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1 CAMPUS SANTANA DO LIVRAMENTO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Economia Monetária Aula XVII a XX Inflação e Crise O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO Cap. 11: CARVALHO ET AL. Prof.: Pierre Joseph NELCIDE 2 Conteúdo do capítulo: INTRODUÇÃO OBJETIVOS E ASPECTOS OPERACIONAIS O CASO DO BRASIL: UMA BREVE DESCRIÇÃO E AVALIAÇÃO APÊNDICE 2 TEORIAS MONETÁRIAS E CONTROVÉRSIAS SOBRE O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EVIDÊNCIAS INTERNACIONAIS RESUMO 3 INTRODUÇÃO Nova Zelândia (1990), Canadá (1991), Reino Unido (1992), Finlândia (1993), Suécia (1993), Austrália (1993), entre outros, foram os primeiros países desenvolvidos que adotaram o regime de metas inflacionárias. Os países em desenvolvimento que adotaram tal regime foram: Chile (1991), Israel (1992), Polônia (1998), República Tcheca (1998), Colômbia (1999) e México (1999), entre outros. O Brasil aderiu ao mesmo regime no ano de 1999. Tal regime propõe uma meta de crescimento para algum índice de preços, que é anunciada no início de um 4 determinado período. A meta é estabelecida pelo governo e/ou parlamento e deve ser perseguida pelo banco central cuja política monetária passa a ter um único objetivo: alcançar a meta inflacionária determinada. O capítulo analisa o regime de metas de inflação e, particularmente, descreve o caso brasileiro. OBJETIVOS E ASPECTOS OPERACIONAIS O regime de metas de inflação, que foi implementado em vários países a partir da década 1990, tem como ponto de partida dois pressupostos: 5 1. Fracasso da adoção do regime de regras de expansão monetária à la Friedman com destaque para as dificuldades enfrentadas pela política monetarista adotada pelo Federal Reserve (FED) nos EUA a partir de 1979: impossibilidade de se prever o comportamento da demanda por moeda em um sistema financeiro caracterizado por inovações financeiras e mobilidade de capitais. 2. Pressuposto teórico: a política monetária é inócua (incapaz) para afetar as variáveis reais (níveis de produto e emprego) da economia de forma duradoura. 6 A adoção de um regime de metas de inflação tem como característica o reconhecimento explícito de que o objetivo da política monetária é a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável. Em versões mais flexíveis do regime de metas, o objetivo de estabilidade de preços pode ser acompanhado do objetivo de manter a estabilização do produto corrente em níveis próximos da taxa potencial de crescimento, mas somente naquelas condições em que a estabilidade de preços não seja violada. Para atingir tal objetivo, uma meta numérica para inflação é anunciada, seja um ponto ou uma banda, assim como um horizonte de tempo para a meta 7 inflacionária ser alcançada (que pode ser um ano ou mais). A taxa de juros de curto prazo atua como principal instrumento de política monetária que deve ser calibrada para fazer com que a inflação tenda a convergir para a meta estabelecida. A taxa de juros adotada, de acordo com a experiência de alguns países, poderia ser descrita por regras tipo Taylor (cap. 12). A política monetária, ao mesmo tempo em que é vista como um dos principais instrumentos da política macroeconômica, não pode afetar a atividade econômica (emprego e produto) de forma duradoura. 8 A política fiscal, por sua vez, deve estar submetida à política monetária. Não deve haver dominância fiscal, ou seja, a conduta da política monetária não pode ser ditada por constrangimentos de ordem fiscal. A existência de déficits fiscais poderia conduzir a uma situação de descontrole na emissão monetária e que, por sua vez, levaria ao recrudescimento da inflação, tanto por meio de mecanismos de transmissão diretos como por intermédio de expectativas de inflação ascendentes. A política monetária, portanto, é vista como um instrumento flexível e poderoso 9 para alcançar o objetivo da estabilização de preços. Os defensores de tal regime argumentam que a simplicidade e a transparência do regime de metas de inflação possibilita ao público entender mais facilmente a intenção e os efeitos da política monetária, reduzindo assim a incerteza quanto ao comportamento futuro da inflação. O regime de metas de inflação poderia não ser uma “regra de política” rígida, mas uma estrutura para a política monetária em que uma “discricionariedade limitada” poderia ser exercida. 10 Contudo, para que o regime de metas de inflação seja adotado, é necessária a definição de alguns aspectos operacionais relevantes, que dependem de escolhas das autoridades econômicas e das especificidades de cada país. A escolha de uma meta pontual e/ou uma banda: a questão se refere ao conhecido trade-off entre credibilidade e flexibilidade. Por um lado, uma meta pontual é mais facilmente compreendida pelo público; por outro, a utilização de bandas, ainda que com uma meta pontual estabelecida, ou seja, o anúncio de intervalos de confiança para a inflação (com teto e piso), tem a vantagem de conceder certa flexibilidade à política monetária diante 11 da ocorrência de choques que possam causar impacto sobre a inflação (Ex: um aumento exacerbado do preço internacional do petróleo). Quanto maior o tamanho da banda, mais reduzida seria a crença do público no esforço do banco central para manter uma inflação baixa. A escolha do período de tempo no qual a meta é esperada ser alcançada: é importante destacar que o horizonte da meta (no qual o banco central é esperado alcançar sua meta de inflação) não pode ser menor do que o horizonte de controle, sobre o qual a política adotada é esperada afetar a variável relacionada à meta. 12 Quanto à definição do horizonte da meta, de novo se coloca o trade-off credibilidade versus flexibilidade: A adoção de um horizonte mais curto (digamos, um ano) pode sinalizar o maior compromisso da autoridade monetária com o objetivo de estabilidade de preços, além da vantagem de ser mais claramente compreendida pelo público; A adoção de um horizonte mais longo e flexível permite acomodar mais gradualmente ao longo do tempo os efeitos de choques sobre a inflação, reduzindo assim os efeitos negativos da política de estabilização de preços sobre os níveis de produto e emprego. Propicia, portanto, uma 13 reação menos agressiva da política monetária diante de choques. A definição do índice de preços que será adotado como referência para a meta: neste caso, em geral duas opções são usadas: Um índice cheio, como no caso do índice de preços ao consumidor; Um núcleo de inflação, que exclui do índice de preços ao consumidor os itens que causam perturbações transitórias ou autocorrigíveis, e que têm pouca relação com os movimentos mais permanentes dos preços. 14 O CASO DO BRASIL: UMA BREVE DESCRIÇÃO E AVALIAÇÃO O regime de metas de inflação foi instituído pelo Decreto no 3.088, de 2 de junho de 1999, ou seja, um pouco depois do País ter adotado um regime de câmbio flutuante após um período de forte pressão especulativa sobre o real, que ocorreu em janeiro daquele ano. No Brasil, as metas são propostas pelo Ministro da Fazenda, mas decididas e anunciadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é constituído pelo Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento e o Presidente do Banco Central do Brasil (BCB). 15 Além do centro da meta, expresso pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculadopelo IBGE, o CMN determina o intervalo de tolerância adotado, que tem variado entre 2% e 2,5% acima e abaixo da meta central, de modo a permitir algum grau de flexibilidade à política monetária. No regime de metas de inflação adotado no Brasil não há o uso de um núcleo de inflação, já que, como visto, é utilizado um índice de preços cheio (o IPCA). 16 A meta de 2003 era inicialmente 3,25%, com intervalo de tolerância de 2%, sendo depois alterada para 3,5%; posteriormente foi modificada de novo para o limite máximo de 8,5%, que ficou conhecida como “meta ajustada”. Esta meta foi proposta pelo próprio Banco Central em carta enviada ao Ministro da Fazenda em 21 de janeiro de 2003, que aceitou a mudança. 17 O Comitê de Política Monetária (COPOM), que é composto pela diretoria do Banco Central, se reúne periodicamente (a cada 45 dias) para estabelecer a taxa de juros (a taxa Selic) que considera adequada ao cumprimento da meta de inflação. Além de determinar a taxa de juros, o COPOM estabelece também o chamado viés, que pode ser de baixa, de alta ou neutro. Ex: quando é estabelecida uma determinada taxa de juros com viés de baixa, isto significa que o presidente do BCB está autorizado pelo COPOM a reduzir a taxa de juros se assim achar conveniente antes da próxima reunião ordinária deste organismo. 18 Quando o viés é neutro, não há autorização concedida ao presidente do BCB. Contudo, o presidente do BCB sempre poderá convocar uma reunião extraordinária do COPOM para alterar a taxa de juros. Ao final de cada trimestre, o COPOM publica o Relatório da Inflação, que provê informações detalhadas sobre a conjuntura econômica do país, assim como suas projeções para a taxa de inflação, que são levadas em conta pelo COPOM nas reuniões em que é definida a taxa de juros. Caso a meta de inflação, considerando inclusive o intervalo de tolerância, não 19 seja atingida ao final de cada ano, o presidente do BCB tem que enviar uma carta (que deve ser de conhecimento público) ao Ministro da Fazenda justificando as razões pelos quais a meta não foi cumprida, assim como as medidas propostas para trazer a inflação para baixo, além do período de tempo no qual espera que as medidas tenham efeito. As cartas dirigidas pelo Presidente do BCB ao Ministro da Fazenda estão disponíveis em http://www.bcb.gov.br/?CARTAMETA. Um dos pontos críticos da persistência de uma taxa de inflação ainda desconfortável no Brasil (em comparação com a inflação prevalecente em outros http://www.bcb.gov.br/?CARTAMETA 20 países) está relacionado ao peso dos preços administrados no cálculo do IPCA, que tem sido de cerca de 30%. Esses preços em geral têm crescido mais do que os preços livres, pressionando o IPCA para cima. Preços administrados são definidos como aqueles preços que são insensíveis à demanda e que são de alguma forma regulados pelo governo ou agências públicas, incluindo, neste grupo, produtos como petróleo e derivados, tarifas telefônicas, tarifa de eletricidade e transporte público. Assim, a política monetária não é plenamente efetiva para controlar os preços administrados. 21 APÊNDICE 2 OS PREÇOS ADMINISTRADOS E A EFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA ANTI-INFLACIONÁRIA NO BRASIL (1999-2005) POR André de Melo Modenesi OS PREÇOS ADMINISTRADOS E A REDUÇÃO DA EFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA Desde a adoção, em 1999, do regime de metas de inflação até 2005, a política monetária foi consideravelmente restritiva: a Selic foi mantida em níveis muito elevados, principalmente se comparada com as taxas de juros 22 internacionais. Nesse período, a Selic real média foi quase 11% a.a. Apesar da austeridade monetária, o Banco Central do Brasil não alcançou as metas de inflação nos anos de 2001, 2002 e 2003. Um dos principais motivos para o insucesso do BCB no cumprimento das metas é a alta participação dos preços administrados no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cerca de 30%. Preço administrado é aquele que “de alguma forma é determinado ou influenciado por um órgão público; os preços administrados variam independentemente das condições vigentes de oferta e demanda”. (BCB, Relatório Anual, 1999, p. 192.) 23 Uma elevação dos juros, ao desestimular o investimento privado e o consumo (notadamente de bens duráveis), determina uma contração da demanda agregada que, por sua vez, reduz a variação positiva do nível de preços. Como os preços administrados não são determinados pela interação entre oferta e demanda agregada, eles se tornam insensíveis à taxa de juros; vale dizer, estão fora do controle do BCB. Segundo estudo do Banco Central do Brasil, os preços administrados nas três esferas de governo são aqueles listados no Quadro 11.1 24 O elevado peso dos preços administrados na composição do IPCA reduz substancialmente a eficácia do único instrumento de política econômica atualmente utilizado para combater a inflação no País: a taxa de juros. A existência de preços administrados, reduzindo a eficácia da política monetária, torna-se mais problemática quando se observa o crescimento acelerado desses preços, mostrado a seguir. 25 O COMPORTAMENTO ADVERSO DOS PREÇOS ADMINISTRADOS O fato de cerca de 1/3 do IPCA estar fora do controle do BCB, em si, já compromete a eficácia da política monetária no combate inflacionário. Este problema se torna ainda mais grave quando se verifica que os preços administrados têm crescido consideravelmente acima dos demais componentes do IPCA (ou preços livres). Entre os anos de 1999 e 2003, os preços administrados acumularam variação de 93%, muito acima da inflação medida pelo IPCA, acumulada em 53% no mesmo período. 26 O Gráfico 11.9 mostra que os preços administrados têm-se comportado sistematicamente de forma mais adversa do que os preços livres. Isto é indesejável, pois o crescimento de reduzido conjunto de preços (os administrados) requer que os preços livres sejam mantidos suficientemente reprimidos para que o IPCA (ou a média ponderada dos dois grupos de preços) permaneça em patamares minimamente compatíveis com as metas de inflação. 27 A ELEVAÇÃO EXCESSIVA DA SELIC E SUAS CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS PARA A ECONOMIA Para assegurar o cumprimento das metas de inflação, é necessário que os preços livres, determinados pelas condições de oferta e demanda, sejam excessivamente represados para compensar a forte pressão exercida pelos preços administrados sobre o IPCA. Ou seja, a Selic deve ser fixada em níveis demasiadamente elevados para manter a demanda agregada suficientemente reprimida e, consequentemente, controlar a inflação. Isto é, para uma dada meta de inflação, a existência de 28 preços administrados implica que a Selic deve ser mantida em patamar superior àquele que seria necessário caso todos os preços fossem livres. Essa é a conclusão de estudo do próprio BCB: “(...) a política monetária poderia ter sido consideravelmente mais amena caso os preços administrados apresentassem um comportamento semelhante ao dos preços livres”. Destacam-se duas consequências negativas desse fato: O desestímulo às decisões de investimento, comprometendo o crescimento econômico; A elevação da despesa com os juros da dívida pública, convertendo o superávit primário em déficit nominal (temas tratados em seguida). 29 SUBAQUECIMENTO DA ECONOMIA Entre os anos de 1999 e 2005, o PIB brasileiro apresentou taxa média de crescimentode apenas 2,3% a.a. Resultado ainda mais decepcionante se comparado com o desempenho dos países em desenvolvimento que, de forma geral, têm crescido a taxas consideravelmente superiores e de forma sustentável. Ainda que não se possa considerar a política monetária a única responsável pelo subaquecimento da economia, ela certamente figura dentre as principais causas desse problema. 30 Ex: Em setembro de 2004, o Copom viu- se forçado a iniciar um movimento de elevação da Selic para reverter a trajetória de crescimento do PIB. Isto porque o aquecimento da economia ameaçava o cumprimento da meta de inflação no ano de 2005. Segundo o BCB, ... em meados do ano [de 2004], registrou-se crescente ocupação da capacidade instalada na indústria, cuja continuidade poderia ter provocado pressões inflacionárias e ameaçado a continuidade do ciclo de crescimento. (...) o Copom interrompeu, em maio, o processo de redução da taxa de juros, mantendo-a em 16% a.a. até setembro, quando passou a ocorrer o processo de ajuste moderado da política monetária 31 (...). A opção por essa conduta, favorecendo a moderação do ritmo de expansão da economia no segundo semestre, e a maturação dos investimentos em curso mostraram-se suficientes para dissipar perspectivas pessimistas quanto à evolução dos preços... . Notadamente em resposta ao processo de contração monetária, a taxa de crescimento do PIB caiu de 4,9%, em 2004, para 2,3%, em 2005 (Gráfico 11.10). 32 A DOMINÂNCIA MONETÁRIA A partir de 1999, tornou-se claro o efeito perverso da política monetária sobre as contas públicas: como o pagamento de juros tem sido muito alto, verificaram-se déficits nominais superiores a 3,5% do PIB a despeito dos elevados superávits primários, cuja média foi de quase 4% do PIB. 33 Ou seja, tem havido uma dominância monetária: a política monetária afeta de forma negativa as contas públicas. Isso ocorre devido à elevada participação das Letras Financeiras do Tesouro (indexadas à Selic) na dívida pública, cerca de 50%. A manutenção da Selic em níveis elevados resulta em um custo financeiro igualmente elevado: a despesa com juros da dívida foi em média 8,1% do PIB, de 1999 a 2005. Em suma, o impacto fiscal da política monetária tem anulado o enorme esforço do setor público na redução de sua dívida líquida, que se elevou de 48,7% (1999) para 51,6% do PIB (2005), alcançando o pico de mais de 57% do PIB, em 2003 (Tabela 11.2). 34 TEORIAS MONETÁRIAS E CONTROVÉRSIAS SOBRE O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO Os defensores da adoção de metas de inflação acreditam que o principal objetivo da política monetária é a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável; acreditam ainda que esta política não é um instrumento que pode estimular o investimento e, 35 consequentemente, reduzir o desemprego. Estes defensores postulam que uma política monetária que aumente a liquidez da economia (e/ou reduza os juros), objetivando estimular o crescimento, somente pode causar efeitos reais passageiros e efeitos inflacionários permanentes (Robert Lucas, Robert Barro e David Gordon). Alguns consideram que nem sequer efeitos passageiros seriam produzidos, somente inflação seria gerada (Finn Kydland e Edward Prescott). Assim sendo, a política monetária não deve ser utilizada para estimular o 36 crescimento econômico de um país. Caso uma política monetária ativa fosse implementada, estaria verdadeiramente sendo inócua e, adicionalmente, estaria dificultando o crescimento duradouro, pois geraria um ambiente de inflação. Alguns economistas que acreditam na existência da taxa natural de desemprego e na curva de Phillips não são favoráveis à adoção do regime de metas de inflação (Milton Friedman). Milton Friedman, o maior expoente monetarista, está entre aqueles que condenam a concessão de plena liberdade aos dirigentes do banco central para alcançar o objetivo da estabilidade de preços, subjacente ao regime de metas de inflação. 37 Outros autores críticos deste regime monetário afirmam, grosso modo, que uma correta e responsável administração monetária, fiscal e cambial associada à instituição de regras eficientes são as âncoras que o nível de preços necessita. A teoria econômica desenvolvida por Keynes entre os anos de 20 e 40 postula que uma taxa de juros baixa e estável era necessária para estimular o investimento produtivo porque desestimularia o investimento financeiro. A política monetária, em conjunto com as demais políticas (fiscal e cambial) poderia criar um ambiente seguro que estimulasse os empresários a despertar o 38 seu “espírito animal”. Em particular, a política monetária ao afetar o portfólio dos empresários, em favor de ativos mais ilíquidos, pode servir de instrumento capaz de estimular o investimento produtivo. Os críticos do regime de metas de inflação argumentam que a política monetária é uma das políticas econômicas governamentais que podem ser utilizadas conjuntamente com as demais políticas para se atingir níveis socialmente aceitáveis (e tecnicamente sustentáveis) de emprego e inflação. Uma política monetária voltada somente para manter a inflação sob controle estaria, na verdade, sendo subutilizada. 39 “vamos mirar só a inflação, não temos objetivo de olhar a atividade econômica” (Gazeta Mercantil, diretor do Banco Central do Brasil, 29/6/1999). Fica claro nesta passagem que o compromisso principal do Banco Central do Brasil, no contexto do atual regime de metas de inflação, é com a estabilidade de preços, o que significa que o BCB não utiliza a taxa de juros para facilitar taxas de crescimento do PIB ou a geração de empregos. Defensores do regime de metas de inflação no Brasil sustentam que embora as metas de inflação não tenham sido atingidas em alguns anos, em função de 40 choques externos, tal regime tem contribuído para uma redução a médio e longo prazos na taxa de inflação. O regime adotado no Brasil, argumentam os defensores, tem concedido alguma flexibilidade para acomodação de choques externos e, ao mesmo tempo, tem aumentado a credibilidade das autoridades monetárias. Para aqueles que são favoráveis ao regime de metas de inflação, como já visto, a prioridade principal da política econômica deve ser a estabilidade de preços. Mesmo que o governo seja tentado a fazer diferente, por exemplo, adotando políticas ditas expansionistas, suas ações não serão eficazes, gerarão apenas mais inflação. 41 O melhor que o governo deve fazer é não atrapalhar: ao garantir a estabilidade de preços, permite que o mercado possa executar melhor seu papel na alocação de recursos na economia. Para eles, o crescimento econômico depende de fatores reais (relacionados ao capital humano, à tecnologia etc.), e não, de fatores monetários. EVIDÊNCIAS INTERNACIONAIS Argumentos empíricos têm sido utilizados na defesa do regime de metas inflacionárias. 42 Frederic Mishkin (1999), ao analisar a experiência internacional com diferentes regimes de política monetária, conclui que “o desempenho dos regimes de metas de inflação tem sido muito bom. Os países que o adotam parecem ter reduzido significativamente tanto a taxa de inflação quanto as expectativas inflacionárias bem mais do que provavelmente teria ocorrido na ausência de metas de inflação. A Nova Zelândia, em 1990, foi o primeiro país a implementar o regime de metas, depois veio o Canadá, em 1991, o Reino Unido, em 1992, a Suécia, a Finlândia ea Austrália, em 1993. 43 Como mostram os Gráficos 11.1 a 11.7, a inflação de alguns países desenvolvidos, que adotaram o regime de metas inflacionárias, manteve a sua rota descendente após a implementação do novo regime comparativamente à década de 1980. 44 45 Entretanto, é importante destacar que o regime de metas não pode ser apontado como responsável pela trajetória descendente da variação do nível de preços nesses países. 46 Com exceção do Canadá (Gráficos 11.1 a 11.7), todos os demais países já possuíam uma trajetória descendente da inflação que é anterior à implantação do regime de metas de inflação, cujo início está marcado em cada gráfico. A despeito das evidências indicadas nos Gráficos 11.1 a 11.7, não existem evidências suficientemente sólidas que garantam que a adoção de metas inflacionárias seja a responsável pela queda da inflação. Países que adotaram o regime de metas de inflação e países que não o adotaram têm tido igualmente sucesso na inflação. 47 O Gráfico 11.8 mostra a trajetória da inflação média, à época, de países com economias desenvolvidas que não adotaram o regime de metas de inflação: Estados Unidos, Japão, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Áustria e Portugal. Cada ponto do gráfico corresponde à taxa de inflação de um determinado país em determinado ano. A inflação desse conjunto de países também apresentou uma tendência de queda durante a década de 1990 relativamente à década de 1980, tal como os países que possuem metas de inflação. 48 RESUMO 1. O regime de metas de inflação foi implementado em vários países ao longo das décadas de 1990 e de 2000. A adoção de um regime de metas de inflação tem característica principal o reconhecimento explícito de que o principal objetivo da política monetária é a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável. 49 Para atingir tal objetivo, uma meta numérica para inflação é anunciada (seja um ponto ou uma banda) assim como um horizonte de tempo para alcançar a meta inflacionária (que pode ser um ano ou mais). Nesse sistema, a taxa de juros de curto prazo atua como principal instrumento de política monetária que deve ser calibrada para fazer com que a inflação tenda a convergir para a meta estabelecida pela autoridade econômica. 2. Os defensores de tal regime argumentam que sua simplicidade e a transparência tornam mais fáceis ao público entender a intenção e os efeitos 50 da política monetária, reduzindo assim a incerteza quanto ao comportamento futuro da inflação. Esta estratégia também pode aumentar a prestação de contas em relação ao desempenho da inflação e permitir uma acomodação flexível da política monetária sem sacrificar a credibilidade da política monetária e a reputação dos bancos centrais. 3. O Brasil adotou o regime de metas de inflação em junho de 1999. No Brasil, as metas são propostas pelo Ministro da Fazenda, mas estabelecidas e anunciadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é constituído pelo Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento e o Presidente do Banco Central. 51 A variação do índice de preços escolhida como meta para a inflação é a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE. Além do centro da meta, o CMN determina o intervalo de tolerância adotado, que tem variado entre 2% e 2,5% acima e abaixo da meta central, de modo a conferir algum grau de flexibilidade à política monetária. 4. Os proponentes da adoção de metas inflacionárias se apoiam em teorias monetárias que não são consensuais entre os economistas. 52 Alguns economistas que acreditam na existência da taxa natural de desemprego e na curva de Phillips não são favoráveis à adoção do regime de metas de inflação. Dentre eles, destaca-se Milton Friedman, o maior expoente monetarista, que está entre aqueles que condenam a concessão de plena liberdade aos dirigentes do banco central para alcançar o objetivo da estabilidade de preços, subjacente ao regime de metas de inflação. Outros autores críticos deste regime monetário afirmam, grosso modo, que uma correta e responsável administração monetária, fiscal e cambial associada à instituição de regras eficientes são as âncoras que o nível de preços necessita. 53 5. Cabe ressaltar que as economias desenvolvidas e em desenvolvimento que não aderiram ao regime de metas têm mantido a inflação em níveis aceitáveis. Como foi mostrado, não há evidências de que conceder ao banco central a tarefa única de alcançar uma meta de inflação seja necessariamente benéfico. Ex: o Federal Reserve System tem explicitamente dois objetivos, conter a inflação (sem qualquer meta fixada) e buscar o pleno emprego. 6. Em suma, as evidências empíricas são inconclusivas em relação à adoção do regime de metas. Ademais, existem controvérsias relevantes acerca da teoria que sustenta tal regime. 54
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