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ARTIGO MIDIA E SAUDE MENTAL

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FIAM-FAAM - CENTRO UNIVERSITÁRIO 
CURSO DE JORNALISMO 
 
 
 
Gabriela Aparecida dos Santos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MÍDIA E SAÚDE MENTAL: 
Análise da abordagem da imprensa nas pautas sobre 
saúde mental 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo – SP 
2019 
 
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Gabriela Aparecida dos Santos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MÍDIA E SAÚDE MENTAL: 
Análise da abordagem da imprensa nas pautas sobre 
saúde mental 
 
 
Proposta de Trabalho de Conclusão de Curso, 
apresentado ao FIAM-FAAM – Centro Universitário 
como requisito parcial para obtenção do grau de 
Bacharel em Jornalismo. 
 
Orientadores pretendidos: 
Prof. Nadini Lopes 
Prof. Carla Tozo 
Prof. Michelle Roxo 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo – SP 
2019 
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MÍDIA E SAÚDE MENTAL: 
Análise da abordagem da imprensa nas pautas sobre saúde mental 
 
Gabriela Aparecida dos Santos 
 
 
 
Resumo: Este artigo pretende fazer uma análise de como a mídia veicula as pautas de saúde 
mental e assuntos correlacionados, como os transtornos mentais mais conhecidos. A análise foi 
feita por meio de seleção de matérias, pertinentes ao tema, publicadas no portal online O Globo, 
durante o mês de março de 2019, em paralelo a consultas de documentos que tratam do tema e 
definem os conceitos pesquisados, de acordo com a bibliografia psiquiátrica. Como resultados, 
observamos que, no que diz respeito ao tema, existem muitas matérias razas ou com 
informações que acabam desconexas, por conta da superficialidade na construção textual ou na 
apuração. 
 
 
Palavras-chaves: Jornalismo; saúde mental; transtornos mentais; imprensa. 
 
Introdução 
A cobertura da imprensa brasileira na tragédia de Suzano (massacre seguido de suicídio 
na Escola Estadual Raul Brasil, na cidade de Suzano, em São Paulo, no dia 13 de março de 
2019) gerou muitos debates e discussões na sociedade. Uma das teorias, divulgada nos veículos 
de comunicação, a respeito do que motivou dois jovens a planejarem e executarem o massacre, 
é a de que eles se inspiraram em acontecimentos anteriores, como o massacre de Columbine, 
ocorrido no dia 20 de abril de 1999, no Colorado, Estados Unidos. 
Em ambos os casos, os crimes foram praticados por dois ex-alunos, que usavam 
vestimentas de cores escuras e acessórios táticos, assim como diferentes tipos de armas, como 
explosivos, armas de fogo e objetos cortantes, como facas ou machado. Nas duas tragédias os 
autores cometeram suicídio. Em Columbine, treze pessoas morreram e em Suzano, foram dez 
mortos. 
Outra possível causa que, principalmente, os telejornais divulgaram, é de que os autores 
do massacre lidavam com sofrimento psíquico e cresceram em lares desajustados. Em algumas 
matérias foram citados, inclusive, termos mais específicos, como bullyng e transtornos mentais, 
reabrindo também as discussões a respeito dos cuidados com a saúde mental das crianças e 
adolescentes, principalmente nas escolas da rede pública de ensino. 
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Ainda existem muitos tabus e estereótipos no que diz respeito à saúde mental e 
transtornos mentais, inclusive nos meios de comunicação. Não são raras as matérias que 
abordam tais assuntos de maneira sensacionalista. 
O Senado acaba de aprovar o Projeto de Lei (PL) nº 1902, de 2019. Trata-se da 
instituição de uma Política de Prevenção da Automutilação e Suicídio, que prevê estratégias a 
serem adotadas com o objetivo de prevenir e tratar tais casos. Se a imprensa é um dos poderes 
que regem a sociedade, deve estar alinha ao mesmo propósito. 
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros diz que o jornalista não pode divulgar 
informações de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, 
especialmente em coberturas de crimes e acidentes. Contudo, nos deparamos com abordagens 
midiáticas contrárias ao código de ética, principalmente quando se trata de suicídio de pessoas 
públicas e famosas, como os casos de Getúlio Vargas, ex-presidente do Brasil, e Vladimir 
Herzog, ex-editor de jornalismo da TV Cultura. 
Se, no Brasil, a psiquiatria passou por uma reforma - após alguns movimentos 
concluírem que algumas práticas terapêuticas não tinham a eficácia esperada e o modelo asilar 
não era eficiente (Amarante, 1998), também a imprensa deve rever suas premissas no que diz 
respeito a este assunto. 
Este artigo se justifica por trazer para o centro das discussões a forma com que a mídia 
retrata a saúde mental, como em casos de suicídio, crimes de causas psicopatológicas e os 
principais transtornos mentais abordados pelos veículos de comunicação brasileiros, como 
depressão, ansiedade, psicopatia e esquizofrenia. Além disso, contribui para uma reflexão 
crítica por parte dos comunicadores sociais e pode proporcionar a criação de práticas mais 
saudáveis e assertivas de se propagar tais temas. A reflexão crítica e discussão sobre a 
veiculação das pautas de saúde mental e suas consequências é de grande relevância não só para 
o meio acadêmico, como para uma possível transformação social. 
Com isso, o objetivo geral deste artigo é analisar como é feita a cobertura midiática no 
que diz respeito às pautas de saúde mental e transtornos mentais. Os objetivos específicos são: 
analisar as matérias veiculadas pelo O Globo online (oglobo.globo.com), edição nacional, 
durante o mês de março de 2019, por se tratar de um portal de notícias de grande visibilidade e 
credibilidade, pesquisando as palavras chave: saúde mental, suicídio, depressão, ansiedade, 
esquizofrenia, psicopatia, borderline, transtorno mental e Suzano; verificar se os conceitos da 
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136052
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psiquiatria e psicologia são abordados de maneira correta nas matérias e compreender o efeito 
que as matérias causam na audiência. 
Referencial Teórico 
Para o filósofo Michel Foucault, a loucura é um fenômeno complexo, ainda pouco 
compreendido e que acabou gerando um comportamento de segregação social, com o advento 
das internações psiquiátricas. Justamente por ser pouco compreendida, a posição social dos 
loucos parece se assemelhar a dos pobres, desempregados e ex-presidiários, no que tange ao 
isolamento intencional e estratégico desta parcela da população, por parte das 
autoridades (FOUCAULT, 2005). 
É sabido que o século XVII criou vastas casas de internamento; não é muito sabido que 
mais de um habitante em cada cem da cidade de Paris, viu-se fechado numa delas, por alguns 
meses (FOCAULT, 2005, p.48). 
Décadas mais tarde, na Itália, iniciou-se o movimento da Luta Antimanicomial, 
protagonizado pela psiquiatra Franco Basaglia, a fim de desinstitucionalizar a loucura, após 
ficar evidente que muitas das internações psiquiátricas tinham como diagnóstico, a cronicidade, 
com o objetivo de lucrar com a verba destinada aos hospitais (AMARANTE, 1998). 
Este movimento inspirou a reforma psiquiátrica brasileira, que teve início em 1978. A 
reforma propôs a reformulação do sistema de assistência e, também, do que estabelecia como 
pensamento crítico ao saber psiquiátrico (AMARANTE, 1998). 
Para Foucault, loucura é o que é hoje conhecido como doença mental, mas foi só a partir 
do movimento da Luta Antimanicomial na Itália que as sociedades passaram a se questionar a 
respeito do que de fato é a loucura (AMARANTE, 1998). 
Dentre as doenças mentais, algumas se destacam em detrimento de outras. A depressão 
tem sido tema frequente na área da saúde nas últimas décadas. É sabido que a imprensa é parte 
importante da sociedade e que suas funções sociais são atender as demandas de cidadania, 
promover a mobilização social, melhorar o debate público, rever a agenda pública e promover 
a compreensão do contexto dos acontecimentos para a construção do bem comum (PENA, 
2015). 
Contudo, a maneira e frequência com que a mídia veicula as matérias a respeito da 
depressão, por exemplo, pode ser problemática e um de seus efeitosé o processo de 
identificação e aceitação do diagnóstico por parte da audiência. Ou seja, as pessoas podem se 
identificar com o personagem da matéria e logo concluírem que também têm depressão 
(SOARES e CAPONI, 2011). 
8 
 
Para as autoras Sandra Caponi e Giovana Bacilieri Soares, se, todos os dias, ao abrir o 
jornal ou ligar a TV, uma pessoa se depara com uma matéria a respeito de depressão, cujo 
personagem tem o mesmo comportamento, sentimentos ou sensações que ela, é muito provável 
que a identificação aconteça. 
 
Na ânsia de trazer novidades, será que a imprensa simplesmente não 
repete os mesmos enredos? E os personagens que povoam as páginas 
dos periódicos não têm sempre as mesmas características? Ou seja: 
como sugere Elias, ao trabalhar com a periodicidade, o jornalismo não 
estaria, na verdade, nos aprisionando em uma eterna repetição do 
presente? (PENA, 2015, p.38). 
 
Além da depressão, outro assunto bastante abordado pela imprensa, e de maneira 
sensacionalista, são os crimes de natureza psicopatológica, principalmente a psicopatia e a 
esquizofrenia (BARROS, 2003). 
Especificamente no que diz respeito às coberturas jornalísticas 
relacionadas a crimes de natureza psicopatológica, considero que as 
consequências do sensacionalismo da imprensa incluem: a) a 
propagação e perpetuação de preconceitos; b) a difusão de 
desinformação a respeito das doenças mentais; c) a intensificação do 
sofrimento de pessoas direta ou indiretamente atingidas por esses 
crimes; e, por último, mas não menos importante; d) as reportagens 
sensacionalistas a respeito de crimes psicopatológicos podem 
eventualmente induzir novos crimes, ou novas ondas de crimes 
(BARROS, 2003, p.24). 
 
A defesa da maioria dos jornalistas, mesmo dos que não aprovam a abordagem 
sensacionalista, é que, em resumo, a imprensa relata os fatos ocorridos de forma neutra. 
Todavia, para o autor Luiz Ferri de Barros, a neutralidade da imprensa não passa de um mito. 
 
Uma das principais impossibilidades técnicas, digamos assim, de o 
jornalista manter-se neutro dá-se pela circunstância de que nenhuma 
linguagem é neutra, nem as palavras, nem as imagens, nem os sons 
(BARROS, 2003, p.25). 
 
No que diz respeito ao sensacionalismo na veiculação das notícias de crimes de natureza 
psicopatológica, existe relação entre o sensacionalismo e a definição das pautas, a intensidade 
emocional com que os acontecimentos foram divulgados e a exposição prolongada de fatos 
escandalosos (BARROS, 2003). 
Muitas vezes, especificamente nos veículos de comunicação de massa, atribui-se o 
diagnóstico de esquizofrenia em situações cotidianas, sem qualquer base científica. Geralmente 
são “diagnósticos” feitos pela opinião leiga de autoridades policiais ou ainda utilizam-se do 
termo esquizofrenia como metáfora, quando querem usar algum sinônimo para palavras como 
9 
 
confuso, incompreensível ou contraditório (GUARNIERO, BELLINGHINI e GATTAZ, 
2012). 
 
Entender o conceito de esquizofrenia de maneira inadequada dificulta 
sua aceitação social e contribui para a relutância de uma parcela 
considerável de seus portadores em procurar auxílio para sua 
condição (GUANIERO, BELLINGHINI e GATTAZ, 2012, p.84). 
 
 
A forma de abordagem da mídia faz com que alguns estereótipos sejam reforçados, em 
vez de serem desconstruídos, como por exemplo, a falácia de que todo esquizofrênico oferece 
riscos para a sociedade (GUANIERO, BELLINGHINI e GATTAZ, 2012). 
 
Por mais que os especialistas em saúde mental se esforcem em afirmar 
que esse paciente raramente é violento, apenas após a ocorrência de 
crime bárbaro, da comoção causada pela matança de crianças no 
ambiente escolar ou de adolescentes em idílica ilha no verão nórdico 
é que psiquiatras são ouvidos para falar desse doente, a saber, o raro 
portador de esquizofrenia que comete ato violento (GUANIERO, 
BELLINGHINI e GATTAZ, 2012, p.83). 
 
Nota-se que são raras as matérias em que se dá voz ao portador de esquizofrenia, 
contrariando uma das diretrizes importantes do jornalismo, que diz que em uma reportagem, 
devem-se ouvir todos os lados da história (GUANIERO, BELLINGHINI e GATTAZ, 2012). 
Segundo os autores acima mencionados, é necessário analisar se a cobertura jornalística 
apenas reflete as estatísticas de criminalidade ou não. Em caso negativo, é necessário fazer uma 
segunda análise, para constatar se a imprensa estaria exercendo influência sobre a percepção da 
audiência, associando violência a transtornos mentais. 
 
Metodologia 
A pesquisa iniciou-se a partir de uma pesquisa bibliográfica. Os conceitos analisados 
foram: a história da loucura, o sensacionalismo da imprensa na cobertura de crimes de natureza 
psicopatológica e suas consequências, o estigma da esquizofrenia na mídia, o discurso da mídia 
no processo de medicalização da vida, a reforma psiquiátrica brasileira e o impacto da cobertura 
de suicídios pela mídia. Os principais autores que contribuíram com a produção deste artigo 
foram: Focault (2008), Barros (2003), Guaniero, Bellinghini e Gattaz (2012), Soares (2011), 
Caponi (2011), Amarante (1995), Barbosa, Ogasawara e Benazzi (2010). O banco de dados 
utilizado para realizar a busca por material teórico foi o Google Acadêmico. 
10 
 
Segundo a autora Elizabete Matallo Marchesini de Pádua, 
a pesquisa bibliográfica é fundamentada nos conhecimentos de 
biblioteconomia, documentação e bibliografia; sua finalidade é 
colocar o pesquisador em contato com o que já se produziu e registrou 
a respeito do seu tema de pesquisa (PADUA, 2011, P. 55). 
 
Para analisarmos o que tem sido veiculado pela mídia, no que diz espeito às pautas de 
saúde mental, elegemos o método de análise documental. Foram selecionadas 85 matérias 
publicadas durante o mês de março de 2019, na edição nacional do portal O Globo online 
(oglobo.oglobo.com), que envolvem os termos: saúde mental, suicídio, depressão, ansiedade, 
síndrome do pânico, esquizofrenia, psicopatia, borderline, transtorno mental e bullying. 
No que diz respeito ao método da pesquisa, para o autor Antonio Carlos Gil, 
 
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos 
da pesquisa bibliográfica. Apenas cabe considerar que, enquanto na 
pesquisa bibliográfica as fontes são constituídas sobretudo por material 
impresso localizado nas bibliotecas, na pesquisa documental, as fontes 
são muito mais diversificadas e dispersas (GIL, 2002, p. 46). 
 
Escolhemos o portal O Globo online como fonte de pesquisa, por ser um dos maiores 
portais de notícias do país. Em uma pesquisa realizada pela Amazon e divulgada no site da 
revista Exame (exame.abril.com.br), O Globo ficou em quinto lugar em um ranking entre os 50 
sites mais populares do Brasil, em 2017, ficando atrás apenas do Google Brasil, Google 
mundial, YouTube e Facebook. 
Para analisar o material coletado durante a pesquisa, o método adotado foi a análise de 
conteúdo qualitativa, que, segundo Gil, é, sobretudo, um processo interativo, 
 
pois o pesquisador elabora pouco a pouco uma explicação lógica do 
fenômeno ou da situação estudados, examinando as unidades de 
sentido, as inter-relações entre essas unidades e entre as categorias em 
que elas se encontram reunidas (GIL, 2002, p. 90). 
 
Num primeiro momento, fizemos a busca pelo material, por meio das palavras chave e 
do período definido e fizemos a leitura da parte do texto que continha a palavra buscada. Dessa 
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maneira, foi possível descartas as matérias que não eram objeto de interesse da análise da 
pesquisa, como matérias que falavam sobre depressão econômica, por exemplo. 
Em seguida, fizemos a leitura integral do material selecionado e buscamos referências 
em material teórico, para analisar se os termos eram abordados corretamente. 
 
Análise 
Segundo matéria publicada em abril de 2018 no site da Organização Pan-Americana de 
Saúde (OPAS), a quantidade de pessoascom transtornos mentais só aumenta. Dentre esses 
transtornos mentais estão a depressão, os transtornos de ansiedade, a esquizofrenia e diversas 
outras psicopatologias. 
 Se cada vez mais tais doenças acometem a população, cada vez mais o assunto 
se torna pauta dos veículos de comunicação. A maneira com que se veiculam as matérias a 
respeito de saúde mental deveria ser uma preocupação de todos os profissionais e estudantes da 
área. Esta é a preocupação central da pesquisa. 
 Durante a leitura e análise de conteúdo para a produção do presente artigo, das 
85 matérias selecionadas, 46 não abordam o assunto de maneira problemática, 8 abordam os 
conceitos de maneira correta, mas poderiam ter uma abordagem mais esclarecedora e, em 31 
delas, foram encontrados problemas na utilização dos conceitos ou na abordagem do assunto. 
 Dentre os problemas encontrados na construção das matérias, o primeiro que nos 
chamou atenção, é o ato de não consultar fontes que seriam as mais indicadas para o assunto 
abordado. Como exemplo, podemos citar a matéria intitulada “Lei prevê que hospitais e escolas 
notifiquem autoridades em casos de automutilação e suicídio”, publicada no dia 28 de março 
de 2019. Trata-se da veiculação da notícia de um texto que havia sido aprovado pela Câmara 
dos Deputados, que propunha a criação de políticas públicas para combater o suicídio e a 
automutilação. A matéria é bem informativa e enfatiza o principal objetivo do projeto de lei, 
como no trecho “Na prática, a lei obriga escolas, hospitais, clínicas e postos de saúde a 
informarem às autoridades sanitárias sobre casos do tipo”. 
 Contudo, as únicas fontes citadas na matéria são: o deputado que aprovou o 
projeto, Eduardo Barbosa, um psicólogo clínico especialista em prevenção de suicídio e uma 
voluntária do Centro de Valorização da Vida1. Tais fontes são pertinentes, porém, se o projeto 
 
1 O Centro de Valorização da Vida é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, reconhecida como de 
Utilidade Pública Federal e presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para 
todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. 
 
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obriga as escolas a informarem casos de tentativa de suicídio e automutilação, os profissionais 
que convivem diretamente e, muitas vezes, diariamente com essa parcela da população 
(estudantes), os professores e coordenadores pedagógicos, também deveriam ser ouvidos. 
Outro exemplo claro é a matéria “Adolescente que esfaqueou aluno em escola será 
internado em unidade psiquiátrica”, publicada no dia 20 de março de 2019. 
No parágrafo: “Segundo a magistrada, durante audiência realizada, nesta quarta-feira, o 
adolescente demonstrou estar em aparente surto psicótico. Ele relatou ouvir vozes e confirmou 
que tinha a intenção de matar seus colegas”. Há apenas a especulação de que o adolescente 
estava em um surto psicótico, mas não há falas de especialistas como psiquiatras e psicólogos 
para esclarecer no quê consistem os surtos psicóticos. 
Matérias desse tipo demonstram uma falha na apuração jornalística, que deveria ter 
como princípio, a consulta, por meio de entrevistas, aos especialistas. 
Outro ponto são as matérias que usam algum tipo de transtorno mental para justificar 
crimes ou atos violentos. Uma das matérias que utilizam essa abordagem é a intitulada “Menor 
é apreendido com facas após ferir um aluno em escola na Zona Norte do Rio”, publicada no dia 
19 de março de 2019, que se trata da notícia de que um aluno de 16 anos entrou na sala de aula 
da escola em que estudava, escondendo duas facas em seu casaco e, usando também uma 
máscara e uma luva cirúrgica, atacou outro aluno com uma das facas (a vítima sofreu apenas 
um corte superficial e fraturou um dedo do pé). Segundo a matéria, a mãe do adolescente (autor 
do episódio), disse que o filho sofre de transtornos psicológicos e que tentou suicídio em 
dezembro do ano passado, informando ainda que não sabia se o filho havia tomado o remédio 
de seu tratamento no dia do ocorrido e que quando não o toma, fica agressivo. 
Segundo o “Manual para a Imprensa: recomendações para um texto claro e esclarecedor 
sobre as doenças mentais”, produzido pela Associação Brasileira dos Familiares, Amigos e 
Portadores de Esquizofrenia (ABRE) em parceria com o Programa Open the Doors, da 
Associação Mundial de Psiquiatria, sob a observação da Associação Brasileira de Psiquiatria, 
Quando algum crime é cometido por um portador de transtorno mental, 
não significa que ele é “maníaco”, psicótico”, “psicopata” ou 
esquizofrênico. Ele pode ser portador de mania, esquizofrenia, ou de 
alguma doença considerada uma psicose, mas pode também ser 
portador de outro tipo de transtorno. Mais que isso, é apenas uma pessoa 
que infringiu as leis e que será julgada pela justiça. O diagnóstico não 
deve ser usado para explicar o crime, pois isso leva o público a crer que 
a doença é perigosa, quando, na verdade, o crime foi originado por uma 
conjunção de fatores concernentes ao caso (ASSOCIAÇÃO 
BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2009, p.43) 
13 
 
Seria interessante, em casos como este, especificar o transtorno e buscar uma fonte para 
falar a respeito, como psicólogos e psiquiatras, a fim de desmistificar as doenças mentais. É 
importante dizer se a pessoa em questão está em tratamento efetivo, inclusive, não deixando 
margem para o reforço de estereótipos. 
Uma das concepções classificadas como errada, pelo manual, diz respeito a usar o 
adjetivo “esquizofrênico” para descrever situações fora de contexto. 
 
Expressões como “as relações esquizofrênicas entre governo e 
oposição” banalizam o transtorno e conferem a ele conotações 
pejorativas, ao associá-lo com ideias como instabilidade, falta de 
nexo e um estado mental extremamente desequilibrado 
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2009, p.43) 
É exatamente o que identificamos na matéria “Toffoli: 'Se tudo vai parar no Supremo 
significa fracasso de outras instituições'”, publicada no dia 29 de março de 2019, na qual a aspa 
usada no texto diz que as decisões controversas, tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça e 
pelo Supremo Tribunal Federal é uma esquizofrenia. 
Uma saída para este caso seria construir um intertítulo a respeito do que é a 
esquizofrenia, para, justamente, desconstruir os estereótipos acerca da doença, ou usar alguma 
outra fala do entrevistado, que não fizesse menção a algum transtorno mental de forma 
descontextualizada. 
Por fim, um dos assuntos que mais preocupam, é a cobertura de eventos de suicídio. 
Justamente, e não à toa, no mês escolhido para realizar a análise, aconteceu o massacre na escola 
Raul Brasil, na cidade de Suzano, em São Paulo. 
Em uma das matérias anaisadas, de título “Governo de SP diz que atiradore sde Suzamo 
fizeram pacto de morte”, publicada em 13 de março de 2019, contém a descrição das armas 
utilizadas por um dos autores do crime, para cometer o suicídio, assim como o local do próprio 
corpo em que o mesmo atirou. 
Segundo o documento Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da mídia, 
“Devem ser evitadas descrições detalhadas do método usado e de como ele foi obtido” 
(ORGANIZAÇÂO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, online). Ainda segundo o manual, a mídia 
pode desempenhar um papel muito importante na prevenção do suicídio, devendo divulgar 
informações úteis, como listas de serviços de saúde mental, listas com sinais de alerta de 
comportamento suicida, esclarecimento de que o comportamento suicida é, frequentemente, 
14 
 
associado à depressão, sendo que esta é uma condição tratável e demonstrando empatia aos 
familiares e pessoas próximas à vítima, por exemplo. 
Além disso, de acordo com o documento, há evidências de que há uma espécie de 
contágio, causado por alguns fatores provocados pela mídia, como a frequência dessas notícias, 
sua colocação a respeito do suicídio e detalhamentodos meios utilizados. 
 
 
Considerações finais 
Na análise realizada, evidenciamos apenas uma amostra de como acontece a cobertura 
da imprensa no que diz respeito às pautas de saúde mental. Nesta pequena quantidade de 
matérias, quase 40% são problemáticas e 9% são aceitáveis, mas poderiam ser mais 
esclarecedoras e 51% tratam do assunto de forma coerente. 
Apesar das matérias “positivas” serem a maioria dentre as analisadas, 40% é uma 
quantidade bastante considerável, principalmente quando se trata de fenômenos sociais tão 
importantes quanto a violência e o suicídio ou de reforço de estereótipos, como no caso da 
esquizofrenia. 
Entende-se que a rotina nas redações, sobretudo dos portais online, é frenética e 
extremamente dinâmica, muitas vezes o tempo não permite matérias mais elaboradas e 
profundas. Contudo, algumas práticas simples deveriam ser adotadas nos manuais de redação 
ou mesmo usar os manuais específicos para coberturas de suicídio e saúde mental, citados no 
presente artigo, como algo rotineiro. 
Sendo um agente social e formador de opinião, o papel do jornalista não é apenas 
informar a população. É preciso traduzir dados e acontecimentos para que a sociedade não só 
compreenda, mas se transforme. A comunicação pode ser um dos meios mais importantes para 
a difusão do acesso à saúde mental e à desconstrução de preconceitos e estereótipos a respeito 
dos transtornos mentais. 
 
Referências 
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aluno-em-escola-sera-internado-em-unidade-psiquiatrica-23537875> Acesso em 21 
de maio de 2019. 
 
 
https://oglobo.globo.com/rio/adolescente-que-esfaqueou-aluno-em-escola-sera-internado-em-unidade-psiquiatrica-23537875
https://oglobo.globo.com/rio/adolescente-que-esfaqueou-aluno-em-escola-sera-internado-em-unidade-psiquiatrica-23537875
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Disponível em: <https://exame.abril.com.br/tecnologia/os-50-sites-mais-acessados-do-brasil-
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que-atiradores-de-suzano-fizeram-pacto-de-morte-23519774> Acesso em 22 de maio de 
2019. 
 
 
 
 
BARBOSA, A. C., OGASAWARA, R. BENAZZI, L. 
A. Jornalismo e Suicídio: ética e noticiabilidade. 2010. In: INTERCOM SOCIEDADE 
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2010. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/sis/2010/resumos/R5-2968-
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BARROS, L. F. o sensacionalismo da imprensa na cobertura de crimes 
de natureza psicopatológica e suas conseqüências. 2003. 29 f. In: SEMINÁRIO 
INTERNACIONAL -IMPRENSA INVESTIGATIVA: SENSACIONALISMO E 
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BLOWER, Ana Paula. 
Lei prevê que hospitais e escolas notifiquem autoridades em casos de automutilação e suicídio
. O Globo. 28 mar. 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/lei-preve-que-
hospitais-escolas-notifiquem-autoridades-em-casos-de-automutilacao-suicidio-
23557879> Acesso em 20 de maio de 2019. 
 
BRASIL. Associação Brasileira de Psiquiatria. Manual 
para a Imprensa: recomendações para um texto claro 
e esclarecedor sobre as doenças mentais. Rio de Janeiro, 2009. 
 
 
https://exame.abril.com.br/tecnologia/os-50-sites-mais-acessados-do-brasil-e-do-mundo/
https://exame.abril.com.br/tecnologia/os-50-sites-mais-acessados-do-brasil-e-do-mundo/
https://oglobo.globo.com/brasil/governo-de-sp-diz-que-atiradores-de-suzano-fizeram-pacto-de-morte-23519774
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