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O pâncreas é um órgão retroperitoneal que possui uma particularidade: ser “2 órgãos em 1”. Isso porque ele é um órgão endócrino e exócrino: - Porção exócrina: produz enzimas digestivas e as entrega no lúmen do duodeno. É composta por células acinares e ductos e compreende 80 a 90% do pâncreas. Enzima Função Tripsina Digestão de proteínas Quimiotripsina Digestão de proteínas Amilase Digestão de carboidratos Lipase Digestão de TGL - Porção endócrina: secreta hormônios, como insulina e glucagon. É composta pelas ilhotas de Langerhans. Existem aproximadamente um milhão de ilhotas, de diferentes tamanhos (entre 50 µm e 250 µm). Os três tipos celulares principais encontrados nas ilhotas são: 1. Células beta (β), encontradas apenas nas ilhotas; representam 60 a 70% de suas células. Envolvidas na regulação do metabolismo dos carboidratos e gorduras, além da promoção da captação de glicose sanguínea para músculo esquelético, fígado e gordura, através da síntese de insulina. Também sintetizam peptídeo C e amilina. 2. Células alfa (α), localização periférica; representam 15 a 20% das células. Atuam na regulação do metabolismo de carboidratos. Sintetizam glucagon, que estimula a glicogenólise hepática e promove hiperglicemia. 3. Células delta (δ), encontradas nas ilhotas, onde representam 5 a 10% de suas células, e em outros sítios do trato digestivo; produzem somatostatina, hormônio que inibe a secreção tanto de insulina quanto de glucagon. Outros tipos celulares, que constituem somente cerca de 5% da população de células das ilhotas são: 4. Células F ou PP, produtoras do polipeptídeo pancreático, hormônio que estimula as células principais gástricas e inibe a motilidade intestinal; são encontradas nas ilhotas e esparsas no parênquima pancreático exócrino e no trato gastrointestinal. 5. Células épsilon (∊), menos de 1% das células das ilhotas e produzem grelina (“hormônio da fome”), peptídeo que estimula o apetite em resposta ao jejum, produzido também pelas células epiteliais gástricas. 6. Células raras: células D1 e enterocromafins. -D1: produzem o polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP), hormônio que induz a glicogenólise e a hiperglicemia; também estimula a secreção de líquido gastrointestinal e causa diarreia secretória. - Células enterocromafins: sintetizam serotonina e dão origem aos tumores pancreáticos, que causam a síndrome carcinoide. As doenças do pâncreas endócrino resultam de alterações nessas células. As principais doenças do pâncreas são a pancreatite aguda e crônica, os pseudocistos, e a diabetes, sendo as três primeiras doenças do pâncreas exócrino e a ultima, uma doença do pâncreas endócrino. O termo diabetes deriva do verbo grego diabaínō (atravessar, passar pelas pernas), formado de diá (através) mais báinō (passar), em alusão à poliúria que caracteriza a doença descompensada; a palavra melito deriva do latim mellītus, a, um (de mel, adoçado com mel), em referência ao caráter adocicado da urina eliminada pelos doentes. O diabetes melito é um grupo de distúrbios metabólicos que compartilham a característica subjacente comum da hiperglicemia. A hiperglicemia resulta de um defeito na secreção de insulina, na ação da insulina ou, mais comumente, de ambas. Epidemiologia Em 2013, a International Diabetes Federation estimou em 382 milhões o número de diabéticos em todo o mundo (8,3% da pop. mundial). Para 2035, prevê-se um incremento de 55% no número de pessoas acometidas, que deverá atingir a impressionante cifra de 592 milhões. No Brasil, o número de diabéticos é da ordem de 12 milhões, registrando-se, nos últimos anos, aumento da prevalência, inclusive entre os jovens. Entre os fatores responsáveis por esse aumento, destacam-se os desvios alimentares e a opção por estilo de vida mais sedentário. Diagnóstico O diagnóstico de DM baseia-se nos seguintes critérios: Valor aleatório da glicemia igual ou superior a 200 mg/dL, associado a manifestações clínicas. Glicemia de jejum igual ou superior a 126 mg/dL, em mais de uma dosagem. Glicemia superior a 200 mg/dL 2 horas após a administração, por via oral, de solução padrão de carboidrato (75 g de glicose anidra, equivalente a 82,5 g de dextrosol). Nível sérico de glico-hemoglobina (HbA1c) igual ou superior a 6,5%. Para os pacientes com glicemia de jejum de 100 mg/dL a 125 mg/dL e glicemia pós-prandial de 140 mg/dL a 199 mg/dL, criaram-se as expressões glicemia de jejum alterada e tolerância à glicose diminuída, respectivamente. Ambas as condições são referidas como pré-diabetes, termo que, mais recentemente, passou a englobar também os casos com níveis de HbA1c de 5,7 a 6,4%. Classificação: Embora todas as formas de diabetes melito compartilhem a hiperglicemia como característica comum, as alterações subjacentes envolvidas no desenvolvimento da hiperglicemia variam amplamente. DM tipo 1 - É uma doença autoimune caracterizada pela destruição das células β e por deficiência absoluta de insulina. - Corresponde a 5 a 10% dos casos de DM e é o subtipo mais comum abaixo dos 20 anos. - Tende a ser severa com acentuada deficiência de insulina e marcada hiperglicemia. - Se não controlada resulta em cetoacidose. - Subdivide em: Tipo 1A (imunomediada) e Tipo 1B (idiopática). DM tipo 2 - É causado pela combinação de resistência periférica à ação da insulina e resposta secretória inadequada das células β pancreáticas (“deficiência relativa de insulina”). - Representa a maioria (cerca de 90%) dos casos de DM e incide, sobretudo, em pessoas com sobrepeso. - O nível sanguíneo de insulina é normal ou alto. Formas monogênicas de DM - Defeitos genéticos da função da célula β: diabetes juvenil de início tardio (MODY 1-6), diabetes neonatal, diabetes por mutações no DNA mitocondrial, defeitos na conversão da pró-insulina, mutações no gene da insulina. - Defeitos genéticos na ação da insulina: resistência à insulina tipo A, síndrome de Donohue (leprechaunismo), síndrome de Rabson-Mendenhall, diabetes lipoatrófico. Afecções do pâncreas exócrino - Pancreatite crônica, pancreatectomia, traumatismo, neoplasias, fibrose cística, hemocromatose (“diabetes pigmentado”). Endocrinopatias Acromegalia, síndrome de Cushing, hipertireoidismo, feocromocitoma, glucagonoma, somatostatinoma. pancreas endocrino Introdução Diabetes melito @waleska112 Med - UFOB Infecções Citomegalovírus, vírus coxsackie B, rubéola congênita. Formas incomuns de DM mediadas por fatores imunitários Síndrome do homem rígido (stif-man syndrome), anticorpos antirreceptor da insulina. DM por medicamentos ou agentes químicos Pentamidina, glicocorticoides, interferon-α, inibidores de proteases, agonistas β-adrenérgicos, diuréticos tiazídicos, ácido nicotínico, diazóxido, difenil-hidantoína, toxinas (aloxana). Outras síndromes genéticas associadas ao DM Síndrome de Down, síndrome de Klinefelter, síndrome de Turner, síndrome de Wolfram, síndrome de Prader- Willi, ataxia de Friedreich, síndrome de Laurence- Moon-Biedl, coreia de Huntington, distrofia miotônica. DM gestacional Aspectos fisiológicos Revisaremos aspectos críticos para o entendimento da patogênese do diabetes. Homeostase da glicose A homeostase da glicose é regulada por três processos inter-relacionados: (a) produção de glicose no fígado; (b) captação da glicose e sua utilização pelas células, particularmente nos músculos estriados; (c) ação da insulina e dos hormônios contrarreguladores, entre os quais se destaca o glucagon. Em jejum, baixos níveis de insulina e níveis elevados de glucagon favorecem a gliconeogênese hepática e a glicogenólise, de modo a prevenir a hipoglicemia. Após as refeições, ocorre o inverso, ou seja, aumento da insulinemia e decréscimo dos níveis de glucagon, estimulando a captação da glicose e a sua utilização pelas células, além da restauração dos estoquesde glicogênio. Produção da insulina A insulina é produzida nas células β das ilhotas pancreáticas como uma proteína precursora, sendo clivada proteoliticamente no complexo de Golgi para gerar o hormônio maduro e um subproduto peptídico, o C-peptídeo. Tanto a insulina quanto o C-peptídeo são armazenados em grânulos secretórios e secretados em quantidades equimolares após o estímulo. A dosagem sérica do peptídeo C não se altera na presença de Ac anti-insulina, de modo a refletir, melhor do que a própria insulina, a atividade secretória das células β. Os níveis séricos do peptídeo C encontram-se diminuídos no DM tipo 1 e elevados quando há resistência à insulina acompanhada de hiperinsulinemia. Estímulos para liberação As células β expressam um canal de K+ sensível ao ATP na membrana, que apresenta duas subunidades: o canal de K+ sensível ao ATP e o receptor de sulfonilureia (local de ação de medicamentos com agentes hipoglicemiantes orais). O aumento dos níveis de glicose no sangue faz com que o transportador GLUT-2 coloque glicose para dentro da células β. Na célula, o metabolismo da glicose gera ATP, que inibe a atividade do canal de K+ sensível ao ATP, levando à despolarização da membrana e ao influxo do Ca2+. O aumento no Ca2+ intracelular estimula a secreção de insulina. Além disso, alguns hormônios são responsáveis pela promoção da secreção de insulina a partir de células pancreáticas β: o GLP-1 (glucagon-like peptide-1) e o GIP1 (glucose-dependent insulinotropic polypeptide), - que são incretinas*. O GLP-1 resulta da clivagem pós-traducional da molécula precursora (pró-glucagon) nas células L do epitélio intestinal. Seus níveis aumentam no período pós-prandial imediato, devido ao efeito de complexos fatores neuro-hormonais acionados pela chegada de *Classe de substâncias produzidas pelo pâncreas e pelos intestinos e que regulam o metabolismo da glicose nutrientes ao TGI. Ele estimula a secreção de insulina dependente da glicemia, a expressão do gene da proinsulina e a proliferação das células β e inibe a secreção de glucagon pelas células α do pâncreas, a apoptose das células β e o esvaziamento gástrico O efeito da amplificação da secreção da insulina mediado pelos hormônios intestinais GLP-1 e GIP1, é conhecido como efeito incretina. Uma vez liberados, o GIP e GLP-1 circulantes são degradados na circulação por uma classe de enzimas conhecidas como dipeptidil-peptidase (DPPs). Ação da insulina A insulina promove a captação e a utilização da glicose, em especial pelas células musculares estriadas, incluídos os miocardiócitos, e pelos adipócitos, com geração de energia; induz, também, a síntese proteica e o armazenamento de lipídeos neutros. Além disso, a insulina tem função mitogênica por estimular a síntese de DNA, a multiplicação e a diferenciação de algumas células. Na musculatura estriada, a glicose é armazenada como glicogênio ou oxidada para gerar ATP; no tecido adiposo, há aumento da lipogênese e redução da lipólise, ao passo que no fígado ocorre inibição da gliconeogênese e aumento da lipogênese e da síntese de glicogênio. De modo similar, a insulina promove captação de aminoácidos e síntese proteica enquanto inibe a degradação proteica. A captação de glicose em certos tecidos, especialmente o tecido nervoso, independe da ação da insulina. Vias de sinalização A ação da insulina inicia-se pela ligação com o seu receptor nas células. O receptor de insulina é uma proteína tetramérica composta de duas subunidades α e duas β, sendo que domínio citoplasmático da subunidade-β tem atividade de tirosina-cinase. A ligação da insulina ao domínio extracelular da subunidade-α ativa a tirosina-cinase da subunidade-β (intracelular), resultando em autofosforilação do receptor e em fosforilação (ativação) de diversas proteínas substrato intracelulares, como o IRS (substrato do receptor da insulina, as quais incluem IRS1-IRS4 e GAB1) e a CBL (proteína que atua no transporte da GLUT4 para a membrana). O IRS fosforilado ativa outras proteínas, em particular a PI3K, cinase que fosforila o fosfatidilinositol bifosfato (PIP2) em fosfatidilinositol trifosfato (PIP3), na membrana citoplasmática. PIP3 fosforila a AKT (também conhecida como proteína cinase B – PKB) e a proteína cinase C (PKC). AKT e PKC têm as seguintes ações: (1) promovem a translocação da proteína transportadora de glicose 4 (GLUT4) do citosol para a membrana citoplasmática; GLUT4 possibilita a entrada de glicose nas células; (2) induzem a síntese de glicogênio, de lipídeos e de proteínas nas células; (3) ativam a via MAPK, estimulando a expressão de genes de proliferação celular. Patogênese 1. DM tipo 1 Em mais de 90% dos casos, trata-se de doença autoimune, fruto da interação entre suscetibilidade genética e fatores ambientais. A afecção resulta da destruição das ilhotas pancreáticas por células do sistema imune que reagem contra antígenos endógenos das células β. Por ocasião do diagnóstico, a maioria dos pacientes possui anticorpos circulantes contra: (a) células das ilhotas; (b) insulina; (c) descarboxilase do ácido glutâmico; @waleska112 Med - UFOB (d) tirosina fosfatase; (e) agente transportador de zinco T8 (codificado pelo gene SLC 30A8). Os níveis desses anticorpos decrescem ao longo do tempo. níveis baixos de Ac anti-insulina desenvolvem-se em quase todos os pacientes tratados com o hormônio. Em cerca de 10% dos pacientes com DM tipo 1, coexistem outras afecções autoimunes, como doença de Graves, tireoidite de Hashimoto, miastenia gravis, doença de Addison e anemia perniciosa. Em menos de 10% desses pacientes, em geral de ascendência asiática ou africana, não há nenhum indício de autoimunidade contra as células β, ficando sem explicação a insulinopenia e a ocorrência de cetoacidose (DM tipo 1 idiopático ou DM tipo 1B). O que é cetoacidose? A cetoacidose diabética acontece quando os ácidos graxos são utilizados como uma fonte de energia no lugar da glicose. A ausência da insulina causa redução da utilização da glicose e aumento da gliconeogênese. Como consequência da hiperglicemia, ocorre diurese osmótica e desidratação. Aqui, a ativação da lipase lipoproteica promove quebra das reservas adiposas e aumento dos níveis de ácidos graxos livres circulantes que, atingindo o fígado, são esterificados em acil-coenzima A. Nas mitocôndrias, a oxidação da acil-coenzima A produz os chamados corpos cetônicos (ácido acetoacético e ácido β- hidroxibutírico) em ritmo que excede a capacidade dos tecidos de utilizá-los como fonte de energia; como resultado, desenvolvem-se cetonemia e cetonúria. Por causa da desidratação fica difícil a excreção urinária dos corpos cetônicos, causando acidose metabólica. O pH do corpo é abaixado a níveis ácidos perigosos. Um período de poliúria (aumento do débito urinário) + polidipsia (aumento da sede) + polifagia (aumento da fome) pode ocorrer antes de um episódio agudo de cetoacidose. Fatores genéticos Entre os possíveis marcadores moleculares de suscetibilidade relacionados com a doença, o HLA, localizado no cromossomo 6p21, é o mais conhecido e importante. A grande maioria dos pacientes caucasianos (90 a 95%) possui os haplótipos HLA-DR3 (Hepatite autoimune, Síndrome de Sjogren ou LES) ou HLA-DR4 (Artrite reumatoide), fato observado em apenas 40% dos não diabéticos. Associação de DR3 ou DR4 com DQ8 (doença celíaca) acompanha-se de risco muito elevado de desenvolver a doença. Suscetibilidade ao DM tipo 1 associa-se também a polimorfismos no próprio gene da insulina e, assim como ocorre em outras doenças autoimunes, a polimorfismos em genes que codificam produtos que inibem a resposta imunitária celular. Fatores ambientais Entre os possíveis envolvidos, destacam-se as infecções virais (gatilho para a destruição das células β). Não sesabe os vírus implicados. Os mecanismos propostos são: - vírus produzem proteínas que mimetizam Ag das células β, com reação cruzada e agressão às células do hospedeiro. - Uma infecção viral seguida de reinfecção por vírus relacionado que, compartilhando com o primeiro certos epítopos, desencadeia a resposta imunitária contra as células das ilhotas infectadas, explicando o período de latência entre a infecção inicial e o desenvolvimento de DM tipo 1. - Lesão das ilhotas, seguida de processo inflamatório com liberação de Ag sequestrados de células β e ativação de células T autorreativas. Embora as manifestações clínicas do DM tipo 1 surjam de forma abrupta, o processo autoimune inicia-se anos antes, com queda progressiva das reservas de insulina ao longo do tempo. Hiperglicemia e cetose ocorrem depois que mais de 90% das células β são destruídas. Patologia Apesar da biópsia não fazer parte da avaliação, compreender as alterações patológicas no diabetes é útil para obter um entendimento mais amplo do processo geral da doença. No início, ocorre um infiltrado linfocítico das células (insulite). À medida que progride, há contínua destruição das células beta até que estejam praticamente ausentes (a ausência se vê pela coloração imunohistoquímica específica para insulina). Algum grau de atrofia acinar pode estar presente, bem como fibrose intra e interlobular. Tratamento: administração de insulina exógena (manter uma variação saudável da glicose sérica). Para complementar o tratamento da diabetes tipo 1, é importante fazer uma alimentação isenta ou pobre em açúcar e com baixo teor de carboidratos, além da atividade física. 2. DM tipo 2 Tem etiologia complexa e multifatorial. - Fatores comportamentais (sedentarismo e hábitos alimentares inadequados obesidade) e fatores genéticos (o risco nos descendentes é bem mais elevado quando ambos os pais são acometidos). São conhecidos diversos loci de suscetibilidade, sendo o risco relacionado com polimorfismos em genes associados à função das células β e à secreção de insulina. Os defeitos metabólicos básicos que caracterizam o DM tipo 2 são: ■ Resistência à insulina, hiperplasia compensadora das células β, hiperinsulinemia de jejum e aumento exagerado dos níveis circulantes do hormônio em resposta à administração de glicose. ■ Disfunção das células β (multifatorial) que ocorre em fase bem mais precoce do que se supunha, a ponto de ser documentada mesmo em pré-diabéticos. A resistência à insulina é fenômeno complexo associado a anormalidades em várias etapas na sua via de ação. Os fatores envolvidos são: (1) Disponibilidade de GLUT4 na membrana celular. Excesso de ácidos graxos livres (não esterificados), que surge por maior aporte de alimentos, por aumento na síntese intracelular ou por redução na β- oxidação mitocondrial deles, altera o padrão de fosforilação de PKC, que deixa de ocorrer no aminoácido tirosina e passa a ser em serina/treonina. Com isso, o IRS não realiza as suas ações, inclusive a de promover a translocação do GLUT4 para a membrana citoplasmática. (2) Diminuição dos níveis de adiponectina, adipocina anti-hiperglicêmica que melhora a sensibilidade à insulina na medida em que potencia a atividade da enzima AMPK (AMP-activated protein kinase). (3) Secreção de citocinas pró-inflamatórias pelo tecido adiposo visceral (órgão autócrinoparácrino-endócrino funcional capaz de secretar peptídeos bioativos em resposta a alterações do estado metabólico). O excesso de ácidos graxos livres é capaz de se ligar a receptores intracelulares e ativar inflamassomos, o que aumenta a liberação de citocinas pró- inflamatórias (p. ex., IL-1), capazes também de causar resistência à insulina. Obesidade e relação com resistência à insulina O risco para diabetes se acentua com o aumento do índice de massa corporal. Sobretudo a obesidade visceral (aumento da gordura mesentérica e do omento), por estar associada a maior disponibilidade de ácidos graxos livres e por favorecer o estado pró- inflamatório. Há evidências que a hiperinsulinemia persistente, por si mesma, favorece a resistência à insulina, por promover redução na afinidade do receptor do hormônio, diminuindo o número de receptores expostos na superfície das células-alvo e diminuindo a efetividade do receptor na transmissão dos sinais estimuladores. Por conseguinte, a relação entre resistência à insulina e hiperinsulinemia deve ser entendida como duas variáveis que se influenciam mutuamente, ao modo de um círculo vicioso. Alguns dos mecanismos patogenéticos mencionados têm implicações terapêuticas: (1) a metformina, agente hipoglicemiante oral largamente utilizado no tratamento de diabéticos tipo 2, atua no fígado, @waleska112 Med - UFOB diminuindo a gliconeogênese hepática pela ativação da AMPK, ao passo que (2) as tiazolidinedionas, como a pioglitazona e a rosiglitazona, hipoglicemiantes orais prescritos isoladamente ou associados à metformina, ligam-se ao receptor nuclear (fator de transcrição) PPAR-γ (peroxisome proliferator- activated receptor gamma) e, interferindo na expressão de vários genes, regulam a liberação, pelos adipócitos, de adiponectina e resistina. Sob efeito das tiazolidinedionas, é estimulada a secreção de adiponectina, sensibilizando os tecidos aos efeitos da insulina, e inibida a secreção de resistina, com diminuição da resistência ao hormônio. Disfunção das células β - A disfunção que acompanha a DM tipo 2 é atribuída ao esgotamento de sua capacidade adaptativa e à sua virtual exaustão, obrigadas que são, para manter os níveis glicêmicos dentro da normalidade, a promover, por tempo prolongado, secreção excessiva de insulina. Mas não é tão simples... Nem todas as pessoas obesas com resistência à insulina desenvolvem DM. Por isso, acredita-se que pode haver também uma predisposição geneticamente condicionada à falência das células β. - Uma característica marcante do DM tipo 2 de longa duração consiste na substituição de grande parte das ilhotas pancreáticas por uma substância conhecida como amilina (um polipeptídeo armazenado, juntamente com a insulina, nos grânulos de secreção das células β e secretado em resposta aos mesmos estímulos que promovem a liberação de insulina). Há fortes indícios de que oligômeros de amilina são tóxicos para as células das ilhotas, favorecendo sua apoptose - de forma análoga ao papel representado, na doença de Alzheimer, pelas placas senis (áreas arredondadas de alteração da estrutura do neurópilo, cujo principal componente é o peptídeo β-amiloide, que compartilha com a amilina o fato de se ligarem ao mesmo receptor e de serem degradados pela mesma protease). Por outro lado, a amilina promove retardo do esvaziamento gástrico, regula a secreção pós-prandial de glucagon e contribui para a sensação de saciedade. Sua administração poderia favorecer o controle glicêmico, mas sua toxicidade para as células das ilhotas torna inviável o seu uso clínico. Para superar isso, é feita a prescrição de seu análogo sintético – a pramlintida –, que difere do peptídeo nativo em três aminoácidos (prolina, no lugar da alanina, na posição 25, e no lugar da serina, nas posições 28 e 29) e é administrado por via subcutânea, antes das refeições, de modo a contribuir para a redução da glicemia pós-prandial. Diminuição do efeito incretina Na DM tipo 2, ocorre diminuição da secreção de GLP-1, mas não de GIP1; A infusão de GLP-1 promove, nos diabéticos tipo 2, aumento da secreção de insulina e redução dos níveis glicêmicos. Essa constatação tem implicações terapêuticas; ou seja, como o GLP-1 endógeno é rapidamente inativado pela enzima dipeptidilpeptidase-4 (DPP-4), medicamentos como a exenatida – antidiabético oral incretinomimético, resistente à ação da DPP-4 – comportam-se como agonistas do receptor do hormônio, aumentando a sensibilidade à insulina. Patologia Exame microscópico não apresentaparticularidades em pacientes com DM tipo 2. Ilhotas apresentam graus variáveis de fibrose, deposição de amiloide e perda de células β. Insulite não é uma característica típica do DM tipo 2. Tratamento O tratamento é multifacetado, sendo essenciais as modificações no estilo de vida para diminuição do peso. Existem vário medicamentos disponíveis, que abrangem diferentes aspectos da fisiopatologia. Pacientes com doença refratária precisam de insulinoterapia. O exercício físico diminui a resistência à insulina pois aumenta a disponibilidade de GLUT4 na membrana nas células musculares esqueléticas. Existe correlação inversa entre a concentração plasmática de ácidos graxos livres em jejum e a sensibilidade à insulina. A perda de peso e exercício físico contribuem para diminuir a resistência à insulina. 3. Formas monogênicas do DM Resultam de defeitos genéticos na função das células β ou na ação da insulina. Defeitos genéticos na função das células β: Ocorre sem a perda da célula β, afetando ou a massa de células β ou a produção de insulina. Caracterizam-se por ausência de destruição dessas células, herança autossômica dominante com alta penetrância, aparecimento precoce (em geral antes dos 25 anos e, eventualmente, no período neonatal) e ausência de autoanticorpos anticélulas β. As manifestações clínicas incluem desde hiperglicemia discreta persistente até DM grave, dependente de insulina. Como o diagnóstico é muitas vezes feito tardiamente, o subgrupo mais importante é denominado diabetes juvenil de início tardio (MODY). O curso clínico assemelha-se ao do DM tipo 2, havendo refratariedade aos agentes hipoglicemiantes orais com o passar do tempo. Defeitos genéticos associados à ação da insulina: decorrem de mutações que interferem na síntese do receptor do hormônio, na ligação do hormônio ao receptor ou na atividade cinase em tirosina do receptor. Surge grave resistência à insulina (resistência à insulina tipo A), acompanhada de hiperinsulinemia e DM. Associam-se acantose nigricante. ovários policísticos e hiperandrogenia. Incluem-se também entre os defeitos genéticos: (a) síndrome de Rabson-Mendenhall, que se acompanha de retardamento mental, fácies senil, dentição prematura, aumento da genitália externa e hiperplasia da glândula pineal; (b) síndrome de Donohue (leprechaunism), caracterizada, entre outros atributos, por fácies de duende; (c) diabetes lipoatrófico, em que existe associação de resistência à insulina, DM, hipertrigliceridemia, acantose nigricante e esteatose hepática. 4. DM gestacional É uma forma transitória de diabetes que ocorre em mulheres grávidas em função do aumento da resistência à insulina durante a gravidez. Atribuída à elevação dos níveis de hormônios contrarreguladores da insulina, ao estresse fisiológico imposto pela gravidez e a fatores genéticos ou ambientais. O principal hormônio associado a resistência à insulina durante a gravidez é o hormônio lactogênico placentário, embora se admita que outros, como cortisol, estrógeno, progesterona e prolactina, também participem. Ainda é motivo de controvérsia se o DM gestacional diz respeito a mulheres cuja intolerância à glicose restringe-se à gravidez ou se a gravidez apenas coloca em evidência uma tendência preexistente a esse distúrbio metabólico, potencialmente capaz de se manifestar de forma definitiva em um período variável após o parto. Patogênese das complicações da DM A hiperglicemia persistente (“glicotoxicidade”) parece ser responsável pelas complicações no longo prazo do diabetes. Mas não é o único fator responsável pelas complicações. Existem outras alterações subjacentes, como a resistência à insulina, e comorbidades, como a obesidade, que também desempenham papel importante. Identificam-se cinco mecanismos, relacionados com diferentes vias metabólicas, por meio dos quais a hiperglicemia persistente exerce seus efeitos deletérios sobre os vasos sanguíneos: (1) Formação de produtos finais de glicosilação avançada (AGE). AGE formam-se por reação não enzimática de derivados da glicose (p. ex., glioxal) @waleska112 Med - UFOB com grupos amino de proteínas. A hiperglicemia favorece a formação de AGE. Ações: 1- ligam-se a receptor específico (RAGE), permitindo a expressão da via de sinalização AGE- RAGE em macrófagos, linfócitos T, endotélio e músculo liso, com uma série de consequências (liberação de citocinas próinflamatórias e fatores de crescimento, aumento da atividade pró-coagulante, geração de espécies reativas de oxigênio e proliferação de músculo liso); 2- estabelecem ligações cruzadas com polímeros da matriz extracelular, promovendo diminuição da elasticidade arterial, menor adesão das células endoteliais, espessamento da membrana basal dos capilares e acúmulo de proteína e colesterol LDLna parede arterial. (2) Ativação intracelular da proteína cinase C (PKC) pelos íons cálcio e, particularmente, pelo diacilglicerol, que aumenta a síntese de TGF-β, PAI-1, VEGF e citocinas pró-inflamatórias, bem como diminui a expressão da NO-sintase endotelial, com aumento dos níveis de endotelina-1 e diminuição dos níveis de óxido nítrico. (3) Aumento da atividade da via dos polióis, em que há conversão da glicose em sorbitol catalisada pela enzima aldose redutase, com consumo de NADPH. NADPH é necessário também na reação da glutationa redutase na regeneração da glutationa, um importante mecanismo antioxidante. A redução do NADPH (por consumo na via dos polióis) favorece o acúmulo de espécies reativas de O2 (estresse oxidativo). (4) Aumento da atividade da via metabólica das hexosaminas, com geração de uridina difosfato-N- acetilglicosamina e alteração na expressão de mediadores, como TGF-β e PAI-1. (5) Aumento na expressão do receptor para AGE (RAGE) e dos ligantes endógenos (calgranulina S100A8, calgranulina S100A12 e HMGB1) que, mesmo em baixas concentrações, o ativam. Existe uma teoria unificadora, capaz de integrar esses mecanismos, a partir da superprodução de espécies reativas de oxigênio (em especial do ânion superóxido) pela cadeia de transporte de elétrons nas mitocôndrias: as espécies reativas de oxigênio lesam o DNA nuclear, com ativação da poli (ADP-ribose) polimerase (PARP), enzima envolvida no processo de reparo do ácido nucleico danificado. A PARP inibe a atividade da enzima glicolítica GAPDH (gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase), com aumento dos níveis de produtos intermediários que, por sua vez, ativam as cinco vias de sinalização relacionadas com a patogênese das complicações vasculares do DM. No DM de longa duração sobressaem complicações do acomentimento macrovascular e microvascular: - Doença maior dos vasos (macroangiopatia): como aterosclerose, doença isquêmica cardíaca e isquemia dos membros inferiores. -Doença dos pequenos vasos (microangiopatia): se manifestando principalmente como retinopatia, nefropatia e neuropatia. Morfologia das complicações: Macroangiopatia diabética: O marco da doença macrovascular diabética é a aterosclerose acelerada que envolve a aorta e as artérias de médio e grande calibre. O infarto do miocárdio, causado pela aterosclerose das artérias coronárias, é a causa mais comum de morte nos diabéticos. A gangrena dos membros inferiores, como resultado da doença vascular avançada. A arteriosclerose hialina, lesão vascular associada à hipertensão, não é específica para o diabetes e pode ser vista em pessoas mais velhas não diabéticas sem hipertensão. Assume a forma de um espessamento amorfo e hialino na parede das arteríolas, o que causa estreitamento da luz. Microangiopatia diabética: Acontece o espessamento difuso das membranas basais. Os capilares diabéticos tornam-se mais permeáveis às proteínas plasmáticas do que os normais. A microangiopatia é a base do desenvolvimento da nefropatia, da retinopatia e de algumas formas de neuropatia diabética. - Nefropatiadiabética: Três lesões são encontradas: (1) lesões glomerulares; (2) lesões vasculares renais, principalmente arteriosclerose; (3) pielonefrite, incluindo papilite necrotizante. As lesões glomerulares mais importantes são espessamento da membrana basal capilar, esclerose mesangial difusa e glomerulosclerose nodular: - Espessamento generalizado da membrana basal capilar glomerular (GBM): ) ocorre em praticamente todos os casos de nefropatia diabética e faz parte da microangiopatia diabética. O espessamento continua progressivamente e, em geral, de forma concorrente com o alargamento mesangial. Simultaneamente, há espessamento da membrana basal tubular. - Esclerose Mesangial Difusa: essa lesão consiste no aumento difuso da matriz mesangial. Pode haver proliferação leve e precoce das células mesangiais no processo da doença. Está associada com o espessamento geral da GBM. - Glomerulosclerose Nodular: também é conhecida como glomerulosclerose intercapilar ou doença de Kimmelstiel-Wilson. As lesões glomerulares assumem a forma de nódulos de matriz, ovoides ou esféricos, frequentemente laminados, situados na periferia do glomérulo. Com o avanço da doença, os nódulos individuais aumentam e, eventualmente, podem comprimir e incorporar os capilares, obliterando o tufo glomerular. Com frequência, essas lesões nodulares estão acompanhadas por acúmulo proeminente de material hialino nas alças capilares (“capas de fibrina”) ou aderentes às cápsulas de Bowman (“gotas capsulares”). *Aterosclerose e arteriolosclerose renal constituem parte da doença macrovascular nos diabéticos. * Pielonefrite é a inflamação aguda ou crônica dos rins que, em geral, começa no tecido intersticial e depois se espalha para afetar os túbulos. @waleska112 Med - UFOB
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