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Introdução à Linguística - PLE Aula 1: Linguagem, língua e linguística - Margarida Petter I. Uma breve história do estudo da linguagem Século IV ac. - Hindus → foram razões religiosas que levaram os hindus a estudar sua língua, para que os textos sagrados reunidos no Veda não sofressem modificações no momento de ser proferidos. Mais tarde os gramáticos hindus, entre os quais Panini (século IV a.c.), dedicaram-se a descrever minuciosamente sua língua, produzindo modelos de análise que foram descobertos pelo Ocidente no final do século XVIII. Século IV - III ac. - Gregos → Práticas políticas, debates públicos - nasce a retórica - estudo da língua como forma de melhor se expressar. Preocuparam-se, principalmente, em definir as relações entre o conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder à pergunta: haverá uma relação necessária entre a palavra e o seu significado? Platão; Aristóteles: caráter filosófico - reflexões sobre a natureza da linguagem humana aliado à análise de aspectos da língua grega como parte de uma construção lógica Origem da gramática normativa ➟ a gramática como nós a conhecemos hoje foi ٭ criação da cultura greco-romana. Os gregos, principalmente na cidade de Alexandria, junto à sua famosa biblioteca, se dedicaram a estudar com intenso cuidado, a produção literária de seus autores consagrados. Foi a partir desse tipo de pesquisa que se constituiu a tradição normativa do estudo da língua que é ainda tão forte entre nós. No fundo, ela foi, naquele momento, a solução intelectual para os conflitos gerados pela percepção da diversidade linguística. Século II ac. - Latinos → Varrão elaborou a primeira gramática latina, seguindo seu mestre alexandrino Crates de Malos - "a arte de escrever e falar corretamente; e de entender os poetas" ☄ Nesse processo todo, agregou-se à concepção de pessoa culta no mundo romano o pressuposto de bem falar e bem escrever, isto é, de cultivar certos padrões de língua, aproximando seu modo de falar em público e de escrever dos usos dos autores consagrados. ➭ Em outras palavras, imitar a língua dos autores clássicos era o ideal linguístico das pessoas cultas. Idade Média - Século V ao XV → Tentativa de preservar o latim clássico. Consideraram que a estrutura gramatical das línguas é una e universal, e que, em consequência, as regras da gramática são independentes das línguas em que se realizam. ☄ Na comunicação cotidiana, estavam em desenvolvimento as novas línguas vernáculas, herdeiras diretas das diferentes variedades do latim popular falado, diferenciação que veio a se intensificar, seja pela desintegração do Império. Século XVI - Reforma protestante → Apesar de manter-se o prestígio do latim como língua universal, traduziram a bíblia para a língua vernácula para possibilitar a leitura de todos os fiéis. Assim, a variedade escolhida não poderia ser a arcaica, mas uma variedade mais contemporânea. Esses países criaram uma tradição normativa mais pragmática e menos conservadora que nos países latinos. Todas essas traduções se tornaram as grandes referências para a fixação das normas padrões desses países e marcos fundamentais da construção da respectiva língua escrita em suas feições modernas. Século XVII e XVIII - Gramática de Port Royal → Demonstra que a linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento e que, portanto, os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular, mas servem a toda e qualquer língua. Século XIX - Gramáticas comparadas e Linguística Histórica → O conhecimento de um número maior de línguas vai provocar o interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares, em detrimento de um raciocínio mais abstrato sobre a linguagem, observado no século anterior. O pensamento linguístico contemporâneo, mesmo que em novas bases, formou-se a partir dos princípios metodológicos elaborados nessa época, que preconizavam a análise dos fatos observados. O estudo comparado das línguas vai evidenciar o fato de que as línguas se transformam com o tempo, independentemente da vontade dos homens, seguindo uma necessidade própria da língua e manifestando-se de forma regular. Século XX - Linguística Moderna → Com a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, a investigação sobre a linguagem - a Linguística - passa a ser reconhecida como estudo científico. ➭ Publicação do Curso de Linguística Geral (1916). Para Saussure, “A língua é "um sistema de signos" - um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. ➭ Antigamente, a Lingüística não era autônoma, submetia-se às exigências de outros estudos, como a lógica, a filosofia, a retórica, a história, ou a crítica literária. ➭ O método científico supõe que a observação dos fatos seja anterior ao estabelecimento de uma hipótese e que os fatos observados sejam examinados sistematicamente mediante experimentação e uma teoria adequada. II. O que é linguagem? Para Saussure - Estruturalismo → A distinção linguagem/língua/fala situa o objeto da Lingüística para Saussure. Linguagem "heteróclita e multifacetada" - A linguagem abrangeria vários domínios. ➭ Língua - Social → a língua seria uma parte essencial da linguagem; "um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos". ➭ Fala - Individual → resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação) necessários à produção dessas combinações. Para Chomsky - Gerativismo ➭ Inatismo → A linguagem é uma capacidade inata e específica da espécie,isto é, transmitida geneticamente e própria da espécie humana. Assim sendo, existem propriedades universais da linguagem. ➭ Competência → porção do conhecimento do sistema lingüístico do falante que lhe permite produzir o conjunto de sentenças de sua língua; é um conjunto de regras que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da linguagem aos dados lingüísticos que ouviu durante a infância. ➭ Desempenho → corresponde ao comportamento linguístico, que resulta não somente da competência Lingüística do falante, mas também de fatores não linguísticos de ordem variada, como: convenções sociais, crenças etc e, de outro, o funcionamento dos mecanismos psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção dos enunciados. ⟼ Ou seja, uso real da gramática em situações concretas. ☄ O desempenho pressupõe a competência, ao passo que a competência não pressupõe desempenho. ☄ A língua - sistema linguístico socializado - de Saussure aproxima a Lingüística da Sociologia ou da Psicologia Social. A competência - conhecimento lingüístico internalizado - aproxima a Lingüística da Psicologia Cognitiva ou da Biologia. Aula 2: Gramáticas, ensino de português e “adequação linguística” - Duarte e Serra (2015) Gramática internalizada x Gramática normativa A gramática propriamente dita (referida na teoria gerativista como Língua I, ou interna) é adquirida de forma natural, ou seja, é inata ao ser humano. Assim, todos nascem com a anteriormente citada competência linguística, independente de cultura e grupo social. ➭ Essa é a gramática que constitui patrimônio de todos, escolarizados ou não, e que todo falante exposto a algum tipo de estímulo e que não sofra de comprometimentos fisiológicos ou mentais, adquire naturalmente. À medida que a criança é exposta aos dados de sua língua materna no meio em que é criada, a linguagem é adquirida e o meio externo forma sua chamada Língua E (ou externa), revelando seu desempenho através da fala. (Desempenho = competência + aspectos adquiridos externamente). ☄ A FALA PRECEDE A ESCRITA SEMPRE O contato com a escola e a leitura, através do processo de aprendizagem,pode acrescentar outras estruturas à Língua E, utilizando formas que não fazem parte da sua Língua I, mas que podem ser expressas quando o indivíduo escreve ou exerce monitoramento/controle sobre sua fala (como em redações ou entrevistas de emprego, em que é necessário o uso da gramática normativa). - Com nome autodescritivo, a gramática normativa nada mais é do que uma prescrição de normas. Gramatical ⟼ Compreensível através da fala por qualquer pessoa que possua a língua I (Globo, Grobo) Agramatical ⟼ Incompreensível para qualquer falante da língua portuguesa (Gtobo, gpobo) Ou seja, qualquer falante da língua I pode fazer julgamentos de gramaticalidade ou agramaticalidade de uma sentença. Por exemplo: Se uma pessoa fala “Pegar a eu bola ia” todo falante do português rejeita essas estruturas, sabe que elas não são estruturas gramaticais, isto é, não fazem parte de sua gramática (Língua I). E não foi na escola que ele adquiriu esse conhecimento. Se há diferenças entre os falantes sobre a gramaticalidade de uma frase, é porque suas competências (suas gramáticas) são variantes do mesmo sistema ou constituem sistemas diferentes. Por exemplo, há estruturas que são gramaticais para um português, que são agramaticais para um brasileiro, pois o PB e o PE não constituem mesma gramática. A gramática tradicional é um modelo de gramática que continua a tradição gramatical europeia, pautada no modelo greco-romano, que buscava descrever a língua de sincronias mais antigas, que surgia em textos indecifráveis. Essas descrições eram feitas com base nos autores considerados “clássicos” e procuravam tomar como modelo de “bom uso” a gramática de sincronias anteriores. Por isso é tão comum chamarem a gramática normativa de gramática tradicional! → Justamente por retomarem uma tradição milenar. As normas apresentadas nas gramáticas tradicionais e nos livros didáticos que a difundem foram codificadas à luz das normas lusitanas de fins do Século XIX, que àquela altura já estavam bem distantes da escrita que vinha se desenvolvendo no Brasil desde o período colonial. ☄ O que vemos hoje na escrita brasileira é o resultado do embate entre traços da gramática lusitana e traços da gramática brasileira, o que leva, frequentemente, a casos curiosos de hipercorreção – traços que não fazem parte nem da escrita de cá nem da de lá. É justamente esse gesto que está na raiz do fenômeno que veio a ser tratado como “adequação linguística”. → Adequação da gramática normativa brasileira à determinados padrões lusitanos ultrapassados, considerados “mais corretos”. Exemplo: Mesmo tendo perdido o uso oral do pronome oblíquo “o” com o passar do tempo, a gramática normativa prescreve que o correto é utilizá-lo, ao invés de usar “ele” (ex: eu o beijei / eu beijei ele), pois é o que os portugueses usam em sua língua I, ou seja, independente da escolaridade! Mas não é a nossa língua I. (Isso pode ser observado comparando os raps brasileiros com os portugueses. No rap europeu são utilizadas expressões que para os falantes do PB são completamente normativas.) Os falantes escolarizados do PB conseguem usar esse pronome na escrita e na fala monitorada (mudança linguística). Não confundir adequação com mudança linguística, que é a alternância feita pelos falantes entre o “formal e o informal”. “Em resumo: muitas das normas “prescritas” pelas gramáticas não fazem parte da nossa gramática (nossa Língua-I), mas, por força da tradição escolar, estão presentes de forma significativa na língua escrita dos meios de comunicação e da academia. Isso criou uma grande distância entre fala e escrita, e só os indivíduos que passam pela escola podem aprender formas ausentes da primeira gramática e “mudar de gramática” em situações mais formais.” ↳ A língua muda o tempo todo, o que causa mudanças na forma como falamos, mas a gramática normativa segue utilizando as prescrições da tradição de influência européia, distanciando cada vez mais a fala da escrita. “Logo, gramáticas cujo objetivo não é apresentar normas são sempre descritivas. Podem ser sincrônicas, se tomam dados do momento em que são escritas; podem ser históricas, se procuram descrever outras sincronias ou estágios de uma língua, procurando unir a história interna à sua história externa; podem ser comparadas, se buscam comparar diferentes línguas ou diferentes variedades de uma língua…”
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