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LUDOTERAPIA A DINÂMICA INTERIOR DA CRIANÇA fenomenologia

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Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 1 
 
 
FUVS – UNIVAS – FACIMPA 
CURSO DE PSICOLOGIA – 8º Período 
Disciplina: “PSICOTERAPIAS INFANTIS” 
Profa Marcia Maria Coutinho de Oliveira 
 
 
Virginia Mae Axline 
Editora Interlivros 
 – Belo Horizonte – MG – 
(1972) 
 
 
LUDOTERAPIA – A DINÂMICA INTERIOR DA CRIANÇA 
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 
Muitas pessoas interessadas em Psicoterapia Centrada na Criança se queixam de 
não encontrar livros que abordem o assunto de maneira bem completa, e que sejam 
escritos em português. 
Este livro de Virginia Mae Axline, que leva o título em sua edição brasileira de 
“Ludoterapia”, vem preencher tal vazio. Trata-se de um texto bastante completo, 
escrito numa linguagem simples e direta. 
O leitor poderá encontrar, nele, orientação para problemas bem variados, que 
vão desde as características da sala de brinquedos, onde se desenvolve a terapia, até o 
estudo do processo que se desenrola na criança que vive a experiência dessa terapia. 
Por isso mesmo, o livro de Virginia M. Axline já se tornou um clássico, servindo 
de ponto de partida para o estudo e desenvolvimento de muitos terapeutas, inclusive de 
outras correntes de Psicologia. 
Para o leitor que deseja saber a essência da abordagem contida neste livro, eu 
diria que a autora descreve uma terapia caracterizada por uma profunda aceitação da 
criança, sejam quais forem os sentimentos e necessidades por ela apresentados. Aliado a 
isso está presente também um grande respeito, – misto de fé e confiança – para com a 
capacidade da criança de se desenvolver por si mesma, sem ajuda direta. 
É interessante notar que, partindo da sua própria experiência clínica, a autora 
relaciona com muita objetividade os princípios básicos da Psicoterapia Centrada na 
Criança. E, ao fazê-lo, ela se antecipa às formulações mais precisas de Carl R. Rogers 
sobre as condições necessárias e suficientes para que ocorra o processo terapêutico 
descrito na Psicoterapia Centrada no Cliente. 
Por tudo isso, sinto-me por demais honrada em ter sido escolhida pela 
Interlivros, para prefaciar um livro tão significativo como este. 
Aproveito o ensejo para recomendar sua leitura não só aos estudantes de 
Psicologia e Ludoterapeutas, como também a todas as pessoas que lidam com crianças. 
Particularmente aquelas que trabalham como professoras, orientadoras educacionais, 
educadoras, pedagogas, diretoras de grupos, escolas e de outras escolas infantis e 
enfermeiras de hospitais psiquiátricos para crianças. 
Tenho certeza que, a cada uma delas, os ensinamentos contidos neste livro trarão 
novas perspectivas, alargando os horizontes e facilitando a tarefa de proporcionar às 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 2 
 
nossas crianças, o melhor que elas possam obter e alcançar, em termos de 
amadurecimento e realizações pessoais. 
Belo Horizonte, novembro de 1972. 
Heloisa de Resende Pires Miranda 
(Psicóloga do Instituto de Aconselhamento e Psicoterapia – INACOP) 
 
 
PREFÁCIO 
Foi um privilégio para a autora estudar com o Dr. Carl R. Rogers e trabalhar 
com ele na pesquisa e desenvolvimento das imensas possibilidades da Técnica 
Terapêutica Não-Diretiva – ou Técnica Rogeriana como é comumente chamada entre os 
que trabalham com o Dr. Rogers. 
O Dr. Rogers é um professor que nos entusiasma, e a autora acha-se em débito 
para com ele por havê-la encorajado a explorar mais profundamente as possibilidades da 
Técnica Não-Diretiva e a publicar os resultados do trabalho experimental que foi 
realizado sob sua supervisão. 
A autora deseja expressar aqui sua gratidão e reconhecimento ao Dr. Rogers, 
uma vez que foi devido a sua leitura paciente do manuscrito e as suas críticas 
construtivas que este livro surgiu como uma apresentação das implicações do Processo 
Não-Diretivo na Ludoterapia e no campo da educação. 
A autora estende ainda seu reconhecimento aos médicos, pais, diretores e 
funcionários das escolas, cuja cooperação tornou possível a participação das crianças 
cujos casos são relatados aqui. 
Finalmente, a autora deseja expressar sua gratidão às crianças, que aceitaram a 
experiência terapêutica como um desafio, e dela se aproveitaram tão plenamente. 
Virginia Mae Axline 
(Universidade de Chicago) 
 
INTRODUÇÃO 
Virginia Mae Axline escreveu um livro penetrante e útil sobre as possibilidades 
terapêuticas dos jogos e atividades de grupo. Este livro destina-se principalmente a 
professores e orientadores escolares; entretanto, psicólogos, psiquiatras, terapeutas que 
trabalham com grupos ou casos individuais, terão muito a ganhar com um estudo 
profundo dos princípios e técnicas que ela defende. 
São vários os níveis em que este livro pode ser analisado. Superficialmente, é o 
relato de como um professor veio a atuar como terapeuta com o intuito de libertar as 
forças terapêuticas que existem em cada pessoa. Conta como, através de Ludoterapia e 
Terapia de Grupo bem orientadas, jovens deformados e desajustados tornam-se 
capazes de olhar honestamente para si próprios, de se aceitarem e de elaborarem um 
ajustamento construtivo à difícil realidade na qual vivem. Mostra como bonecas, 
fantoches, mamadeiras de brinquedo, revólveres, massa de modelagem, tintas e água 
podem tornar-se participantes ativos nesse drama do crescimento. 
Trata-se de um livro essencialmente prático, nunca se contentando com 
afirmações genéricas, fornecendo sempre exemplos e ilustrações específicos do modo 
como atitudes e princípios podem ser postos em prática durante as sessões de 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 3 
 
Ludoterapia. O profissional que deseja saber “Como você faz isto?”, encontrará, nestas 
páginas, grande quantidade de material que responde a esta pergunta. 
Contudo, o livro vai muito além, é muito mais do que uma análise fria de um 
processo terapêutico, muito mais do que um conjunto de sugestões práticas. À medida 
que o leitor for conhecendo Ema, Tom, Ernest e os demais jovens reais que habitam este 
livro, irá crescendo em sua mente a suspeita de que encontrou a porta de entrada para o 
mundo interior da infância, sobre o qual tanto tem sido escrito, mas que raramente é 
desvendado. Aqui as crianças são vistas de dentro, seus temores, suas necessidades mais 
profundas, seus ódios mais amargos, suas emoções mais remotas, seu desejo de crescer 
em espírito tanto quanto no físico – aqui encontramos crianças como elas são. A 
impressão preponderante que surge da leitura da grande variedade de casos literalmente 
transcritos, é que aqui é desvendado, vagarosamente, em alguns casos, mais 
rapidamente em outros, o eu real da criança. Se o leitor for capaz de ler todo este 
material sem sentir, por vezes, um estranho nó na garganta é porque ele não foi feito da 
mesma argila que o autor desta introdução. A fortaleza diante das dificuldades, a 
honestidade ao olhar para si próprios, o desejo vital de alcançar a maturidade que estas 
“crianças-problema” demonstram, representam um desafio para todos nós. 
Deve-se observar que o objetivo básico da autora não é revelar. Desta forma, a 
dinâmica interna da infância, ou a dinâmica da vida adulta que também fica 
evidenciada. E é justamente porque surge como subproduto, que isto só torna mais 
convincente. Embora o livro seja escrito em uma linguagem simples onde vários trechos 
constituem citação literal das próprias crianças, embora ainda os termos técnicos sejam 
agradavelmente poucos e um delicioso senso de humor impregne todo o livro, ele é, não 
obstante, um livro profundo. Fará o leitor meditar seriamente. Levantandoperguntas 
perturbadoras e graves. Por que nossa educação é tão embrutecedora e cega, se nossas 
crianças são tão ricas? Por que a humanidade teme tanto a espontaneidade, se a atitude 
espontânea conduz tão rapidamente ao crescimento responsável? Como se pode ajudar 
professores e pais a perceberem os dotes de personalidade que existem em cada criança? 
Por que nos falta confiança no futuro se forças sociais intensas e construtivas podem ser 
liberadas no indivíduo através da aceitação de alguns poucos princípios básicos? Estes 
são alguns dos itens que o leitor atento se verá levado a considerar. 
Alguns lerão este livro e dirão: “Não pode ser verdade. As crianças não são 
assim. Crianças, mas não tem dentro de si as forças positivas que são apontadas aqui. É 
muito bom para ser verdade!”. A estes céticos posso apenas responder que os resultados 
descritos neste livro realmente ocorrem quando os princípios aqui expostos são 
fielmente seguidos. Posso afiançar, não apenas que Virgínia Mae Axline obteve tais 
resultados, mas que muitos outros, mesmo sem tanta tolerância natural e sem tanta 
compreensão intuitiva, podem também alcançá-los. Sugiro também o teste final e 
conclusivo – que o nosso cético tente, ele mesmo, colocar em prática estes princípios, e 
observe atentamente os resultados. Mesmo sendo a terapia levada a efeito 
desajeitadamente devido ao ceticismo, podem-se esperar experiências altamente 
compensadoras. 
A escola se tornaria uma instituição muito diferente, com um efeito radicalmente 
diverso sobre a criança, se pelo menos alguns professores se decidissem a lidar com os 
jovens do modo descrito nos capítulos que se seguem. 
Carl R. Rogers 
(Universidade de Chicago) 
 
 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 4 
 
PRIMEIRA PARTE 
INTRODUÇÃO 
1. ALGUMAS CRIANÇAS SÃO ASSIM 
“É BRIGA, BRIGA, BRIGA – O DIA INTEIRO” 
A professora perturbada descia rapidamente para o gabinete da diretoria, alguns 
passos à frente de Tom, que a seguia com obstinado ressentimento. 
“Espere aí fora”, – disse-lhe rispidamente enquanto entrava, valendo-se de sua 
prioridade de professora, para apresentar a queixa ao diretor. 
Esse menino de doze anos, provocador e desobediente, estava levando-a ao 
desespero. Ele mantinha a classe em constante estado de tumulto. Estava continuamente 
lembrando-a de que era “apenas uma professora substituta” e insistindo que “ninguém 
podia controlá-lo”. 
Tom era inteligente bastante para fazer satisfatoriamente o trabalho escolar, mas 
recusava-se a fazer os deveres marcados. Se fizesse como queria, ficaria lendo o tempo 
todo. Não aceitava críticas. Tratava hostilmente as outras crianças, queixando-se de que 
elas “amolavam-no”. 
E agora a turma tinha voltado do intervalo e houvera outra briga. Tom afirmava 
que os meninos o haviam atacado em turma; e as meninas nos diziam que Tom havia 
cuspido na bandeira americana. 
Quando voltaram para a sala de aula, ele mostrava sinais de ter sido severamente 
espancado pela turma e a professora repreendeu-os por brigarem no pátio. Os outros 
meninos pediram desculpas e contaram o episódio da bandeira. Mas Tom olhou-a 
fixamente, com provocação, atirou seu livro fora da carteira, num gesto de desprezo e 
raiva, e disse: “Eu faço o que eu quero! Eles começaram a briga. Eles me atacaram em 
turma. Detesto todo o bando. Tenho ódio mortal deles e vou me vingar. Pro diabo com 
eles todos”. Seus olhos pretos ardiam. Sua voz tremia. Sim, ele até chorou – ele que era 
tão duro – e cenas como essa eram tão perturbadoras para a turma e deixavam a 
professora tão nervosa que ela estava toda trêmula e a ponto de chorar! Não aguentaria 
isso muito tempo. Não aguentaria mesmo. 
Então, depois que ela terminou sua queixa, Tom foi convocado para o santuário 
do diretor. 
“A senhora Blank contou-me que você esteve brigando de novo”. 
“Sim, vieram todos em cima de mim”. 
“Ela contou-me que você foi desrespeitoso com a bandeira americana”. 
“Eu não cuspi nela não, só falei que tinha cuspido”. 
“Ela disse que você foi desrespeitoso na sala de aula, atirou seu livro no chão e 
xingou”. 
“Eu não aguento mais ficar neste lugar”. Tom grita e uma vez mais seus olhos 
encheram-se de lágrimas. “Todo mundo me amola e mente a meu respeito e...”. 
“Chega! estou ficando bastante cansado com esse trabalho todo que temos com 
você. Todo dia trazem você ao gabinete. Todo dia apresentam queixa de você por mau 
comportamento. É briga, briga, briga – o dia inteiro. Palavras não parecem lhe fazer 
nenhum bem. Pois talvez isso faça!” O diretor pega na palmatória e bate, cansada e 
desesperançadamente, mas de maneira eficaz, onde pensa que ela fará melhor efeito. 
Tom e sua professora voltam para a sala de aula. O diretor continua sua tarefa de 
ser diretor. À tarde, a professora comunica que Tom está ausente. O diretor telefona 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 5 
 
para a casa dele. Sua mãe não sabe onde ele está. Pensava que ele tivesse voltado para a 
escola. Faz três dias que ele não vai em casa nem à escola. 
Todo mundo relacionado com o caso sente-se insuficiente e inadequado. Isso 
não parece a solução para esse tipo de problema, mas o que é que se pode fazer? Deve 
haver ordem, disciplina e controle, ou o lugar se tornaria logo um hospício. Certamente, 
Tom é uma criança-problema, um caso muito difícil. 
“QUER DIZER QUE VOCÊ ESTÁ INDO PRÁ CASA?” 
A diretora do Jardim de Infância parou no portão lateral de uma das 
dependências do alojamento e observou Ema e as outras crianças, paradas no pátio. Ema 
estava vestida para deixar o lugar. Sua malinha, já pronta, estava esperando no portão. 
As outras crianças estavam separadas dela. Faziam-lhe caretas e ela fazia caretas para 
elas. Havia uma tensão, uma atitude quase austera nela, enquanto esperava. Seu lenço, 
de tão torcido, tinha virado um cordão. Ela se firmava, ora num pé, ora no outro. 
“Olhe pessoal, Ema acha que é esperta só porque tá indo embora”, gritou um dos 
meninos, com voz de provocação. 
“Feche a matraca, seu gato pelado”, grita Ema. “Seu rato sujo, imbecil, cretino!” 
“Não me xingue”, grita raivosamente a primeira criança. 
Ema se volta para os meninos que a atormentam. 
“Eu cuspo n’ocês, viu?” E o faz. 
“Crianças! Crianças!” chama a diretora. Todos se separam: Ema atira a cabeça 
para trás desafiadoramente. Olha a estrada, ansiosa pela chegada de um carro. Sua mãe 
tinha prometido buscá-la e levá-la para um passeio. 
Uma porta do alojamento se abre e sai outra das diretoras. As duas mulheres 
conversam por uns minutos, em seguida, a primeira toma a malinha de Ema e a chama. 
“Ema. Ema, querida. Sua mãe telefonou. Ela não poderá vir para este fim de 
semana”. 
Ema vira-se para a diretora como se tivesse levado um choque. Seus olhos 
verdes parecem se incendiar. Ela olha fixamente para a diretora. 
“Venha, Ema. Tire sua roupa nova”. 
As outras crianças gritam com alegria. 
“Ah! Ah! Esperta! Quer dizer que você está indo pra casa, né?” 
“Crianças! Crianças!” gritam as duas senhoras. 
Ema vira-se e, com a rapidez de um gatinho, corre através dos campos até 
chegar a um lugar isolado. Atira-se no chão, e ali fica, tensa e silenciosa. A diretora a 
encontra lá, finalmente, e a leva carinhosamente de volta. 
Isso tudo vem acontecendo há muito, muito tempo. A mãe promete vir e levar 
Ema. Ela desaponta a criança e nunca cumpre sua promessa. 
Depois destes acontecimentos, Ema não consegue comer, não dorme, não 
consegue nem mesmo chorar. Adoece e vai para a enfermaria. 
Quando se recupera – o que se dá logo – e volta para junto das outras crianças, 
está raivosa, mesquinha e insociável. Ela, também, é uma criança-problema. 
“ESSE MENINONÃO PRECISA DE REMÉDIO” 
Timmy e Bobby não tinham o chão firme sob seus pés desde que seus pais se 
separaram e as crianças foram postas numa casa adotiva. 
Quando sua mãe veio levá-lo para casa, para uma pequena visita, Timmy relutou 
em ir, mas ela insistiu. Timmy estava tendo problemas de apetite e não conseguia reter o 
que comia. Não parecia natural para um menino de oito anos estar sem apetite e ser tão 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 6 
 
infantil. Chorava com facilidade, era difícil o relacionamento com ele, brigava com 
Bobby, seu irmão mais novo. Parecia tenso e nervoso. 
Sua mãe levou-o ao médico e este diagnosticou como “uma doença de nervos”. 
Timmy roía suas unhas enquanto a mãe discutia com o médico. Então, em um momento 
de silêncio, Timmy falou rapidamente, em voz alta e estridente: “Eu vi o papai ontem. 
Ele foi lá em casa. Eles vão se divorciar. Eles não vão viver mais juntos. Meu pai não 
gosta de minha mãe e minha mãe não gosta de meu pai e talvez ele case outra vez e 
mamãe disse que nós quase não vamos ver ele, porque ela disse que não ia deixar ficar 
comigo nem com Bobby e ele disse que ia mostrar pra ela!” 
“Suponho que isso foi discutido na frente de Timmy, não é mesmo?”, perguntou 
o médico. 
“Bem”, disse a mãe, defensivamente, “ele terá que saber de tudo mais cedo ou 
mais tarde. É melhor saber agora!” 
“Bobby e eu estamos morando em .. .. .. .. agora”, disse Timmy. Ele estava 
gritando com o médico. “Nós moramos com mamãe R. Nós gostamos de lá!” 
“O senhor pode me dar uma receita ou qualquer outra coisa?”, disse a mãe de 
Timmy. “Ele não dorme bem à noite. Vomita quase tudo que come. A mulher que toma 
conta dele diz que ele está nervoso e comportando-se violentamente”. 
“Vou lhe dar uma receita”, responde o médico, “mas esse menino não precisa de 
remédio”. 
Desanimado, o médico prescreveu a receita e apresentou secamente, ao estendê-
la à mãe: “Ele precisa de um lar e de pais equilibrados, mais do que de um sedativo”. 
Timmy voltou para a casa adotiva. Ele procurou por Bobby: “Mamãe e papai 
vão se divorciar e ela disse que ele não ficaria conosco se ela pudesse evitar isto e...” 
Timmy e Bobby são crianças-problema. 
Tom, Ema, Timmy e Bobby são descritos todos eles como “crianças-problema”. 
São crianças tensas, infelizes e completamente desajustadas, que às vezes acham suas 
vidas difíceis demais de suportar. Aqueles que estão interessados no ajustamento 
pessoal de tais crianças, olham-nas com preocupação autêntica. As forças ambientais 
são desfavoráveis, quase nenhuma ajuda pode ser esperada dos pais ou outras pessoas 
responsáveis por elas. O que é que pode ser feito, se é que há alguma coisa que se pode 
fazer, para ajudá-las a se ajudarem? 
Há um método de ajudar tais crianças a vencer suas dificuldades – um método 
que foi bem sucedido com Tom, Ema, Timmy e Bobby e com muitas outras crianças 
iguais à elas. Este método é chamado Ludoterapia. 
A finalidade deste livro é explicar exatamente o que é a Ludoterapia e apresentar 
a estrutura da Teoria da Personalidade sobre a qual ela é baseada; descrever 
detalhadamente o processo da Ludoterapia e os que dele participam; apresentar os 
princípios fundamentais para que ela seja conduzida com sucesso; relatar casos de 
nossos arquivos que mostram sua eficácia na ajuda às assim chamadas “crianças-
problema”, auxiliando-as a construir seu ajustamento pessoal e, finalmente, apontar as 
implicações da Ludoterapia na educação. 
2. LUDOTERAPIA 
UM MÉTODO DE AJUDAR AS CRIANÇAS A SE AJUDAREM 
A Ludoterapia é baseada no fato de que o jogo é o meio natural de auto 
expressão da criança. É uma oportunidade dada à criança de se libertar de seus 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 7 
 
sentimentos e problemas através do brinquedo, da mesma forma que em certas formas 
de terapia para adultos, o indivíduo resolve suas dificuldades falando. 
A Ludoterapia, quanto à sua forma, pode ser “Diretiva” – isto é, o terapeuta 
pode assumir a responsabilidade de orientação e de interpretação, ou “Não-Diretiva”: a 
responsabilidade e a direção são deixadas às crianças. Com esse último tipo de terapia é 
que nos preocupamos. 
No entanto, antes de prosseguir com a descrição real da Ludoterapia, devemos 
formular o ponto de vista de cada indivíduo, observando os potenciais de cada um; isto 
é, a teoria da estrutura da personalidade, sobre a qual ela está baseada. 
Há muitas fontes de informação a respeito da estrutura básica da personalidade 
do indivíduo, porque este é um dos mais intrigantes, senão desconcertantes aspectos do 
ser humano. Muitas teorias da personalidade foram desenvolvidas, abandonadas, 
reexaminadas, alteradas e estudadas de novo. Tentativas foram feitas para “testar”, 
“prever” traços e explicar a estrutura da personalidade. No entanto, todo o assunto ainda 
está em aberto, e as teorias que foram desenvolvidas até agora, não parecem 
inteiramente adequadas para explicar satisfatoriamente tudo o que for observado a 
respeito da dinâmica interior do indivíduo. 
Por isso, para organizar um quadro de referências dentro do qual prosseguir, a 
seguinte explanação da teoria da personalidade é desenvolvida, como uma tentativa de 
teoria, aberta à crítica e avaliação, mas baseada na observação e estudo de crianças e 
adultos durante e depois de uma experiência terapêutica não-diretiva. 
A TEORIA DA ESTRUTURA DA PERSONALIDADE SOBRE A QUAL SE BASEIA A 
LUDOTERAPIA NÃO-DIRETIVA 
Parece haver uma força poderosa dentro de cada indivíduo que luta 
continuamente para uma completa auto realização. Essa força pode ser caracterizada 
como uma corrida para a maturidade, independência, e auto direção. Tal corrida vai 
inexoravelmente alcançar a consumação, mas necessita bom “terreno” para que se 
desenvolva uma estrutura bem equilibrada, Como uma planta precisa de sol, chuva e 
terreno rico e bom para atingir seu crescimento máximo, assim também o indivíduo, 
para atingir a satisfação direta desse impulso de crescimento necessita de 
permissividade para ser ele mesmo; da completa aceitação de si – tanto por ele mesmo 
quanto pelos outros – e atingir a dignidade, direito nato de todo ser humano. 
Crescimento é um processo de mudança em espiral – relativo e dinâmico. 
Experiências mudam a perspectiva e o foco do indivíduo. Tudo está constantemente 
mudando, desenvolvendo-se, intercambiando-se, e assumindo vários graus de 
importância para o indivíduo à luz da reorganização e integração de suas atitudes, 
pensamentos e sentimentos. 
O impacto das forças da vida, a interação dos indivíduos e a própria natureza do 
ser humano põem em pauta essa integração constantemente mutável que se processa 
dentro do indivíduo. Tudo é relativo, e o padrão é uma espécie de coisa cambiável, 
reorganizável – como o desenho que se vê num calidoscópio, um tubo pelo qual se olha, 
através de um buraquinho, para pedacinhos de vidro coloridos de forma variada; quando 
se gira o tubo, o desenho se desmancha e reorganiza-se de maneira bastante diferente. 
Quando as diversas partes do desenho se tocam, formam uma nova configuração. Não 
importa de que maneira se gire o tubo, o desenho mantém seu equilíbrio, estando a 
diferença no próprio desenho que, às vezes, é compacto e indica força e, às vezes, 
espalha-se e é aparentemente frágil, e não muito encorpado. Há sempre ritmo e 
harmonia no desenho. Cada modelo é diferente do outro e a diferença é causada pela 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 8 
 
maneira pela qual a luz o atravessa e pela firmeza da mão que segura acalidoscópio, 
assim como pelas posições intercambiáveis dos pedaços de vidro colorido. 
Assim, ao que parece, é a personalidade. O organismo vivo tem dentro de si os 
“pedaços de vidro colorido” e a personalidade é estruturada pela organização desses 
“pedaços”. 
A dinâmica da vida é tal, que qualquer experiência, atitude ou pensamento de 
todo indivíduo está constantemente mudando em relação à interação das forças 
psicológicas e ambientais sobre todos e cada um dos indivíduos, de maneira que o que 
aconteceu ontem não tenha para ele o mesmo sentido que tinha quando sucedeu, por 
causa do impacto das forças da vida e da interação dos indivíduos; da mesma forma, 
amanhã a experiência será integrada diferentemente. 
Essa característica de mudança aplica-se também às respostas de 
comportamento. Respostas que parecem bastante semelhantes, dia após dia, são às vezes 
descritas como hábitos, mas os hábitos parecem desaparecer subitamente quando o 
indivíduo não mais sente a necessidade deles, ou quando um tipo mais satisfatório de 
comportamento é encontrado. 
Foi essa flexibilidade, observável na personalidade e no comportamento, que 
abriu a porta para que se admitisse o elemento de esperança e uma maneira positiva de 
considerar os indivíduos que desde o início pareciam derrotados Quando o indivíduo 
toma consciência do papel que pode desempenhar na direção de sua própria vida, e 
quando aceita a responsabilidade que acompanha – a liberdade dessa autoridade – é aí 
que está capacitado a fixar seu curso de ação com mais perfeição. 
Por que Ema espera, espera sempre, apesar das contínuas desilusões e 
desapontamentos? O que alimenta sua fé e a anima após cada experiência chocante? 
Seria o acúmulo dentro dela de “sabedoria” e “experiência”, mais uma crescente 
consciência de sua capacidade de enfrentar essa situação? Estará ela ganhando 
confiança em seu poder de suportar desapontamentos e manter-se nos próprios pés? 
Estará construindo uma aceitação de sua mãe, que lhe possibilite continuar encontrando-
se com ela cada vez que a chama, através de forte fé na humanidade? 
Uma criança geralmente perdoa depressa e esquece as experiências negativas, A 
menos que as condições sejam extremamente ruins, ela aceita a vida como a encontra, 
tanto quanto às pessoas com quem vive. Manifesta, por todas as maneiras, uma avidez, 
uma curiosidade, um grande amor pela vida que a excita e encanta nos seus mais 
simples prazeres. Normalmente, uma criança gosta de crescer e lutar por isso 
constantemente – algumas vezes, mesmo, ultrapassando-se em sua avidez. É, ao mesmo 
tempo, humilde e orgulhosa, corajosa e temerosa, dominadora e submissa, curiosa e 
satisfeita, ávida e indiferente. Ama e odeia, luta e faz a paz; fica encantadoramente feliz 
e desesperadamente triste. Por quê? Alguns psicólogos podem explicar essas reações 
como exemplos de respostas a estímulos dados. A autora prefere explicá-las como 
reações de uma criança que está crescendo, crescendo, crescendo em experiência, 
crescendo em compreensão, crescendo na aceitação de si mesma e do seu mundo. Está 
assimilando todos os ingredientes que se integram na configuração, exclusivamente sua, 
a que se dá o nome de Personalidade. 
Já foi dito muitas vezes que há certas necessidades básicas dentro de cada 
indivíduo e que o organismo está lutando constantemente para satisfazê-las. Quando há 
uma satisfação relativamente direta, diz-se que o indivíduo é bem ajustado. Quando o 
esforço de busca de satisfação das necessidades é bloqueado, tomam-se caminhos 
tortuosos para se chegar a esta satisfação. Neste caso, o indivíduo é considerado 
desajustado. Essa é uma explicação muito superficial de ajustamento e de 
desajustamento. 
 
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Não parece adequado deter-nos em explicações das complexas atividades do 
organismo humano. Certamente foi dito pouco a respeito do comportamento humano, 
nesta explicação, para justificar as expressões “respeito pelo indivíduo” e “a dignidade 
que é um direito nato do homem”. De fato, inclinamo-nos a admirar o “tipo de 
comportamento desajustado” porque parece mais complexo, mais engenhoso e mais 
seletivo do que aquele que é baseado na satisfação direta das necessidades. 
A personalidade parece desafiar a classificação, a estereotipia e os 
compartimentos estanques. Um indivíduo que é rígido e temeroso em uma determinada 
situação, ou com uma determinada pessoa, frequentemente reage de maneira muito 
diferente sob outras circunstâncias e em outros relacionamentos. O comportamento do 
indivíduo parece ser sempre causado por um objetivo: pela completa auto realização. 
Quando esse objetivo é bloqueado por pressões exteriores, a sua busca não para, mas 
continua com seu “momentum” intensificado por causa da força geradora de tensões, 
que é criada pelas frustrações. 
Quando um indivíduo encontra uma barreira que torna mais difícil para ele 
conseguir a completa realização de si mesmo, é formada uma área de resistência, atrito e 
tensão. O anseio pela auto realização continua e o comportamento do indivíduo 
demonstra que ele está satisfazendo sua aspiração interior através de luta exterior para 
estabelecer seu conceito próprio no mundo da realidade, ou que ele o está satisfazendo 
de forma artificiosa, confinando-o em seu mundo interior, onde pode construí-lo com 
menor esforço. Quanto mais se volta para o interior, mais perigoso se torna; e quanto 
mais ele se separa do mundo da realidade, mais difícil é ajudá-lo. 
As manifestações do comportamento exterior dependem da integração de todas 
as experiências passadas e presentes, condições e relacionamentos e se prestam à 
realização dessa aspiração interior, que continua enquanto houver vida. Possivelmente, 
a diferença entre o comportamento ajustado e o desajustado pode ser explicada assim: 
quando o indivíduo desenvolve confiança suficiente em si para arrancar o conceito que 
tem de si próprio da terra das sombras e levá-lo até à luz-do-sol, e, ainda, consciente e 
objetivamente dirigir seu comportamento através da avaliação, seleção e aplicação, a 
fim de alcançar sua meta definitiva na vida – uma completa auto realização – então 
parece estar ajustado. 
Por outro lado, quando falta essa confiança ao indivíduo para que ele possa 
dirigir abertamente o seu plano de ação, quando ele parece contentar-se em crescer 
tortuosamente, em vez de diretamente, em auto realização, e faz pouco ou nada para que 
se seus anseios sejam canalizados em direções mais construtivas e produtivas, diz-se 
então, que é um desajustado. 
Os vários tipos de comportamento desajustado, tais como devaneio, fuga, 
compensação, identificação, projeção, regressão, repressão – e todos os outros 
mecanismos desenvolvidos por este tipo de comportamento – parecem ser uma prova 
das tentativas interiores do indivíduo de aproximar-se de uma realização completa do 
conceito de si próprio. Mas essa realização é alcançada de maneira “distorcida”. O 
comportamento do indivíduo não está de acordo com o conceito interior de si mesmo 
que ele criou em sua tentativa de alcançar a completa auto realização. Quanto mais 
separados estão o comportamento e o conceito, maior é o grau de desajustamento. 
Quando o comportamento e o conceito se equivalem, e este, que se constrói dentro do 
indivíduo, encontra expressão exterior adequada, então se diz que o indivíduo é 
ajustado. Não há mais um foco distorcido. Não há mais conflito interior. 
Por exemplo, Ema quer ser um indivíduo respeitado e reconhecido como alguém 
de importância. Quer sentir que é uma pessoa amada, útil e capaz. Seu meio ambiente 
coloca-a numa situação em que lhe são negadas as condições necessárias para 
 
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demonstrar exteriormente seus anseios interiores para afirmar-se a si mesma ou à sua 
personalidade consciente. Por isso, tenta adquirir isto de maneira tortuosa. Ela mente, 
luta e se recolhe ao mundo de seus sonhos, onde pode realizar seu autoconceito. 
O mesmo acontece com Tom, Timmy e Bobby. Parece que estas crianças – 
como qualquer outra – precisam ter o sentimento de autoestima. Esse sentimento é, 
algumas vezes, criado na criança por amor e segurança e uma consciência de que 
pertence a alguém; mas, esses fatores parecem ser provas, para a criança, de que está 
sendo aceita como um indivíduo de valor, em vez de apenas satisfazer a sua necessidade 
de amor e segurança. As crianças, cujos casos são descritos neste livro, não possuem, 
em sua maioria, relacionamentos que lhes forneçam amor, segurança e o sentimento de 
pertencerem a alguém. No entanto, através do processo terapêutico, adquiriram o 
necessário sentimento de valor pessoal, o sentimento de serem capazes de dirigir a si 
mesmas, uma consciência crescente de que tinham dentro de si a capacidade de se 
manterem sobre seus próprios pés, de se aceitarem e de assumirem a responsabilidade 
de suas personalidades conscientes. Assim fazendo, foi-lhes possível sincronizar as duas 
projeções de suas personalidades – o que o indivíduo é dentro de si e de que maneira 
manifesta exteriormente esse eu-interior. 
O indivíduo reage desse modo por causa da configuração total de todas as suas 
experiências. Sua reação é algo denso e complexo, que pede clarificação, objetividade, 
aceitação e a responsabilidade de fazer alguma coisa para isso. 
TERAPIA NÃO-DIRETIVA 
A Terapia Não-Diretiva é baseada no pressuposto de que o indivíduo tem dentro 
de si mesmo não só a capacidade de resolver os seus problemas satisfatoriamente, mas 
também esse impulso de crescimento que faz o comportamento maduro mais 
satisfatório do que o comportamento imaturo. 
Esse tipo de terapia começa no ponto em que o indivíduo está e aí baseia seu 
processo, permitindo mudanças de minuto a minuto durante o contato terapêutico; a 
velocidade da reorganização depende das experiências, atitudes, pensamentos e 
sentimentos que provocam o “insight” o qual é um pré-requisito para uma terapia bem 
sucedida. 
A Terapia Não-Diretiva permite ao indivíduo ser ele mesmo, aceitar-se 
completamente, sem avaliação ou pressão para mudança: reconhece e esclarece as 
atitudes emocionais expressas pela reflexão do que o cliente expressou; é por esse 
processo de terapia que se oferece ao indivíduo a oportunidade de ser ele mesmo, de 
aprender a se conhecer, de traçar seu próprio curso abertamente e às claras – de rodar o 
calidoscópio, por assim dizer, de maneira que ele forme um desenho mais satisfatório 
para sua vida. 
Quando alguém considera o problema de Tom, Ema, Timmy e Bobby e as 
provas evidentes de que essas crianças estão desenvolvendo personalidades 
“deformadas”, esse alguém é desafiado a fazer algo para ajudar a cada uma delas a se 
entender, a se libertar de suas tensões e frustrações e a se conscientizar das poderosas 
forças que tem dentro de si e que estão lutando continuamente para seu crescimento, 
maturidade e realização. 
LUDOTERAPIA 
A Ludoterapia Não-Diretiva, como foi dito antes, pode ser descrita como uma 
oportunidade que se oferece à criança de poder crescer sob melhores condições. Sendo o 
brinquedo seu meio natural de auto expressão lhe é dada a oportunidade de, brincando, 
 
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expandir seus sentimentos acumulados de tensão, frustração, insegurança, 
agressividade, medo, espanto e confusão. 
Libertando-se desses sentimentos através do brinquedo, ela se conscientiza 
deles, esclarece-os, enfrenta-os, aprende a controlá-los, ou os esquece. Quando ela 
atinge certa estabilidade emocional, percebe sua capacidade para se realizar como um 
indivíduo, pensar por si mesma, tomar suas próprias decisões, tornar-se 
psicologicamente mais madura e, assim sendo, tornar-se pessoa. 
A Sala de Ludoterapia é um bom lugar de crescimento. Na segurança dessa sala 
onde a “criança” é a pessoa mais importante, onde ela está no comando da situação e de 
si mesma, onde ninguém lhe diz o que deve fazer, ninguém critica o que faz, ninguém a 
importuna, faz sugestões, estimula-a ou intromete-se em seu mundo particular. 
Subitamente, ela sente que pode abrir suas asas, pode olhar diretamente para dentro de 
si mesma, pois é aceita completamente. Pode pôr à prova suas ideias; pode expressar-se 
completamente, pois esse é seu mundo e não tem que competir mais com outras forças, 
tais como a autoridade adulta, rivais contemporâneos ou situações onde ela é um penhor 
humano no jogo entre pais contendores, ou onde é o alvo das frustrações e agressões de 
outras pessoas. Ela é um indivíduo dentro do seu próprio direito. É tratada com 
dignidade e respeito. Pode dizer qualquer coisa que sinta da maneira que quiser – e é 
aceita completamente. Pode brincar com os brinquedos do modo que gostar – e é aceita 
completamente. Pode odiar e amar e ser tão indiferente quanto uma estátua – e ainda é 
aceita completamente. Pode ser rápida como um furacão ou lenta como uma tartaruga – 
e não é nem contida nem apressada. 
É uma experiência única para a criança descobrir, de repente, que as sugestões, 
ordens, recriminações, restrições, críticas, desaprovações, ajudas e intrusões dos adultos 
desapareceram. Tudo isso é substituído pela aceitação completa e pela situação 
permissiva que lhe possibilita ser ela mesma. 
Não é de se estranhar que a criança, durante seu primeiro contato terapêutico, 
frequentemente demonstre espanto. O que vem a ser isso? Fica desconfiada e curiosa. 
Durante toda a sua vida, sempre houve alguém para ajudá-la a viver. É possível que 
houvesse até quem tivesse determinado viver a sua vida por ela. De repente, essa 
interferência desaparece, e ela não vive mais à sombra de alguém que a obscureça. Vê-
se, de repente, à luz do sol e as únicas sombras são as que ela própria quer lançar. 
É um desafio! E algo profundamente enraizado na criança responde a esse 
desafio claramente sentido para “ser” – para exercitar esse poder de vida dentro de si 
mesma, dirigi-lo, torná-lo mais útil, decisivo e individual. 
Tenta fazê-lo – primeiramente de maneira hesitante – depois, à medida que sente 
liberdade e segurança na situação terapêutica, avança com mais firmeza na exploração 
das possibilidades dessa experiência. Não está mais bloqueada por forças exteriores e o 
impulso dentro de si mesma para crescer não tem barreiras a contornar. A resistência 
psicológica que anteriormente encontrava, desapareceu. 
A presença na Sala de Brinquedos de uma Terapeuta compreensiva e amigável, 
que a aceite, dá-lhe essa sensação de segurança, fortalecida pelo pequeno número de 
limitações. A participação da terapeuta, durante o Contato Terapêutico, reforça também 
o seu sentimento de segurança. A terapeuta é sensível ao que a criança está sentindo e 
expressando através de seu brinquedo e de sua verbalização. Ela reflete essas atitudes 
emocionalmente expressas, de tal maneira que a ajude a compreender-se melhor. Ela 
respeita a criança, sua capacidade de manter-se sobre seus próprios pés e de tornar-se 
um indivíduo mais maduro, independente, se lhe é dada uma oportunidade para isso. 
Além disso, para ajudar a criança a obter uma melhor compreensão de si mesma, 
através do reflexo de suas atitudes emocionais, a terapeuta também lhe proporciona o 
 
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sentimento de que a está compreendendo e aceitando,sempre independentemente do 
que ela diga ou faça. Assim, a terapeuta dá-lhe a coragem para aprofundar-se no seu 
mundo interior e de lá trazer o seu eu verdadeiro. 
Para a criança, a terapia é realmente um desafio a este impulso interior que está 
constantemente lutando pela realização. Um desafio que nunca foi ignorado na 
experiência da autora com crianças. A velocidade com que elas utilizam essa 
oportunidade varia de pessoa para pessoa, mas o fato de que essa variação nos graus de 
crescimento vem a ocorrer durante a experiência de Ludoterapia, já foi demonstrado 
muitas vezes. 
Para a terapeuta, é uma oportunidade de testar a hipótese de que, se lhe é dada 
uma chance, a criança pode e realmente torna-se madura, mais positiva em suas 
atitudes, e mais construtiva na maneira pela qual expressa esse impulso interior. 
A autora acredita que é essa mesma força interior para a auto realização, 
maturidade e independência que cria também as condições para o que chamamos 
desajustamento, que parece ser ou uma determinação agressiva da parte da criança para 
ser ela mesma, seja de que modo for, ou uma grande resistência ao bloqueio de sua 
completa auto expressão. Por exemplo, quando Tom é repreendido por seus pais, 
professores, amigos, porque sua atitude e comportamento tornaram-no inaceitável para 
eles, então ele teima em conservar-se assim, embora eles o ataquem. Lutará contra eles. 
Ficará emburrado. Há de desafiá-los. Fingirá que cuspiu na bandeira. E, em sua 
completa frustração e conflito, chorará desesperado. Isso parece ser também verdadeiro 
quanto às outras crianças mencionadas neste livro. 
Estão lutando pela maturidade, pela independência e pelo direito de serem elas 
mesmas. 
Se o leitor examinar todo o material ilustrativo deste livro, tendo em mente uma 
pergunta – Na realidade, que aconteceu à essa criança durante a hora de terapia? – a 
resposta parece saltar diante dele. Deu-se à criança a oportunidade de analisar esse 
crescimento interior para um modo de vida positivo e construtivo. Ela se agarrou 
avidamente a essa oportunidade, e é capaz de resolver seus próprios problemas, de fazer 
suas próprias escolhas, de assumir responsabilidades pelo que faz, muito mais do que 
lhe é usualmente permitido. 
Citações do que as crianças disseram ao descreverem a experiência de 
Ludoterapia, levando-se em conta que foram observações feitas espontaneamente, são 
mais conclusivas daquilo que essa experiência representa para elas do que qualquer 
coisa que a terapeuta possa dizer. 
Três meninos de oito anos estavam tendo sessões de Ludoterapia de Grupo. 
Durante a oitava entrevista, Herby, de repente, perguntou à terapeuta: “Você tem de 
fazer isso? Ou você gosta de fazer isso?” E acrescentou: “Eu não saberia como fazê-lo”. 
Ronny perguntou: “Que quer dizer com isso? E só brincar, e pronto. Só brincar”. E 
Owen concordou com Ronny: “Claro que sim”. Mas Herby continuou a discutir: “Quero 
dizer que não saberia fazer como ela faz. Nem sei bem o que ela faz. Ela parece não 
fazer nada. Só que, de repente, estou livre. Dentro de mim, estou livre” (Abre 
largamente os braços). “Sou Herby, Frankenstein e Tojo, e um diabo”. (Ri e bate no 
peito). “Sou um grande gigante e um herói. Sou maravilhoso e terrível. Sou bobo e 
espertalhão. Sou duas, quatro, seis, oito, dez pessoas ao mesmo tempo, e luto e mato”. 
Terapeuta: “Você é várias pessoas numa só”. 
Ronny: “E você fede também”. 
Herby (lançando um olhar a Ronny): “Se eu fedo, você fede também”. 
Terapeuta: “Você e vários tipos de pessoas quando está aqui. É maravilhoso e 
terrível, bobo e espertalhão”. 
 
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Herby (interrompendo-a, exultante): “Sou bom e ruim e ainda continuo sendo 
Herby. Estou lhes dizendo que sou maravilhoso. Posso ser qualquer coisa que quiser”. 
Aparentemente, Herby sentiu que durante a hora de Terapia podia exprimir 
livremente todas as atitudes e sentimentos que eram uma expressão de sua 
personalidade. Sentiu a permissividade e a aceitação que lhe permitiam ser ele mesmo. 
Pareceu reconhecer o poder de auto direção que tinha dentro de si. 
Outro menino de doze anos comentou durante a primeira sessão de terapia: “É 
tudo tão estranho. Tão diferente. Aqui você diz que eu posso fazer o que eu quiser. Não 
me diz o que devo fazer. Posso fazer um bonequinho de argila com a cara de minha 
professora de trabalhos manuais, e dar ela pro jacaré comer”. Riu. “Posso fazer qualquer 
coisa. Posso ser eu!” 
Billy, de cinco anos de idade, sempre se referia a si próprio na segunda ou na 
terceira pessoa. Quando queria fazer alguma coisa, como tirar seu casaco, por exemplo, 
ele diria: “Você vai tirar seu casaco”, ao invés de “Vou tirar meu casaco”. Ou: “Você 
vai pintar”, em vez de “Vou pintar”. Gradativamente, durante as sessões de Terapia, 
Billy tornou-se “eu” e, no fim de uma sessão, disse: “Eu achei a areia interessante hoje”. 
Durante o sexto contato, finalmente, entrou na Caixa de Areia, sentou-se e correu os 
dedos pela areia branca e limpa, e disse com uma nota de encantamento na voz: “Hoje, 
eu entrei na Caixa de Areia. Aos poucos eu entrei na areia”. 
Era bem verdade. Semana após semana, fora chegando cada vez mais perto da 
areia, até que, como dissera: “Hoje, eu entrei na Caixa de Areia”. 
Descobrir seu caminho, testar a si próprio, deixar revelar sua personalidade, 
tomar a responsabilidade por seus próprios atos – isso é o que acontece durante a 
Terapia. 
Dúzias de exemplos semelhantes poderiam ser citados. Cada experiência 
terapêutica demonstra essa manifestação típica: a criança adquire a coragem de seguir 
em frente e de se tornar um indivíduo mais maduro e independente. 
Desde que o elemento de completa aceitação da criança parece ser de tão vital 
importância, vale a pena um estudo mais profundo. Aceitação de quê? A resposta parece 
ser – aceitação da criança e a firme crença de que esta seja capaz de autodeterminação – 
respeito por sua capacidade de tornar-se um ser humano pensante, independente e 
construtivo. 
A aceitação parece também implicar numa compreensão desse movimento 
ininterrupto em direção à completa auto realização, como um indivíduo 
psicologicamente livre e que, portanto, pode funcionar com sua capacidade máxima. 
Uma pessoa ajustada é aquela que não encontra excesso de obstáculos em seu caminho 
– a quem se deu a oportunidade de se libertar e de se fazer independente e dona de si. A 
desajustada é aquela a quem, de uma maneira ou de outra, negou-se o direito de 
conseguir tudo isso sem ter de lutar. Um exame de nossos arquivos demonstra-o 
repetidamente. Às vezes, o indivíduo é rejeitado e posto de lado. Às vezes, é sufocado 
por cuidados que, ao mesmo tempo em que o amparam, tornam mais difícil para ele 
romper as barreiras. Os indivíduos não manifestariam os sintomas de seu 
comportamento, a menos que estivessem lutando para conseguir um status individual. 
Os caminhos que buscam para isso são muitos e variados, mas têm em comum a 
resistência do indivíduo contra o bloqueio de sua maturidade e independência. Mesmo a 
Criança Dominada, que se torna rigidamente dependente, consegue independência 
deste modo. A Criança Mimada, que se recusa a aprender a ler na escola, parece, à 
primeira vista, estar lutando por independência e maturidade. Este poderia ser o 
caminho mais eficaz que descobriu para manter-se no controle da situação, e é por isso 
uma satisfação para ela, já que isso expressa seu poder de dirigir-se e de individualizar-
 
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se. Esta é uma hipótese que traz controvérsia e é apresentada apenas como uma 
interpretação de observações primárias feitasem Relatórios de Ludoterapia: o 
crescimento interior do indivíduo ocorre, algumas vezes, num espaço de tempo 
inacreditavelmente pequeno, mas está sempre presente, seja em grau maior ou menor. 
Muitos casos comprovam que a única necessidade do indivíduo é viver sem 
amarras, ser libertado e poder expandir-se completamente, sem se desgastar numa luta 
frustrante, para que seu impulso interior possa ser satisfeito. Isso não significa que ele 
tenha se preocupado tanto consigo mesmo, que o resto do mundo cesse de existir para 
ele. Significa que ele aspira à liberdade de realizar naturalmente esse impulso interior, 
sem que seja necessário fazer disso o objetivo central de sua vida; e, ainda, canalizar 
todas as suas energias para uma luta contra barreiras que impedem sua maturidade e que 
tornam sua atenção voltada para o interior de si mesmo. 
Quando esse impulso interior é satisfeito natural e constantemente – desde que 
crescimento é um processo contínuo, tanto quanto a vida – isso é excelente. O indivíduo 
adquire maturidade física e precisa adquirir maturidade psicológica, para equilibrar a 
balança. 
Assim como o indivíduo utiliza sua crescente independência física para estender 
os limites de seu potencial físico, ele usa sua crescente independência psicológica para 
alargar as fronteiras de sua capacidade mental. 
A criança que sabe correr, anda mais depressa do que a que só sabe engatinhar. 
A que aprendeu a falar pode comunicar-se de maneira, muito mais eficaz do que a que 
apenas sabe balbuciar. Com a maturidade, vem o crescimento do indivíduo para abarcar 
o mundo, na medida em que lhe é possível incorporá-lo ao seu esquema de vida. E é 
assim durante a vida inteira. A criança psicologicamente livre pode obter muito mais, de 
uma maneira construtiva e criadora, do que outra que gasta todas as suas energias numa 
batalha tensa e frustrante para se libertar e atingir o seu status como indivíduo. 
Ela será um indivíduo. Se não o conseguir por um meio legítimo, procurá-lo-á 
através de ações substitutas. É assim que a criança tem acessos de-mau-humor, faz 
pirraças, fica emburrada, sonha acordada, briga e tenta chocar os outros com seu 
comportamento. Os professores dizem muitas vezes, quando tentam “manobrar” uma 
dessas exibições: “Deem-lhe alguma responsabilidade dentro da sala!” e tem usado 
outros artifícios semelhantes, tentando vir ao encontro da necessidade da criança de ser 
reconhecida como uma pessoa de valor. Similarmente, durante a Ludoterapia, dá-se à 
criança a possibilidade de realizar esse poder que tem dentro de si, de tornar-se ela 
mesma. 
Os brinquedos auxiliam o processo porque são o meio natural de auto expressão 
da criança. É o material geralmente concedido à criança como propriedade sua. Brincar 
livremente é para ela uma expressão do que quer fazer. Ela pode orientar o seu mundo. 
É essa a razão pela qual o terapeuta não deve dirigir o brinquedo de maneira alguma. 
Ele coloca nas mãos da criança o que lhe pertence – nesse caso, os brinquedos e o seu 
uso não-dirigido. Quando ela brinca livremente e sem ser dirigida, está expressando a 
sua personalidade. Está experimentando um período de pensamento e ação 
independentes. Está liberando os sentimentos e atitudes que desde há algum tempo vem 
lutando para sair em campo aberto. 
Por isso é que não parece necessário dar à criança a consciência de que ela tem 
um problema para que ela possa usufruir das vantagens da sessão de Terapia. Muitas 
crianças utilizaram a experiência terapêutica e emergiram dela com sinais visíveis de 
atitudes mais maduras e, mesmo assim, nunca chegaram a tomar consciência de que isso 
era mais do que um período de brinquedo livre. 
 
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A Ludoterapia Não-Diretiva não pretende ser um meio de substituir um tipo de 
comportamento “pouco desejável”, por outro que é considerado mais desejável pelos 
padrões adultos. Não é uma tentativa de impor à criança a voz da autoridade, que diz: 
“Você tem um problema. Eu quero que você o corrija”. Quando isso acontece, a criança 
o recebe com resistência – seja ela ativa ou passiva. Ela não quer ser manipulada. 
Acima de tudo, luta para ser ela mesma. Padrões de comportamento que não foram 
escolhidos por ela são coisas inconsistentes que não valem a pena o tempo e o esforço 
requeridos para forçar sua assimilação. 
O tipo de Terapia que estamos descrevendo é baseado numa teoria positiva de 
capacidades individuais. Não está limitado a nenhum crescimento do indivíduo. É, antes 
de tudo, um ponto de partida. Começa onde o indivíduo está e deixa-o ir tão longe 
quanto ele é capaz de ir. Por isso é que não há entrevistas de diagnóstico antes da 
Ludoterapia. Sem levar em conta o comportamento sintomático, o indivíduo é 
encontrado pelo terapeuta no ponto em que está. É essa a razão por que a interpretação 
deve ser evitada o mais possível. O que aconteceu no passado, é fato passado. Já que a 
dinâmica da vida está constantemente mudando a relatividade das coisas, uma 
experiência passada é colorida pelas interações da vida e está também, constantemente 
mudando. Tudo que tente impedir o crescimento do indivíduo é uma experiência 
bloqueadora. Trazer à Terapia o seu passado, elimina a possibilidade de que ele tenha 
crescido nesse meio tempo, e, consequentemente, o passado não tem mais o mesmo 
sentido que tivera anteriormente. Perguntas de sondagem são também eliminadas pela 
mesma razão. O indivíduo selecionará as coisas que, para ele, são mais importantes, 
quando estiver pronto para fazê-lo. Quando o terapeuta não-diretivo diz que a terapia 
está centrada no cliente, realmente quer dizer isso, porque, para ele, o cliente é a fonte 
de poder vivo que dirige o crescimento de dentro para fora. 
Durante uma experiência de Ludoterapia, esse tipo de relacionamento é feito 
entre o terapeuta e a criança, o que permite à última revelar seu verdadeiro eu e, – 
conseguindo a sua aceitação – e através dessa aceitação, tendo crescido sua 
autoconfiança, – ela é mais capaz de estender as fronteiras da sua personalidade. 
A criança mora num mundo todo seu e poucos são os adultos que a 
compreendem realmente. A vida moderna é tão agitada e opressora, que fica difícil, para 
a criança, estabelecer com os adultos, o relacionamento íntimo e delicado que é 
necessário à compreensão do que se passa em seu interior. Muitas pessoas tentam 
explorar a sua personalidade e, assim, ela defende a sua identidade. Mantém-se de lado, 
divertindo-se com coisas que para ela são muito mais interessantes e importantes. 
Inclinada atentamente sobre uma coisa qualquer, a criança satisfaz sua insaciável 
curiosidade e seus interesses sensoriais. O adulto acha graça ou a critica, quando ela 
anuncia, tendo na voz a emoção de uma verdadeira descoberta: “Olha, essa areia é 
áspera, grossa e não tem gosto de nada. Gosto de nada é assim?” Ou: “Essa tinta de 
dedo está suando – suando como lama vermelha ou lama verde – êta laminha suada”. 
Ou a observação: “Gente indo do trabalho pra casa, do trabalho pra casa, do trabalho pra 
casa. Indo pro leste quando vão do trabalho pra casa – indo jantar. Amanhã vão voltar 
de novo. Vão voltar de novo. Vão voltar de novo pro oeste. Virão pro oeste de 
manhãzinha e voltarão pro trabalho”. Ou, no caso do menininho de cinco anos que está 
olhando pela janela, para uma grande igreja que há na vizinhança: “Olha lá a igreja, 
igrejão. A igreja que sobe até lá no céu. A igreja que toca música. A igreja que toca 
uma, duas, três, quatro vezes quando são quatro horas. Um igrejão com estacas em volta 
e onde todo o pessoal vai”. E após uma longa pausa: “E céu! Um montão de céu, lá em 
cima. E um passarinho. E um avião. E fumaça”. E depois de uma pausa mais longa: “E 
Dibs na janelinha, olhando pr'aqueletrenhão”. 
 
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“Daqui, aquilo ali parece enorme pra você”, disse-lhe a terapeuta, 
tranquilamente. 
“É verdade. Grandão. Muito grandão”. 
“Tudo parece grande, muito grande”, disse a terapeuta. 
Dibs sai da janela. Ele suspira. “Mas Dibs, não”, disse ele. “Dibs não é do 
tamanho da igreja”. 
Há ritmo, poesia e agudeza nessa observação. Os adultos estão, às vezes, tão 
apressados, que não tem tempo para apreciar as crianças. O menininho de cinco anos 
que fez essa observação, três meses antes fora classificado como “estranho, lento, 
incapaz de comunicação com os outros”. 
Nossa cultura impõe a dependência na criança – mas ela continua a crescer 
independente em seu mundo interior. Na hora da terapia – uma vez que a criança tenha 
adquirido confiança no terapeuta e o tenha aceitado tanto quanto ele a aceitou – passa a 
compartilhar com ele seu mundo interior e, através dessa participação, alargam os 
horizontes de seus mundos. 
TERAPIA NÃO-DIRETIVA EM GRUPO 
Falamos até agora, em nossa discussão, somente da Terapia Individual. 
Atualmente as técnicas de Ludoterapia Não-Diretiva podem ser aplicadas também em 
grupo. A Terapia de Grupo é uma experiência terapêutica não-diretiva acrescida dos 
elementos da avaliação simultânea do comportamento e das reações das personalidades 
umas sobre as outras. A experiência em grupo insere na terapia um elemento bastante 
realista, porque a criança convive com outras crianças, tendo, portanto, que considerar 
as reações delas e desenvolver um respeito aos sentimentos de cada uma. Entretanto, o 
grupo que participa da Terapia Não-Diretiva não é como um “clube”, um “grupo 
recreativo” ou “grupo educacional”; nem é considerado como substituto para uma 
“situação familiar”. 
É óbvio que em casos onde os problemas das crianças são centralizados em 
torno do ajustamento social, a Terapia em Grupo pode ser mais bem sucedida que o 
Tratamento Individual. Por outro lado, em casos onde os problemas giram em torno de 
uma dificuldade emocional, profundamente localizada, a Terapia Individual parece ser 
melhor para a criança. Uma vez que frequentemente é impossível determinar 
exatamente o que é o elemento fundamental dos problemas da criança, talvez seja a 
melhor política lhe oferecer ambos os contatos – individual e em grupo – quando tal 
arranjo é possível. 
Os problemas de Terapia em Grupo são mais bem discutidos na terceira parte, 
onde a aplicação dos princípios não-diretivos é discutida detalhadamente; também no 
capítulo 18, onde um registro completo da Terapia em Grupo é apresentado e avaliado 
e, no capítulo 19, no qual é apresentado o caso de Ema, em que se fez uma combinação 
dos dois tipos de contatos. 
SEMELHANÇAS COM O ACONSELHAMENTO NÃO-DIRETIVO 
Os princípios da Ludoterapia Não-Diretiva, que são discutidos neste livro, são 
baseados na técnica de Aconselhamento Não-Diretivo, a qual foi desenvolvida pelo Dr. 
Carl R. Rogers, e é explicada detalhadamente no seu livro Counseling and 
Psychotherapy
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. 
 
1 Boston: Houghton Miffin Company, 1942. 
 
Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Infância (Virginia Axline) – Curso de Psicologia – Univas – 8ºP – Disciplina: “Psicoterapias Infantis” – Profª Marcia Coutinho 17 
 
O Aconselhamento Não-Diretivo é, em verdade, mais que uma técnica. É uma 
filosofia das potencialidades humanas que realça a capacidade interior de cada 
indivíduo se dirigir. É uma experiência que envolve duas pessoas e que dá unidade de 
propósito àquela que está procurando ajuda – tomar consciência da maneira mais 
completa possível do conceito que tem de si mesma, emergir num todo integrado sem 
conceitos conflitantes entre o “eu” e o “mim”, ou seja, entre o autoconceito interior e o 
comportamento exterior. 
Considerando-se a ênfase fundamentalmente localizada na participação ativa do 
indivíduo nesta experiência evolutiva, o termo “não-diretivo” parece não ser adequado. 
Enquanto esse termo descreve acuradamente o papel do conselheiro, o qual é mantido 
por suficiente auto disciplina para frear qualquer impulso que possa tirar a 
responsabilidade do cliente, é certamente inadequado quando se refere ao papel do 
cliente. Ao invés deste, o termo “Terapia Auto Diretiva” parece dar uma descrição mais 
honesta e acurada. 
O relacionamento estabelecido entre o conselheiro e o cliente, neste tipo de 
terapia, é um resultado das atitudes básicas do terapeuta, as quais lhe tornam possível 
aceitar, sem reservas, os direitos inalienáveis de o indivíduo se autodirigir. O 
conselheiro não põe ou tira estas atitudes como um paletó; elas são parte integrante de 
sua personalidade. 
Baseada nestas atitudes do terapeuta, a estrutura da Terapia Auto Diretiva 
abrange: completa aceitação do cliente como ele é e permissividade para que este use a 
hora de aconselhamento da maneira que achar apropriada. Ele é quem indica o caminho 
que a entrevista deve seguir. Seleciona o que lhe é importante. Assume a 
responsabilidade de tomar decisões. Faz as interpretações. E supera seu problema na 
atmosfera de mútuo respeito que caracteriza este relacionamento. Traça o seu curso de 
ação – um curso positivo que corresponde ao seu impulso interno em direção à 
maturidade. 
Embora tenhamos enfatizado bastante a parte do cliente, o conselheiro não é um 
agente passivo nesta experiência. De certa forma ele é o desencadeador da reação, que 
habilita o cliente a discernir suas atitudes emocionais e, pela avaliação intelectual delas, 
o faz aceitá-las, ou não, na reorientação de seus pontos de vista. 
O conselheiro obtém este resultado pelo desenvolvimento de uma compreensão 
de seu cliente, a qual o sensibiliza para as atitudes emocionais que vão sendo expressas 
por ele. Através de clarificações acuradas e seletivas dessas atitudes expressas, o 
terapeuta as isola da torrente de emoções, de forma que o cliente possa identificá-las e 
conhecê-las pelo que são e, consequentemente, constrói um consistente código de 
valores, que lhe dá força e estabilidade para manter um honesto relacionamento com os 
outros. 
O conselheiro é modesto em sua conduta e, em momento algum, precede seu 
cliente, uma vez que sabe que este é o seu próprio condutor, que “ele”, não o terapeuta, 
é o fator determinante de seu comportamento. 
No cálido e amigável relacionamento que o conselheiro estabelece, o cliente é 
capacitado a se enfrentar honestamente, a sentir-se seguro neste relacionamento 
genuinamente cooperativo e a experimentar uma absoluta conjunção neste esforço de 
obter um completo autoconhecimento e auto aceitação. Como resultado de um bem 
sucedido Aconselhamento Não-Diretivo, o cliente parece adquirir uma sólida filosofia 
de vida, a qual é resumida nos seguintes termos: ele ganha respeito por si mesmo como 
um indivíduo de valor, aprende a aceitar-se, concede a si mesmo permissividade para 
utilizar todas as suas capacidades, assume responsabilidades por si mesmo. Além disso, 
aplica esta filosofia no seu relacionamento com os outros – já que ele tem o verdadeiro 
 
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respeito e aceitação deles como são, e acredita em suas capacidades, ele acaba por lhes 
conceder permissividade para utilizarem-se delas, deixando-os assumir suas próprias 
responsabilidades e tomar suas próprias decisões. 
Quando as técnicas não-diretivas ou auto diretivas são aplicadas ao tratamento 
de crianças, seus resultados são grandemente significativos. Se a criancinha rejeitada, 
insegura, sem amor, sem sucesso, sem qualquer sentimento de posse, encontra este 
desafio para realizar plenamente os seus mais íntimospotenciais, pode opor-se as 
ignominiosas
2
 humilhações de sua sorte e mostrar sinais positivos de um 
comportamento mais maduro e responsável. Se isso acontece, então os educadores e 
assistentes sociais e industriais deveriam considerar valioso reexaminar como são 
empregadas suas contribuições para o desenvolvimento do indivíduo e reconhecer a 
capacidade potencial de cada um, contribuindo para um melhor relacionamento 
humano. Aqui, também, a responsabilidade do indivíduo para com os outros está na 
razão direta da quantidade de liberdade que lhe é confiada. 
Quando a pessoa aprende a se conhecer completamente, então torna-se seu 
próprio guia e é um homem verdadeiramente livre. Se o aconselhamento – ou 
psicoterapia (chame o como quiser) – não-diretivo é um meio de libertação individual 
que pode tornar o indivíduo mais espontâneo, criador e feliz, então é necessário maior 
estudo e sua aplicação em maior escala. 
Se isto parece ser um meio de oferecer hospitalidade emocional para as crianças 
atribuladas e confusas, então parece muito justo que seja tentado. 
Agora que já tivemos uma introdução geral à Ludoterapia, antes que nos 
dediquemos a um estudo mais detalhado da situação terapêutica e dos princípios que 
governam sua conduta, voltemos a um caso atual para ver como a Ludoterapia Não-
Diretiva funciona. Vamos ao Caso de Tom, aquela criança-problema que encontramos 
no capítulo 1. 
COMO FUNCIONA A LUDOTERAPIA? 
O CASO DE TOM 
Tom tinha 12 anos, inteligência acima da média, boa aparência, mas era 
seriamente desajustado em casa e na escola. Foi levado à Ludoterapia porque era 
antissocial, agressivo e se desculpava dizendo que todo mundo o tratava mal. Tinha um 
padrasto e uma meia-irmã muito mais nova, que era a preferida da família. 
Passara a maior parte de sua vida com a avó materna, mas, dois anos antes de ter 
sido levado à Ludoterapia, sua mãe o havia trazido para morar com ela, o padrasto e a 
meia-irmã. Tom não se deu bem com eles. Nem com as outras crianças na escola, 
porque nunca lhe haviam permitido brincar com outras crianças até aquela idade, tendo, 
portanto, problemas de ajustamento à vida em comum. 
Nesse caso, o leitor notará como o menino, rápida e nitidamente, exprimiu seus 
problemas, principalmente através do uso de fantoches como meio de expressão. É 
interessante notar como as atuações dos fantoches representaram seus relacionamentos. 
O pai e o diretor da escola representavam uma autoridade ditatorial para ele. Seus 
sentimentos ambivalentes em relação ao pai mostravam-se através de dois papéis 
diferentes, representados pelos fantoches: primeiro ele batia no “pai” e depois, defendia-
o. A brincadeira da criança estava definitivamente relacionada com seus sentimentos, 
atitudes e problemas. 
 
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 Ignominioso → indigno, infame, aviltante, desonroso, vergonhoso, ignóbil, humilhante e degradante. 
 
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PRIMEIRO CONTATO 
Tom veio para a Sala de Brinquedos de paletó e chapéu e assentou-se à mesa. 
Tinha nas mãos um apito de metal e ficou mexendo com ele o tempo todo em que 
esteve sentado. Evitava os olhos da terapeuta. 
Tom: Bem, aqui estou eu. Vim justamente por que... por curiosidade. Eu não 
conseguia entender o que minha mãe estava falando. Ela me disse que você ia me ajudar 
com meus problemas, mas eu não tenho nenhum problema. 
Terapeuta: Você acha que não tem nenhum problema, mas sua curiosidade faz 
você querer examinar isto. 
Tom: Oh! Sim! Eu sou curioso, sempre meto meu nariz em tudo. Achei que 
deveria vir e ver. 
Terapeuta: Você gostaria de ver como é o aconselhamento. 
Tom: Aconselhamento. Esta é a palavra que eu não conseguia lembrar. Ah! Eu 
não tenho problema nenhum. (Pausa). Exceto que... Bem... Hummm... Meu pai... 
Padrasto realmente... Eu não posso ficar morando com ele e nem ele comigo, e, quando 
ele está em casa e eu também, há problemas, problemas, problemas. Eu faço muito 
barulho. Eu estou atrapalhando. Só sei que nós não podemos ficar juntos. A única hora 
em que eu consigo aguentar minha casa é quando ele não está. 
Terapeuta: Você e seu pai não conseguem ficar juntos. 
Tom: Meu padrasto. 
Terapeuta: Seu padrasto. 
Tom: Mas eu não tenho nenhum problema. 
Terapeuta: Você acha que o fato de você e seu padrasto não poderem ficar 
juntos não seja um problema. 
Tom: Não, isso mesmo. Todos os meninos me perseguem. Eles não gostam mim 
(pausa). Acho que nada tenho a dizer. Mamãe disse que eu ia falar sobre meus 
problemas, mas eu não tenho nenhum. 
Terapeuta: Vamos esquecer o que sua mãe disse. Vamos falar sobre qualquer 
coisa que você queira, ou não conversar sobre coisa alguma, se você prefere. 
Tom: Como o episódio da bandeira na semana passada, por exemplo? Você quer 
ouvir sobre isto? A turma me atacou porque eu disse que cuspi na bandeira e disse “Heil 
Hitler!”. A turma toda avançou em mim, mas eu não cuspi de verdade, não, só falei para 
fazer raiva neles. Acredite. E consegui. 
Terapeuta: Você queria enfurecê-los e na verdade o fez. 
Tom: Eu não sei por que fiz isso. Eu, na verdade, não cuspi na bandeira. Eu sou 
um bom americano. Eu tenho respeito bastante pela bandeira para não cuspir nela. Mas 
é isto que eu fiz. Eles me atacaram em turma e me bateram. Tinha muitos contra mim. 
Terapeuta: Você não consegue entender porque às vezes faz coisas como esta. 
Tom: Nem por que eu brigo. Às vezes. Eu só... mas eu não tenho nenhum 
problema. 
Terapeuta: Você não gosta de admitir que tem problema. 
Tom (rindo): Depende do tamanho dele. Eu tenho coisas maiores que 
problemas. Meu pai adotivo. Nossa professora substituta, caramba, ela é danada. E 
ninguém gosta de mim. Não sei por que. Eu acho que não existe nenhuma pessoa que 
não tenha problemas. 
Terapeuta: Você acredita que todo mundo tem problemas e que, na verdade, 
você não é diferente de ninguém. 
Tom: Somente eu é que tenho que admitir que tenho problemas. Mas os outros 
não. 
Terapeuta: Você está pronto para começar a admitir que tem problemas. 
 
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Tom: Minha vida não é nenhum piquenique. 
Terapeuta: Você não é muito feliz. 
Tom: Alguém vai ficar sabendo o que eu digo? Mamãe ou alguém mais? Você 
está escrevendo o que eu estou desabafando? 
Terapeuta: Estou tomando algumas notas. Mas a qualquer pessoa, jamais será 
dito qualquer coisa que você disser aqui. 
Tom (num suspiro profundo): Você sabe que isto é uma situação bastante 
estranha. Você está escrevendo tudo? 
Terapeuta: Só um pouco. Somente para minha própria orientação. 
Tom: Está bem. (Longa pausa). 
Tom: As professoras não importam com o que acontece. Ninguém toma 
conhecimento do que está se passando com o “cara” e, agora, aqui, já é depois da aula e 
você nem mesmo é minha professora. Eu não vou te incomodar. Não vou te esquentar a 
cabeça. E também... (sacode os ombros). 
Terapeuta: Você não acha que os outros se importam bastante com o que 
acontece a um “cara” e também... 
Tom: Eu estava curioso. 
Terapeuta: Você estava curioso. 
Tom: De certo! Bem... eu... não há nada que realmente me incomode. Não 
mesmo, eu acho. Não vou me importar com isto. 
Terapeuta: Você acha que está tudo bem, sob controle. 
Tom: Bem... Ah... Somente eu... eu não consigo pensar nada pra dizer. Não 
tenho nada a dizer. 
Terapeuta: Se você não tem nada a dizer, então não tem que dizer nada. 
(Pausa). Se você quiser voltar na próxima quinta-feira, eu estarei aqui. Se não quiser 
também, eu gostaria que me dissesse isso na próxima quinta-feira, às três horas. 
Tom: Sim. Tá certo. 
Terapeuta: Se você quiser ir embora agora, você pode ir.Se quiser ficar mais, 
também pode. Você pode usar este tempo do modo que você quiser. 
Tom: Sim. (Tirando o paletó e o chapéu). Eu não estou com pressa. 
Terapeuta: Você acha que pode ficar um pouco mais. 
Tom: Sim. Eu quero dar uma olhada nisso por aqui. Você não importa, né? 
Terapeuta: Olhe o que quiser. 
Tom (olhando tudo o que há na sala): Eu aposto que as criancinhas gostam é de 
pintar. 
Terapeuta: Você acha isto? 
Tom: Eu também gosto. Mas só na minha sala de aula... Digo... Só que na 
minha sala de aula... Olha, se eu já tive algum problema, é essa professora substituta. Eu 
te garanto que se ela te desse uma caixa de bombons, você morreria de indigestão. 
Terapeuta: Você não gosta da substituta. 
Tom: Ainda bem que você entendeu (examina a argila). Isto seria divertido 
também. (Pega um fantoche). Eu poderia fazer um punhado de peças engraçadas só com 
as embrulhadas em que me meto. Minha autobiografia dá pra chorar. 
Terapeuta: Você acha que sua vida é triste? 
Tom: Bem, eu acho que ela é cheia de coisas. Estou sempre em confusão. 
(Coloca o fantoche na mão). Agora olha aqui. Eu vou te matar se você não fizer como 
eu estou falando, tá vendo? (A voz é completamente mudada – baixa, profunda, 
ameaçadora). 
Terapeuta: Ele sente como se estivesse matando alguém. 
 
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Tom: Eu também, às vezes. Só que eu não faço de verdade. (Rindo). Respeito 
pela lei e tudo o mais, você sabe, não é? Eu vou te contar o quê. Da próxima vez que eu 
vier eu vou fazer um teatrinho. Ato I: Minha vida e Meus Problemas. 
Terapeuta: Combinado. Da próxima vez que você vier você vai representar sua 
vida e seus problemas. 
Tom (brincando com vários fantoches): Tenho certeza que consigo fazer um 
desses. 
Terapeuta: Você acha que é capaz de fabricar fantoches. (Ele continua a brincar 
com eles). Seu tempo por hoje acabou-se, Tom. 
Tom: Bem, até logo. Volto amanhã. 
Desde o início Tom usou os fantoches durante a maior parte de seu tempo na 
sala de brinquedos. Ele dramatizou seus problemas familiares e externou seus 
sentimentos agressivos dirigidos ao pai, irmã e escola. 
TRECHO DO SEGUNDO CONTATO 
Tom chega e faz a montagem de um teatrinho de fantoches. Pega um fantoche-
menino. 
Tom (segurando o fantoche): Este é Ronny, o mau menino. Rapaz! Ele é mau. 
Ele agora está em casa e na cama. Seu pai está no andar de baixo. Ele quer que o pai 
suba. O pai de Ronny está sempre mandando nele. (Ri). Mas ele não vai muito longe 
com Ronny não, conforme você vai ver. 
Tom dirige esta fala inicial à terapeuta. Durante a “peça” ele manipula todos os 
fantoches e muda completamente seu tom de voz, cada vez que um personagem 
diferente fala. 
Pai (num horrível tom de voz): “Ronny, saia da cama”. 
Ronny (sonolento): “Não quero”. 
Pai: “Você me ouviu? Você sai da cama ou eu...”. 
Ronny: “Ou eu... o quê?” 
Pai: “Ou eu subo aí e te faço sair”. 
Ronny: “Não precisa fazer este escândalo todo”. 
Pai: “Se apronte e vai para a escola”. 
Ronny: “Eu não quero ir para a escola. Eu não gosto da escola. Além disso, eu... 
eu... estou com dor de barriga”. 
Pai: “Dor de barriga? Você é um mentiroso. Você é burro. Não aprende nada na 
escola”. 
Ronny: “Por que é que eu não aprendo?” 
Pai: “Porque você é burro. Você é o branco mais burro que eu já vi”. 
Ronny: “Eu não sou burro. Eu vou te mostrar. Eu vou. Eu vou... Eu vou... Bem, 
eu vou...” (o pai espanca Ronny). 
Ronny: “Ai. ai. Você é desgraçado, homem miserável”. 
Pai: “Agora você faz o que eu disse”. 
Ronny: “Eu vou fugir de casa. Eu vou” (O fantoche é lançado ao chão). 
Pai: “Por que, seu cachorrinho? Eu vou atrás de você” (O pai desaparece. O 
palhaço encontra Ronny). 
Palhaço: “Alô. Aonde você está indo? Eu sou Dopey, o Palhaço”. 
Ronny: “Eu sou Ronny, o Menino Mau. Estou fugindo de casa”. 
Palhaço: “Oh! venha comigo. Vamos achar alguma coisa engraçada para fazer” 
(Uma bonequinha-fantoche vem no lugar do palhaço. A menininha está gritando). 
Menina: “Eu quero minha mamãe. Eu perdi minha mamãe”. 
Ronny: “Vai embora. Eu não gosto de pirralhos”. 
 
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Menina: “Eu perdi minha mamãe”. 
Ronny: “Isto é mesmo mau! Isto é uma calamidade” (A menininha grita mais 
alto que antes). “Aonde você mora?” 
Menina: “Eu... Eu... Eu... Eu não sei”. 
Ronny: “Como é que é sua mãe chama?” 
Menina: “Mamãe”. 
Ronny: “O primeiro nome?” 
Menina: “Mamãe”. 
Ronny: “O nome do meio?” 
Menina: “Mamãe”. 
Ronny: “O último nome?” 
Menina: “Mamãe”. 
Ronny: “Agora eu quero saber quem é o burro”. (A menina chora e grita, Ronny 
sai de cena e entra o pai). 
Pai: “O que houve? O que aconteceu?” 
Menina: “Aquele menino me bateu” (A menina desaparece e Ronny retorna à 
cena). 
Ronny: “Não fui eu não. Não fui eu. Eu bem que queria mas não tinha feito isto 
ainda”. 
Pai: “Qual é o seu nome?” 
Ronny: “Ronny”. 
Pai: “Ronny de quê?” 
Ronny: “Ronny Gooseberry”. 
Pai: “Você é um espertalhão”. 
Ronny: “Eu sou um espertalhão? Eu odeio a mim mesmo por ser um 
espertalhão”. 
Pai: “Escute”. 
Ronny: “Escute você”. 
Pai: “Porque eu vou te matar”. 
Ronny: “Vamos ver se vai mesmo” (O pai e Ronny se engalfinham. Ronny bate 
no pai e este pede clemência). 
Pai: “Eu vou mandar meu filho te bater”. 
(Ronny desaparece e retorna, desta vez significando o filho). 
Ronny: “Está precisando de mim, Pai?” 
Pai: “Você vai pegar aquele menino. Ele me bateu” (O pai sai de cena. Outro 
menino-fantoche aparece no lugar do pai). 
Ronny (para o garoto): “Eu vou te passar uma esfrega. Você bateu no meu pai” 
(Dá-se uma luta terrível. Ronny vence). “Isto é de cansar qualquer um”. 
(A menina volta à cena. Ronny bate nela. A garota grita e desaparece. O pai 
volta). 
Pai: “Alô, seu velhaco! Se você bater nela de novo, eu vou te espancar”. 
Ronny: “Aposto que você não consegue”. 
Pai: “Quer ver?” 
(O pai bate nele. Ronny grita. O pai desaparece). 
Ronny: “Eu deveria ter ido para a escola. Estou com fome. Mas, às vezes, eu 
acho que a escola é mais segura”. 
Palhaço: “Sanduíches! Sanduíches! Dez centavos! Sanduíches!” 
Ronny: “Eu só tenho um níquel”. 
Palhaço: “Eu vou vender um para você pelo preço camarada de um níquel”. 
(Tom aparece subitamente e interrompe o teatro neste momento). 
 
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Tom: Agora são cachorros-quentes. A gente não consegue, às vezes, controlar o 
espetáculo (Tom desaparece de novo). 
Ronny: “Eu vou para casa. Seria melhor não ir. Meu pai, ele vai me matar. Eu 
vou entrar às escondidas no meu quarto”. 
Palhaço: “Sanduiches! Dez centavos”. 
Ronny: “Aqui, me dá um”. 
Palhaço (grita): “Por que você... seu falsificador! Eu quero dinheiro de verdade” 
(Ronny bate no palhaço). “Oh, você me deu um soco no nariz. Meu lindo nariz” (grita). 
Ronny: “Isto é muito engraçado” (Ronny desaparece). 
(Nos bastidores, sons de correntes e afogamentos). 
Ronny: “Tocou a sirene da escola. Eu só quero saber se eu vou”. 
Pai: “Ronny!” 
(Tom reaparece). 
Tom: Este fantoche agora vai ser o diretor da escola. 
Ronny: “E... E... E... E... Eu... Eu tive dor de barriga hoje de manhã”. 
Diretor: “Hein? Com o que você adoeceu? Você tirou aquelas maçãs do meu 
pomar?” 
Ronny: “O senhor pode provar que eu fiz isto?” 
Diretor: “Não!” 
Ronny: “Então não permito que me acuse”. 
Diretor: “Eu vou dar uma surra em você”. 
Ronny: “Vai?” 
Diretor: “Por que você não vai para casa?” 
Ronny: “Porque não quero ir”. 
Diretor: “Seria melhor que você fosse”. 
Ronny: “Eu não vou lá hoje. Eu vou matar aula”. 
Diretor: “Você não deve fazer isto”.

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