípio do paradoxo regendo a ex-
periência transicional. 
Winnicott dá ao termo ilusão um sentido original muito distinto da psicanálise de seu tempo. A ilusão 
para o autor é sobretudo um fenômeno constitutivo, em vez de uma defesa. Efeito da ativa adaptação 
materna às necessidades do bebê (preocupação materna primária), a experiência de ilusão lhe oferta 
uma vivência subjetiva do ambiente, no qual a diferenciação entre eu e não tu ainda não se colocas 
em jogo. 
Ao apresentar o seio no exato momento em que o bebê busca algo para a satisfação de sua crescen-
te tensão instintual, a mãe adaptada possibilita que este seio seja vivido pela criança antes como uma 
criação sua do que como um objeto externo. 
A mãe, assumida como mãe-ambiente, é concebida pela criança como parte de si. A ilusão de uma 
realidade externa que corresponda exatamente à necessidade e ao gesto do bebê é neste início con-
dição fundamental para a confiabilidade no ambiente e para o desenvolvimento de um viver criativo. 
Gradualmente essa adaptação materna vai diminuindo, segundo a crescente capacidade da criança 
em tolerar suas falhas adaptativas, e a ilusão vai cedendo espaço para uma realidade compartilhada. 
No entanto, sem a possibilidade de viver satisfatoriamente essa onipotência, a desilusão (ou o des-
mame) será vivido como intensa privação ambiental, induzindo a um desenvolvimento prematuro do 
ego e a uma experiência precoce da realidade objetiva. Nesse caso, há o abandono do anseio pela 
ilusão e fusão com o ambiente, e o potencial criativo do indivíduo se mantém obstruído. 
É neste espaço, antes ocupado pelo fenômeno de ilusão, que Winnicott identifica o surgimento de 
uma “área intermediária da experiência”. Não mais envolto em uma absoluta realidade interna subje-
tiva, e ainda não totalmente habitando um mundo externo objetivamente percebido, o bebê encontra-
ria nesse campo de fronteira uma transição entre o prévio estágio de ilusão onipotente para o cres-
cente reconhecimento e aceitação de uma realidade compartilhada. 
Concomitante a esse processo, a integração do self e a distinção entre eu e não - tu também permi-
tes que a criança passe a relacionar-se com objetos reconhecidos como diferentes de si. É a primeira 
posse de um objeto não-eu3, situada nessa área intermediária (ou terceira área), que Winnicott cha-
mará de objeto transicional. Esse objeto tem a capacidade de conjugar ao mesmo tempo qualidades 
subjetivas da realidade interna da criança, ao mesmo tempo que possui uma realidade externa con-
creta (não se trata de um objeto interno, pois jamais está sob um controle mágico). 
Por outro lado, vale ressaltar o papel da agressividade primária (força vital) na aquisição da externali-
dade e na necessidade do indivíduo de relacionar-se com objetos que sobrevivam às suas investidas 
destrutivas. Esta sobrevivência do objeto, sem sofrer mudança de qualidade ou atitude retaliadora, 
permite localizá-lo exteriormente aoself como um objeto não-eu. 
A condição para que a destruição do objeto possa ocorrer livremente no plano das fantasias inconsci-
entes é imprescindível para tanto. Neste sentido, junto à articulação interno-externo, subjetivo-
objetivo, a transicionalidade também conjuga a criatividade e a destrutividade nas origens da realida-
de e do sentir-se real. Tanto a ilusão criadora, quanto a ilusão destrutiva constituem o processo que 
conduz aos objetos e fenômenos transicionais. 
Subjacente a essas considerações evidencia-se, portanto, o paradoxo como princípio que rege o 
desenvolvimento humano. A transicionalidade, como sua expressão princeps, faz coexistir e articula 
opostos de modo tácito, sem provocar questionamentos, nem para o indivíduo, nem para um obser-
vador externo: geralmente há um reconhecimento intuitivo e um respeito dos pais pelo valor de de-
terminado objeto eleito pela criança. A sustentação desse paradoxo, ou a possibilidade de não preci-
sar distinguir entre os opostos é em si, como coloca Winnicott, um grande alívio. 
Na passagem de um estado de dependência absoluta, no qual o bebê está fusionado com a mãe, 
para um estado de dependência relativa, no qual a mãe surge como algo separado de si, os objetos 
transicionais oferecem segurança e servem como defesa frente às ansiedades provocadas pela au-
sência da mãe (processo de desilusão). Embora sua importância resida muito mais na sua concretu-
de do que no seu valor simbólico, é importante mencionar que este objeto eleito representa e ocupa o 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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lugar do seio materno (compreendido por Winnicott não apenas como o seio concreto, mas como 
toda a técnica de maternagem). Sendo assim, o objeto transicional evoca para a criança a própria 
presentificação materna, proporcionando-lhe conforto e mantendo a continuidade de um ambiente 
emocional receptivo. Novamente o paradoxo se apresenta, visto que é justamente a aproximação e 
atualização da presença materna pelo objeto transicional que facilita o distanciamento desta e conduz 
a criança no caminho rumo a uma relativa independência. Em suma, nega e afirma, ao mesmo tem-
po, a separação entre o bebê e sua mãe. 
Com o passar do tempo e com a gradual ampliação dos interesses, o objeto transicional é descatexi-
zado e perde importância para a criança. Winnicott faz questão de sublinhar que ele não é recalcado, 
“internalizado” ou sofre elaboração de luto. 
Em seu desdobramento, o destino do objeto transicional é ser diluído em diversos outros e a transici-
onalidade é expandida ao brincar e a todo campo da cultura. Como lembra Milner (1952/1991), “a arte 
fornece um método, durante a vida adulta, para reproduzir estados que fazem parte da experiência 
diária de uma infância sadia” (p. 103). 
Assim, toda atividade criativa como o fazer e apreciação artística, o sentimento religioso e a produção 
científica estão situadas nessa “área intermediária da experiência”, na qual encontramos alívio da 
constante tensão entre realidade psíquica interna e realidade externa comum4. Esta seria inclusive 
uma das funções da cultura e da fruição artística, visto que, longe de se restringir à primeira infância, 
“nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade externa e interna.” e “a tarefa de 
aceitação da realidade nunca é completada” (Winnicott, 1951/2007, p. 240). 
Ainda que utilize como modelo teórico sua experiência com bebês, Winnicott reconhece que esses 
fenômenos são inerentes ao ser humano e podem ser retomados em diversos momentos do proces-
so maturacional. 
Tanto a experiência de ilusão pode ser reatualizada frente a situações que exigem uma nova apropri-
ação pessoal da realidade5, quanto o objeto transicional pode voltar a exercer sua função frente à 
ameaça de uma situação traumática ou de grande instabilidade emocional no ambiente. De todo mo-
do, a transicionalidade atravessa todo o ciclo da vida humana, ou nas palavras de Winnicott 
(1959/1994), “sinto que os fenômenos transicionais não passam, pelo menos não na saúde.” (p. 48) 
A Voz Como Fenômeno e Objeto Transicional 
Embora o objeto transicional seja frequentemente identificado como um brinquedo (ursinho, boneca 
etc.) ou pedaço de pano com textura suave (fralda, ponta de um cobertor etc.), Winnicott admite a 
multiplicidade de formas que podem alcançar este registro, segundo aquilo que há disponível para a 
criança e segundo o modo como ela se relaciona com o ambiente. Uma dessas possibilidades pode-
ria ser reconhecida na voz e em sua sonoridade, cujo estudo realizado pela psicolinguística tem de-
monstrado seus efeitos impactantes no desenvolvimento desde os primórdios da vida humana. 
O desenvolvimento das técnicas de ultrassom tornou possível detectar o modo com que a criança 
reage a estímulos sonoros desde sua vida fetal. Embora os sons da pulsação e dos batimentos car-
díacos prevaleçam no útero materno, também a voz, sobretudo a materna, encontra-se presente no 
ambiente sonoro intrauterino. 
Por conta da espessura do líquido amniótico, supõe-se que as frequências graves sejam ouvidas pelo 
bebê com maior facilidade do que as agudas (inicialmente as inferiores a 300 hertz e posteriormente 
a 1200 hertz). Mas, se por um lado essa “cortina sonora” elimina a possibilidade da transmissão do 
timbre da voz materna (ao “filtrar” o registro agudo, todas as vozes soariam graves), por outro, torna 
plenamente viável a ressonância do ritmo e da prosódia dessa voz. 
Constata-se que sua presença seja muito incisiva no ambiente sonoro intrauterino, visto que sua 
transmissão não ocorre apenas pelo líquido amniótico, mas, também, pela própria vibração óssea de 
todo o corpo materno. Como afirma Castarède (1987/2004), “a audição possui um papel capital no 
desenvolvimento infantil, visto que, graças a ela, o bebê estabelece desde a vida fetal um primeiro 
laço com seu ambiente” (p. 77, tradução do autor). 
Dessa forma, a voz materna surge como um dos únicos elementos sensoriais que promove uma con-
tinuidade estável na passagem da vida pré para a pós-natal; o que torna mais compreensível o modo 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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como a presença da voz materna encontra-se intimamente relacionada à sensação de segurança e 
bem-estar do recém-nascido. Há, porém, na voz materna algo que a difere de todas as outras para o 
bebê. Não apenas sua presença constante que atravessa o tempo e o espaço no desenvolvimento, 
mas também certas particularidades, certa melodia no modo de falar que produz efeitos imediatos na 
criança. Trata-se de um fenômeno frequentemente denominado de fala materna ou “manhês” (mothe-
rese)6. 
A fala materna é o fenômeno que compreende toda emissão vocal de uma mãe (ou substituta) para 
seu bebê: suas cantigas de ninar, sua voz propriamente dita e a prosódia peculiar que adquire ao 
falar com a criança; em suma, a musicalidade da voz materna em amplo sentido. Mesmo admitindo 
que cada mãe se comunica sonoramente de maneira singular com seu bebê, é possível também en-
contrarmos certos elementos e características recorrentes e comuns. 
Entre eles: estrutura e sintaxe simplificada, expressões curtas, repetições rítmicas, sons desprovidos 
de significado e curvas melódicas acentuadas. A constância desses elementos nos permite reuni-los, 
portanto, sob o conceito de “fala materna”. Fenômeno complexo e presente em muitos povos e cultu-
ras distintas, a fala materna encontrará ecos em muitas situações da vida infantil e adulta, sobretudo 
amorosas. 
Diferente da fala adulta, na fala materna não há intenção alguma de transmissão de ideias ou concei-
tos. Ela é a musicalidade da voz em seu estado puro, expressão de uma interação predominantemen-
te afetiva entre a mãe e o bebê. Deste modo, no “banho melódico” de sua voz (Anzieu, 1989), a mãe 
abre à criança o mundo sonoro, revelando-lhe o caráter profundamente afetivo deste. Não obstante, o 
“manhês” e suas propriedades descritasacima revelam também outra dimensão primordial da relação 
mãe-bebê. O conjunto de seus elementos característicos consiste em uma aproximação da fala adul-
ta à fala do bebê (balbucios e sons “reflexos” sonoros). 
Trata-se, em essência, de um movimento materno adaptativo, geralmente espontâneo e não delibe-
rado, no qual ocorre uma profunda identificação entre a dupla. O gesto adaptativo da fala materna 
permite ao bebê o reconhecimento dos seus próprios gestos sonoros, repleto de sons ainda não arti-
culados e de grande amplitude melódica. 
A aproximação entre as cadências e inflexões da prosódia materna e a lalação e balbucios infantis, 
surgidas dentro de um profundo processo de identificação entre a díade, poderia ser compreendido 
como um acesso à experiência de ilusão criadora. O entrecruzamento de vozes no jogo sonoro e na 
interação musical da dupla oferece ao bebê a possibilidade de assumir a voz de sua mãe como uma 
criação sua. Nesse início o jogo sonoro é concebido pelo bebê como um monólogo, e é apenas com 
sua crescente habilidade em diferenciar eu e não-eu que se tornará um diálogo. 
O próprio gesto adaptativo da fala materna à fala infantil reflete também este estado fusional primitivo. 
Vale lembrar que o jogo sonoro entre mãe-bebê é geralmente baseado na expectativa do ressurgi-
mento e desparecimento da voz, em cadências acentuadas que alternam picos em registro agudo 
seguidos por decrescendos (em melodia e volume), lembrando uma forma sonora do jogo do carretel 
(“fort da”). 
Assim a voz materna, em seu calor e afetividade, ao se apresentar no exato momento em que ao 
bebê anseia pelo “banho melódico”, insere-se na trilha que vai do fenômeno de ilusão à região inter-
mediária da experiência. Nela encontram-se possíveis contornos de transicionalidade, estando à ser-
viço da travessia entre uma percepção subjetiva e objetiva do mundo, dependência absoluta e de-
pendência relativa. 
Com a crescente capacidade de controlar os sons emitidos e a apreensão dos fonemas da língua 
materna no processo de aquisição da linguagem, o “manhês” pode ser recriado pela criança, que 
passa também a brincar sonoramente consigo mesma. Esta re-atualização, repleta de contornos pes-
soais, pode ser utilizada pela criança em momentos de solidão ou ansiedade, tendo um poderoso 
efeito tranquilizador e reconfortante. Como Winnicott (1951/2007) afirma: 
o balbucio do bebê e o modo como uma criança mais velha repassa todo um repertório de canções 
enquanto se prepara para dormir ocorrem no interior da área intermediária na condição de fenômenos 
transicionais, juntamente com o uso de objetos que não fazem parte do corpo do bebê, mas que não 
são inteiramente reconhecidos como pertencentes à realidade exterior. (p. 230) 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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Um caso apresentado por Daniel Stern (1985/2000) evidencia estas questões de modo ainda mais 
contundente: 
Diariamente, o pai de uma criança (de dois anos) a colocava para dormir. Como parte do ritual de 
“colocar para dormir”, eles estabeleciam um diálogo no qual o pai repassava algumas coisas que 
haviam acontecido no dia e discutiam os planos para o dia seguinte. 
A menina participava ativamente deste diálogo e ao mesmo tempo fazia uso de muitos subterfúgios 
para manter seu pai presente e falante, prolongando o ritual. Ela suplicava, choramingava, insistia, 
persuadia e fazia novas perguntas para ele, em uma entonação engenhosa. Mas quando ele final-
mente dizia seu “boa noite” e saía, a voz da menina mudava dramaticamente para uma voz séria, em 
tom narrativo, e seu monólogo começava, um solilóquio…. Depois que seu pai saía, ela parecia ficar 
constantemente sob a ameaça de sentir-se sozinha e aflita (um irmão mais novo havia nascido nesta 
mesma época). 
Para manter seu controle emocional, ela repetia em seu solilóquio os tópicos abordados no diálogo 
com seu pai. As vezes parecia imitar sua voz ou recriar algo do diálogo anterior, de modo a reativar 
sua presença e a carregar consigo para o abismo do sono. (p. 173, tradução do autor) 
Esse interessante exemplo mostra não apenas o uso da voz materna (no caso, o pai exercia função 
de “maternagem”), ou sua recriação, com a finalidade de travessia entre o estado de vigília e o sono, 
mas também revela a capacidade da criança em manipular esse objeto sonoro. Propriedade indis-
pensável para a condição de transicionalidade, o manuseio e a excitabilidade da musculatura, advin-
do da materialidade do objeto, encontram aqui correspondências na modulação vocal e na vibração 
do corpo provocada pela reverberação das cordas vocais. 
Neste sentido, a fala materna poderia tanto apresentar-se para a criança como fenômeno transicional 
(tal como colocado por Winnicott), quanto como objeto transicional, visto que, admitindo a materiali-
dade do som, a voz contemplaria os aspectos sensoriais e estéticos exigidos na relação objetal e no 
uso que se faz do objeto. 
Convém ainda ressaltar que afirmar a voz materna como veículo para a transicionalidade não é o 
mesmo que afirmar que o bebê concebe a mãe em si como seu objeto transicional, questão que tor-
naria a experiência muito mais problemática, pelas implicações do desmame e pela necessidade do 
distanciamento entre mãe e bebê (desfusão). 
Na verdade, busca-se compreender a fala materna como um objeto sonoro apresentado pela mãe. 
Este poderá, entretanto, conforme o valor atribuído pela criança, tornar-se re-presentação ou a-
presentação simbólica de sua presença. 
Espaço potencial e as origens da musicalidade 
O desenvolvimento posterior da transicionalidade, como já dito, é sua ampliação à vasta área deno-
minada experiência cultural. Neste percurso, o objeto transicional perde naturalmente seu valor e 
significado para a criança, e entre ela e o ambiente estabelece-se o espaço potencial. É este espaço, 
manifestação posterior da “área intermediária” entre realidade interna e externa, que sustenta a pos-
sibilidade de um viver criativo. O brincar, tema que ocupa lugar de destaque na teoria winnicottiana, 
situa-se neste espaço potencial e é o ponto de partida que conduz o indivíduo a desfrutar de toda sua 
herança cultural. 
Assim, o lugar ocupado quando criamos ou somos tocados por uma obra de arte, por exemplo, é esta 
terceira área de experiência. Quando escutamos uma música que nos comove profundamente, não 
temos dificuldade em reconhecê-la como um fato externo: obra criada por tal compositor, executada 
por tais músicos, seguindo a uma partitura definida. 
Entretanto, naquele momento ela é também vivida como um fato subjetivo, carregada de uma tonali-
dade pessoal que nos remete às nossas experiências, sejam estas do passado, do presente ou como 
anseio do futuro. Neste limiar entre percepção subjetiva e objetiva, a música é recebida pelo ouvinte 
como se fosse sua própria criação. 
De fato, este é um sentimento muito comum entre pessoas ligadas à música ou às artes em geral: 
diante de uma obra que nos toca profundamente, sobrevém um forte desejo de ter sido o seu compo-
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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sitor. E, em certo sentido, o somos. O arrebatamento provocado pela obra artística é por vezes seme-
lhante a um encontro consigo mesmo, como se nela encontrássemos imagens do self. Assim, nada 
mais justo do que reivindicar uma autoria conjunta, pois em minha audição recrio a obra junto ao seu 
compositor “factual”. 
Na investigação destes fenômenos e de suas origens nos deparamos novamente com a fala materna. 
Há uma íntima relação entre as experiências primordiais de transicionalidade por ela veiculada e a 
fruição musical na vida adulta. 
Uma linha imaginária que liga o jogo sonoro entre mãe e bebê com a futura capacidade deste em 
usufruir de uma experiência musical. A descrição feita por Tolstói sobre sua relação com a música 
talvez nos auxilie nesta compreensão: 
Enquanto estou escutando música, eu não penso em nada e não imagino nada,mas certo sentimento 
estranho e voluptuoso enche a tal ponto a minha alma que eu perco a noção de minha existência, e 
esse sentimento é a recordação. Mas, recordação do quê? Embora a sensação seja intensa, a recor-
dação não é nítida. É como se alguém lembrasse algo que jamais existiu. 
Se supusermos que a música é recordação de sentimentos, ficará compreensível por que ela atua de 
modo variado sobre as pessoas. (Tolstói citado por Schnaiderman, 2007, p. 108) 
Considero estas anotações publicadas no livro Infância (1852) muito valiosas, pois revelam um arre-
batamento afetivo na escuta, antes de uma apreciação cognitiva ou intelectual da música7. Também 
considero oportuno o título do livro onde se encontram, pois, a intensidade afetiva com que surge a 
música nos remete ao banho melódico e à melodia de puro afeto da fala materna. 
Tolstói descreve a música como recordação de sentimentos, recordação esta não necessariamente 
nítida e que talvez jamais tenha existido (mas que provavelmente, eu diria, já tenha sido sonhada). 
Faz uso destas recordações para compreender o modo como uma mesma música pode provocar 
efeitos tão distintos entre as pessoas. 
Na mesma direção, o crítico musical Eduard Hanslick (1854/1989) é categórico ao afirmar que uma 
melodia não comove porque exprime sentimentos. Para o autor, a estrutura harmônica ou as infle-
xões e cadências melódicas representam não a emoção em si, mas a dinâmica das emoções: “a mú-
sica pode reproduzir o movimento de um processo psíquico segundo os seus diversos momentos: 
presto, adágio, forte, piano, crescendo, diminuendo. 
O movimento, porém, é só uma particularidade, um fator de sentimento, não é o sentimento mesmo” 
(p. 37). Entretanto, essa analogia entre “dinâmica das emoções” e “dinâmica musical” é muito propí-
cia para a emergência de recordações e associações feitas pelo ouvinte. Recordações, estas sim, 
que poderão estar carregadas ou não de um conteúdo afetivo8. 
Encontramos em ambos os autores o reenvio da apreciação musical às experiências pregressas bio-
gráficas de cada indivíduo. Retomando Winnicott, lembramos que o espaço potencial entre o bebê e 
a mãe, entre indivíduo e mundo, depende da confiabilidade no ambiente, proporcionada pela adapta-
ção de uma maternagem suficientemente boa (o que significa tanto a sustentação da ilusão quanto a 
desilusão). 
A presença ou ausência de um ambiente que ofereça esta confiança é um fator decisivo para a capa-
cidade de usufruir uma vida cultural rica ou do seu empobrecimento. Neste sentido, não seria dema-
siado supor certa influência da interação sonora primitiva entre mãe e bebê nas origens da aprecia-
ção musical adulta e no modo como cada indivíduo é afetado ou não pela música. A afetividade sono-
ra da fala materna seria, então, a pavimentação do caminho que conduz ao prazer pela música. Aber-
tura de um mundo sonoro que levaria, conforme a relação estabelecida, ao desenvolvimento do gosto 
musical ou ao seu repúdio. Enfim, situada enquanto possível objeto transicional, a voz materna esta-
ria colocada como o antecessor da música; e o jogo sonoro da dupla, o embrião da musicalidade. 
A terceira voz e a situação clínica 
Winnicott (1971/1975) em sua famosa definição da psicoterapia, afirma que esta seria uma “forma 
altamente especializada de brincar” (p. 63). É na sobreposição de duas “áreas intermediárias da ex-
periência”, a do analista e a do analisando, que se situa o processo analítico. Tomando-o como um 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
8 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR 
modelo para a psicanálise, Winnicott reconhece o brincar tanto no trabalho com adultos quanto nas 
análises infantis. Segundo o autor, “manifesta-se, por exemplo, na escolha das palavras, nas infle-
xões da voz e, na verdade, no senso de humor” (p. 61). O objetivo desse “brincar especializado”, 
entretanto, é menos o riso ou o prazer do que uma experiência criativa e autêntica do self em comu-
nicação. Assim, frente à impossibilidade de brincar ou, em outras palavras, de estabelecer um espaço 
potencial entre a dupla, esta se torna propriamente uma das direções do trabalho analítico. 
A escolha de Winnicott pela expressão “espaço potencial”, em consonância com o estilo descritivo de 
seu vocabulário, guarda aspectos fundamentais do fenômeno. O uso do termo “espaço” evocando a 
metáfora de um “lócus” indeterminado (entre interno e externo), sugere sua difusão sobre o ambiente 
e a ampliação das fronteiras possíveis para a transicionalidade. 
Nesta noção de espaço se encontra incorporada também a dimensão temporal, revelada pela experi-
ência de continuidade de si, decorrente dos cuidados maternos primitivos que a conquista desta área 
intermediária exige. Como afirma Winnicott (1971/1975), “brincar tem um lugar e um tempo” (p. 62). 
Já o termo “potencial” marca outra propriedade essencial do fenômeno: o da possibilidade em detri-
mento da factualidade. Trata-se antes da capacidade criativa do humano do que da concretude mes-
mo daquilo que se apresenta. Em outras palavras, “nem tanto o objeto, mas o uso que se faz dele”. 
Assim, do ponto de vista psicanalítico, o espaço potencial pode ser traduzido como a condição para o 
surgimento de uma comunicação significativa entre analista e analisando: lugar prenhe de possibili-
dades que sustenta a relação analítica. Nesta perspectiva, a questão transferencial se amplia do 
“quem o analista está representando” para o paciente, para a “qual finalidade do uso que está sendo 
feito do analista” pelo paciente. 
Como já dito, no espaço potencial as fronteiras entre self e ambiente se tornam difusas, facilitando a 
apercepção e a configuração do setting conforme suas necessidades. Neste ponto, a capacidade em 
se fazer uso do processo analítico e de recriar com uma tonalidade pessoal os elementos propostos 
pelo enquadre se aproximam da capacidade em desfrutar da experiência cultural (ou, no caso especí-
fico que temos abordado, o prazer pela música). Ambas possuem as mesmas condições, já descritas 
anteriormente. 
O aprofundamento na dimensão estética que atravessa este campo criado entre analista e analisando 
nos remete novamente à voz e sua sonoridade como elementos primordiais. É lugar comum na psi-
canálise a ideia de que a incongruência entre o conteúdo e a melodia da fala (“o que é dito” e “como é 
dito”) serve ao analista como indicador dos movimentos inconscientes e de possíveis conflitos implíci-
tos no discurso do analisando. 
Porém, a sonoridade vocal põe também em primeiro plano a própria relação estabelecida entre a 
dupla. As vozes do analista e do analisando, tal como melodias que se cruzam, às vezes em unísso-
no e às vezes dissonantes, trazem ao registro sonoro as dinâmicas transferenciais e contra-
transferenciais. 
Mantendo o brincar como modelo, o diálogo e o entrecruzamento de vozes da dupla analítica podem 
ser compreendidos como uma espécie de “jogo de rabiscos” sonoro, no qual uma figura (ou “compo-
sição musical”) de dupla autoria é formada. Do mesmo modo como discutido a respeito da obra artís-
tica, esta conjunção criativa formada pelo jogo de vozes a cada análise não pertence nem exclusiva-
mente ao analista, nem exclusivamente ao analisando. Assumida em sua transicionalidade, a voz 
também habita o espaço potencial na análise: 
no diálogo psicanalítico, a relação intersubjetiva entre analista e analisando é constituída pela voz, 
que, circulando entre duas interioridades, funciona como uma espécie de objeto transicional, juntando 
aquele que fala e o ouvinte em uma unidade-dual imaginária. (Kahane citado por Bollas, 1996, p. 581) 
Este jogo de vozes, situado na área comum de experiência inconsciente compartilhada, poderia tam-
bém ser reconhecido como uma “terceira voz”. Esta terceira voz, tradução sonora do “terceiro analíti-
co” proposto por Ogden (1996) é, paradoxalmente, criação da dupla analista-analisando na mesma 
medida em que os cria. 
A voz do analista e a do analisando não apenas guardam as marcasde suas singularidades, mas 
também denunciam a intersubjetividade presente no encontro. Nos ecos e ressonâncias mútuas das 
vozes individuais, a terceira voz, configurando-se como uma terceira subjetividade, atravessa e articu-
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
9 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR 
la as subjetividades do analista e do analisando. Assim, no espaço analítico, as especificidades me-
lódicas das vozes individuais surgem sempre a partir desta terceira voz, e a ela fazem constante refe-
rência. É nesse sentido que Ogden (1998) ressalta a imprevisibilidade de como será sua voz a cada 
sessão: 
Não consigo e nem poderia predizer as vozes com as quais irei me ouvir e falar. Para mim, esse é um 
dos mistérios de se passar uma vida na prática da psicanálise. Não apenas minha voz é diferente 
com cada paciente, como, também, quando uma análise vai indo bem, minha voz e a do paciente 
desenvolvem novos “suprassons” no decorrer de cada hora analítica e durante o decorrer de sema-
nas, meses e anos de uma análise9. (p. 602) 
O analista recria sua voz a cada paciente e a cada momento do processo analítico. A composição 
musical originada de cada encontro é singular e pertence exclusivamente à dupla. Do ponto de vista 
do analista, trata-se também de uma adaptação à fala do analisando, na qual inclui suas pausas, 
ritmos, nuances de inflexões e timbres. Seja em contraponto ou em uníssono, o sentido principal de 
comunicação significativa é mantido no jogo de vozes. 
Ogden enfatiza a importância do reconhecimento do terceiro analítico para o desenvolvimento do 
trabalho clínico. Não considerar tais fenômenos como fatos clínicos coloca ao analista o risco de “di-
minuir (ou ignorar) o significado de uma grande parte (às vezes, a maioria) da sua experiência com o 
analisando” (Ogden, 1996, p. 78). 
Partindo de um registro estético na construção conjunta de uma terceira voz, somos deste modo le-
vados também a repensar a noção corrente de escuta analítica. Por um lado, é certo que a “escuta do 
sentido verbal”, ou seja, a análise do conteúdo e do encadeamento de significantes proporciona o 
acesso e a decodificação do inconsciente. 
Por outro, há momentos de uma análise em que a sonoridade da fala e sua tonalidade afetiva se so-
brepõe às palavras, e seu sentido se torna mais significativo do que o conteúdo verbal. Nestes casos, 
cabe ao analista certa sensibilidade estética, uma espécie de “escuta musical”. O campo artístico e a 
fruição musical abordados anteriormente ressoam novamente pelo vértice da técnica e da escuta 
analítica. Tal como no arrebatamento descrito por Tolstói e no “banho melódico” primordial da fala 
materna, escutar melodias é essencialmente uma experiência corpórea. 
Dessa forma, no campo sonoro criado dentro da situação analítica, é com o corpo que a escuta se 
faz. A proximidade da percepção musical com o inconsciente se evidencia ainda mais no modo como 
a fala do analisando reverbera e repercute corporalmente nos ouvidos do analista. E, no caso do ana-
lisando, pelo modo como a fala do analista, independente do que é por ele dito, pode provocar confor-
to, relaxamento, tensão ou agitação corporal. 
Estas seriam algumas compreensões possíveis do fenômeno sonoro, fundado pela voz, no desenvol-
vimento infantil e no processo analítico. Entretanto, embora apenas o som tenha sido diretamente 
abordado, o silêncio a partir do qual a sonoridade emerge possui importância equivalente. Som e 
silêncio se encontram entrelaçados tanto na constituição do self (comunicação não-explicita e silenci-
osa entre mãe e bebê), quanto na análise, como uma tela em branco ou fundo sobre o qual as figuras 
projetivas do paciente se desenham. Figuras estas que podem ser “cantadas” em solo ou 
em dueto pela dupla analítica. 
A música, literalmente, move as pessoas. Em todas as culturas, os primeiros acordes e batuques são 
suficientes para que as pessoas comecem a mexer o corpo, mesmo que discretamente. A relação 
entre som e movimento é tão forte que, em várias línguas do mundo, as palavras música e dança são 
intercambiáveis, e há casos em que são um mesmo vocábulo. Mas o que está por trás dessa ligação 
tão forte? Para determinar em que medida as duas expressões se comunicam, pesquisadores norte-
americanos do Dartmouth College desenvolveram experimentos pelos quais puderam demonstrar 
que o ser humano utiliza a mesma estrutura de pensamento quando se expressa por meio de sons ou 
gestos. 
 
Os testes foram aplicados tanto em moradores dos Estados Unidos como nos de uma vila isolada no 
Camboja. Utilizando um programa de computador, os participantes tinham de expressar, por meio de 
sons ou de movimentos, as emoções raiva, felicidade, tranquilidade, tristeza e susto. Além de concluir 
que as duas formas de expressão seguiam o mesmo padrão, os pesquisadores notaram que não 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
10 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR 
havia diferenças significativas entre as duas culturas, indicando uma universalidade dos resultados, 
apresentados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas). 
 
Segundo Thalia Wheatley, uma das autoras do estudo, a equipe de cientistas criou um programa 
capaz de gerar música por meio de melodias de piano e movimento a partir da animação de uma bola 
quicando. Na primeira etapa do estudo, nos Estados Unidos, 50 estudantes foram divididos em dois 
grupos: um manipulou as funções musicais do software, e o outro, as funções de movimento. Cada 
participante completou o experimento individualmente, sem tomar conhecimento do outro grupo. 
 
Os estudantes eram instruídos a utilizar o tempo que fosse necessário para expressar as cinco emo-
ções por meio do programa. Entre os parâmetros que podiam controlar, estavam a quantidade de 
saltos da bola ou de notas musicais por minuto, o intervalo entre eles, a direção e a amplitude do 
movimento, entre outros. Cada escolha imprimia uma posição na linha de leitura tanto dos estímulos 
musicais como nos de movimento algo como uma partitura ou o desenho da trajetória da bola. 
 
Ao tentar expressar raiva, por exemplo, os participantes que trabalhavam com os sons usavam mais 
notas por minuto e em intervalos menos lineares, por exemplo. Da mesma forma, aqueles que mani-
pulavam a bola virtual também optavam por mais quiques por minuto. Por outro lado, ao manifestar 
tranquilidade por meio do programa, os participantes geravam notas e quiques de bola mais ritmados 
e espaçados. A comparação dos gráficos gerados pelo programa de computador mostrou aos espe-
cialistas que o padrão de quiques e melodias era muito semelhante para cada emoção. 
 
Isolados 
 
Depois da etapa norte-americana, os pesquisadores se dirigiram a L’ak, uma vila rural em Ratanakiri, 
província pouco povoada no nordeste do Camboja. L’ak é uma aldeia de minoria étnica que mantém 
ainda hoje um elevado grau de isolamento cultural. 
Entre eles, a música e a dança são parte primordial de rituais como casamentos, funerais e sacrifício 
de animais. Sua música, entretanto, é bem diferente do ocidental: não apresenta nenhum sistema 
equivalente à harmonia tonal do Ocidente, sendo construída com diferentes escalas e afinações. 
 
Com exceção de pequenas modificações, o experimento em L’ak foi conduzido da mesma forma que 
nos Estados Unidos. “Porque a maioria dos participantes era analfabeta, nós simplesmente remove-
mos os textos das telas de controle. 
Como nós observamos também que os voluntários tinham dificuldade de lembrar a função de cada 
parâmetro, nós transmitimos as instruções verbalmente, com a ajuda de um tradutor”, detalha Whea-
tley. Apesar das pequenas diferenças metodológicas, e para além das diferenças culturais, os pes-
quisadores constataram que eram iguais as formas de expressão dos sentimentos entre cambojanos 
e norte-americanos. Além disso, a estrutura de pensamento era a mesma para as expressões musi-
cais e de movimento. 
 
“Esses experimentos revelaram três coisas”, escreveram os autores noartigo publicado na Pnas. 
“Cada emoção foi representada por uma combinação de características próprias; cada combinação 
expressou a mesma emoção, tanto pela música como pelo movimento; e essa estrutura igual entre 
música e movimento foi evidente entre as culturas”, completaram. 
 
Para o professor do Departamento de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Nogueira 
Aucélio, a semelhança acontece porque as diferentes regiões do cérebro ativadas para o estímulo 
motor e sonoro são interconectadas. “Ao atingir uma, você provoca o efeito em outra. Na medicina, 
nós temos aplicado os estímulos musicais para ativar áreas do cérebro com deficiência. Isso auxilia, 
por exemplo, crianças com atraso motor, pois a música pode ativar essas áreas com problemas”, 
explica. 
De acordo com Aucélio, esses estímulos sensoriais e musicais são mais biológicos do que culturais, e 
é por isso que as respostas não diferem muito de país para país. “Essa hipótese não é nova, já é algo 
conhecido, mas somente hoje estamos conseguindo definir melhor as regiões do cérebro ativadas 
nessas circunstâncias e suas respectivas funções”, defende. 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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Na concepção ocidental, o som sempre teve algo de misterioso. Onipresente e, ao mesmo tempo, 
evanescente, o som não se rende facilmente a um raciocínio acostumado com coisas, locais e confi-
gurações estáveis. 
A sensação de ouvir foi, durante séculos, dominada pela percepção visual. Mesmo que pesquisas 
científicas mais recentes tenham recuperado este sentido enquanto seus aspectos físico, cultural e 
mesmo social, discursos analíticos no campo da antropologia permanecem centrados no imagético e 
são poucos aqueles que contrapõem a discussão sobre o som à predominância da visualidade nas 
ciências humanas e sociais. 
Até o passado recente a música muitas vezes foi tratada de forma vaga, ou mesmo ensaística por 
parte de antropólogos. Exemplo ilustrativo disso encontra-se no Tristes trópicos, onde Claude Lévi-
Strauss relata como sai à noite com alguns amigos Nambiquara, que vão à mata escura construir as 
suas flautas sagradas. Os misteriosos sons nambiquara que ouve no meio da noite remetem o autor 
a um trecho da Sagração da primaverade Igor Stravinsky. 
Lévi-Strauss menciona precisamente os compassos da obra de Stravinsky, que a seu ver se asseme-
lha com a música dos flautistas nambiquara. Evidentemente que isso é um ensaio mais literário do 
que uma etnografia musical, pois sobre as flautas e a música dos Nambiquara nada ficamos sabendo 
neste relato. 
Um mal-entendido comum entre pesquisadores não familiarizados com a documentação musical é 
que pensam estar analisando e falando de música, quando na verdade discorrem sobre a letra. Isso 
acontece muitas vezes em trabalhos que versam sobre a MPB. Outros pesquisadores encaram a 
música na sua acepção mais estreita: quando não sabem ler partitura, deixam a manifestação musi-
cal de lado por completo, como se ler partitura fosse sinônimo de entender e pré-condição para falar 
sobre música. 
Neste contexto, é importante lembrar que em muitas outras culturas se desconhece um termo, cujo 
signo seja idêntico ao de "música", "music", "zene", "musique", "Musik" etc. Na realidade música raras 
vezes apenas é uma organização sonora no decorrer de limitado espaço de tempo. É som e movi-
mento num sentido lato (seja este ligado à produção musical ou então à dança) e está quase sempre 
em estreita conexão com outras formas de cultura expressiva. 
Considerar este contexto amplo, quando se fala em música, é estar adotando um enfoque antropoló-
gico. A insersão da música nas várias atividades sociais e os significados múltiplos que decorrem 
desta interação constituem importante plano de análise na antropologia da música. A relação entre 
som, imagem e movimento é enfocada de forma primordial neste tipo de pesquisa. 
Aqui música não é entendida apenas a partir de seus elementos estéticos mas, em primeiro lugar, 
como uma forma de comunicação que possui, semelhante a qualquer tipo de linguagem, seus pró-
prios códigos. Música é manifestação de crenças, de identidades, é universal quanto à sua existência 
e importância em qualquer que seja a sociedade. Ao mesmo tempo é singular e de difícil tradução, 
quando apresentada fora de seu contexto ou de seu meio cultural. 
O fato de permear tantos momentos nas vidas das pessoas, de organizar calendários festivos e reli-
giosos, de inserir-se nas manifestações tradicionais, representando, simultaneamente, um produto de 
altíssimo valor comercial, quando veiculada pelas mídias e globalizando o mundo no nível sonoro, faz 
da música um assunto complexo e rico de possibilidades para a investigação e o saber antropológi-
cos. 
Com este ensaio pretendo tocar, de forma introdutória, em alguns assuntos de interesse da etnomu-
sicologia, disciplina que durante longo tempo foi entendida como de natureza híbrida, ou seja, perten-
cente à musicologia quanto a seus conteúdos e à antropologia quando se trata de seus métodos de 
pesquisa. Independente deste "dilema", a etnomusicologia estabeleceu-se com centros de estudos e 
de pesquisa nas principais universidades americanas e européias, firmando-se, cada vez mais, com 
expressão própria também no Brasil. 
Antropologia da Música 
Falando-se de antropologia do som, ou sonora, dois elementos surgem à primeira vista: o som en-
quanto fenômeno físico e, simultaneamente, inserido em concepções culturais, e, do outro lado, a 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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música propriamente dita, isto é, o som "culturalmente organizado" pelo homem (humanly organized 
sound, cf. Blacking, 1973). Os dois parâmetros, a acústica e a cultura, ou seja, o som e 
as sonoridades, respectivamente, estão presentes na pesquisa etnomusicológica do século XX. 
O som, fenômeno singular de um determinado instrumento, de um estilo vocal e, do outro lado, a rede 
de relações possíveis e necessárias entre diferentes sons, relações estas que são responsáveis por 
fenômenos como a afinação e a escala duas abstrações culturais, merece atenção especial da musi-
cologia e da antropologia musical. 
Esta última desenvolveu-se, inicialmente, como subárea da musicologia, passando por diversas de-
signações, como musicologia comparativa (vergleichende Musikwissenschaft), pesquisa musical etno-
lógica (ethnologische Musikforschung; Marius Schneider 1937), folclore e etnologia musical (musika-
lische Völkerkunde; Fritz Bose 1952), "antropologia musical", (ethnographie musicale) ou "música dos 
povos estranhos" (Musik der Fremdkulturen; cf. Curt Sachs (1959)). Por volta de 1950 o musicólogo 
holandes Jaap Kunst introduziu o termo ethno-musicology. A partir de 1956 esta designação da disci-
plina consagrou-se internacionalmente com a fundação da Society for Ethnomusicology nos EUA. 
Com o seu livro The Anthropology of Music de 1964, considerado decisivo para a abordagem antro-
pológica na etnomusicologia, o antropólogo americano Alan P. Merriam formulou uma "teoria da et-
nomusicologia", na qual reforçou a necessidade da integração dos métodos de pesquisa musicológi-
cos e antropológicos. 
Música é definida por Merriam como um meio de interação social, produzida por especialistas (produ-
tores) para outras pessoas (receptores); o fazer musical é um comportamento aprendido, através do 
qual sons são organizados, possibilitando uma forma simbólica de comunicação na interrelação entre 
indivíduo e grupo: 
Music is a uniquely human phenomenon which exists only in terms of social interaction; that it is made 
by people for other people, and it is learned behavior. It does not and cannot exist by, of, and for itself; 
there must always be human beings doing something to produce it. In short, music cannot be defined 
as a phenomenon of sound alone, for it involves the behavior of individuals and groups of individuals, 
and its particular organization demands the social concurrenceof people who decide what it can and 
cannot be. (Merriam, 1964: 27). 
Merriam lembra que no passado a musicologia comparativa, enquanto subárea da musicologia, con-
centra o seu esforço quase que exclusivamente na investigação de estruturas de som e de configura-
ções musicais, deixando de lado, em grande parte, o contexto antropológico e cultural. Para entender 
a música enquanto produto e estrutura construída seria necessário, de acordo com Merriam, apren-
der a entender conceitos culturais, que fossem responsáveis pela produção destas estruturas. Merri-
am caracterizou a pesquisa etnomusicológica como "the study of music in culture" para, na década 
seguinte, acentuar ainda mais o paradigma cultural, definindo a área de pesquisa como "the study of 
music as culture" (Merriam, 1964 e 1977). 
 
Rodeando os Campos de Estudo da Etnomusicologia 
É consenso amplo que estudos etnomusicológicos incluam a pesquisa das músicas ditas étnicas e/ou 
tradicionais, o folclore rural e urbano, mais recentemente também a música popular, e que se diferen-
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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ciam da musicologia dita "histórica" principalmente nos métodos de pesquisa empregados. Por sua 
vez, esta versão "histórica" da musicologia se ocupa, primordialmente, da música erudita de cunho 
ocidental e de suas extensões em territórios não europeus, excluindo manifestações de tradição oral 
e mesmo popular. A etnomusicologia destaca-se em parte também da "musicologia sistemática", que 
trata da acústica musical, da fisiologia da produção sonora e, inclusive, da sociologia da música. 
Desde a sua reformulação a partir de meados dos anos 60, tornou-se meta definida da etnomusicolo-
gia descrever os diferentes agentes e agrupamentos etnomusicais: 
• pesquisando suas ações (criação, recepção, transmissão); 
• interpretando as manifestações musicais (através de instrumentos, cantigas, textos, performances, 
reações); 
• verificando seus conceitos (teorias, valores e normas); 
• analisando os comportamentos psíquicos, verbais, simbólicos e sociais ligados à música. 
Colocações mais recentes, como a de Jeff Todd Titon (1992) que define a etnomusicologia como "the 
study of people making music", mostram que hoje as pesquisas dão grande ênfase ao estudo do fa-
zer musical e à criação que daí surge, independente de origem, de lugar geográfico e da relação do 
produto sonoro com a cultura do pesquisador. 
Mesmo assim, ainda estamos longe de poder formular uma definição inequívoca de conteúdo e abor-
dagens da etnomusicologia. São muito diversificados os meios de pesquisa, os enfoques e principal-
mente os seus campos de investigação. 
Em 1980 Bruno Nettl constatou que a maioria dos pesquisadores na etnomusicologia contemporânea 
concordava apenas que a etnomusicologia poderia incluir seis aspectos básicos de enfoque: 
1. o estudo da música não-ocidental e do folclore musical de maneira geral; 
2. o estudo da música de tradição oral; 
3. o estudo da música em seu contexto cultural; 
4. o estudo das culturas musicais contemporaneas; 
5. o estudo da música no contexto e enquanto parte da cultura; 
6. o estudo comparativo de culturas musicais do mundo. 
 
Para ilustrar diferentes enfoques na etnomusicologia, vou comentar a seguir alguns campos importan-
tes de pesquisa, selecionados de forma aleatória. 
Música e Performance 
A etnografia da performance musical marca a passagem de uma análise das estruturas sonoras à 
análise do processo musical e suas especifidades. Abre mão do enfoque sobre a música enquanto 
"produto" para adotar um conceito mais abrangente, em que a música atua como "processo" de signi-
ficado social, capaz de gerar estruturas que vão além dos seus aspectos meramente sonoros. Assim 
o estudo etnomusicológico da performance trata de todas as atividades musicais, seus ensejos e 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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suas funções dentro de uma comunidade ou grupo social maior, adotando uma perspectiva proces-
sual do acontecimento cultural. 
Desde Max Weber sabemos que toda ação social está sujeita a uma dinâmica própria de cunho cultu-
ral. Antropólogos dos anos 70 deram continuidade a este pensamento interpretando manifestações 
culturais como encenação de determinada prática social. Além dos aspectos simbólicos e dos teores 
comunicativos, deu-se importância ao processo cultural incluindo seus parâmetros de contexto, forma 
e gêneros. Passou-se a considerar não apenas o conteúdo de falas, mas também o ato da fala en-
quanto fenômeno de comunicação, seus ensejos e sua etnografia. Para uma pesquisa musical, em 
que música significa uma forma específica de comunicação não-verbal e em que o momento proces-
sual, as partes não fixadas e improvisadas tomam espaço central da investigação, foi importante ado-
tar um enfoque semelhante. 
Para Turner e Schechner (1982) performances são, simultaneamente, étnicas e interculturais, históri-
cas e sem história, estéticas e de caráter ritual, sociológicas e políticas. Em última instân-
cia performance é um tipo de comportamento, uma maneira de viver experiências. Vistas desta ma-
neira, Turner e Schechner deixam claro que performances não se restringem apenas a cerimônias, 
rituais, eventos musicais e teatrais etc., mas que se estendem a muitos domínios da vida, seja ela 
tribal ou inserida no mundo industrial e moderno. 
Signos da Performance e Manifestações Expressivas 
Quais seriam então os elementos básicos que servem de pontos de apoio à performance musical 
propriamente? Simultaneamente a um sistema que define espaço e tempo, dando 
à performance musical uma limitação nessas duas dimensões principais, há outros sistemas de sig-
nos, dos quais dispõem os seus agentes ativos: a formação do "elenco", os atores, a interpretação, a 
entonação, a comunicação corporal etc. 
Ao lado dos signos visuais como a decoração e a organização do espaço, há os elementos acústicos, 
como a música e outros tipos de sons. Além destes devem ser considerados texto e enredo 
da performance, com seus significados lexicais, sintáticos e simbólicos. 
Os produtores e protagonistas da performance dependem desta soma de elementos, que constituem 
o plano sensório e de convenção geral. Em conjunto com os elementos da dramaturgia temos aí a 
matéria-prima com a qual se constrói outras grandezas, ou seja, através da sua performance o acon-
tecimento sonoro da música traz à tona fenômenos diversos, por vezes inesperados e não necessari-
amente acústicos (Oliveira Pinto, 1997: 28). 
Percebendo que a performance é mais do que apenas aquilo que se vê e que se ouve em espaço 
delimitado, a etnomusicologia contribuiu com definições mais abrangentes, sugerindo mesmo que 
a performance fosse "an all-expressing, as well as all-embracing phenomenon" (Messner, 1993: 15). 
Assim performances marcariam todas as atividades humanas, sempre que inseridas em algum qua-
dro de referência sociocultural. 
Em seu estudo sobre mecanismos que levam a mudanças em repertórios de música, John Blacking 
aponta para a performance musical como principal agente de persistência e, simultaneamente, de 
alteração de tradições. As questões que mais lhe parecem pertinentes no contexto de processos tras-
formativos da música e do sistema musical (Blacking, 1979: 8) podem ser adaptadas à análise 
da performance musical, como a seguir: 
1) Quem realiza a performance musical e quem atende a ela? Qual a sua insersão no grupo? Que 
idéias sobre música e sociedade estes agentes trazem para a situação da performance? 
2) Como é que a ocasião da performance afeta estruturas da música, seja diretamente, através de 
improvisação, variação e resposta da audiência, ou indiretamente, com a composição especial para 
um determinado evento? 
3) O que é particularmente musical na performance e nas respostas causadas pela performance, em 
oposição às reações sociais, políticas etc.? 
4) Como é que aspectos musicais da performance afetam participantesindividuais e assim influenci-
am decisões em esferas não-musicais? 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
15 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR 
Performances de música podem ser estudadas a partir de uma metodologia de pesquisa, que identifi-
ca os paralelos entre a prática das manifestações expressivas e as respectivas estruturas sociais, 
pois dramatização e representação musical prestam-se bem para uma leitura de questões sociais, 
que seriam características do grupo estudado (Feld, 1984). No carnaval pernambucano procurei veri-
ficar a dinâmica dos diferentes grupos sociais atuando no espaço público e privado através 
da performance das tradicionais agremiações carnavalescas (Oliveira Pinto, 1994). 
É também na performance dramática e musical que encontramos a ritualização do sagrado. Rituais 
fornecem elementos para se construir uma etnografia da performance, uma etnografia que possibilita 
reconhecer diversos modelos de edificação de tempo e espaço na cultura. 
Para o culto de louvor de uma igreja pentecostal pude definir a trajetória da dramatização do evento 
através da produção musical e cênica como representação de valores morais e religiosos (Rodrigues, 
1995). Também os estudos do candomblé ou da umbanda, quando consideram a performance, em 
especial a festa, não deixam de incluir os respectivos elementos dramáticos e de relevância musical 
(Amaral, 1998). Assim, Gerard Béhague analisa a performance de um rito de candomblé, para chegar 
a conclusões mais abrangentes sobre a relação entre música e as esferas mítica e espiritual (1984). 
Um possível enfoque, de natureza mais direta, é aquele que acompanha de perto um evento especí-
fico, como um ritual de cura no candomblé (sacudimento e ebó). Aqui pode-se elucidar detalhes im-
portantes quando isolada cena por cena do ritual. 
Este tipo de leitura da performance coloca em evidência estruturas e regras semelhantes às de uma 
peça de teatro. No candomblé, e mesmo em outros rituais religiosos, este tipo de análise, que pode-
mos denominar de "frame to frame", abre perspectivas boas para o discernimento da integração de 
toque (o audível), ação (o visível) e texto (o imaginário), triângulo relacional do rito que, quando colo-
cado em prática, funciona como mantenedor e mediador por excelência de conteúdos religiosos e 
míticos (Oliveira Pinto, 1997: 31). 
Evento e performance 
É interessante, por final, considerar a diferença entre a performance, enquanto conjunto de manifes-
tações e de formas de expressão, como definido acima, e o evento, momento de caráter mais singu-
lar. Um evento pode ser realizado por si só: 
Eventos são intervenções, regradas ou extemporâneas, que num lugar preciso permitem a interseção 
de falas, tempos e ações. Simultâneos e descontínuos, esses elementos desdobram e reiteram ges-
tos e atitudes que exploram o instante da apresentação. (Favaretto, 2000) 
Como arte do tempo, a música por si representa um evento. É singular, porque mesmo que se repita 
uma peça musical, ela nunca se faz ouvir de maneira idêntica à execução anterior. Se assim não 
fosse, não se justificariam as diversas versões das sinfonias de Beethoven gravadas pela Filarmônica 
de Berlim, (sem falar nas ca. de 600 versões gravadas por orquestras de todo o mundo). Permanece 
idêntica na repetição apenas a concepção sobre a peça de música, ou seja, a composição musical 
enquanto idéia, e não sua realização no tempo, um tempo que também sempre será outro. 
A música como parte de outras formas de expressão reflete a relação entre evento e performance. 
Esta relação é similar àquela entre rito e ritual, o primeiro fazendo parte do último, sem deixar de ter, 
simultaneamente, lugar próprio no universo social e de significados. 
Corporalidade 
Quando os portugueses chegaram à África Meridional assustaram-se não somente com o corpo des-
nudo dos africanos reação semelhante àquela de Pero Vaz de Caminha quando deparou com os 
nativos no Brasil mas ficaram especialmente indignados com o movimento desses corpos quando 
estimulados pela música. Do seu ponto de vista a mímica dançada era excessivamente insinuante e 
lasciva, os movimentos imorais e condenáveis. 
Se em geral se fala das propriedades formais do corpo, ele também deve ser considerado como 
agente que reage, que se movimenta e que faz movimentar. 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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Da mesma forma como determinado ornamento na pintura corporal traz informações sobre a cultura, 
é a reação deste corpo a dados estímulos que irá denotar a inserção do corpo e, portanto, da pessoa 
no seu espaço sociocultural. 
A reação a estímulos sensórios é um assunto que chama a atenção durante os mais variados ense-
jos: observe-se como diferentes povos acompanham música com batidas próprias de palmas, como 
diferentes corais se apresentam em palco da performance imóvel até aquela cheia de swing ou 
como audiências reagem de forma "culturalmente marcada" a diferentes músicas. 
Dança 
Um aspecto essencial da corporalidade e que, em grande parte, depende da música, é a dança. No 
ritual a relação entre música e dança revela muito do significado e da importância dos preceitos reli-
giosos e do mito. Aqui também o corpo é suporte de símbolos, o corpo, no entanto, que age e que se 
movimenta. 
No candomblé, por exemplo, as vestimentas e as chamadas ferramentas são signos essenciais da 
entidade divina, o orixá, mas é no movimento que se expressa a sua natureza fundamental. Assim, a 
dança, da forma como ocorre nos toques e cerimônias públicas do candomblé, serve de apoio à in-
corporação dos orixás em seus médiuns, quando se apresentam aos espectadores presentes. 
Ao analisar a dança dos orixás, não podemos nos limitar à observação superficial em relação às di-
versas mímicas dançadas, como: "Oxum mira-se no seu espelho, portanto é vaidosa". Muito além 
desta observação vai a percepção da reciprocidade e das relações estruturais de música e movimen-
to, que são específicas do orixá, de sua dança e mitologia. 
Vista desta forma, a relação de música e dança é submetida a uma análise estrutural interna. Refiro-
me a elementos sensórios, que podemos denominar de estruturas acústico-mocionais. Uma análise 
interna da dança parte de seqüências de movimentos em conjunto com o seu suporte musical ineren-
te. 
Aplicada ao exemplo do candomblé, em que a dança é parte do ritual, a corporalidade se enquadra 
em uma etnografia da performance com peso nos elementos isolados de movimento e som. O primei-
ro resultado desta análise interna do repertório acústico-mocional que obtive de quatro orixás (Olivei-
ra Pinto, 1991) já demonstra a complexidade do assunto, contribuindo, ao mesmo tempo, ao estudo 
da natureza e do caráter arquetípico das divindades do candomblé, conforme resumo esquemático na 
página seguinte. 
Com relação à coreologia, isto é, ao estudo da dança, como fundamentado, entre outros, por Rudolf 
von Laban (1950), convencionou-se em definir quatro elementos básicos para uma descrição do mo-
vimento: tempo, espaço, peso e fluência. O caráter "mocional", ou seja, o caráter arquetípico de cada 
um dos quatro orixás enumerados acima e expressado em movimento, encontra assim a sua corres-
pondência direta e clara: 
 
Omolu: peso 
Oxumaré: fluência 
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Oxum: tempo 
Iansã: espaço 
Movimentos que geram som 
Além da dança há outros momentos que fazem parte da corporalidade em conexão com a prática 
musical. Tocar um instrumento é uma dessas ações basicamente corporais. Além de, muitas vezes, 
serem vistos como extensão do corpo humano, instrumentos musicais levam os seus mestres a de-
senvolver verdadeiras façanhas, vedadas a demais corpos, não iniciados e trabalhados para domina-
rem a técnica instrumental. 
O virtusosismo como marco inicial do star-cult da cultura ocidental surgiu no século XIX. Niccolo Pa-
ganini (1782-1840), o violinista, ou Franz Liszt (1811-1886), o pianista,levaram o seu instrumento a 
perfeições jamais imaginadas. A gama de expressão, que hoje pode ser verificada nas obras que 
estes músicos deixaram, exige um domínio sobre o corpo que foge a qualquer padrão ou norma mais 
geral. A arte do virtuose está calcada em "corpos excepcionais", semelhantes àqueles de esportistas 
profissionais. 
A pesquisa etnomusicológica também considera os movimentos que geram o som no instrumento, 
pois estes se mostram essenciais, refletindo não apenas virtuosismo e técnicas apuradas, como tam-
bém determinadas concepções mentais. Por questões de sua ergonomia, um instrumento musical 
impõe certas maneiras de se executar movimentos. 
A interação do corpo humano com suas possibilidades fisiológicas de movimento e a morfologia do 
instrumento exercem grande influência sobre a estrutura musical, canalizando a criatividade humana 
por vias previsíveis e musicais. Detalhada por uma análise interna, a técnica de execução de um ins-
trumento vai levar às regras específicas dos padrões de movimento que, por sua vez, constituem uma 
importante base do fazer musical. Estudando o alaúde de 14 cordas do Afeganistão, o dutar, John 
Bailey, desenvolveu sua teoria de corporalidade e morfologia instrumental, um fenômeno que chamou 
de "spacio-motor-thinking" musical (Bailey, 1985; 1995). 
A corporalidade enquanto fonte de energia coletiva que dá vida a formas sonoras é tematizada em 
um trabalho de pesquisa sobre os tambores do candombe uruguaio de Luis Ferreira (1997). Nesta 
música percussiva, produzida por dezenas de tambores, ocorre uma interação da energia própria do 
músico com a pressão do som coletivo e das vibrações do solo sobre o seu corpo. Vibrações fortes, 
quando originárias de uma fonte sonora, neste caso um grupo de candombe, mas também quando 
produzidas por uma bateria de escola de samba, e mesmo quando oriundas de caixas de som de um 
trio elétrico ou de uma discoteca, agem diretamente sobre o corpo humano. 
A partir de certo grau de intensidade seja de volume ou seja por causa de uma excessiva duração 
temporal a vibração rítmica tem tal impacto sobre o corpo, que pode levar a alteração de seu estado 
de consciência (Rouget, 1983). No caso do candombe uruguaio a vibração coletiva não só toca os 
espectadores como também "passa aos ombros e chega a braços e mãos" dos tamborileiros (Ferrei-
ra, 1997: 183). Produz-se assim, neste tipo de evento musical, uma constante reciprocidade de estí-
mulos energéticos entre a corporalidade coletiva do todo (conjunto e audiência) e o corpo individual 
de cada músico em ação. 
Estruturas Musicais 
Como em toda investigação de estruturas, a busca por elementos musicais construídos e cultural-
mente significantes vai levar às menores unidades classificáveis do sistema, que servem de referên-
cia para a percepção do todo, o "som organizado humanamente". Dentro da cultura musical estes 
elementos menores estarão ligados uns aos outros de maneira relativamente estável, estabelecendo 
assim a ordem musical vigente. 
Decifrar a organização interna destes fatores interdependentes significa reconhecer a estrutura musi-
cal mais ampla nos seus múltiplos detalhes. Em uma análise feita de uma peça de berimbau tocada 
por um mestre de capoeira em Santo Amaro da Purificação (BA), parti das menores unidades, aque-
las que identificam o toque, para observar como se constrói a unidade maior, a música, de forma 
organizada e predeterminada quanto à disposição e combinação entre si das partes menores. Che-
guei à conclusão que aquilo que os músicos chamam de "improviso" na verdade não tem nada de 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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imprevisto, por obedecer às regras de combinação e relação entre as partes menores. Pode ocorrer, 
isso sim, um desenvolvimento inesperado, mas sempre dentro do previsto, determinado pela cultura 
musical do berimbau no Recôncavo Baiano. Entender esta peça musical, portanto, requer um conhe-
cimento da música local como um todo. O grande mestre instrumentista e compositor é aquele que 
impõe sua versão pessoal, porém sem ignorar o aspecto objetivo das regras musicais existentes (Oli-
veira Pinto, 1988; Galm, 1997). 
Quando se fala em ouvir e entender música, fala-se da "percepção" musical. Entende-se como per-
cepção o processo através do qual o ser humano organiza e vivencia informações, estas basicamen-
te de origem sensória. Longe de existir um consenso, música e sua percepção cognitiva é assunto 
que já causou polêmica entre representantes de diversas disciplinas. Assim, há psicólogos que acre-
ditam em processos cognitivos como universais de natureza, pois cada ser humano dispõe de um 
sistema nervoso. 
A visão oposta já enxerga na diversidade cultural a predisposição para uma preferência e seleção 
naturais dos padrões visuais e auditivos, fazendo de cada processo cognitivo um caso específico e 
culturalmente impregnado (Bornstein, 1973). Com base em dados empíricos, a pesquisa musical 
ajudou a detalhar diferenças cognitivas no processo de percepção sonora. Lembre, que ao darem 
início à Musicologia Comparativa por volta de 1900, os pesquisadores, psicólogos e musicólogos em 
Berlim já faziam as perguntas em torno de "como ouvem" e "como entendem" outros povos os seus 
sistemas musicais, diferentes dos cânones ocidentais (Simon, 2000). 
Estruturas musicais podem denotar estilos e características de repertórios inteiros. Podem mesmo 
assumir uma função descritiva, ou então reforçar elementos não acústicos da performance geral. Ao 
analisar as características do repertório musical do xangô de Recife, José Jorge de Carvalho de-
monstrou os paralelos entre características melódicas do repertório religioso e três pares de divinda-
des contrastantes (Carvalho, 1984). Sua análise sugere que a música exerce, de fato, uma função 
quase que "ilustrativa", dando ao caráter do orixá uma leitura sonora. 
Elementos de Música Africana 
Nos primeiros anos do estabelecimento da Musicologia Comparativa, estruturas de natureza predo-
minantemente rítmica passaram a interessar os pesquisadores de forma secundária. Só depois de 
analisadas prioritariamente escalas e afinações "exóticas" de países orientais, pesquisadores da pri-
meira metade do século XX expandiram o seu enfoque também a estruturas rítmicas. Retomando o 
que se sabia até a época, o musicólogo americano Richard Waterman (1952) resumiu as característi-
cas que lhe pareciam essencias em grande parte das culturas musicais africanas, apontando também 
para os seus paralelos na música afro-americana. Note-se que os cinco critérios por ele enunciados 
referem-se a aspectos estruturais da música: 
(1) "Metronome Sense"; 
(2) "Call and response Pattern", incluindo "overlapping call and response"; 
(3) poliritmo e polimétrica; 
(4) fraseados em off-beat dos acentos melódicos; 
(5) predominância dos instrumentos de percussão (idiofones e membranofones). Este último dado 
coincide com uma imagem generalizada que muita gente tem até hoje da música africana. Apesar da 
inquestionável importância do elemento percussivo, não se pode considerar como menos importantes 
os elementos polifônicos na música vocal (por exemplo dos Wagogo na Tanzânia) e também na mú-
sica instrumental (sopros e cordas). 
Com base no interesse pela diáspora da cultura africana no Novo Mundo, Waterman e outros pesqui-
sadores americanos deram início também à documentação e descrição musicológica de repertórios 
de música afro-brasileira (Herskovits, 1946; Herskovits & Waterman, 1959; Merriam, 1956; 1963). 
Destes estudos, a maioria ainda evidencia um enfoque predominantemente "musicológico", que pro-
cura detectar estruturas musicais a partir de uma visão ocidental, com as músicas transcritas em par-
tituras. 
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Não apenas entender enquanto pesquisador, mas procurar saber como os músicos entendem as 
próprias produções sonoras, levou Gerhard Kubik a realizar um grandenúmero de trabalhos sobre 
música africana e seus aspectos cognitivos. 
Em um ensaio sistemático de 1984, que resume suas próprias pesquisas musicais na África e que 
amplia todos os estudos do gênero feitos anteriormente, Kubik enumera doze critérios que lhe pare-
cem essenciais para uma compreensão de estruturas sonoras e de movimento dos processos musi-
cais, cognitivos e performáticos de culturas africanas: 
Música e dança: a partir de sua semântica, fica evidente que na maioria dos idiomas africanos o as-
pecto sonoro e o movimento de música e dança são inseparáveis. Ao analisar-se música africana, 
portanto, dança e expressão corporal devem sempre ser considerados. 
Pulsação elementar: é a pulsação contínua de valores de tempo mínimos. Este timing é concretizado 
acusticamente ou através de movimentos, significando a menor distância entre impactos sonoros 
e/ou de movimentos. Não existe início ou final preestabelecidos, assim como tampouco uma acentu-
ação pre-definida. 
Na prática esta acentuação se dá, por exemplo, na execução de um padrão de chocalho na bateria 
de samba que preenche as pulsações elementares ininterruptamente. Waterman havia se referido à 
pulsação elementar como "metronome sense". 
Beat e off-beat: beat e off-beat representam a marcação e a batida entre as marcações. As acentua-
ções melódicas do repertório africano caem predominantemente fora da marcação, ou, na terminolo-
gia ocidental, fora do primeiro tempo do compasso. Dentro do acontecimento musical a marcação 
representa um referencial onipresente, assim como também a pulsação elementar. Ambos referenci-
ais agem simultaneamente. 
Ciclos formais: enquanto o referencial rítmico é realizado pela marcação e pela pulsação elementar, 
os motivos melódicos, as frases, temas e fórmulas musicais expressam na sua repetição ciclos for-
mais precisos que em geral se estendem sobre 8, 9, 12, 16, 18, 24, 27 ou 36 pulsos. O comprimento 
do ciclo é definido a partir do momento do primeiro impacto até o início de sua repetição. 
Ritmos cruzados (cross-rhythm): a combinação de ritmos, frases ou motivos pode realizar-se de tal 
forma que sua acentuação não coincide, resultando em novas configurações rítmicas. 
Pulsos intercalados (interlocking): trata-se aqui de uma versão específica de ritmo cruzado, que se 
apresenta de forma regular, quando dois ou três músicos intercalam suas marcações sonoras. 
Padrão (pattern): em muitas culturas africanas os músicos pensam em padrões organizados, sejam 
estes rítmicos, ou de outra natureza sonora e de movimento. 
Notação oral: padrões rítmicos são muitas vezes fixados de forma não escrita. A sua manutenção 
fonética serve para a transmissão de determinadas configurações musicais. 
Time-line-pattern: Este é um padrão rítmico especial, de configuração assimétrica, que funciona como 
"cerne estrutural" da música. Time-line-patterns são fórmulas estáveis, produzidas em um tom ape-
nas, de timbre agudo, e servem de orientação aos demais músicos e aos dançarinos. 
Seqüências de timbres: é a mudança de timbres que pode ocorrer sem variação da freqüência de 
tom. Nos tambores, por sua vez, pode-se produzir estruturas rítmicas, com seqüências de timbres 
que assumem aspectos melódicos. 
Alternâncias na polifonia (skipping process): através de usos alternados de determinados tons dentro 
de uma escala, ocorrem sistemas polifônicos, que se distinguem das polifonias ocidentais e caracteri-
zam estilos musicais da África Oriental e Meridional. 
Padrões inerentes: o processo musical permite o surgimento de padrões inerentes, que resultam da 
combinação de alguns elementos de duas ou mais partes da música. Trata-se de um tipo de "ilusão 
de audição", pois estes padrões são perceptíveis para uns, para outros só quando alertados. (Kubik, 
1984) 
 METODOLOGIAS DE LEITURA DE MUSICA 
 
 
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Aproveitando as descobertas que fez na África, Kubik também chegou a conclusões interessantes 
durante suas três viagens de investigação no Brasil, à procura dos paralelos musicais africanos exis-
tentes no país (Kubik, 1979; 1991). 
No seu estudo sobre o batuque da cidade de Capivari, no interior de São Paulo, depois de avaliado o 
contexto social e familiar desta tradição nos anos 70, Kubik aproveitou para analisar e transcrever os 
padrões musicais produzidos pelos instrumentos do batuque (quinjengue, tambu, matraca, guaiá) a 
partir de um registro em filme. 
Concluiu que entre os elementos que denotavam uma "concepção" africana estava o conceito de 
toque de tambor não apenas enquanto configuração de ritmo, mas de seqüências "timbre-melódicas". 
Além disso constatou uma superposição de ciclos de 12 ou 6 batidas sobre o ciclo métrico de 3 ou 4 
unidades de pulsação. Outro aspecto importante verificado por Kubik se dá em relação aos movimen-
tos, em que unidades mínimas de ação levam a configurações de movimentos preestabelecidos e 
igualmente cíclicos, como parte do fazer musical (1990). 
Um importante achado de Kubik no Brasil foi, sem dúvida, a existência de padrões assimétricos, os 
chamados time-line-pattern de origem africana, que se preservam com notável força criativa e inova-
dora, e, simultaneamente, se mantêm no Brasil com grande estabilidade quanto a sua gestalt básica, 
mesmo que histórica e geograficamente distante de África. Um dos mais característicos destes time-
line-pattern é representado pela linha rítmica do samba, executado no tamborim em um conjunto ca-
rioca de pagode. 
Os time-line-pattern são responsáveis por uma variedade de repertórios de música brasileira e funci-
onam como orientação para as demais partes da música na sua linha temporal. Além disso manifes-
tam relações históricas, confirmando, por exemplo, a origem bantu do samba de roda, ou a origem 
iorubá e/ou fon do candomblé gege-nagô (Kubik, 1979). Assim, e de forma similar à etnolinguística, o 
estudo aprofundado da música, como realizado nas pesquisas de Kubik, também serve de suporte 
científico à reconstrução da história das culturas africanas no Brasil. 
A definição de padrão rítmico um importante elemento estrutural da música é outro assunto que surge 
quando vemos que a concepção africana de pattern não é apenas linear, mas multidirecional. Volta-
mos ao repertório musical do berimbau. Procurando definir o que significaria o termo nativo "toque", 
há dois componentes básicos para a sua formulação: 
1. O componente horizontal a seqüência rítmico-métrica que se estende sobre um ciclo de ao menos 
oito pulsações mínimas; 
2. O componente vertical a variabilidade no âmbito de tons, ou seja, a disposição sucessiva de dois 
tons distintos no ciclo de pulsações. 
Uma das definições de pattern na música africana, como "a mais longa seqüência consecutivamente 
repetida" (Koetting, 1970), também vale para fórmulas rítmicas nos mais variados conjuntos afro-
brasileiros, assim como para o toque de berimbau. Para este último a definição inclui, portanto, além 
da espacialidade dos seus dois tons básicos, uma duração delimitada pela própria configuração sono-
ra, que, quando repetida, já denota o novo início do toque. 
Afinação 
O ritmo, a métrica de uma peça musical e as seqüências cíclicas de determinados padrões, como os 
própios time-line-pattern, pertencem ao componente horizontal da música. Diferente de ritmo ou 
mesmo de configurações melódicas, as estruturas de afinação e de combinação de intervalos já 
apresentam uma disposição vertical. 
Por resultarem de simultaneidades sonoras, os aspectos verticais de toda música são, muitas vezes, 
mais difíceis de perceber do que os horizontais, que se estedem ao longo da linha temporal. A este 
domínio vertical de estruturas sonoras pertencem as afinações de instrumentos. 
Habituado a certas relações de intervalos, principalmente também às afinações diatônicas e tempe-
radas da música ocidental, o nosso ouvido pode, automaticamente, "corrigir" determinadas "desafina-
ções" alheias. Estar "fora do tom" ou "desafinado", em si já são

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