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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO ANA LETÍCIA AVELINO SILVA BARROS CENTRO DE SAÚDE MENTAL PELOS PRINCÍPIOS DA BIOFILIA Anteprojeto de um Centro de Saúde Mental para a cidade de Natal/RN NATAL / RN NOVEMBRO - 2019 2 ANA LETÍCIA AVELINO SILVA BARROS CENTRO DE SAÚDE MENTAL PELOS PRINCÍPIOS DA BIOFILIA Anteprojeto de um Centro de Saúde Mental para a cidade de Natal/RN Trabalho Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentado no semestre letivo 2019.2 como requisito de obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. NATAL / RN NOVEMBRO - 2019 Barros, Ana Leticia Avelino Silva. Centro de saúde mental pelos princípios da biofilia: anteprojeto de um centro de saúde mental para a cidade de Natal/RN / Ana Leticia Avelino Silva Barros. - Natal, RN, 2019. 72f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Luciana de Medeiros. 1. Arquitetura hospitalar - Monografia. 2. Saúde mental - Monografia. 3. Biofilia - Monografia. 4. Ambientes restauradores - Monografia. I. Medeiros, Luciana de. II. Título. RN/UF/BSE15 CDU 725.51 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - -CT Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344 4 ANA LETÍCIA AVELINO SILVA BARROS CENTRO DE SAÚDE MENTAL PELOS PRINCÍPIOS DA BIOFILIA Anteprojeto de um Centro de Saúde Mental para a cidade de Natal/RN Trabalho Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentado no semestre letivo 2019.2 como requisito de obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Data de aprovação: __/__/____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Professora Doutora Luciana de Medeiros – Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte _____________________________________________ Membro Interno DARQ - Universidade Federal do Rio Grande do Norte _____________________________________________ Membro Externo NATAL / RN NOVEMBRO – 2019 5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos meus pais, Carlos e Maria José, por todo o carinho e educação que me deram diariamente ao longo dos anos. Aos meus irmãos, Beatriz e Paulo Vítor, e minha cunhada, Júlia, por auxiliarem no meu crescimento e, mesmo quando distantes, se fazerem presentes. Aos meus avós, por todo o amor incondicional que desde sempre me foi dado. À minha namorada, Bárbarah, por todo o carinho e cuidado que me possibilitaram chegar até aqui. Também à sua família, que desde o princípio me adotou como filha. Aos meus colegas de curso, especialmente Beatriz e Mansour, por serem minha família dentro da universidade. Agradeço também a todos os meus familiares, amigos e alunos, que contribuíram para o meu desenvolvimento e estiveram lá em cada etapa do processo. Aos animais de estimação presentes em minha vida e aos que já se foram. À natureza, que nos deu a vida e que cuida de nós. 6 “Somos apenas hóspedes da natureza e devemos nos comportar de acordo. O homem hoje é a ‘praga’ mais perigosa que já devastou esta terra.” Friedensreich Hundertwasser 7 RESUMO Apesar de representar grande parte da população brasileira, os indivíduos sofrendo com transtornos mentais ainda enfrentam fortes dificuldades na busca por tratamento e ajuda profissional. O processo de terapia e cura pode ser extremamente desgastante, sensação essa potencialmente agravada pelas consequências do uso de espaços cuja arquitetura apresente atributos inadequados para a função de acolhimento e apoio a neuroatípicos. Ambientes intimidadores, áridos e desagradáveis contribuem negativamente para a relação do paciente com seu espaço de recuperação física e mental. Ao realizar o desenvolvimento de terapias em espaços propícios para a construção de relações agradáveis, de pertencimento, torna-se mais fácil a continuidade e qualidade do tratamento dos distúrbios mentais, colaborando para a recuperação do paciente. Os princípios da biofilia, a afinidade do ser humano com a natureza, podem entrar nesse aspecto facilitando, a partir de sua inserção nas diretrizes projetuais, a criação de ambientes agradáveis, prazerosos e acolhedores, os quais não colaborem negativamente ou mantenham-se neutros quanto aos tratamentos de problemas de natureza psicológica, mas sim sirvam como parte do processo de cura, de manutenção e recuperação da saúde mental de seus usuários. Dessa forma, o trabalho se propõe a analisar os princípios da arquitetura terapêutica voltada para ambientes de saúde mental a fim de desenvolver anteprojeto de um centro de saúde mental orientado pelos princípios da biofilia. Palavras-Chave: Arquitetura hospitalar; Saúde mental; Biofilia; Ambientes restauradores. 8 ABSTRACT Despite representing a large part of the Brazilian population, individuals suffering from mental disorders still face strong difficulties in seeking treatment and professional help. The process of therapy and healing can be extremely stressful, a sentiment that is potentially aggravated by the consequences of the use of spaces whose architecture has inadequate attributes for the welcoming and supporting of neurodivergent people. Sterile, intimidating and unpleasant environments hurt the patient's relationship with their space for physical and mental recovery. By carrying out the development of therapies in spaces that are adequate for the construction of pleasant connections, the continuity and quality of the treatment of mental disorders become easier, contributing to the patient's recovery. The principles of biophilia, the inclination of the human being towards nature, can enter this aspect by facilitating, when inserted in the project guidelines, the creation of pleasant and welcoming surroundings which do not negatively collaborate or remain neutral in face of treatments for psychological problems, but serve as part of the processes of healing, maintaining and recovering the mental health of its users. Thus, this paper proposes to analyze the principles of therapeutic architecture focused on mental health environments to develop the preliminary design of a mental health center guided by the principles of biophilia. Keywords: Hospital architecture; Mental health; Biophilia; Restorative environments. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Pintura de parede em jardim do Império Romano .................................................... 19 Figura 2 - Lago artificial Paranoá e ponte Juscelino Kubitschek, Brasília............................... 20 Figura 3 - Fotografia interna do Newport Health Center ......................................................... 24 Figura 4 - Fotografia externa do Newport Health Center ......................................................... 24 Figura 5 - Fotografia voo de pássaro de Clínica Viver Bem Psiquiatria .................................. 25 Figura 6 - Pátio de Clínica Viver Bem Psiquiatria ................................................................... 26 Figura 7 - Fachada de CAPS II Oeste ...................................................................................... 28 Figura 8 - Croqui de implantação CAPS II Oeste .................................................................... 29 Figura 9 - Vista superior de Lote 01 .........................................................................................32 Figura 10 - Vista superior de Lote 02 ....................................................................................... 33 Figura 11 - Rua dos Tororós e canteiro .................................................................................... 34 Figura 12 - Localização do bairro de Lagoa Nova em Natal e localização do terreno no bairro .................................................................................................................................................. 35 Figura 13 - Vegetação existente no terreno .............................................................................. 36 Figura 14 - Ventilação predominante no terreno ...................................................................... 36 Figura 15 - Trajetória do sol no terreno .................................................................................... 37 Figura 16 - Zoneamento de entorno do terreno ........................................................................ 37 Figura 17 - Setor de atividades silenciosas ............................................................................... 42 Figura 18 - Setor de atividades barulhentas ............................................................................. 43 Figura 19 - Setor de atendimento ............................................................................................. 43 Figura 20 - Setor de espaço interno de convivência ................................................................. 44 Figura 21 - Relação entre setores ............................................................................................. 45 Figura 22 – Planta baixa preliminar da proposta ...................................................................... 46 Figura 23- Croqui de implantação preliminar da proposta ....................................................... 47 Figura 24 - Estudo volumétrico ................................................................................................ 48 Figura 25 - Recorte de estudo volumétrico .............................................................................. 48 Figura 26 - Volumetria em desenvolvimento ........................................................................... 49 Figura 27 - Terreno com curvas de nível .................................................................................. 50 Figura 28 – Implantação com passeios externos ...................................................................... 51 Figura 29 - Planta de estacionamento ....................................................................................... 52 Figura 30 - Implantação com rota de ambulância destacada .................................................... 53 Figura 31 - Ambientes livres, restritos e parcialmente restritos ............................................... 54 10 Figura 32 - Planta baixa de bloco de acolhimento ................................................................... 55 Figura 33 - Planta baixa do bloco de atividades coletivas ........................................................ 56 Figura 34 - Planta baixa do bloco de atendimento ................................................................... 57 Figura 35 - Tinta acrílica Coral Renova Creme ....................................................................... 58 Figura 36 - Parede e jardineira em tijolo aparente ................................................................... 59 Figura 37 - Madeiramento de cobertura em telha colonial ....................................................... 59 Figura 38 - Cobertura em policarbonato e madeira .................................................................. 60 Figura 39 - Cobertura do bloco de acolhimento ....................................................................... 61 Figura 40 - Cobertura do bloco de atendimento ....................................................................... 61 Figura 41 - Muro de alvenaria e madeira ................................................................................. 63 Figura 42 - Gráfico de benefícios ............................................................................................. 65 Figura 43 - Gráfico de malefícios ............................................................................................. 66 Figura 44 - Horta elevada do Gramorezinho ............................................................................ 67 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Programa de necessidades e pré-dimensionamento realizado com base em BRASIL (2015) ....................................................................................................................................... 39 Tabela 2 - Dimensionamento de caixa d'água .......................................................................... 60 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 14 1- A TEORIA DA BIOFILIA APLICADA À SAÚDE MENTAL ............................. 17 2- REFERÊNCIAS PROJETUAIS ............................................................................... 23 2.1 - NEWPORT HEALTH CENTER ......................................................................... 23 2.2- CLÍNICA VIVER BEM ........................................................................................ 25 2.3- CAPS II OESTE .................................................................................................... 26 2.4- RESUMO DE DIRETRIZES ................................................................................ 29 3- ANÁLISES INICIAIS DO PROJETO ..................................................................... 30 3.1- CARACTERIZAÇÃO DA PROPOSTA .............................................................. 30 3.2- ESCOLHA DO TERRENO .................................................................................. 31 3.2.1- CARACTERÍSTICAS DO TERRENO ................................................. 34 3.2.2- CONDICIONANTES URBANÍSTICOS .............................................. 38 4- EVOLUÇÃO DA PROPOSTA .................................................................................. 42 4.1- SETORIZAÇÃO ................................................................................................... 42 4.2- ESTUDOS DE IMPLANTAÇÃO ........................................................................ 44 4.3- VOLUMETRIA E SOLUÇÃO FORMAL ........................................................... 47 5- MEMORIAL DESCRITIVO ..................................................................................... 50 5.1- IMPLANTAÇÃO, TOPOGRAFIA E ACESSOS ................................................ 50 5.2- FLUXOS E RELAÇÕES FUNCIONAIS ............................................................. 53 5.3- SOLUÇÕES GERAIS ........................................................................................... 58 5.3.1- PAREDES .............................................................................................. 58 5.3.2- COBERTURA ........................................................................................ 59 5.3.3- PISOS E FORROS ................................................................................. 62 5.3.4- ESQUADRIAS ...................................................................................... 62 5.3.4- MUROS .................................................................................................. 62 5.4- DIRETRIZES PAISAGÍSTICAS ......................................................................... 63 13 5.4.1- HORTA ORGÂNICA URBANA .......................................................... 65 5.4.2- SETORIZAÇÃO DE JARDINS ............................................................ 66 5.5- O NOME ...............................................................................................................68 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 69 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 71 14 INTRODUÇÃO De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que pelo menos 30% dos brasileiros tenham ou venham a ter problemas referentes à saúde mental, sendo a depressão, síndrome do pânico e ansiedade os principais problemas dessa categoria (BRASIL, 2019). Segundo a Organização Mundial de Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014), aproximadamente 700 milhões de pessoas no mundo sofrem de distúrbios de saúde mental, e os problemas dessa natureza ocupam metade das posições no ranking das dez principais causas de incapacidade. Apesar do estigma existente acerca da saúde mental e de todo o histórico de marginalização dos neurodivergentes, nas últimas décadas, a conscientização sobre o tema tem crescido, contribuindo para diminuir o tabu e tornar mais possível aos acometidos por problemas dessa categoria a busca por melhor qualidade de vida. A OMS por meio do Atlas de Saúde Mental 2017 divulgou que apesar de 139 países (mais de 70% das nações) terem instituído políticas e planos a respeito da saúde mental, menos da metade desses estão de acordo com a declaração dos direitos humanos, a qual enfatiza a necessidade de desviar o foco das instituições psiquiátricas e direcioná-lo a serviços baseados na comunidade (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017). Os benefícios das práticas de desmanicomialização não são exclusivos aos pacientes e suas famílias, mas também abrangem a saúde pública e a economia dos países. Somente os problemas de depressão e ansiedade já custam à economia global mais de um trilhão de dólares a cada ano, um número que pode ser diminuído com as devidas políticas e investimentos visando à manutenção e recuperação da saúde mental dos indivíduos, uma vez que cada dólar despendido em tratamento desses transtornos mentais comuns reflete em um retorno de quatro dólares em melhores condições de saúde e trabalho, assim como evita os altos custos referentes à internação psiquiátrica de indivíduos (CHISHOLM et al., 2016). No Brasil, as políticas de desmanicomialização do sistema de saúde mental obtiveram um marco em 2001, quando foi sancionada a Lei Nº 10.216, comumente referida como Lei da Reforma Psiquiátrica. A lei em questão apresentava como diretriz principal a gradual desativação dos manicômios, inserindo os indivíduos com transtornos mentais na sociedade, além de garantir seu acesso a tratamento digno e de qualidade, assegurar que sua terapia se dê com respeito, livre de explorações e abusos, promover acesso a informações acerca das 15 doenças e tratamentos aos pacientes, prometer a preferência por tratamentos menos invasivos, entre outras políticas inclinadas ao tratamento digno dos pacientes e à busca por inclusão dos enfermos em suas comunidades. Após a Lei da Reforma Psiquiátrica, essas políticas foram gradualmente instauradas no sistema de saúde brasileiro, possibilitando à sociedade o usufruto de um sistema mais voltado à prevenção de casos extremos (em que a internação se faz necessária) e garantindo que, mesmo quando internados, os pacientes sejam tratados de forma a contribuir com sua recuperação. Entretanto, foi divulgado pelo governo federal brasileiro em 04 de fevereiro de 2019 uma nota técnica baseada em portarias e resoluções publicadas nos anos de 2017 e 2018 (O GLOBO, 2019). Ele trazia, dentre outros pontos, novas políticas para o tratamento da saúde mental no Brasil, incluindo a compra de equipamentos de eletrochoque, inclusão de hospitais psiquiátricos na Rede de Atenção Psicossocial e a possibilidade de internação de crianças e adolescentes com distúrbios mentais. O documento em questão trouxe orientações que vão de encontro direto com as diretrizes apresentadas pela Lei da Reforma Psiquiátrica, apresentando-se como um retrocesso em toda a política social que tem passado por enormes avanços nas últimas três décadas. Duramente criticado por grande parte dos especialistas da área, o texto foi removido do ar dois dias após a publicação, entretanto, não é possível interpretar essa remoção como o fim dessas novas políticas. De acordo com o Ministério da Saúde, conforme relatado pelo jornal O Globo (2019), o documento, até o presente momento, ainda está em construção, atualmente em consulta interna ao Ministério visando à contribuição de diferentes setores e órgãos governamentais em seu desenvolvimento. Para os neuroatípicos, buscar ajuda profissional e o devido tratamento pode ser um processo extremamente desgastante, sensação essa agravada pelas configurações físicas de grande parte dos espaços de atendimento psicológico, psiquiátrico, neurológico e afins. Basta consultar o imaginário público acerca de ambientes de atenção ao doente mental para que seja rapidamente associado ao padrão de ambientes intimidadores, áridos e desagradáveis, características essas que contribuem negativamente para a relação do paciente com seu espaço de recuperação física e mental. 16 Durante muito tempo os locais de assistência à saúde mental foram tidos como espaços desagradáveis e inóspitos. Entretanto, mediante todas as mudanças ocorridas nas redes pública e privada de saúde mental, torna-se necessária a ressignificação desses espaços, a fim de converter os sítios de tratamento e o entendimento geral acerca deles em ambientes terapêuticos, de cura. Pois, quando em um espaço propício para a construção de relações agradáveis, de pertencimento, torna-se mais fácil a continuidade e qualidade do tratamento dos distúrbios mentais, colaborando para a recuperação do paciente. Os princípios da biofilia podem entrar nesse aspecto facilitando, a partir de sua inserção nas diretrizes projetuais, a criação de ambientes agradáveis, prazerosos e acolhedores, os quais não colaborem negativamente ou mantenham-se neutros quanto aos tratamentos de problemas de natureza psicológica, mas sim sirvam como parte do processo de cura, de manutenção e recuperação da saúde mental de seus usuários. Este trabalho apresenta a seguinte estrutura de pesquisa: Objeto de estudo: Ambientes de assistência à saúde mental compreendidos como recursos auxiliares à terapia em Natal/RN Objetivo geral: Elaborar o anteprojeto de um Centro de Saúde Mental privado orientado pelos princípios da biofilia Objetivos específicos: o Esclarecer a importância de espaços biofílicos na arquitetura o Compreender as necessidades de espaços voltados para a manutenção da saúde mental o Aplicar os princípios da biofilia na criação de espaço restaurador O texto é dividido em cinco principais capítulos. No primeiro capítulo é apresentada a teoria da biofilia relacionando sua aplicação na arquitetura voltada para a saúde, principalmente em ambientes de saúde mental. No segundo capítulo são apresentadas as referências projetuais analisadas. O capítulo seguinte mostra as análises iniciais do projeto, incluindo características da proposta e do terreno escolhido. O quarto capítulo expõe o processo evolutivo da proposta. O capítulo final apresenta o memorial descritivo da proposta final assim como as justificativas de algumas escolhas projetuais. 17 1. A TEORIA DA BIOFILIA APLICADA À SAÚDE MENTAL O entomologista e biólogo americano Edward Wilson, em seu livro Biophilia (1984) apresentou o termo “biofilia” como uma forma de explicar a relação entre as pessoas e a natureza, definindo o novo termo como a tendência inata ao ser humano de focar na vida e em seus processos. Beatriz Fedrizzi (2011), graduada em agronomia e doutora na área de paisagismo, apresenta o conceito de biofilia como referente à ideia que durante a evolução da espécie humanaos aspectos dos ambientes naturais foram críticos para a sobrevivência e seleção natural da espécie, e os seres têm sido preparados pelo processo evolutivo para interagir com o meio ambiente, aprendendo e retendo respostas positivas à natureza. Wilson (1984) defende a ideia da dualidade na existência humana entre a natureza e a máquina. Esse dualismo também foi mencionado pelo geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan, em seu livro Topofilia (1974), no qual ele discorre acerca da existência de um equilíbrio em um ambiente ideal, espaço esse constantemente buscado pelos seres humanos. Os seres humanos persistentemente têm procurado um meio ambiente ideal. Como ele se apresenta, varia de uma cultura para outra, mas em essência parece acarretar duas imagens antípodas: o jardim da inocência e o cosmo. Os frutos da terra fornecem segurança, corno também a harmonia das estrelas, que além do mais, fornecem grandiosidade. Deste modo nos movemos de um para outro: de sob a sombra do baobá para o círculo mágico sob o céu; do lar para a praça pública, do subúrbio para a cidade; dos feriados praianos para o deleite das artes sofisticadas; procurando um ponto de equilíbrio que não é deste mundo. (YI-FU TUAN, 1974, p. 288). De acordo com Wilson (1984), o ser humano teria exageradamente negado a sua proximidade com a natureza, acelerando o curso da humanidade em direção à antípoda, representada pela máquina, e ignorando a necessidade de proporcionalidade entre os aspectos mencionados. A população estaria, então, enfrentando a precisão de retomar esse vínculo, enfraquecido pela extrema urbanização do meio em que se vive. Wilson (1984) defende a ideia que o Homo Sapiens naturalmente, desde a infância, foca sua atenção em si mesmos e em outros seres vivos, e esse desejo, chamado por ele de biofilia, dá-se de forma inata. Segundo o seu propositor, a tendência biofílica é facilmente evidenciada na vida cotidiana e também refletida em padrões culturais repetidos por sociedades ao redor de todo o mundo. Esses processos aparentam fazer parte das programações cerebrais. Eles são marcados pela rapidez e determinação com a qual nós aprendemos coisas específicas sobre certos tipos de plantas e animais. Eles são muito consistentes para serem vistas como o resultado de eventos puramente históricos sob uma tela mental em branco. (WILSON, 1984, p.85). 18 O biólogo Charles Darwin, em 1832, durante visita ao Brasil, ao se deparar pela primeira vez com a floresta tropical em Niterói, RJ, exclamou ser quase impossível passar uma ideia adequada dos sentimentos superiores os quais são exaltados pela visão da natureza, mencionando a maravilha, o espanto e a devoção sublime como alguns dos sentimentos que enchem e elevam a mente nessas circunstâncias (PLEINS, 2013). Edward Wilson, em visita ao Suriname para estudar formigas e cupins, ao encontrar-se em um pequeno vilarejo próximo a uma floresta, decidiu explorar o bioma em questão. Ao adentrar a floresta, Wilson notou os efeitos estranhamente calmantes da sua imersão na natureza, a respiração e os batimentos cardíacos diminuindo e a concentração se intensificando (WILSON, 1984). Reações dessa natureza não são exclusivas aos estudiosos das ciências naturais. De acordo com Wilson (1984), é fácil verificar a presença da biofilia na vida cotidiana, uma vez que o ser humano se inclina naturalmente à exploração daquilo que é vivo. Ele defende sua teoria de que o humano sente uma necessidade intrínseca a si de explorar a vida, ainda que estejam presentes as adversidades do meio selvagem, como bichos venenosos e peçonhentos, plantas tóxicas e enormes riscos de doenças e acidentes impactarem a integridade física do explorador. Segundo Wilson, o naturalista moderno faz uso das ferramentas da vida urbanizada (medicamentos, repelentes, bússolas e outros equipamentos) para diminuir os riscos da selva, ao mesmo tempo em que possibilita o contato entre a pessoa e a natureza. As pessoas reagem mais rápida e plenamente aos organismos do que às máquinas. Eles vão entrar na natureza, explorar, caçar e cultivar, se tiverem a chance. Eles preferem entidades que são complicadas, crescentes e suficientemente imprevisíveis para serem interessantes. Eles estão inclinados a tratar suas engenhocas mais formidáveis como coisas vivas ou, pelo menos, adorná-las com águias, frisos florais e outros emblemas representativos da percepção humana peculiar da verdadeira vida. (WILSON, 1984, p. 116). O geógrafo Yi-Fu Tuan, assim como o ornitólogo e ecologista americano Gordon Orian e o microbiologista franco-americano René Dubos, apresentou a ideia do lugar ideal para o ser humano possuindo características semelhantes à de uma savana tropical (WILSON, 1984). A humanidade tem investido suas energias no objetivo de reproduzir ambientes parecidos com savanas em seus jardins, buscando espaços abertos balanceados, formados de paisagens não estéreis, que apresentam ordem, mas não perfeita simetria (WILSON, 1984). Edward Wilson (1984) menciona ainda a teoria de Gordon Orian, a qual elenca três pontos principais que caracterizam o ambiente ancestral que o ser humano evolutivamente buscaria. Essas características seriam: a abundância de alimentação na própria savana (de 19 fontes animais e vegetais), alívio topográfico (pontos de vantagem em relação à segurança e abrigos naturais) e a presença de rios e lagos (que poderiam prover animais e plantas comestíveis para a alimentação). A associação desses três fatores constituiria o ambiente preferível: arborizado, localizado em proeminências e que possibilite visão de corpos de água. A preferência humana por essa tipologia natural não se daria apenas por motivos evolutivos, mas também por um senso estético comum o qual interpretaria essa constituição física como a situação mais agradável. Aqueles que exercem o maior grau de livre arbítrio, os ricos e poderosos, congregam-se em terras altas acima de lagos e rios e ao longo de penhascos oceânicos. Nesses locais, eles constroem palácios, vilas, templos e retiros corporativos. (...) Em Pompéia, os romanos construíam jardins ao lado de quase todas as pousadas, restaurantes e residências particulares, a maioria possuindo os mesmos elementos básicos: árvores e arbustos artisticamente espaçados, camas de ervas e flores, piscinas e fontes, e estatuária doméstica. (WILSON, 1984, p. 110). Ainda no que remete às construções e intervenções arquitetônicas, Wilson (1984) elenca dois exemplos de aplicação da biofilia, ainda que desenvolvidos antes do início do uso dessa terminologia. O primeiro faz referência aos pátios internos em cidades do Império Romano, que, quando não possuíam espaço suficiente para suportar grande quantidade de vegetação, tinham suas paredes pintadas com imagens da natureza (animais e plantas) a fim de promover a sensação de maior integração entre os ambientes interno e externo (Figura 1), diminuindo o afastamento entre o ser civilizado e a natureza. Figura 1: Pintura de parede em jardim do Império Romano Fonte: Paul Williams, 2019 20 O segundo exemplo diz respeito a intervenções em maior escala, no contexto urbanístico. Em visita ao Brasil, a fim de explorar a savana brasileira, o cerrado, Wilson visitou a cidade de Brasília. Lá o biólogo pode, além de admirar os altos prédios e monumentos, discutir com cientistas brasileiros o cinturão verde e o lago artificial (Figura 2) que foram projetados e executados para atribuir à existência humana no local características mais toleráveis (WILSON, 1984). Não muito tempo atrás eu me juntei a um grupo de cientistas brasileiros em uma excursão pela savana de terras altas, o cerrado, ao redor da capital de Brasília. (...) Foi, todos concordaram, muito bonito. De tais sentimentos, Melville escreveu: “Se Niagara fosse uma catarata de areia, você viajaria seus mil quilômetros para vê-lo?”(WILSON, 1984, p. 113). Figura 2 - Lago artificial Paranoá e ponte Juscelino Kubitschek, Brasília Fonte: Wikipédia, 2019 Tendo sido Brasília uma cidade encomendada, cujo desenho urbano original se fez de maneira estudada e planejada, é possível entendê-la como um exemplo prático das demandas que se fazem necessárias para garantir a vivência com maior qualidade, especialmente em uma região do país notadamente seca e árida. Com o desenvolvimento e a crescente urbanização dos grupos populacionais em todo o mundo, o estudo dos efeitos psicofisiológicos do ambiente nos usuários se tornou cada vez mais relevante. Distantes da realidade bucólica do meio rural, a vida em meio urbano e a dinâmica acelerada e árida dos grandes centros podem contribuir para existência de maiores níveis de estresse e outras emoções negativas no cotidiano dos habitantes. Os espaços podem auxiliar o aparecimento de sensações prejudiciais, assim como possuem a capacidade de promover sensações benéficas. A partir de trabalhos desenvolvidos por Roger Ulrich, Rachel Kaplan e Stephen Kaplan, surgiu o termo ambientes restauradores 21 como nomenclatura para espaços que contribuem com o desenvolvimento de emoções positivas em seus frequentadores (GRESSLER; GÜNTHER, 2013). Os estudos dos efeitos de ambientes restauradores se dividem em duas principais teorias: de redução do estresse (ULRICH, 1983) e de restauração da capacidade de atenção direta e melhora cognitiva (KAPLAN; KAPLAN, 1989). De acordo com Gressler e Günther (2013), apesar de distintas, as teorias não são excludentes, de forma que esses processos podem acontecer simultaneamente. A teoria de redução do estresse embasou diversas pesquisas, majoritariamente estudos relacionados ao bem-estar humano e à relação positiva com a natureza e os ambientes naturais (GRESSLER; GÜNTHER, 2013). Segundo a abordagem de Ulrich, estar cercado por fatores que estimulam a aproximação e desencorajam certos comportamentos é fundamental para o bem estar e a sobrevivência humana. As experiências de ambientes físicos, visualmente prazerosos, podem auxiliar na redução do estresse, uma vez que desencadeiam emoções positivas, mantêm o estado de atenção não vigilante, diminuem os pensamentos negativos e possibilitam o retorno à excitação fisiológica (physiological arousal) para níveis mais moderados. (...) Ulrich (1983) considerou alguns aspectos da natureza como capazes de promover recuperação psicofisiológica ao estresse, como a água e a vegetação, principalmente gramados e árvores. (GRESSLER; GÜNTHER, 2013, p. 489). A hipótese da Biofilia, desenvolvida por Edward Wilson (1984) reforça o conceito de Ulrich (1983) de reações psicofisiológicas positivas serem desencadeadas pelo contato com a natureza. O conceito de biofilia de Wilson (1984) também pode ser aplicado à teoria da restauração da atenção de Rachel e Stephen Kaplan, a qual explora como os ambientes podem servir como alívio para pessoas sofrendo de fadiga mental (após horas de concentração da atenção ou devido ao estresse da vida cotidiana), colaborando para o descanso mental e a retomada da atenção (GRESSLER; GÜNTHER, 2013). Apesar de não relacionarem os espaços restauradores com a natureza de forma tão direta como Ulrich (1983) e Wilson (1984), diversos dos aspectos ambientais estudados por Rachel e Stephen Kaplan que poderiam contribuir para a recuperação da atenção nos usuários, dentre eles a fascinação, extensão, afastamento e compatibilidade (GRESSLER; GÜNTHER, 2013), podem ser encontrados na relação do ser humano com a natureza. S. Kaplan (1995) argumentou que os indivíduos necessitam de um esforço constante para não perderem o foco de sua atenção direta para algo mais interessante (...) desencadeando um processo de fadiga. Os efeitos negativos da fadiga provocada pela atenção direta são: a irritabilidade, a falta de habilidade para planejar, a sensibilidade reduzida para perceber sinais ligados às relações interpessoais, o 22 controle pessoal reduzido e o aumento de erros em atividades que exigem atenção direta. (GRESSLER; GÜNTHER, 2013, p. 489). As principais teorias referentes aos benefícios trazidos por ambientes restauradores para a realidade de seus usuários se estruturam na ideia que esses ambientes podem conferir aos frequentadores maior qualidade de vida, reduzindo os impactos negativos do meio urbano nos indivíduos. Roger Ulrich (1983), R. Kaplan e S. Kaplan (1989) em seus estudos relatam aumento da capacidade cognitiva, redução do estresse e restauração da capacidade de atenção direta em frequentadores de ambientes restauradores. Com o passar dos anos, os princípios da psicologia ambiental e os conceitos que guiam a elaboração de espaços restauradores têm sido aplicados, cada vez mais, na arquitetura hospitalar a fim de promover recuperação mais rápida e tratamento mais eficiente a pacientes. Das áreas da saúde, uma das que mais se beneficiaria da aplicação dos princípios de ambientes restauradores no tratamento dos pacientes é o campo da saúde mental. No contexto da saúde mental, os usuários se constituem majoritariamente de pacientes, familiares e profissionais da saúde, grupos os quais podem se beneficiar de locais que reduzam o estresse e promovam o bem-estar, principalmente para abrigar os processos de tratamento e cura dos pacientes. Ambientes restauradores também podem contribuir com o alívio da fadiga mental daqueles que lidam diariamente no âmbito pessoal e profissional com acometidos de doenças mentais. De acordo com Kaplan e Kaplan (1989), alguns dos efeitos negativos da fadiga mental incluem agir de forma imprudente, incompetente e não cooperativa, além de apresentar menor tendência a ajudar alguém em necessidade. Indivíduos sofrendo de fadiga mental também são mais agressivos, menos tolerantes e menos sensíveis a sinais ligados às relações interpessoais. Esses efeitos são indesejáveis a profissionais da saúde mental, aos pacientes, e aos seus familiares e acompanhantes, uma vez que o processo de diagnóstico e tratamento, bem como o dia a dia de neuroatípicos deve ser administrado de forma cautelosa, sempre levando em consideração os sentimentos e o bem-estar dos pacientes. A aplicação da hipótese da Biofilia (WILSON, 1984) na concepção de espaços voltados para o diagnóstico e tratamento de doenças mentais se faz relevante como uma estratégia de atribuir a esses espaços características de ambientes restauradores, contribuindo para maior qualidade dos serviços e terapias oferecidos, para a recuperação do paciente e a manutenção de seu lugar dentro da sociedade. O uso da natureza em ambientes de apoio à 23 saúde mental também pode contribuir para afastar o usuário do meio urbano, causador e complicador de diversas neuropatias, integrando-o a um local mais tranquilo, distante da aridez do meio urbano e da correria dos grandes centros. 2. REFERÊNCIAS PROJETUAIS A fim de contribuir para o desenvolvimento de proposta de um centro de saúde mental orientado pelos princípios da biofilia, foram analisadas referências de edificações biofílicas, bem como projetos e instituições que apresentem usos focados em tratamento de saúde mental humanizado. 2.1 NEWPORT HEALTH CENTER Localizado em Newport, Washington, o Newport Health Center, edificação de aproximadamente 1.600m², foi desenvolvido pela empresa NAC Architecture usando como princípio a ideia de cura pela natureza, utilizando do design biofílico para evoluir o processo de tratamento e recuperação dos pacientes. Apesar de não oferecer serviços de saúde mental, o projeto do Newport Health Center se faz relevante como referência nesta pesquisa por relacionar a arquitetura biofílica com o andamento terapêutico dos pacientes desde a concepção projetual. A edificação também apresenta características físicas e estéticas semelhantes ao idealizado para o Centrode Saúde Mental, utilizando-se de elementos da natureza para transmitir a ideia de imersão no meio ambiente. Conforme ilustra a Figura 3, o uso de madeira na estrutura da cobertura e no forro, associado às janelas amplas (as quais provém iluminação natural e visual das plantas externas) contribui para a sensação de estar em contato direto com a vegetação, mesmo dentro do edifício. 24 Figura 3 - Fotografia interna do Newport Health Center Fonte: NAC inc., 2019 No exterior (Figura 4), o uso de pedras e madeira na composição das fachadas e o gabarito baixo atribuem à edificação caráter menos intimidador, afastando o conceito de arquitetura hospitalar pouco acessível. As qualidades tranquilizantes do Newport Health Center estão diretamente ligadas ao uso de materiais naturais, à relação modesta da construção com seu entorno e à presença de vegetação dentro do lote e nos seus arredores. Figura 4 - Fotografia externa do Newport Health Center Fonte: NAC inc., 2019 25 2.2 CLÍNICA VIVER BEM Apesar do termo cunhado por Wilson (1984), biofilia, não ser popularmente utilizado no contexto brasileiro de arquitetura e design, é possível encontrar exemplos da aplicação de propriedades da natureza em edificações brasileiras. Mesmo não usando termos da psicologia ambiental, a clínica Viver Bem Psiquiatria, localizada em Camboriú, Santa Catarina, anuncia como parte de suas estruturas área de lazer cercada por natureza e horta orgânica. De acordo com o site da instituição, a missão da empresa é de tratar pacientes neuroatípicos de forma humanizada a fim de promover saúde mental. Conforme ilustrado na Figura 5, a clínica mantém os espaços de jardim separados da região de fluxo de carros, colaborando para maior segurança dos pacientes no acesso às áreas externas. Além disso, faz uso de plantas habitualmente encontradas no Brasil, de forma que existe maior compatibilidade (GRESSLER & GÜNTHER, 2013) entre a realidade dos pacientes e a vegetação existente no lote. Figura 5 - Fotografia voo de pássaro de Clínica Viver Bem Psiquiatria Fonte: http://bemviverpsiquiatria.com.br/, 2019 A existência de mobiliário e passeios ao ar livre (Figura 6) estimula a apropriação do espaço externo por parte dos frequentadores da clínica, possivelmente aumentando o tempo gasto pelos pacientes e outros usuários em contato com a natureza. Ao maximizar a interação do público com os atributos restauradores do projeto, o aparecimento de efeitos psicofisiológicos provenientes dos espaços biofílico se torna mais provável. 26 Figura 6 - Pátio de Clínica Viver Bem Psiquiatria Fonte: http://bemviverpsiquiatria.com.br/, 2019 Além das características físicas, a Clínica Viver Bem Psiquiatria foi utilizada como referência por apresentar serviços semelhantes ao desejado para o projeto do Centro de Saúde Mental. Na mesma edificação são ofertados diversos serviços terapêuticos, de forma a centralizar o tratamento dos pacientes de saúde mental em um só espaço. Devido à maior sensibilidade aos arredores causada por algumas neuropatias, o processo de adaptação do paciente a diferentes ambientes pode ser desgastante, dificultando o tratamento. Ao focar diferentes atividades em uma só edificação, de preferência de pequeno ou médio porte, aumenta-se a capacidade de apropriação do ambiente por parte do paciente, contribuindo positivamente com o processo de cura. Diferentemente da proposta para o Centro de Saúde Mental, a Clínica Viver Bem oferece internação para pacientes com distúrbios psiquiátricos ou dependência química. A concentração dos diferentes serviços em uma só edificação é mais comum quando existe a oferta de leitos. Ao utilizar a Clínica como referência no processo de desenvolvimento da proposta e listagem do programa de necessidades, devem ser desconsiderados os ambientes existentes na mesma voltados para o segmento de internação. 2.3 CAPS II OESTE No contexto do SUS, a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) conta com pontos de atendimento para assistir pacientes de saúde mental, os CAPS (Centro de Atenção 27 Psicossocial), existentes em seis diferentes modalidades. Apesar do Centro de Saúde Mental que se propõe não fazer parte do SUS, optou-se por utilizar um CAPS como estudo de caso devido à proximidade dos usos realizados com o idealizado para a proposta. O CAPS II Oeste, localizado em Natal, no bairro de Lagoa Nova, faz parte da modalidade II desses pontos de atendimento. Essa modalidade trabalha com assistência ao portador de transtorno mental grave, funcionando pela manhã e pela tarde de segunda a sexta- feira. De acordo com a direção do Centro de Atenção, a unidade possui, atualmente, cerca de mil prontuários abertos e por abrir, abrigando em média 50 pacientes por turno. Seguindo os princípios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, o objetivo do CAPS é a ressocialização dos pacientes, dispondo do apoio de equipe multidisciplinar. O CAPS II Oeste conta com psicólogo, psiquiatra, nutricionista, farmacêutico e terapeuta ocupacional. Aderindo proposta de tratamento terapêutico, é ofertado atendimento coletivo e individual pelos princípios do Projeto Terapêutico Singular (TPS). Esse projeto garante a adaptação da abordagem ao paciente respeitando suas necessidades individuais, uma vez que alguns pacientes precisam trabalhar a coletividade, ressocializando-os, enquanto outros precisam de abordagem de tratamento mais particular. Utilizando por princípio as orientações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2015), na realidade do CAPS deve ser mantida a ideia de um espaço de inclusão, de portas abertas (física e metaforicamente). Portanto, os espaços no CAPS II Oeste são de acesso majoritariamente livre aos pacientes, limitando a entrada em poucos casos. A ideia de organização e uso dos espaços é dificultada pela estrutura da sede, uma casa alugada pelo governo municipal a mais de treze anos. A título de exemplo, o banheiro dos funcionários, o único que dispõe de chuveiro, localiza-se dentro da sala administrativa. Havendo a necessidade de uso do chuveiro por parte dos pacientes, o banheiro dos funcionários (atualmente usado por funcionários dos sexos masculino e feminino) é disponibilizado. Dependendo do paciente, faz-se necessário atendimento mais privativo, necessidade essa dificultada pelo fluxo existente na sala administrativa para uso do banheiro. Outro obstáculo encontrado é a falta de espaço destinado aos funcionários, os quais almoçam no local de trabalho e raramente dispõem de tempo distantes dos frequentadores. A fim de oferecer aos funcionários um espaço para realização de refeições foi improvisada a 28 copa, entretanto, não existe a devida proteção solar nas aberturas, tornando o espaço desagradável e inviável para a permanência. O CAPS II Oeste, em particular, foi escolhido para uso como referência por dispor de uma fachada frontal (Figura 7) com forte presença de vegetação, indicando possível desejo dos responsáveis em estreitar o vínculo entre os frequentadores e a natureza, suposição confirmada em entrevista com Rafaela Pessoa, diretora da unidade. Durante a entrevista a importância do uso de natureza no tratamento de pacientes com transtornos mentais graves foi reforçado pela diretora. Figura 7 - Fachada de CAPS II Oeste Fonte: Google Maps, 2019 Devido às limitações estruturais não é possível oferecer na casa muitas atividades com a natureza, porém, o CAPS II Oeste possibilita como parte dos serviços terapêuticos atividades de colaboração com as hortas orgânicas localizadas nos fundos do lote, conforme ilustrado pela Figura 8. Também são conduzidas, duas vezes por semana, visitas ao Bosque das Mangueiras, localizado a duas ruas de distância da sede do CAPS. Lá são oferecidas atividades de expressão corporal e atividade física, além da contemplação da natureza, como parte do tratamento. Asatividades no Bosque se fazem possíveis uma vez que o uso do território faz parte da proposta da RAPS para a ressocialização dos pacientes. 29 Figura 8 - Croqui de implantação CAPS II Oeste Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 A diretora do CAPS II Oeste comentou a importância da adaptabilidade dos espaços. De acordo com ela, os ambientes são usados com múltiplas finalidades, uma vez que na realidade dos Centros de Atenção Psicossociais as necessidades do dia a dia são relativamente imprevisíveis. Salas originalmente destinadas ao atendimento individual de pacientes podem ser temporariamente revertidas para espaços de descanso dos clientes ou para locais de reuniões privadas com funcionários. Dessa forma, é importante certificar o cumprimento das demandas existentes em instituições dessa natureza a fim de evitar uso improvisado dos espaços, e, ao mesmo tempo, conferir aos espaços alguma adaptabilidade. 2.4 RESUMO DE DIRETRIZES Os estudos expostos contribuíram para a listagem de elementos projetuais considerados desejáveis na proposta de centro de saúde mental pelos princípios da Biofilia. Apesar da proposta não fazer parte da RAPS, a leitura e a análise de manual desenvolvido pelo Ministério da Saúde para o desenvolvimento de projetos de CAPS (BRASIL, 2015) auxiliaram o processo de elaboração de diretrizes projetuais. 30 As diretrizes mais relevantes são: ● Uso de materiais naturais ● Visual aberta para vegetação e espaço externo ● Edificação de único pavimento ● Divisão entre rota do carro e espaço de livre trânsito de pedestres ● Espaços de permanência em contato (direto ou indireto) com a natureza ● Acesso livre de pacientes à maior parte da edificação ● Ampla área verde ● Circulação integrada aos espaços de convivência ● Criação de espaço central unindo diferentes setores da edificação ● Acessibilidade das áreas abertas a pessoas com mobilidade reduzida 3. ANÁLISES INICIAIS DO PROJETO 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PROPOSTA A ideia do Centro de Saúde Mental parte do princípio de reunir em um único estabelecimento diferentes segmentos do tratamento do paciente com transtorno mental. Ao centralizar atividades distintas em uma só edificação, o paciente teria a possibilidade de fazer do espaço uma extensão de seu lar. É imaginado o funcionamento do centro em horário comercial. A fim de permitir maior apropriação do espaço por parte dos pacientes, o centro deve apresentar características físicas não monumentais ou intimidadoras. Além disso, para manter relação de pertencimento dos clientes com o espaço, limita-se a quantidade de pacientes por turno em quarenta. Por meio da análise do manual do Ministério da Saúde para construção de CAPS (BRASIL, 2015) e das referências, bem como a listagem de funções imaginadas para o Centro de Saúde Mental foram identificadas algumas demandas relevantes à proposta. São elas: ● Espaço para atendimento individual ● Espaço para atendimento coletivo ● Espaço para atividades coletivas ● Espaço para yoga, meditação e outras atividades motoras ● Espaço de acolhimento 31 ● Espaço interno de convivência ● Espaço externo de convivência ● Espaço destinado a horta ● Espaço para descanso de pacientes ● Espaço restrito a funcionários 3.2 ESCOLHA DO TERRENO Por se tratar de um estabelecimento privado, não há exigência de considerar a inserção da proposta dentro da Rede de Atenção Psicossocial, ainda assim, analisou-se a atual oferta de serviços de natureza semelhante a fim de estabelecer a área de intervenção da proposta. A partir dessa análise foi constatada a presença de CAPS nas principais regiões da cidade. A escolha do terreno teve como base a preferência por áreas centrais, com fácil acesso, área suficiente para implantação do edifício e características relacionadas à ambiência desejada ao entorno. Foram identificadas, a princípio, as zonas administrativas de preferência usando como princípio o conhecimento da autora de cada uma das áreas da cidade e o entendimento de quais seriam as zonas em que a proposta melhor se encaixaria. Dessa forma, foram identificadas a Zona Sul e a Zona Leste de Natal. Posteriormente, dos dezenove bairros que compõem essas duas zonas administrativas, foram elencados sete seguindo os mesmos critérios aplicados às zonas da cidade. Esses sete bairros foram, então, listados em ordem decrescente de compatibilidade com a proposta de uso. A listagem pode ser observada a seguir: ● Lagoa Nova ● Lagoa Seca ● Candelária ● Capim Macio ● Nova Descoberta (especificamente a região referente a Morro Branco) ● Ponta Negra ● Tirol Por meio de uso das ferramentas Google Maps e Google Earth, foram buscados terrenos com áreas superiores a 2.000m², visto que, a fim de aplicar os princípios da biofilia e dispor de ampla área verde, o lote não poderia ter área muito reduzida. Cada um dos terrenos 32 foi analisado com base em diferentes características desejadas (mas não obrigatórias) no lote a ser escolhido. Essas características são: ● Pouco ruído ● Não muito tráfego ao redor ● Não muito isolado ● Espaçoso ● Visual interessante Então, foram selecionados cinco terrenos que mais atendiam as características desejadas. Além dos aspectos mencionados, os cinco lotes tiveram seus entornos, sua topografia e suas características bioclimáticas analisadas, reduzindo as opções para apenas dois lotes. O Lote 01 (Figura 9), localizado na Vila de Ponta Negra, no encontro das ruas José Bragança e José Seledom, possui área de aproximadamente 3.300m² e é situado ao lado da ZPA (Zona de Proteção Ambiental) 6, o Morro do Careca. Dentre as desvantagens do lote podem ser citadas sua topografia acidentada e sua localização dentro de uma ilha de calor gerada pelo Morro do Careca. Figura 9 - Vista superior de Lote 01 Fonte: Google Maps, 2019 33 O Lote 02 (Figura 10) é localizado no bairro de Lagoa Nova, no encontro entre a Avenida Lima e Silva e a Rua dos Tororós. Sua área também totaliza aproximadamente 3.300m². Enquanto o diferencial do Lote 01 é sua localização visualmente privilegiada, facilitando a aplicação de aspectos biofílicos devido à ampla existência de vegetação no entorno, o maior diferencial do Lote 02 é sua localização privilegiada na cidade, em uma área central e com fácil acesso por veículo particular ou por meio de transporte público. Figura 10 - Vista superior de Lote 02 Fonte: Google Maps, 2019 Quanto à vegetação, a Rua dos Tororós, uma das três ruas a limitar o terreno, dispõe de canteiro consideravelmente arborizado na área próxima ao lote, conforme ilustra a Figura 11. No interior do Lote 02 existem duas árvores frutíferas de grande porte (uma mangueira e um cajueiro), que podem ser utilizadas para aumentar o contato direto entre os usuários e a vegetação. 34 Figura 11 - Rua dos Tororós e canteiro Fonte: Google Maps, 2019 Dentre as desvantagens do Lote 02 podem ser elencadas a proximidade com a movimentada Avenida Lima e Silva e o ruído proveniente do fluxo na avenida. Após análise dos dois lotes e comparação entre suas características, optou-se pelo Lote 02 para desenvolvimento da proposta de centro de saúde mental. 3.2.1 CARACTERÍSTICAS DO TERRENO Trata-se de um lote de esquina, ocupa meio quarteirão e pode ser acessado por três vias. Ao Norte está a Rua Vicente Mesquita, ao Sul está a Avenida Lima e Silva e ao Oeste, a Rua dos Tororós. Localizado no bairro de Lagoa Nova (Figura 12), o terreno escolhido possui área de 3.323m² e situa-se a aproximadamente 1km de distância do CAPS II Oeste. 35 Figura 12 - Localização do bairro de Lagoa Nova em Natal e localização do terreno no bairro Fonte: Wikipédia, Google Maps (adaptado), 2019 Durante análise do terreno foram identificados diversos exemplares de vegetação de médio e grande porte ainda em desenvolvimento, conformeilustrado pela faixa vermelha na Figura 13. Esses seres devem ser removidos e replantados em local adequado, uma vez que seu plantio se deu em local impróprio para vegetação desse porte, nos limites do lote. Foram identificadas, também, duas árvores frutíferas de grande porte que devem ser mantidas. Qualquer vegetação arbustiva ou rasteira existente no lote foi desconsiderada no decorrer do projeto devido à necessidade de movimentação do solo na construção e de adequação do solo para o plantio de outras espécies. Não existe qualquer construção ou uso atualmente do lote, que se encontra cercado por estrutura de madeira e arame farpado. 36 Figura 13 - Vegetação existente no terreno Fonte: Google Maps (adaptado), 2019 Quanto aos condicionantes ambientais, foi identificada ventilação predominante proveniente do Sul e Sudeste (Figura 14), além de ruído oriundo da Avenida Lima e Silva, que limita o terreno a Sul. Uma vez que a principal origem de ruído coincide com a origem da ventilação, o fluxo de vento naturalmente leva o ruído para o interior do lote. Figura 14 - Ventilação predominante no terreno Fonte: Google Maps (adaptado), 2019 37 Tratando-se de um projeto para a cidade de Natal, deve ser considerada a trajetória do sol no céu (Figura 15) com pouca diferença em relação ao que aconteceria na linha do Equador. O sol realiza sua trajetória diária do Leste para o Oeste, oscilando ligeiramente do eixo a depender da época do ano. Figura 15 - Trajetória do sol no terreno Fonte: Google Maps (adaptado), 2019 Em relação ao entorno, trata-se de uma área predominantemente residencial com a maior quantidade dos comércios e serviços localizados na Avenida Lima e Silva. Na Figura 16 pode ser observada uma região verticalizada (em amarelo), apesar de a predominância ser de edificações residenciais baixas (em vermelho). Figura 16 - Zoneamento de entorno do terreno Fonte: Google Maps (adaptado), 2019 38 3.2.2 CONDICIONANTES URBANÍSTICOS Localizado em zona adensável, o coeficiente de aproveitamento aplicável ao lote é de 3,0. Devido à extensa área do terreno (3.323m²) e às diretrizes de manter o porte da edificação limitado e ampla área verde livre de construção, não existe a previsão de se aproximar do coeficiente de aproveitamento máximo, da taxa de impermeabilidade máxima da região (0,8) ou do gabarito máximo (90m). As distâncias aplicáveis são de 3m para recuos frontais com a adição de h/10 a partir do segundo pavimento elevado e de 1,5 para os recuos laterais com a adição de h/10 a partir do segundo pavimento elevado. Devido à diretriz de manter a edificação em um único pavimento, os recuos não devem ser alterados, mantendo-os em 3m para cada uma das três fachadas limitadas por vias e em 1,5m para as três fachadas situadas aos fundos do lote. 39 3.3 PROGRAMA DE NECESSIDADES E PRÉ-DIMENSIONAMENTO Tabela 1 - Programa de necessidades e pré-dimensionamento realizado com base em BRASIL (2015) Ambiente Atividade Ambiência desejada Quantidade mínima obrigatória Quantidade adotada Área unitária mínima obrigatória Área adotada Área total Recepção Identificação e primeiro contato do público, recepcionar comportar e acomodar as pessoas que chegam ao centro Espaço acessível, acolhedor, com mobiliário confortável e mesas para a recepção 1 1 30 30 30 Espaço interno de convivência Promover encontro e interação entre usuários, familiares, visitantes Espaço acessível, acolhedor, com mobiliário confortável para permanência, arranjado de forma a promover interação entre frequentadores 1 1 65 65 65 Sala de atendimento individual Atendimento individual (entrevistas, consultas, terapia etc.) Espaço aconchegante, que promova certo grau de privacidade e, ao mesmo tempo, fuja da ideia de ambiente hopistalar claustrofóbico, fechado, árido e sem vida. 3 5 9 9 45 Sala de atividades coletivas Atendimento psicológico em grupo, atividades coletivas não- motoras Ambiente aconchegante, mobiliário confortável que possibilite adaptação da sala de acordo com a atividade 2 2 24 24 48 Sala de atividades motoras Yoga, meditação e outras atividades motoras Ventilação natural, iluminação natural, ambiente amplo e livre para customização de acordo com a atividade - 1 - 50 50 Sala de oficinas artísticas Pintura, desenho, artesanato Ambiente iluminado, que estimule criatividade - 1 - 35 35 Sala de leitura Leitura individual e coletiva Espaço confortável, mobiliário que possa ser utilizado em leitura coletiva assim como individual, ambiente iluminado - 1 - 25 25 Sala de descanso Descanso e cochilo de usuários Espaço confortável com cadeiras reclináveis, deve passar sensação de tranquilidade - 1 - 8 8 40 Ambiente Atividade Ambiência desejada Quantidade mínima obrigatória Quantidade adotada Área unitária mínima obrigatória Área adotada Área total Cantina Armazenamento e venda de lanches - - 1 - 15 15 Espaço para refeições Consumo de lanches provenientes da cantina ou levados pelos usuários Espaço semi-aberto que possibilite integração visual com a natureza e mobiliário que promova interação entre frequentadores - 1 - 30 30 Jardins internos Integrar público e ambientes internos com a natureza, promover os benefícios da biofilia, promover a sensação de espaço aberto, natural Espaço semi-aberto que possibilite integração visual com a natureza (física também, se possível) Sala de reuniões Reuniões entre funcionários, reuniões com pacientes e familiares, reuniões de planejamento etc. Espaço agradável, que fuja à ideia de aridez 1 1 20 20 20 Sala para arquivos Armazenar arquivos e documentos - 1 1 5 5 5 Sala administrativ a Atividades competentes à equipe administrativa - 1 1 22 22 22 Cozinha Função de atividades coletivas com usuários Ambiente iluminado (uso prioritário de iluminação natural), mobiliário configurado de forma a possibilitar interação dos usuários em atividades promovidas 1 1 16 30 30 Estar/Copa Função de copa para funcionários Espaço agradável, que possibilite o distanciamento dos funcionários dos pacientes 1 1 2,6 5 5 Banheiros adaptados para funcionários Banheiros com dimensões que seguem a NBR 9050. - 2 2 4,8 4,8 9,6 Indeterminado 41 Ambiente Atividade Ambiência desejada Quantidade mínima obrigatória Quantidade adotada Área unitária mínima obrigatória Área adotada Área total Almoxarifado Armazenar materiais - 1 1 5 5 5 Sala de utilidades Limpeza de alguns objetos e armazenamento temporário de lixo comum - 1 1 4 4 4 DML Armazenar material de limpeza - 1 1 2 2 2 ÁREA ÚTIL = 482,4 ÁREA CONSTRUÍDA = 627,12 Casa de gás Abrigar tubulação de gás de cozinha - 1 1 2 2 2 Abrigo externo de resíduos sólidos Descarte de lixo comum - 1 1 4 4 4 Área externa para embarque e desembarqu e Chegada e saída de usuários Ambiente convidativo à entrada, que não dê a impressão de embarque e desembarque de hospital ou shopping Área de lazer externa com espaço para relaxar Descansar, relaxar, entrar em contato com a natureza, convivência Espaço aberto que possibilite integração física e visual com a natureza, mobiliário acessível que incentive a permanência dos usuários Jardins externos Integrar público com a natureza, promover os benefícios da biofilia Espaço aberto que possibilite integração física e visual com a natureza, mobiliário acessível que incentive a permanência dos usuários Horta orgânica Cultivo de horta Ambiente aberto que promova atuação dos pacientes no cultivo e manutenção da horta ÁREA EXTERNA ÚTIL = 6 Indeterminado Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 42 4. EVOLUÇÃO DA PROPOSTA 4.1 SETORIZAÇÃO Após a identificação das estruturas do terreno, os principaisambientes listados no pré- dimensionamento foram organizados com base em suas características e divididos em três setores: atividades silenciosas; atividades barulhentas; e atendimento. Além dos ambientes principais, ambientes auxiliares foram agregados devido à compatibilidade com os espaços listados na setorização. A setorização das atividades silenciosas, conforme ilustrado pela Figura 17, separou em um dos setores as atividades que, preferencialmente, não deveriam receber alta incidência de ruído proveniente dos serviços e práticas conduzidos na própria edificação. Foi adicionado aos ambientes listados o almoxarifado devido à sua relação com a sala administrativa. O banheiro de funcionários, a sala de utilidades e a copa também foram encaixados juntamente às atividades silenciosas a fim de se localizarem em proximidade com as salas de maior uso dos funcionários. Esses três, por serem ambientes de acesso restrito, foram agrupados a fim de reduzir a impressão de diversos ambientes serem fora do alcance dos pacientes. Figura 17 - Setor de atividades silenciosas Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 Foram categorizadas como espaços de atividades barulhentas (Figura 18) as salas em que se conduzem atividades mais agitadas. Esse grupo de ambientes deve ser implantado de forma a não atrapalhar a condução das atividades silenciosas. Devido à existência de cozinha para realização de oficinas terapêuticas, em que os clientes participam do preparo de alimentos, e sala de oficinas artísticas, foi anexado o depósito de material de limpeza (DML), 43 assim como um banheiro com chuveiro para os clientes que realizam atividades mais dinâmicas ou que permanecem na edificação durante os dois turnos de funcionamento. O depósito de material de jardinagem, DMJ, foi agregado a esse setor devido à sua similaridade em uso com o DML. Esses ambientes de depósito são geralmente restritos aos funcionários responsáveis e apenas abertos para entrada e saída de materiais. Devido às características neurodivergentes do público do centro é especialmente recomendado que esses espaços fiquem trancados, longe do alcance dos pacientes. Figura 18 - Setor de atividades barulhentas Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 O setor de atendimento (Figura 19) é constituído por salas de atendimento médico ou terapêutico individual e coletivo. Conforme recomendado em entrevista com diretora do CAPS II Oeste, deve ser mantida a adaptabilidade dos ambientes, portanto, as salas de atendimento individual e as salas de atendimento coletivo não são designadas no projeto a alguma especialidade médica ou terapêutica, cabendo à administração atribuir aos usos e profissionais que se fazem necessários. Posteriormente foi observada a necessidade de adicionar banheiros a esse setor, apesar de terem sido julgados dispensáveis durante a setorização. Figura 19 - Setor de atendimento Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 44 Os ambientes internos restantes foram, então, agregados ao setor denominado Espaço interno de convivência (Figura 20). Esses ambientes servem como apoio para a apropriação do espaço pelo paciente e entendimento do centro como uma extensão do seu lar. Por se tratar de um serviço privado, a cantina e o espaço de refeições substituem a cozinha e o refeitório para fornecimento de alimentos, considerado essencial em um CAPS. Figura 20 - Setor de espaço interno de convivência Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 A sala de descanso pode ser utilizada tanto para situações de pacientes exaltados que precisem de um local mais reservado e tranquilo para se acalmar, como por usuários que desejam passar o dia no centro e usar o espaço para descanso e cochilos. 4.2 ESTUDOS DE IMPLANTAÇÃO Com base na setorização realizada foram realizados diversos estudos de implantação tendo como diretrizes as seguintes: ● Manter a ventilação cruzada; ● Passar a ideia de espaço ao ar livre mesmo estando no interior da edificação, relacionar os setores de forma que os usos não interfiram negativamente entre si; ● Criar espaço central de convivência; ● Relacionar as duas árvores de grande porte no interior do lote com a edificação; ● Distanciar a edificação da Av. Lima e Silva devido ao ruído; ● Facilitar o trânsito entre espaços internos e externos; ● Diminuir a interação dos pacientes com portas, limites e barreiras; ● Aumentar a interação dos pacientes com a natureza; 45 A aplicação das diretrizes no terreno resultou, a princípio, em uma organização de setores, ilustrada a seguir na Figura 21. Figura 21 - Relação entre setores Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 Após a determinação das relações e posicionamento dos setores, foi desenvolvida, integrando a vegetação existente com o edifício, a planta baixa preliminar (Figura 22). Nessa planta são imaginados três blocos independentes (cada um contendo um dos setores), conectados por deque de madeira, possibilitando o fluxo livre dos pacientes entre o interior e exterior. 46 Figura 22 – Planta baixa preliminar da proposta Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 Jardins internos foram idealizados em dois dos três blocos e no pátio central, entretanto. Ainda não haviam sido definidos, nessa etapa, a estrutura a ser adotada ou se os jardins possuiriam aberturas verticais até a cobertura. A partir da espacialização dos ambientes e desenvolvimento da planta baixa preliminar foi possível conceber o estudo inicial de implantação do edifício (Figura 23), contando com espaço para horta orgânica e piscina nos fundos do lote e com estacionamento na parte ao Sul do terreno, próximo à Avenida Lima e Silva. 47 Figura 23- Croqui de implantação preliminar da proposta Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 A edificação foi afastada da via mais movimentada a fim de diminuir o impacto do ruído proveniente do fluxo de carros. A piscina e a horta foram implantadas nos fundos do lote para conferir maior proximidade entre esses ambientes e os espaços de apoio (DMJ e banheiros com chuveiro). 4.3 VOLUMETRIA E SOLUÇÃO FORMAL Após o desenvolvimento da proposta preliminar de planta baixa e implantação foi iniciado a evolução dos estudos volumétricos. Com o auxílio do software de modelagem Rhinoceros, os limites dos blocos e deques propostos foram representados em 3D para visualização (Figura 24). Foram integradas à modelagem as árvores de grande porte localizadas no interior do terreno a fim de estudar sua relação com a forma e escala dos blocos. 48 Figura 24 - Estudo volumétrico Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 Durante os estudos volumétricos foi identificada a necessidade de maior abraçamento das árvores por parte da edificação. Foram testados diferentes formatos de deque, chegando, finalmente, à definição de ampliar o deque traseiro e criar uma abertura na estrutura do piso em formato semicircular para encaixe da mangueira (Figura 25). Figura 25 - Recorte de estudo volumétrico Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 49 Também foi identificada a necessidade de promover maior conexão entre os pontos do deque acarretando na sua ampliação nos fundos do lote, unindo seus dois segmentos que se estendem em direção à fachada traseira, originando uma possível rota atrás do bloco de atividades barulhentas. Optou-se por unir a varanda da fachada frontal, ponto da edificação mais próximo à Rua dos Tororós, com o restante do deque de madeira, criando uma única estrutura que permita o fluxo por todos os blocos da edificação em diferentes configurações. A essa região do deque também foi aplicado o princípio de incorporar as árvores por meio de aberturas semicirculares no piso. Quanto à cobertura, a princípio foi imaginado o uso de uma grande estrutura que servisse todos os blocos, entretanto, devido à necessidade observada de tornar o telhado mais aberto e promovera iluminação natural no espaço central, optou-se pelo uso de telhados individuais a cada um dos três segmentos da edificação. Para dois dos blocos é imaginado telhado aparente de quatro águas, enquanto para o outro é previsto o uso de platibandas. Uma vez que os blocos possuem coberturas independentes, prevê-se a instalação de cobertura mais baixa protegendo as regiões entre os blocos, o espaço de refeições e o embarque e desembarque de usuários. A Figura 26 demonstra o estágio intermediário de desenvolvimento da volumetria. Figura 26 - Volumetria em desenvolvimento Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 50 5. MEMORIAL DESCRITIVO Neste capítulo serão apresentadas as escolhas projetuais, suas respectivas justificativas e quaisquer informações consideradas relevantes para a compreensão e execução da proposta de Centro de Saúde Mental pelos princípios da Biofilia. Serão relatados os materiais indicados, os fluxos previstos, as diretrizes paisagísticas recomendadas para total funcionamento do espaço conforme idealizado, bem como outras decisões projetuais. É válido reiterar, nesta etapa, a proposta do centro. Trata-se de um estabelecimento voltado para o tratamento de transtornos de saúde mental, o qual concentra diferentes segmentos do tratamento do paciente. É desejado o entendimento do espaço pelos usuários como uma extensão de seus lares. Para esse fim, a edificação deve apresentar características físicas tranquilizadoras e aconchegantes. Espera-se atingir o objetivo almejado por meio do cumprimento de diversas diretrizes elencadas durante o processo projetual, principalmente: forte contato com as plantas; uso de materiais naturais; e estrutura física não intimidadora, que promova socialização. O projeto apresentou, finalmente, área construída total de 727,273m², com quinze vagas para veículos. 5.1 IMPLANTAÇÃO, TOPOGRAFIA E ACESSOS O terreno, o qual possui topografia irregular (Figura 27), apresentando declive máximo de aproximadamente 3m, deve sofrer movimentação de terra a fim de facilitar os percursos externos para usuários com mobilidade reduzida. Figura 27 - Terreno com curvas de nível Fonte: CAERN (adaptado), 2007 51 Pessoas com deficiência motora possuem, de forma geral, maior dificuldade de acesso a ambientes biofílicos devido à irregularidade de terrenos naturais. Ao elevar a topografia do terreno a níveis semelhantes aos encontrados na região próxima à Rua dos Tororós e instalar pavimentação formando passeios externos (Figura 28) mais acessíveis, é favorecido o contato entre a pessoa com mobilidade reduzida e a vegetação. Figura 28 – Implantação com passeios externos Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 A fim de criar um ponto padronizado para ingresso no lote, o acesso principal de veículos e pedestres acontece pela Rua dos Tororós. Os condutores devem, então, optar por circular a área de embarque e desembarque e seguir (para saída pela Av. Lima e Silva ou para o estacionamento) ou irem diretamente para o estacionamento (Figura 29). São ofertadas quinze vagas, cumprindo com a quantidade mínima determinada pelo Anexo III do Código de Obras de Natal (2004). 52 Figura 29 - Planta de estacionamento Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 A área de embarque e desembarque é protegida da chuva pela vegetação e por cobertura baixa de madeira e policarbonato. Suas características permitem o acesso e parada de ambulância, caso seja necessário (Figura 30). 53 Figura 30 - Implantação com rota de ambulância destacada Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 A implantação do projeto, a qual não sofreu muitas mudanças desde a proposta preliminar, foi orientada pelas diretrizes estabelecidas, necessidades de cada serviço oferecido e relações funcionais do centro. 5.2 FLUXOS E RELAÇÕES FUNCIONAIS Os fluxos internos ao lote apresentam grande multiplicidade de configurações, uma vez que foi aplicado o princípio de livre acesso dos usuários à maior parte do prédio. Ao possibilitar aos pacientes maior liberdade no processo de uso e apropriação do espaço se espera facilitar sua adaptação ao centro e contribuir para a evolução da ressocialização. Os usuários devem, portanto, desenvolver uma leitura do espaço que não o relacione com ambientes de saúde áridos e impessoais, mas sim com locais onde se sintam confortáveis e à vontade. 54 O livre fluxo na edificação não significa, porém, aleatoriedade nos percursos. A configuração dos blocos e as relações entre setores procuram estimular o uso dos espaços de convivência, a interação entre frequentadores e o contato com a natureza. A Figura 31 ilustra os ambientes de acesso livre (em verde), restrito (vermelho) e parcialmente restrito (laranja). Os ambientes de acesso restrito com maior fluxo previsto foram agrupados a fim de diminuir a quantidade de barreiras encontradas pelos pacientes e de facilitar o controle das áreas restritas. O mesmo hall permite acessar a copa, a sala de utilidades e o banheiro dos funcionários, reduzindo a impressão de vários espaços estarem fora do alcance dos clientes. A sala de arquivos e o almoxarifado, também de acesso restrito, possuem entrada somente pela sala administrativa, de forma a simplificar o controle de fluxo. Os depósitos (de material de limpeza e de jardinagem) devem ser mantidos trancados, com alcance exclusivo aos funcionários responsáveis. A cantina é de acesso restrito aos funcionários responsáveis. Figura 31 - Ambientes livres, restritos e parcialmente restritos Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 55 As relações funcionais no projeto acontecem de acordo com a divisão de setores mencionada no tópico 4.1: setorização. No bloco de acolhimento (Figura 32), previamente referido como bloco de atividades silenciosas, a recepção e a área de acolhimento funcionam no mesmo cômodo, simultaneamente, sem barreiras físicas delimitando o início e fim de cada espaço. As salas administrativa e de reuniões, por serem de uso voltado, principalmente, aos funcionários, situam-se lado a lado. A sala de leitura encaixa-se nesse bloco devido à condução de atividades silenciosas em seu interior. A prática de atividades silenciosas é o principal aspecto coesivo entre os mais relevantes ambientes do bloco de acolhimento. Figura 32 - Planta baixa de bloco de acolhimento Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 56 O bloco de atividades coletivas (Figura 33), previamente referido como bloco de atividades barulhentas, contém três ambientes principais, todos com seus acessos orientados para os espaços de convivência. A cozinha terapêutica, na qual seriam realizadas ações coletivas de preparo de alimentos, possui proximidade com o espaço de refeições, uma vez que, mediante produção de alimentos com os pacientes, faz-se necessário espaço para o consumo. A sala de atividades motoras e a sala de oficinas artísticas foram posicionadas de maneira privilegiada quanto à ventilação, visto que, a depender dos materiais utilizados nas oficinas e das atividades motoras realizadas, a presença de ventilação cruzada se faz mais necessária. Os depósitos de material de limpeza e jardinagem e dois banheiros com chuveiro para o público foram anexados ao bloco devido às atividades físicas, de culinária, de artes e de jardinagem realizadas no setor e na área do jardim localizada em proximidade ao bloco. Figura 33 - Planta baixa do bloco de atividades coletivas Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019 57 Por último, o bloco de atendimento (Figura 34) reúne as salas de atendimento individual e coletivo. Ele dispõe de uma área central para espera a qual compactua com as diretrizes do projeto e permite ao paciente que participará do atendimento o afastamento das atividades mais enérgicas e o ingresso gradual em uma ambiência de maior tranquilidade e conforto. Cada um dos três blocos da edificação