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1 GINECOLOGIA | INTERNATO 2021 | Eva Carneiro Sangramento Uterino Anormal INTRODUÇÃO ▪ Todo e qualquer tipo de alteração do padrão usual do ciclo menstrual recebe o nome de Sangramento Uterino Anormal (SUA). ▪ Cada transtorno recebe uma classificação semiológica, de acordo com o tipo de alteração. As alterações da ciclicidade e do tempo de sangramento são definidas na anamnese de acordo com o relato da paciente. As alterações de fluxo são mais bem qualificadas pelo número de absorventes trocados diariamente. ▪ Apesar de cada alteração representar uma variação de padrão, existem algumas divergências de acordo com a bibliografia científica. Todavia, essas diferenças são conceituais, visto que o intuito é entender qual é o padrão de ciclo menstrual que o termo semiológico representa. ▪ Duração do ciclo: média de 28 dias – de 24 a 38 dias; Duração do fluxo: 4,5 a 8 dias ➢ > 8 dias – prolongado ➢ < 4 dias – curto ETIOPATOGENIA Varia conforme faixa etária: Infância O SUA anterior à menarca é anormal. Nessa faixa etária, a vagina é a principal fonte de sangramento, e não o útero. As vulvovaginites são as causas mais frequentes de sangramento genital. Podem-se considerar, ainda, condições dermatológicas, crescimento neoplásico, trauma por acidente, abuso sexual e corpo estranho; Adolescência O SUA resulta de anovulação – principal causa – ou defeitos na coagulação sanguínea. Gestação, Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e abuso sexual devem ser avaliados; Idade reprodutiva Há aumento na taxa de sangramento uterino anormal por gravidez e alterações anatômicas do útero, como leiomiomatose, adenomiose e pólipos endometriais; Perimenopausa Geralmente, o sangramento uterino anormal nessa fase é causado por ciclos anovulatórios, porém é preciso avaliar a possibilidade de neoplasias benignas e malignas; Pós-menopausa A maioria dos casos de sangramento é atrofia do endométrio e vagina por ausência de estrogênio. Entretanto, pode ser decorrente de pólipos endometriais, carcinoma endometrial – mais frequente nessa faixa etária –, tumor ovariano produtor de estrogênio e neoplasias ulcerativas vulvar, vaginal e cervical. Atenção: Como as causas de sangramento anormal são múltiplas e, geralmente causavam confusão no momento da investigação, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO – The International Federation of Gynecology and Obstetrics) propôs um sistema mnemônico para lembrança das principais causas de sangramento uterino anormal, após a exclusão de gestação. A sigla é PALM – COEIN e divide as causas em estruturais (sigla PALM) e não estruturais (sigla COEIN). 2 GINECOLOGIA | INTERNATO 2021 | Eva Carneiro É sempre importante lembrar que as mulheres em idade fértil com vida sexual podem ter algum sangramento relacionado às causas gestacionais, sobretudo as não usuárias de métodos contraceptivos e as que usam de forma irregular. Os sangramentos de primeiro trimestre podem estar presentes em 15 a 20% das gestações. Na maioria das vezes, não há identificação de nenhum problema associado. Entretanto, deve-se estar atento às possibilidades de ameaça de abortamento ou abortamento de fato, gestação ectópica e mola hidatiforme. Aprofundamento das causas estruturais de Sangramento Anormal (PALM): PÓLIPOS (P) • Pólipos endometriais: podem causar SUA devido a fragilidade vascular, inflamação crônica e erosões na superfície. São diagnosticados por ultrassonografia (USG) transvaginal, histerossonografia ou histeroscopia (padrão-ouro). A histeroscopia cirúrgica fornece tratamento simples e altamente efetivo. Fatores de risco são idade avançada, obesidade e uso de tamoxifeno. Na maioria das vezes são benignos, mas há transformação pré-maligna ou maligna em 0,5 a 3% dos casos. Assim, recomenda-se a polipectomia histeroscópica às pacientes: 1. Sintomáticas 2. Assintomáticas com fatores de risco para transformação maligna (pólipo > ou igual a 1,5cm; fatores de risco para CA de endométrio – obesidade, pós-menopausa, usuária de tamoxifeno, anovulação crônica, etc) 3. Uso de tamoxifeno – estimula proliferação endometrial que pode causar tanto a hiperplasia endometrial, como pólipos endometriais e CA endometrial. • Pólipos endocervicais: também denominados pólipos cervicais, geralmente são diagnosticados no exame especular. São assintomáticos, mas podem causar hemorragia, sinusorragia (sangramento pós-coito) e leucorreia vaginal sintomática. Pode ser facilmente confundido com CA de colo uterino. Por isso, é feita a retirado do pólipo cervical e feita avaliação histológica; • Adenomiose (A): Observa-se infiltração de tecido endometrial no miométrio. A doença pode desenvolver-se a partir da invaginação endomiometrial do endométrio. Além do SUA, as pacientes com adenomiose podem apresentar dismenorreia. Quanto ao diagnóstico, a USG transvaginal apresenta útero aumentado de volume, ecotextura miometrial heterogênea, podendo ou não ter a descrição de diminutos cistos miometriais. O tratamento pode ser realizado com: 1. Uso contínuo de progestogênio; 2. DIU com liberação de levonorgestrel; 3. Histerectomia – tratamento definitivo. • Leiomiomatose uterina – ou miomatose uterina (L): O mioma uterino é a causa estrutura mais comum de SUA. Nas pacientes portadoras de miomas uterinos, o SUA é a sua principal manifestação clínica. Entretanto, a maioria das pacientes com miomatose uterina não apresenta SUA. Assim, os miomas não podem ser considerados a causa de sangramento anormal antes que outras possibilidades tenham sido excluídas, especialmente quando não invadem ou deslocam a cavidade uterina. Os que causam SUA são aqueles com componente submucoso, miomas submucosos e intramurais grandes que distendem o endométrio adjacente. Os miomas subserosos não invadem a cavidade uterina, 3 GINECOLOGIA | INTERNATO 2021 | Eva Carneiro portanto, não provocam sangramento; a compressão inferior e o trauma pela fricção intracavitária na superfície epitelial causam inflamação crônica focal ou ulceração, resultando em sangramento. Pode, ainda, haver erosão e ruptura de vasos superficiais; 1. Os leiomiomas uterinos são a causa estrutural mais frequente de sangramento uterino anormal; 2. O diagnóstico é feito por USG transvaginal – tamanho, número e localização. 3. Tratamentos cirúrgicos são geralmente reservados para sintomáticos; 4. Miomas submucosos únicos: miomectomia histeroscópica – preservam a fertilidade 5. Miomas submucosos múltiplos e grandes – risco de sinequia uterina que causam infertilidade; 6. Miomatose intramural – miomectomia por abordagem abdominal por laparoscopia ou laparotomia (ou histerectomia). São indicações de histerectomia: miomas grandes e múltiplos, SUA e ausência de interesse em gravidez. • Malignidade (M): Hiperplasia endometrial resulta da estimulação estrogênica crônica do endométrio sem a oposição da progesterona. Portanto, é comum em ciclos anovulatórios crônicos. Pode ser com ou sem atipias. O diagnóstico pode ser suspeitado por ultrassonografia transvaginal com espessamento endometrial. O diagnóstico definitivo é por histeroscopia com biópsia de endométrio: 1. Hiperplasia sem atipias: glândulas dilatadas sem ramificações ou ramificações ocasionais ou glândulas endometriais mais próximas entre si, com menos estroma interposto, com ramificações; 2. Tratamento: progestogênio – acetato de medroxiprogesterona 5 ou 10 mg/d, por 14 dias por mês, por três a seis meses; ou noretindrona 5mg no mesmo esquema. Entretanto, a melhor opção é DIU com liberação de levonorgestrel; 3. Hiperplasias com atipias: oferecem elevado risco de progressão para adenocarcinoma – de 10 a 30% - e são consideradas lesões pré-malignas. O tratamento preferencial é a histerectomia. Nas mulheres que pretendem manter a fertilidade, pode-se tentar o progestogênio por via oral com biópsias sequenciais de endométrio paramonitorizar a reposta ao tratamento em 3 e 6 meses. Entretanto, a melhor opção também é DIU com levonorgestrel. Câncer de endométrio: é mais frequente em pacientes pós-menopausa. Entretanto, a principal causa de sangramento pós-menopausa é atrofia endometrial (pelo baixo nível de estrogênio). Câncer de colo uterino: a gênese do câncer do colo uterino ocorre pela ação do papilomavírus humano (HPV). A evolução das neoplasias intraepiteliais cervicais para o câncer de colo uterino é lenta. Quando a neoplasia invasora do colo uterino está presente, o seu crescimento com áreas friáveis e ulceradas podem levar ao sangramento pós coito, denominado sinusorragia. Por isso, todas as pacientes com queixa de sangramento devem ser examinadas. O exame especular é importante e pode identificar possíveis lesões vegetantes, friáveis e com alta suspeita de neoplasia invasora. IMPORTANTE: A principal causa de sangramento pós-menopausa é ATROFIA. Todavia, em toda paciente com esta queixa deve-se excluir a possibilidade de CA de endométrio. As causas não estruturais (COEIN) de SUA são: • Coagulopatias (C): Alterações na coagulação provocam SUA. A doença de von Willebrand é a anormalidade hematológica que mais afeta as mulheres. A suspeita de coagulopatias deve ser realizada quando os sangramentos menstruais excessivos ocorrem na puberdade, logo na menarca e nas primeiras menstruações. A queixa comum é a presença de sangramentos excessivos em fluxo e duração. A investigação envolve a solicitação do fator de Von Willebrand, fator VIII e cofator ristocetina. • Ovulatórios (O): A anovulação pode gerar o aumento da duração do ciclo menstrual levando ao quadro de menstruações infrequentes. A sua ocorrência é comum nos extremos da vida reprodutiva. Na adolescência a imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário leva a ciclos anovulatórios. Os pulsos de GnRH ainda não são suficientes para produzir níveis adequados de FSH com consequente pico de estradiol e de LH. Portanto, a ovulação não ocorre. A ausência de progesterona leva a períodos de estimulação endometrial estrogênica isoladamente. Como consequência, a adolescente costuma queixar-se de ciclos longos (menstruações infrequentes) e sangramentos excessivos quando ocorrem. Algumas vezes os sangramentos são de grande 4 GINECOLOGIA | INTERNATO 2021 | Eva Carneiro monta, ao ponto de gerar instabilidade hemodinâmica. A anovulação é a principal causa de sangramento anormal em adolescentes. Costuma se apresentar por sangramentos em fluxo intenso e duração prolongada subsequentes a longos períodos sem menstruar. Os ciclos anovulatórios também são frequentes no climatério, mais especificamente na última fase, antes da ocorrência da menopausa. O esgotamento folicular leva à ineficiência do estradiol gerar o pico de LH. Dessa forma a ovulação não ocorre. As pacientes costumam apresentar ciclos menstruais mais longos (menstruações infrequentes) com consequentes sangramentos excessivos em fluxo e em tempo de duração. Das causas patológicas de anovulação, a principal delas é a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP). A ausência de pico de LH leva ao quadro de anovulação. Como consequência as pacientes apresentarão menstruações infrequentes podendo ser seguidas por sangramentos excessivos em fluxo e duração. • Endometriais (E): A endometrite crônica pode resultar de infecções – clamídia, tuberculose, micoplasma. Entretanto, em um terço das pacientes, não é possível identificar o fator causal. Podem apresentar-se assintomáticas (maioria) ou sintomáticas: dor à mobilização do colo uterino, sintoma mais comum, SUA – sangramento intermenstrual ou pós-coito– e dor pélvica vaga do tipo cólica. Geralmente, a endometrite crônica não é a causa direta do SUA, mas é a causa indireta ou contribuinte dele. • Iatrogênica (I): Envolve qualquer tipo de sangramento causado por ação médica. As principais incluem a inserção de DIU, a prescrição de contraceptivos hormonais ou terapia hormonal e a indicação de anticoagulantes. ▪ DIU: a presença do corpo estranho na cavidade uterina pode causar desequilíbrio entre prostaglandinas e tromboxano. Há, ainda, aumento na vascularização endometrial, congestão e degeneração no tecido endometrial. Esses fatores corroboram para o sangramento. A conduta envolve discutir com a paciente a sua retirada; ▪ Contracepção hormonal e terapia de reposição hormonal: sangramento uterino normal pode ocorrer com métodos contraceptivos de progesterona apenas, além de sangramentos de escape irregulares e leves. Na contracepção hormonal combinada, também é comum sangramento de escape, principalmente no primeiro mês de uso da medicação – 30 a 50% das pacientes –, sendo atribuído à proliferação insuficiente ou atrofia endometrial. O sangramento de escape também pode ser chamado spotting. A conduta consiste em tranquilizar a paciente e substituir o método por outro com dose mais elevada de estrogênio, avaliando a necessidade em cada caso. A terapia de reposição hormonal, especialmente aquelas que usam esquema contínuo, provoca sangramento uterino irregular. Entretanto, quando esse sangramento persiste por mais de seis meses após seu início, deve-se descartar patologia uterina que o justifique; ▪ Uso de anticoagulantes: a prescrição de fármacos anticoagulantes é classificada nas causas iatrogênicas de sangramento. A conduta consiste em reavaliar a indicação do anticoagulante e individualizar caso a caso. • Não especificada (N): as causas não identificadas de sangramento entram nesse grupo. Doenças sistêmicas que cursam com SUA: • Doenças renal e hepática: a doença renal pode ser acompanhada de hipoestrogenismo, amenorreia e infertilidade, possivelmente devido à desregulação hipotalâmica da secreção de GnRH. Há, ainda, piora da anemia dessas pacientes com o fluxo menstrual. • Doença tireoidiana: no hipertireoidismo, pode haver hipomenorreia e amenorreia em 5% das pacientes. No hipotireoidismo, observam-se anovulação, amenorreia e defeito dee hemostasia por redução dos fatores de coagulação. O tratamento consiste em reverter o quadro de hipo ou hipertireoidismo.
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