Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Brasília-DF. Tópicos AvAnçAdos em HemATologiA Elaboração Stela Virgilio Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 6 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 9 UNIDADE I ESTUDO DO SANGUE E VALORES DE REFERÊNCIA................................................................................. 11 CAPÍTULO 1 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO ..................................................... 11 CAPÍTULO 2 ESTUDO DOS ERITRÓCITOS OU HEMÁCIAS ............................................................................. 15 CAPÍTULO 3 ESTUDO DOS LEUCÓCITOS ..................................................................................................... 19 CAPÍTULO 4 ESTUDO DAS PLAQUETAS ........................................................................................................ 27 CAPÍTULO 5 VALORES DE REFERÊNCIA NO HEMOGRAMA .......................................................................... 30 UNIDADE II DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO ............................................. 37 CAPÍTULO 1 NEOPLASIAS HEMATOPOIÉTICAS ............................................................................................. 37 CAPÍTULO 2 ANEMIAS E POLICITEMIA ......................................................................................................... 43 CAPÍTULO 3 DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO .............................................................................................. 50 CAPÍTULO 4 HEMOPARASITOSES MAIS FREQUENTES .................................................................................... 60 UNIDADE III TIPOS SANGUÍNEOS, TRATAMENTO E AUTOMAÇÃO ............................................................................... 67 CAPÍTULO 1 SISTEMAS SANGUÍNEOS .......................................................................................................... 67 CAPÍTULO 2 AUTO-HEMOTERAPIA ............................................................................................................... 71 CAPÍTULO 3 AUTOMAÇÃO EM HEMATOLOGIA ........................................................................................... 74 UNIDADE IV ESTUDOS DE CASOS E ARTIGOS RELACIONADOS A HEMATOLOGIA VETERINÁRIA ................................... 78 CAPÍTULO 1 ESTUDOS DE CASOS ............................................................................................................... 78 CAPÍTULO 2 ARTIGOS PARA ESTUDOS COMPLEMENTARES........................................................................... 83 PARA NÃO FINALIZAR ....................................................................................................................... 86 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 87 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 9 Introdução Sejam bem-vindos ao Caderno de Estudo dos Tópicos Avançados em Hematologia. Neste módulo, serão apresentados tópicos sobre constituição do sangue, hematopoise, hemácias, leucócitos e plaquetas de animais domésticos, selvagens e grande animais, e valores de referência no hemograma de alguns desses animais. Além disso, serão apresentados doenças e distúrbios relacionados ao sistema hematopoiético, sistemas sanguíneos dos animais, auto-hemoterapia e automação em hematologia veterinária, que hoje está em alta. Estudos de casos e artigos relacionados também fazem parte de nosso Caderno de Estudos. O tópico hematologia está contido nas ementas da disciplina de Patologia Clínica Veterinária de várias universidades, porém poucos materiais didáticos são específicos para essa área. Portanto, a produção deste material se faz necessária. A apresentação do material foi feita de forma didática, sem complicações, com várias figuras, tabelas, quadros e exemplos, para maior compreensão de todos, e será apresentada uma ampla pesquisa bibliográfica, usando livros, artigos científicos, exames clínicos e websites. O marco histórico na área de hematologia veretinária foi a descoberta da Febre do Texas, ou também conhecida como babesiose, em que um protozoário poderia ser transmitido por artrópodes, causando anemia nos pacientes infectados. O estudo dessa doença permitiu avaliar o sangue de animais a partir de observações das alterações morfológicas. Em 1910, Burnett descreveu o sangue de várias espécies de animais domésticos e, no mesmo período, foi observado que o hemograma dos processos inflamátorios em equinos apresentou leucocitose e neutrofilia. Portanto, a partir dessa pequena introdução, seguem os principais objetivos deste módulo. Objetivos » Compreender sobre os componentes do sangue, eritrócitosou hemácias, leucócitos e plaquetas, além de valores de referência no hemograma de alguns animais. » Conhecer algumas doenças relacionadas ao sangue, como neoplasias, anemias, policitemia e distúrbios na coagulação, e as mais frequentes hemoparasitoses. » Discutir sobre os sistemas sanguíneos em caninos e felinos. 10 » Conhecer a auto-hemoterapia e suas vantagens, e também a automoção em hematologia veterinária, tema amplamente abordado em pequenos e grandes laboratórios. » Apresentar três estudos de casos e vários artigos científicos da área. 11 UNIDADE IESTUDO DO SANGUE E VALORES DE REFERÊNCIA CAPÍTULO 1 Componentes do sangue e sistema hematopoiético O sangue é singular por ser um tecido fluido constituído por uma porção celular formada por glóbulos vermelhos (eritrócitos ou hemácias), glóbulos brancos (ou leucócitos) e plaquetas, que circulam em suspensão em um líquido extracelular, o plasma (Figura 1). A porção acelular do sangue, denominada plasma sanguíneo, é constituída por água, minerais, proteínas, vitaminas, eletrólitos, lipídios e carboidratos. A porção celular do sangue, denominada hematócrito, é formada quase que totalmente por glóbulos vermelhos, além de glóbulos brancos e plaquetas, sendo que esses dois últimos juntos representam um volume celular desprezível se comparado ao volume das hemácias (PUGLIESE, 2012). Cada tipo celular do sangue tem uma função específica para o organismo: » eritrócitos ou hemácias: carreiam os gases sanguíneos; » leucócitos: participam da defesa orgânica; » plaquetas: atuam no processo de hemostasia. O sangue circula nos vasos sanguíneos (sejam eles artérias, arteríolas, veias ou vênulas); é bombeado pelo coração; tem funções como nutrição e oxigenação dos tecidos; participa na regulação da temperatura do corpo; recebe produtos metabólicos e os conduzem para os órgãos de metabolização e excreção (rins, pulmões e fígado). Além disso, transporta: » nutrientes: proteínas, carboidratos, vitaminas, lipídios; » hormônios; » oxigênio e gás carbônico. O volume sanguíneo total, ou volemia, equivale a 7,5% do peso corporal, variando segundo espécie, idade, ingestão ou perda de água. Quando há hemorragia, problemas 12 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO renais ou desidratação, pode ocorrer hipovolemia (redução do volume sanguíneo). A hipervolemia ocorre em situações de ingestão, administração ou retenção de líquidos e sódio em excesso. Figura 1: Elementos do sangue: plasma e elementos celulares (hemácias, leucócitos e plaquetas). Heterófilos* e eritrócitos nucleados presentes em peixes, anfíbios, répteis e aves. Plasma 46-63% Elementos celulares 37-54% Leucócitos e Plaquetas (0,1%) Eritrócitos (99,9%) Neutrófilos (50-70%) *Heterófilos (30-45%) Eosinófilos (2-4%) Basófilos (<1%) Linfócitos (20-30%) Monócitos (2-8%) Plaquetas Anucleados *Nucleados Fonte: Silva e Monteiro (2017). As células sanguíneas têm período de vida curto e delimitado, e a quantidade dessas células na circulação se mantém estável pela ação de tecidos e órgãos, que formam o sistema hematopoiético-lítico, descrito abaixo: a. medula óssea: função na hematopoiese e no estoque de ferro para síntese de hemoglobina; b. baço: produção de linfócitos B e anticorpos, reservatório de hemácias e plaquetas, destruição de hemácias, estoque de ferro; c. fígado: estoque de vitamina B12 e ferro, produção de proteínas e fatores de coagulação; d. rins: produção de eritropoetina e trombopoetina, degradação de hemoglobina excessivamente filtrada; 13 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I e. timo: diferenciação dos linfócitos T; f. Sistema Monocítico Fagocitário (SMF): destruição de células sanguíneas alteradas e degradação de hemoglobina; g. estômago e intestino: produz HCl (ácido clorídrico) e facilita absorção de ferro, produz fator intrínseco e facilita assim absorção de vitamina B12. Na vida intrauterina, o saco vitelínico é o primeiro local de produção das células sanguíneas, e depois essa função passa para o fígado, o baço e a medula óssea. À medida que o animal vai crescendo e chega à fase adulta, a produção de células do sangue ocorre apenas na medula óssea, sendo que, em algumas situações, o fígado e o baço podem retomar seu potencial hematopoiético, sendo essa função chamada de hematopoiese extramedular, que geralmente está associada a: » hemoglobinopatias congênitas; » anemias graves; » desordens de substituição medular adquiridas como leucemias, linfomas, mielofibrose. Como curiosidade, em camundongos o baço continua sua atividade hematopoiética após o nascimento, ou seja, não se torna apenas um local de depósito e destruição de hemácias e plaquetas, como nas outras espécies animais (SILVA; MONTEIRO, 2017). Normalmente, em animais jovens, a atividade hematopoiética é mais intensa, com maiores valores de hemácias, plaquetas e leucócitos quando comparados a valores observados em animais mais velhos. Para originar todas as linhagens celulares, uma célula-tronco pluripotente (Stem Cell) pode se autorrenovar como também dar origem às distintas linhagens celulares. Uma célula-tronco, depois de 20 divisões celulares, pode produzir em torno de 106 células sanguíneas maduras. As células precursoras respondem a fatores de crescimento hematopoiéticos com aumento de produção de uma ou outra linhagem celular (HOFFBRAND; MOSS, 2013). O desenvolvimento de células maduras (eritrócitos, plaquetas, granulócitos, monócitos, megacariócitos e linfócitos) é mostrado na Figura 2. 14 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Figura 2. Processo de maturação das células sanguíneas de maneira simplificada. Diagrama mostra célula-tronco pluripotente e as linhagens celulares que dela se originam: células progenitoras, precursoras e maduras. Célula‐tronco Célula‐tronco linfoide Célula‐tronco mieloide Linfoblasto Mieloblasto Leucócitos Plaquetas Hemácias Fonte: Pinheiro (2018). 15 CAPÍTULO 2 Estudo dos eritrócitos ou hemácias Eritrócitos Para recordar, eritrócitos, hemácias ou glóbulos vermelhos são os elementos figurados mais abundantes no sangue. São compostos por 61% de água, 32% de proteína, 7% de carboidrato e 0,4% de lipídio. A membrana isolada tem 20% de água, 40% de proteína, 35% de lipídios e 6% de carboidratos em alguns animais. Nos mamíferos, são anucleadas, com formato bicôncavo com uma grande área de superfície e tamanho relativamente uniforme, com diâmetro médio de 8 mm, e não apresentam organelas, portanto, não sintetizam proteínas. Já em aves, répteis, anfíbios e peixes, o núcleo permanece durante toda a vida. As hemácias podem facilmente sofrer deformações para se movimentarem por pequenos capilares sanguíneos do sistema circulatório. A função primordial dos eritrócitos é transportar oxigênio, e essa função é desempenhada pela hemoglobina (PUGLIESE, 2012). A hemoglobina (Hb) contida no interior dos eritrócitos é essencial para a vida, uma vez que é responsável pelo transporte de oxigênio (O2) dos pulmões para os tecidos e do dióxido de carbono (CO2) recolhido dos capilares teciduais para os pulmões. A sua estrutura é de uma proteína esferoide, quaternária, formada por quatro subunidades, compostas de dois pares de cadeias globínicas, polipeptídicas, sendo um par denominado de cadeias do tipo alfa (alfa e zeta) e outro de cadeias do tipo não alfa (beta, delta, gama e épsilon), compondo um tetrâmero com formato globular (Figura 3). Cada cadeia (alfa e não alfa) é quimicamente unida a um núcleo prostético de ferro (heme) que detém a propriedade de receber, ligar e/ou liberar o oxigênio nos tecidos. Em relação aos grupos heme, cada um possui em sua composição ferro na forma ferrosa (Fe2+), para que a ligação com o oxigênio seja possível. A oxidação do ferro (Fe3+) leva à formação de meta-hemoglobina, sem função respiratória (ASSIS; PUGLIESE,2012). Figura 3: Modelo espacial do tetrâmero da molécula da hemoglobina formado por duas globinas do tipo alfa e duas do tipo beta, com um grupo heme (em vermelho) inserido em cada uma das globinas. Fonte: Naoum (2012). 16 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Estudos mostram que as hemácias também participam da resposta imune por meio da ação antimicrobiana da hemoglobina, modulação da proliferação de linfócitos T e produção de citocinas, mas sua principal função ainda é o transporte de gases e, por isso, em mamíferos, o núcleo e as estruturas citoplasmáticas foram substituídos por uma solução concentrada de hemoglobina (PUGLIESE, 2012). Eritropoiese A produção de hemácias é chamada de eritropoiese, sendo iniciada ainda na vida uterina, e, nos animais adultos, o principal tecido hematopoiético é a medula óssea. As hemácias iniciam suas vidas na medula óssea, por meio de tipo único de células referido como célula-tronco hematopoiética pluripotente, da qual derivam todas as células do sangue circulante (GUYTON; HALL, 2011). A correta produção e maturação das hemácias se dá em um ambiente medular íntegro, com presença de precursores, fatores estimulantes nutricionais e hormonais. São fatores estimulantes: » Interleucinas (IL); » Eritropoetina (EPO); » hormônios da tireoide; » fatores de crescimento; » andrógenos; » hipóxia tecidual. Drogas mielotóxicas, estrógenos, radiação ionizantes e algumas doenças infecciosas e neoplásicas atuam como inibidores da eritropoiese. Fatores nutricionais como minerais, proteínas e algumas vitaminas (principalmente as do complexo B) também são importantes para a produção de hemácias. A EPO é um hormônio produzido nos rins (90%) e no fígado (10%) e ajuda na proliferação e diferenciação das células precursoras, e na síntese de hemoglobina. Nos cães, os rins são os únicos locais de produção da EPO. Em outras espécies, o fígado também a produz a forma de um precursor inativo. Em ratos, a vida média da EPO é de 2 a 5 horas e, em cães, de 7 a 10 horas (SILVA; MONTEIRO, 2017). Nos animais, a partir da célula-tronco hematopoiética pluripotente formam-se os proeritroblastos, que passam pelas diversas etapas de diferenciação na medula óssea. Os eritroblastos ortocromáticos perdem os núcleos, e o que sobra das células sem núcleo 17 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I é o eritrócito jovem recém-formado no sangue periférico, rico em hemoglobina, também chamado de reticulócito. Este vive cerca de três dias na circulação, transformando-se em eritrócito maduro (Figura 4). A maturação dos reticulócitos acontece na circulação, porque eles contêm restos de ácido ribonucleico, além de excesso de membrana citoplasmática e agregados de organelas (ribossomos, mitocôndrias e complexo de Golgi). Com a perda das organelas, os reticulócitos passam a ser denominados eritrócitos maduros. A Figura 4 mostra as divisões sucessivas das células pluripotentes para formar as diferentes células sanguíneas periféricas. A transformação de reticulócitos em hemácias maduras ocorre por ação da enzima pirimidina 5’-nucleotidase (P5N), que degrada as organelas ainda existentes nos reticulócitos. Figura 4: Gênese das hemácias. Proeritroblasto FORMAÇÃO DAS HEMÁCIAS Eritroblasto basófilo Eritroblasto policromatófilo Eritroblasto ortocromático Célula indiferenciada Reticulócito Eritrócitos maduros Fonte: Adaptada de Guyton e Hall (2011). Tempo de vida e morfologia das hemácias O tempo de vida dos eritrócitos depende da espécie animal. Nos cães, o tempo de vida das hemácias varia de 110 a 120 dias, sendo semelhante ao período da hemácia humana 18 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO (120 dias). Em felinos, as hemácias duram de 65 a 76 dias; já nos equinos, de 140 a 150 dias. Nos bovinos, as hemácias duram em média 160 dias; nos caprinos, 125 dias; na galinha, 30 dias; e nos jacarés até 3 anos (SILVA; MONTEIRO, 2017). Quando as hemácias estão parasitadas, senescentes ou com alguma alteração enzimática ou morfológica, elas são retiradas de circulação e destruídas por um processo chamado hemólise, que ocorre com ruptura da membrana plasmática e liberação da hemoglobina. A hemólise pode ocorrer de duas maneiras: intra e extravascular. A primeira observação microscópica de uma hemácia foi feita por Leeuwenhoek, que analisou o próprio sangue. No reino animal, as hemácias variam em número, tamanho, morfologia, tempo de vida, metabolismo e em resposta à anemia. A maioria dos mamíferos tem hemácias redondas, bicôncavas, de tamanho variado. As menores hemácias são as dos caprinos, enquanto a mais semelhante à hemácia humana é a canina. Os camelídeos (camelos, dromedários, lhamas e alpacas) apresentam hemácias na forma elíptica. Em cervídeos, as hemácias são falciformes; já nos répteis, nas aves, nos anfíbios e nos peixes, apresentam formato elíptico (Figura 5). Figura 5: Morfologia normal das hemácias em diferentes espécies animal. A. Bovino. B. Caprino. C. Equino. D. Lhama. A B C D Fonte: Pardini (2013). Algumas espécies apresentam hemácias menores, como os felinos, ovinos, caprinos, bovinos e equinos, além de apresentarem pouca concavidade e pouca ou nenhuma palidez central. 19 CAPÍTULO 3 Estudo dos leucócitos Os leucócitos (glóbulos brancos) formam um grupo heterogêneo de células sanguíneas tanto pela sua morfologia como pela sua fisiologia. Fazem parte do sistema imunológico, participando da resposta imune inata e específica, e estão presentes no sangue, na linfa, em órgãos linfoides e em vários tecidos conjuntivos. São originados a partir de células precursoras da medula óssea. Podem ser classificados em dois grupos devido à ausência ou à presença de grânulos citoplasmáticos e em relação à morfologia do núcleo: grupos mononucleares e polimorfonucleares. » Os polimorfonucleares, também chamados de granulócitos, possuem grânulos específicos contendo enzimas hidrolíticas e núcleo polimorfo, com diferentes formas – feijão, alteres, lobulado, circular e citoplasma. São exemplos em mamíferos: eosinófilos, basófilos e neutrófilos. Em outras espécies, como répteis e aves, os heterófilos correspondem aos neutrófilos dos mamíferos. » Os mononucleares ou agranulócitos possuem núcleo único de forma endentada ou arredondada, não possuem grânulos e são representados pelos linfócitos e monócitos (PUGLIESE, 2012; SILVA; MONTEIRO, 2017). A Figura 6 mostra uma representação de cada tipo de glóbulo branco. Os leucócitos são de suma importância para a defesa do nosso organismo contra doenças, e cada tipo leucocitário desempenha funções bastante específicas e distintas entre si, sendo que, em conjunto, estruturam o sistema imunológico. São responsáveis pela resposta imune que protege contra microrganismos causadores de doenças, identificam e destroem as células cancerosas, participam da resposta inflamatória e na cura de feridas (PUGLIESE, 2012). 20 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Figura 6. Classificação dos leucócitos. *Granulócito heterófilo correspondente ao neutrófilo em peixes, anfíbios, répteis e alguns mamíferos. Granulócitos Polimorfonucleares Agranulócitos Monocucleares Basófilo Eosinófilo Neutrófilo Heterófilo* Monócilo Linfócito Fonte: Silva e Monteiro (2017). Os leucócitos são produzidos na medula óssea e liberados no sangue periférico, de onde migram para os tecidos. Assim, as células brancas são distribuídas no organismo em três grandes compartimentos: medular, sanguíneo e tecidual. » Medular: é dividido em compartimento mitótico (proliferação ou multiplicação) e de maturação (armazenamento ou estoque). » Sanguíneo: parte aderida ao endotélio vascular (compartimento marginal) e outra fração no leite vascular (compartimento circulante). Na coleta de sangue, são obtidas células do compartimento circulante. » Tecidual: correspondeao total de leucócitos que migram, por diapedese, para os tecidos, onde desempenham funções de defesa orgânica. Leucopoiese O processo de produção dos leucócitos é chamado de leucopoiese ou leucocitopoiese, que ocorre na medula óssea a partir de célula pluripotente e, dependendo dos estímulos, origina diferentes leucócitos. A leucopoiese compreende a granulocitopoiese, a linfocitopoiese e a monocitopoiese. Granulocitopoiese Na granulocitopoiese, são produzidos neutrófilos, eosinófilos e basófilos. Os neutrófilos são os mais abundantes em todas as espécies e participam como primeira linha de defesa do organismo diante de processos infecciosos e inflamatórios. São estimulantes para a 21 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I produção de neutrófilos os fatores quimiotáticos, as interleucinas, os fatores estimuladores de colônia de granulócitos e monócitos, as linfocinas e as citocinas. Os neutrófilos, uma vez que saem do sangue para os tecidos, não retornam mais para a corrente sanguínea; são destruídos nos tecidos ou perdidos por meio de secreções e excreções. Os eosinófilos também são produzidos e maturados na medula óssea. A interleucina 5 (IL-5) é a principal citocina que estimula a produção de eosinófilos. A IL-3 e o fator estimulante de granulócitos e monócitos também estimulam a eosinopoiese. Os basófilos são raros em muitos animais e sua produção ocorre em paralelo com os neutrófilos e eosinófilos, mas seu estoque na medula óssea é mínimo. Várias citocinas estão envolvidas na proliferação e maturação dos basófilos, incluindo IL-5, IL-3 e fator estimulante de colônia de granulócitos e monócitos. Monocitopoiese Os monócitos sanguíneos, ao migrarem para os tecidos, recebem o nome de macrófagos, que incluem vários tipos celulares: células de Kupffer, histiócitos, macrófagos alveolares e macrófagos do baço, medula óssea e linfonodos. A produção de maturação dos monócitos dura em média três dias e é estimulada por citocinas e fatores de crescimento, como o fator estimulante de colônia de granulócitos e monócitos. Esses mononucleares, depois que saem da corrente sanguínea, não retornam mais. Linfocitopoiese A linfocitopoiese ou linfopoiese ocorre na medula óssea e em órgãos linfoides, como timo, linfonodos, baço, Bursa de Fabricius, placas de Peyer e tonsilas. Os linfócitos T e B são derivados da medula óssea e maturam no timo e na medula óssea, respectivamente. Nas aves, a maturação do linfócito B ocorre na Bursa de Fabricius. Em um esfregaço sanguíneo, não é possível diferenciar linfócitos B e T a partir de características morfológicas, sendo necessário usar anticorpos monoclonais que reconhecem marcadores celulares expressos na membrana citoplasmática. Alguns antígenos estimulam os linfócitos B a se transformarem em plasmócitos, que são células produtoras de imunoglobulinas. Outros antígenos estimulam linfócitos T que produzem linfocinas e participam da resposta imune celular. Os linfócitos apresentam um longo tempo de vida e são os únicos que recirculam, ou seja, podem retornar à corrente sanguínea. Isso é muito importante visto que essas células podem ser expostas a um antígeno depositado em um local e serem transportadas a vários lugares no corpo para propagar e montar uma vigorosa resposta imune. 22 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Função dos leucócitos do sangue periférico Neutrófilos Participam de resposta inflamatória aguda, defesa contra agentes bacterianos, fungos, leveduras, algas, parasitas e vírus. São os leucócitos mais abundantes de cães e gatos. Eosinófilos Ação fagocítica e bactericida, mas são menos eficazes nesses processos que os neutrófilos. São importantes na ação contra parasitas multicelulares e participam das reações alérgicas e anafiláticas. Os eosinófilos de equinos são bem característicos e apresentam grandes grânulos citoplasmáticos. Basófilos Funções ainda não totalmente estabelecidas, porém especula-se que participem de processos alérgicos, juntamente com os eosinófilos. Linfócitos Desempenham papel na defesa orgânica: linfócitos T na imunidade celular e linfócitos B na imunidade humoral, dando origem aos plasmócitos que sintetizam anticorpos. Em ruminantes, os linfócitos são os leucócitos mais abundantes do sangue. Monócitos Colaboram na fagocitose e eliminam tecidos mortos ou lesados, materiais estranhos, debris celulares, destroem células cancerosas e contribuem para a regulação da imunidade do organismo. A medula óssea libera os monócitos no sangue periférico na ausência de inflamação ou em resposta à inflamação. Após sua distribuição nos tecidos adjacentes, transformam-se em macrófagos. Estes raramente são encontrados no sangue, porém podem ser observados em esfregaço sanguíneo de animais com erliquiose, histoplasmose e leishmaniose. Leucograma e alterações quantitativas dos leucócitos É a parte do hemograma que permite avaliar as alterações numéricas (quantitativas) e morfológicas (qualitativas) em resposta a diversas condições clínicas. Esse exame é 23 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I muito utilizado na prática clínica e é de grande importância para o auxílio no diagnóstico de doenças inflamatórias, parasitárias, bacterianas, neoplásicas, alérgicas, entre outras. Além de doenças sistêmicas, situações de estresse agudo ou crônico também podem levar a alterações na contagem global (leucócitos totais) e diferencial/específica (resultado expresso para cada tipo celular) de leucócitos. Na leucometria específica, o valor encontrado para cada leucócito é expresso como valor percentual (contagem relativa) e valores absolutos. A interpretação do leucograma deve ser realizada levando em conta os valores absolutos, pois são mais confiáveis. No processo inflamatório agudo e nas infecções bacterianas, ocorre aumento na produção de leucócitos, principalmente neutrófilos. Em doenças alérgicas e parasitárias, ocorre estímulo para proliferação dos precursores de eosinófilos. Nas infecções virais, pode ocorrer tanto aumento como redução no número de linfócitos no sangue periférico. As alterações quantitativas dos leucócitos são identificadas quando os valores excedem ou estão abaixo dos intervalos de referência para a espécie. As alterações numéricas do leucograma são designadas por termos técnicos. Os sufixos “filia” e “citose” indicam aumento, e o sufixo “penia” indica redução. Leucocitose Aumento no número de leucócitos por volume de sangue circulante. É mais comum que aconteça leucocitose devido a um linfocitose (aumento dos linfócitos) ou neutrofilia (aumento dos neutrófilos), mas também pode ocorrer por aumento de eosinófilos (eosinofilia) ou por aumento de monócitos (monocitose); basofilia (aumento nas contagens de basófilos) é incomum. A leucocitose pode ser patológica (em resposta a doenças infecciosas, inflamatórias, autoimunes, parasitárias, alérgicas ou neoplásicas) ou fisiológica (situações de estresse agudo ou crônico). O aumento dos níveis de corticoides endógenos e exógenos pode resultar em leucocitose, neutrofilia madura (sem células imaturas), eosinopenia e linfopenia, caracterizando o chamado hemograma de estresse. Leucopenia Redução do número de leucócitos, indicando que as defesas orgânicas estão diminuídas ou que a medula óssea pode estar com sua atividade suprimida. Como causas da leucopenia, temos: agentes químicos (medicamentos, substâncias mielotóxicas), físicos (radiações) ou infecciosos. Em doenças neoplásicas com metástase na medula óssea, 24 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO o tecido hematopoiético é substituído por células neoplásicas, podendo resultar em leucopenia, anemia e trombocitopenia. Em doenças virais como cinomose, parvovirose e leucemia felina, pode-se observar leucopenia, neutropenia e linfopenia. Em infecções bacterianas severas, como septicemias, é frequente a ocorrência de leucopenia, neutropenia e outrascitopenias. Neutrofilia Aumento dos neutrófilos no sangue, devido ao aumento da produção ou liberação da medula óssea em decorrência de um estresse, ou em resposta à inflamação ou infecção moderada a grave. São possíveis causas da neutrofilia: excitação, medo, exercícios, convulsões, gestação, parto, processos inflamatórios, intoxicação por chumbo, mercúrio, adrenalina e venenos. Desvio à esquerda Resposta inicial da medula óssea aos processos infecciosos ou inflamatórios. É um aumento na produção de leucócitos, principalmente neutrófilo. O termo desvio à esquerda ou desvio nuclear de neutrófilos à esquerda (DNNE) ocorre quando há aumento no número de neutrófilos em bastão ou precursores mais jovens no hemograma. Desvio à esquerda regenerativo Presença de bastonetes e outras células jovens no sangue periférico sem a perda da relação de produção, ou seja, o aumento de neutrófilos vem acompanhado de estímulo e liberação de células jovens. Desvio à esquerda degenerativo Ocorre quando o número de células jovens supera o número de segmentados ou quando ocorre perda da proporção maturativa, indicando que a medula óssea está esgotada em sua reserva de neutrófilos maduros, liberando células imaturas. Em bovinos, o desvio à esquerda degenerativo é comum durante o estágio inicial de doenças infecciosas ou inflamatórias hiperagudas a agudas, mas, em outras espécies, o prognóstico é desfavorável e requer atenção e tratamento rigoroso. Desvio à direita É a observação de neutrófilos hipersegmentados (com mais de cinco lóbulos) em quantidade aumentada no sangue periférico, indicando que a diapedese dos neutrófilos pode estar diminuída e que essas células estão envelhecendo na corrente sanguínea. 25 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I Neutropenia Diminuição do número de neutrófilos no sangue em decorrência de grave infecção em pequenos animais (cães e gatos). São causas da neutropenia: septicemia por agentes bacterianos, infecções pulmonares, torácicas, peritoneais, intestinais e uterinas. Eosinofilia Aumento do número absoluto de eosinófilos no sangue que pode ocorrer em casos de parasitismo, hipersensibilidade (pneumonia, alergia a picada de pulga, atopia, hipersensibilidade alimentar), granuloma eosinofílico felino e gastroenterites eosinofílicas. Eosinopenia Diminuição da contagem absoluta de eosinófilos no sangue em decorrência de uma resposta aos glicocorticoides (leucograma de estresse). Pode também ocorrer em fase aguda de inflamação, estresse emocional, parto e atividade física intensa. Linfocitose Aumento absoluto no número de linfócitos no sangue, principalmente devido a questões fisiológicas em que se observa uma resposta à epinefrina, particularmente em gatos, cavalos e animais jovens. Também pode ocorrer após vacinação, nas doenças infecciosas, em casos de medo e ansiedade em felinos, na fase crônica da inflamação, em protozoonoses, em fase de convalescença, e em casos de linfoma e leucemia linfocítica. Linfopenia Diminuição do número de linfócitos no sangue devido a administração de corticosteroides, fase aguda das infecções virais, processos infecciosos graves, drogas imunossupressoras ou radiação e perda de líquidos ricos em linfócitos (efusão quilosa). Monocitose Aumento de monócitos no sangue em decorrência da fase de recuperação das inflamações, efeito de esteroides (no cão), desnutrição, caquexia, inflamações crônicas inespecíficas, leucemia monocítica, necrose tecidual e doenças causadas por protozoários. Resposta a estresse pode causar monocitose, em especial nos cães. 26 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Monocitopenia Diminuição de monócitos no sangue. Os intervalos de referência podem baixar a zero, não apresentando significado clínico. Basofilia Aumento do número absoluto de basófilos no sangue, sendo um achado raro, normalmente associado à eosinofilia ou observado em doença mieloproliferativa crônica. Pode ocorrer basofilia em casos de dirofilária, lipemia e tuberculose. Basopenia Não tem relevância devido à maioria dos animais saudáveis não apresentar basófilos, e o intervalo de referência geralmente é zero; não tem significado clínico. 27 CAPÍTULO 4 Estudo das plaquetas Em mamíferos, as plaquetas ou trombócitos são fragmentos celulares derivados de uma célula encontrada na medula óssea, o megacariócito, que se origina da célula-tronco mieloide (Figura 7). Na trombocitopoiese, o citoplasma do megacariócito se fragmenta formando as pró-plaquetas que vão dar origem às plaquetas. Cada megacariócito origina em média 8.000 plaquetas. Os principais fatores estimulantes da produção de plaquetas são: fator estimulante de colônia megacariocítica, fator estimulante da trombocitose, trombopoietina e interleucina 3. A função das plaquetas consiste em formar o tampão plaquetário (coágulo) para ajudar a controlar o sangramento após uma lesão da parede vascular, participando da hemostasia primária, interrompendo momentaneamente a hemorragia antes da estabilização do coágulo. Outras funções: manter a integridade vascular, modular a resposta inflamatória e promover a cicatrização das feridas após lesão tecidual. Em répteis e aves, os trombócitos são células típicas que possuem núcleo e citoplasma. Nessas espécies, além de participarem do processo hemostático, as plaquetas também apresentam função fagocítica. Os grânulos citoplasmáticos das plaquetas liberam mediadores químicos necessários ao processo de coagulação sanguínea. Os trombócitos ou plaquetas possuem uma membrana, mas, por não possuírem núcleo, não têm a capacidade de sofrer replicação e, se não forem utilizados, permanecem cerca de 8 a 9 dias na circulação antes de serem removidos pelas células fagocíticas do baço (PUGLIESE, 2012). Figura 7. Trombocitopoiese. Ilustração da produção de plaquetas pelos megacariócitos. Megacariócito imaturo da origem ao megacariócito maduro Plaquetas Célula-tronco se diferencia em precursor mieloide multipotente Fonte: Hoffbrand e Moss (2013). 28 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO As plaquetas são células pequenas, na verdade incompletas, pois não apresentam material nuclear. Elas têm forma bastante variável e, quando são coradas e examinadas ao microscópio óptico, têm aspecto pouco preciso. Observa-se uma coloração de fundo, praticamente homogênea, sobre a qual são reconhecidas pequenas granulações. Porém, ao microscópio eletrônico, são elementos de constituição muito complexa, o que corresponde à função desempenhada pelas plaquetas, que é também variada e muito importante. Possuem uma superfície externa de limites imprecisos, rica em mucopolissacarídeos e glicoproteínas, que têm papel essencial nas funções de adesão e agregação plaquetária (PUGLIESE, 2012). Alterações numéricas das plaquetas O plaquetograma é a parte do hemograma que quantifica e avalia morfologicamente as plaquetas. A contagem total de plaquetas é a expressão em número de plaquetas por litro ou mililitro de sangue. A redução do número de plaquetas é denominada trombocitopenia (plaquetopenia), enquanto o aumento é chamado de trombocitose (plaquetose). As trombocitopenias são alterações hematológicas muito comuns na veterinária e podem ocorrer por redução na produção de plaquetas, aumento da destruição ou consumo e por sequestro ou perda de plaquetas. Ocorre redução na trombocitopoiese em situações como mieloptise (infiltração da medula óssea por células tumorais), radiações e destruição imunomediada dos megacariócitos. Algumas drogas podem causar redução na produção de plaquetas, como: » fenilbutazona; » estrógeno sintético; » antibióticos; » quimioterápicos. Doenças infecciosas também podem resultar em trombocitopenia, como: » erlichiose; » babesiose; » peritonite infecciosa felina (PIF); » panleucopenia felina; » leptospirose; » salmonelose etc. 29 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADEI As plaquetas também podem ser destruídas em doenças autoimunes, como na anemia hemolítica autoimune. Na esplenomegalia (aumento do tamanho do baço), pode ocorrer trombocitopenia. Trombocitose, também chamada de plaquetose, é uma alteração hematológica menos frequente na veterinária. Pode ser classificada em: » Primária: doença hematológica rara na qual ocorre proliferação neoplásica dos precursores plaquetários resultando em aumento no número de plaquetas. » Secundária (ou reativa): ocorre por estimulação da medula óssea ou por redução do clearance esplênico. Nas doenças inflamatórias, normalmente ocorre aumento do número de plaquetas, pois a trombopoietina pode estar elevada nesses estados clínicos, como parte da reação de fase aguda. Nas anemias regenerativas, pode ser observada trombocitose por estímulos inespecíficos sobre os precursores de plaquetas. Além das alterações numéricas, podem ocorrer alterações funcionais das plaquetas sendo estas denominadas trombocitopatias, que podem ser decorrentes de alterações funcionais congênitas (raras na veterinária), de ação de agentes infecciosos (erlichiose) ou devido à utilização de algumas drogas, como: » aspirina; » ibuprofeno; » acetominofeno; » antibióticos; » bloqueadores do canal de cálcio. Acidentes ofídicos, uremia, doença hepática, neoplasias e algumas doenças infecciosas também podem alterar a função plaquetária. 30 CAPÍTULO 5 Valores de referência no hemograma O hemograma é um exame laboratorial que avalia as células sanguíneas, ou seja, as hemácias (série vermelha), os leucócitos (série branca), a contagem de plaquetas, os reticulócitos e os índices hematológicos. O exame é requerido por um profissional para diagnosticar ou controlar determinada doença. Hemograma Os exames de patologia clínica ou de laboratório clínico são muitos e, geralmente, bastante acessíveis. O hemograma é um exame realizado a partir de amostra de sangue, obtido por punção com agulha em um vaso periférico. Esse exame é usado para triagem, avaliação de anemia, de coagulação e de problemas plaquetários. Faz parte do hemograma completo a contagem de hemácias, a mensuração da hemoglobina, o hematócrito, o volume corpuscular médio, a concentração de hemoglobina corpuscular média, a hemoglobina corpuscular média, as contagens totais e diferenciais de leucócitos e a contagem de plaquetas, além das observações morfológicas de todos os tipos de células do sangue. Uma das limitações desse exame é que suas alterações indicam ou sugerem uma doença, mas não nos dão certezas sobre as causas exatas daquelas alterações. Por exemplo, revelam anemia, mas não a causa da anemia. Por isso, é considerado um exame de triagem, sendo necessários, muitas vezes, outros exames complementares para esclarecer as causas (ROCHA, 2011). A seguir apresentaremos os componentes de um hemograma completo. Contagem de hemácias (He) e sua morfologia Faz parte do hemograma e pode ser feita de forma manual ou eletrônica. Basicamente, serve para quantificar as hemácias e observar o tamanho e a forma dos eritrócitos. Alterações presentes nos eritrócitos podem indicar a presença de hemoglobinas anômalas. Além do tamanho, que pode ser variado dependendo da espécie, a grande quantidade pode dificultar a contagem – são milhões de hemácias em cada milímetro cúbico de sangue. Como são muitas, é necessário fazer uma diluição da amostra antes da contagem. Depois da diluída, a amostra é colocada em uma câmara chamada de câmara de Neubauer, de vidro e quadriculada, para facilitar a contagem, pois evita que a vista se confunda e conte duas vezes a mesma célula. Quando as contagens das hemácias são feitas em aparelhos automáticos, a participação humana se restringe a 31 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I colocar a amostra no equipamento e esperar o resultado em um visor ou impresso. A rapidez, portanto, conta a favor da contagem eletrônica automatizada, em detrimento da contagem manual. Em contrapartida, quando as máquinas apresentam defeitos, muitas amostras podem ter suas contagens alteradas ou incorretas (ROCHA, 2011). Se o número de hemácias estiver diminuído, teremos um caso de anemia, mas se, ao contrário, houver um maior número de hemácias do que o esperado para a idade e o gênero, teremos outro problema, o inverso da anemia: a policitemia. Tanto nesta quanto na anemia, o excesso de hemácias também caracteriza problema de saúde. Trata-se de um desequilíbrio que pode levar a dificuldades na circulação, com aumento da viscosidade e predisposição tanto para coagulação como para sangramentos (ROCHA, 2011). Hemoglobina (Hb) A hemoglobina é um dos componentes da hemácia, e sua função principal é transportar oxigênio para as células do organismo. Seu baixo teor normalmente acompanha a baixa contagem de hemácias e, por si só, é considerada anemia. É a hemoglobina que dá a cor vermelha ao sangue. Quimicamente, cada molécula de hemoglobina é constituída de quatro átomos de ferro (no estado ferroso Fe2+), cada um deles podendo se ligar a uma molécula de oxigênio. A hemoglobina é responsável por “pegar” o oxigênio do ar atmosférico e levá-lo para todos os tecidos do organismo. O oxigênio não é a única molécula a se ligar a hemoglobina; o dióxido de carbono, resultante do metabolismo celular, é eliminado do organismo pelo transporte no sentido inverso ao do oxigênio (ROCHA, 2011). A determinação da concentração de hemoglobina (Hb) é obtida por método espectrofotométrico da cianometaemoglobina e expresso em g/dL. A cianometaemoglobina é o resultado da conversão da hemoglobina pelo reativo de Drabkin. Hematócrito (Ht) O hematócrito é mais um componente do hemograma completo e trata-se de um exame rápido e bastante adequado para avaliar qualquer alteração relacionada à quantidade de células circulantes. Homogeneíza-se o sangue total com anticoagulante, preenche- se o micro-hematócrito com sangue até que ¾ do volume seja atingido, veda-se com massinha para vedação dos capilares e coloca-se na centrífuga por cinco minutos. Todos os componentes sólidos se precipitarão pela força centrífuga e, na superfície do tubo, restará a parte líquida do sangue, o plasma. O hematócrito é a parte sólida em relação 32 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO à parte líquida e expressa-se em porcentagem. Por exemplo, se, após a centrifugação, tivermos metade do volume do sangue em células e outra metade em plasma, então teremos um hematócrito de 50%. A diminuição do hematócrito é considerada anemia (ROCHA, 2011). Índices hematimétricos Nos índices hematimétricos, são analisados Volume Globular Médio (VGM), Hemoglobina Globular Média (HGM) e Concentração de Hemoglobina Globular Média (CHGM), que oferecem informação sobre tamanho, conteúdo e concentração de hemoglobina, respectivamente. O VGM, CHGM e HGM são calculados a partir de fórmulas matemáticas que usam os valores obtidos para hemácias (He), hematócrito (Ht) e hemoglobina (Hb). As fórmulas para os cálculos dos índices hematimétricos são: » VGM ou VCM (fL) = VG (%) ou hematócrito x 100 / nº de hemácias (milhões/µL) » fL = fentolitros; » HGM ou HCM (pg) = hemoglobina (g/dL) x 10 / nº de hemácias (milhões/µL) » pg = pictogramas; » CHGM ou CHCM (g/dL) = hemoglobina (g/dL) x 100 / VG ou hematócrito (%) g/dL = grama por decilitro. Leucograma É a parte do hemograma usada para avaliar a série branca, ou seja, os leucócitos. O leucograma é composto pela contagem global e diferencial de leucócitos. Contagem Global de Leucócitos (CGL) é um exame que determina a quantidade de leucócitos em um volume de sangue (x 103/µL). A quantificação pode ser feita por meio de métodos manuais (contagem de hemocitômetro) ou em equipamentos automatizados. Contagem diferencial de leucócitos, também chamada de leucometria específica, quantifica cada tipo leucocitário em valores relativos (%) e absolutos (x 103/µL). 33 COMPONENTESDO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I Plaquetograma Plaquetograma ou trombograma é o exame de contagem das plaquetas no sangue. As plaquetas são computadas, e seu tamanho médio e variações de volume são determinados (PDW – Amplitude de Distribuição de Plaquetas; e VPM – Volume Plaquetário Médio). Essas análises são seguidas por microscopia após coloração para avaliar as características e/ou alterações morfológicas. A contagem das plaquetas pode ser feita de duas maneiras: » direta: a amostra diluída é contada em câmara conta-glóbulos ou aparelho eletrônico; » indireta: plaquetas são contadas em uma extensão sanguínea e relacionadas com o número de hemácias por mm³ de sangue. Valores de Referência Seguem abaixo tabelas (Tabela 1 a 6) com valores de referência para hemograma (eritrograma, leucograma e plaquetograma) de diferentes espécies de animais, segundo Schalm’s Veterinary Hematology (WEISS; WARDROP, 2010). Para esta Apostila, selecionamos algumas espécies de animais, entretanto o livro de consulta Schalm’s Veterinary Hematology, dos editores Douglas J. Weiss e K. Jane Wardrop, traz uma infinidade de assuntos e valores de referência para outros organismos, como: búfalo, cervo, lhama, alpaca, dromedário, pato, furão, animais de laboratório, animais de áreas específicas, animais marinhos e diferentes espécies de peixes e répteis, com indicações de tempo de vida ou habitat do animal. Sendo assim, recomendo a leitura desse brilhante material! Tabela 1. Hemograma normal para cães e gatos. Parâmetros Intervalo de referência CÃO GATO Hemácias (x106/µL) 5,5 - 8,5 5,0 - 10,0 Hemoglobina (g/dL) 12,0 - 18,0 8,0 – 15,0 Hematócrito (%) 37 – 55 24 – 45 VGM (fL) 60 – 77 39 – 55 CHGM (%) 32 – 36 31 – 35 Reticulócitos (%) 0,0 - 1,5 0 - 0,4 34 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Parâmetros Intervalo de referência CÃO GATO Reticulócitos (µL) < 70.000 Leucócitos (µL) 6.000 – 17.000 5.500 – 19.500 Neutrófilos (µL) 3.000 – 11.500 2.500 – 12.500 Eosinófilos (µL) 100 – 1.250 0 – 1.500 Linfócitos (µL) 1.000 – 4.800 1.500 – 7.000 Basófilos (µL) Raro Raro Monócitos (µL) 150 - 1.350 0 – 850 Plaquetas (µL) 200.000 - 500.000 300.000 – 800.000 Fonte: Weiss e Wardrop (2010). Tabela 2. Hemograma normal para cavalos de raça sangue quente, jumentos e bois. Parâmetros Intervalo de referência CAVALO JUMENTO BOI Hemácias (x106/µL) 6,8 – 12,9 4,7 – 9,0 4,9 – 7,5 Hemoglobina (g/dL) 11,0 – 19,0 9,5 – 16,5 8,4 – 12,0 Hematócrito (%) 32 – 53 28 – 47 21 – 30 VGM (fL) 37 -59 46 – 67 36 – 50 CHGM (%) 31 – 39 32 – 36 38 – 43 Leucócitos (µL) 5.400 – 14.300 5.400 – 15.500 5.100 – 13.300 Neutrófilos (µL) 2.260 – 8.580 2.200 – 10.100 1.700 – 6.000 Eosinófilos (µL) 0 – 1.000 0 – 1.719 100 – 1.200 Linfócitos (µL) 1.500 – 7.700 1.100 - 7.400 1.800 – 8.100 Basófilos (µL) 0 – 290 0 – 190 0 – 200 Monócitos (µL) 0 – 1.000 70 – 1.200 100 – 700 Plaquetas (µL) 100.000 – 350.000 160.000 – 584.000 160.000 – 650.000 Fonte: Weiss e Wardrop (2010). Tabela 3. Hemograma normal para ovelhas/carneiros e cabras. Parâmetros Intervalo de referência OVELHA CABRA Hemácias (x106/µL) 9 – 15 8 – 18 Hemoglobina (g/dL) 9 – 15 8 – 12 Hematócrito (%) 27 – 45 22 – 38 VGM (fL) 28 – 40 16 – 25 CHGM (%) 31 – 34 30 – 36 Leucócitos (µL) 4.000 – 12.000 4.000 – 13.000 Neutrófilos (µL) 700 – 6.000 1.000 – 7.200 35 COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE I Parâmetros Intervalo de referência OVELHA CABRA Eosinófilos (µL) 0 – 1.000 50 – 650 Linfócitos (µL) 2.000 – 9.000 2.000 – 9.000 Basófilos (µL) 0 – 300 0 – 120 Monócitos (µL) 0 – 750 0 – 550 Plaquetas (µL) 800.000 – 1.100.000 300.000 - 600.000 Fonte: Weiss e Wardrop (2010). Tabela 4. Hemograma normal para elefantes asiáticos e porcos. Parâmetros Intervalo de referência ELEFANTE PORCO Hemácias (x106/µL) 9 – 15 2,1 – 3,6 Hemoglobina (g/dL) 9 – 15 9,6 – 15,3 Hematócrito (%) 27 – 45 27 – 44 VGM (fL) 28 – 40 111 – 138 CHGM (%) 31 – 34 Leucócitos (µL) 4.000 – 12.000 8.600 – 18.200 Neutrófilos (µL) 700 – 6.000 1.800 – 4.300 Eosinófilos (µL) 0 – 1.000 0 – 580 Linfócitos (µL) 2.000 – 9.000 990 – 5.000 Basófilos (µL) 0 – 300 0 – 150 Monócitos (µL) 0 – 750 1.600 – 12.600 Plaquetas (µL) 800.000 – 1.100.000 342.000 – 719.000 Fonte: Weiss e Wardrop (2010). Tabela 5. Hemograma normal para as aves galinhas e perus. *Aves apresentam heterófilos em substituição aos neutrófilos. Parâmetros Intervalo de referência GALINHA PERU Hemácias (x106/µL) 2,5 – 3,5 Hemoglobina (g/dL) 7 – 13 9,14 Hematócrito (%) 22 – 35 30 – 41,5 VGM (fL) 90 – 140 CHGM (%) 26 – 35 29,6 Reticulócitos (%) 0 – 0,6 Heterófilos (µL)* 3.000 – 6.000 4.046 – 24.231 Leucócitos (µL) 12.000 – 30.000 13.917 – 46.609 Eosinófilos (µL) 0 – 1.000 0 – 420 36 UNIDADE I │ COMPONENTES DO SANGUE E SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Parâmetros Intervalo de referência GALINHA PERU Linfócitos (µL) 7.000 – 17.500 4.156 – 31.138 Basófilos (µL) Raro 23 – 2039 Monócitos (µL) 150 – 2.000 0 – 3756 Fonte: Weiss e Wardrop (2010). Tabela 6. Hemograma normal para os animais marinhos: golfinhos comuns, baleias assassinas e ursos polares. Parâmetros Intervalo de referência GOLFINHO BALEIA URSO POLAR Hemácias (x106/µL) 4,6 – 4,9 3,4 – 4,2 5,4 – 8,2 Hemoglobina (g/dL) 16,1 – 19,4 13,5 – 15,9 12,9 – 17,5 Hematócrito (%) 46 – 55 39 – 46 36,1 – 53,3 VGM (fL) 100 – 114 103 – 117 62,4 – 72,5 Reticulócitos (%) 0,8 – 1,4 0,5 – 2,5 0 Leucócitos (µL) 4.570 – 4.900 3.760 – 7.890 3.300 – 10.800 Neutrófilos (µL) 2.590 – 4.150 2.380 – 6.060 1.800 – 4.900 Eosinófilos (µL) 620 – 1.280 8 – 160 40 – 440 Linfócitos (µL) 380 – 850 520 – 1.850 600 – 1.700 Basófilos (µL) 0 0 0 – 130 Monócitos (µL) 120 – 350 140 – 420 300 – 1.120 Plaquetas (µL) 55.000 - 100.000 98.000 - 228.000 60.000 – 1.083.000 Fonte: Weiss e Wardrop (2010). 37 UNIDADE II DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO CAPÍTULO 1 Neoplasias hematopoiéticas Oncologia, do grego oncos = tumor, é o estudo dos tumores ou neoplasias. Neoplasia, em sentido literal, significa “novo crescimento” e pode ser definida como um crescimento anormal de tecido, não coordenado e ilimitado de célula. Dessa forma, o desenvolvimento neoplásico se caracteriza por uma mudança no genoma celular, formação de células com capacidade de crescer e se dividir de forma autônoma, ultrapassando os limites da regulação de celular normais. As etapas para entendermos o processo de transformação neoplásica ainda não estão completamente esclarecidas, mas a alteração fundamental consiste em uma modificação dos genes reguladores do crescimento e da diferenciação celular. Esses genes reguladores podem ser ativados (são chamados de oncogenes) ou desativados (chamados de genes supressores de tumores). Em algumas situações, os oncogenes ou os genes supressores de tumores podem ser alterados, levando a uma desregulação. Os fatores que contribuem para o desenvolvimento das neoplasias são os seguintes: I. genéticos espontâneos; II. genéticos hereditários (predisposição familiar); e III. estímulos externos: › químicos (exemplo, animais expostos ao fumo/fumaça de tabaco); › físicos ou ambientais (exemplo, radiação); › biológicos (exemplos, hormônio, vírus). O aumento dos casos de neoplasias nos animais, em especial cães e gatos, é um problema cada vez mais comum na prática veterinária, e uma das razões para isso é o aumento da expectativa de vida dos animais, por conta de melhor nutrição, medicina 38 UNIDADE II │ DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO preventiva, protocolos vacinais, investimentos em melhores técnicas de diagnóstico, terapêutica médicas, legislação, entre outros. Conta-se que o animal doméstico passou a ser considerado um membro da família, o que também contribui para uma crescente procura por atendimentos médicos veterinários. As neoplasias provocam a morte de muitos cães e gatos de qualquer idade e sexo. Estimativas sugerem que um emcada dez gatos ou cães irá desenvolver algum tipo de neoplasia durante a sua vida. Em cães, as localizações mais frequentes para o aparecimento de neoplasias são (na seguinte ordem de aparecimento): 1. pele e tecidos moles: representam pelo menos 1/3 de todas as neoplasias caninas; 2. glândula mamária: neoplasias mamárias são as mais comuns em cadelas, representando mais de 70% da totalidade dos casos oncológicos; 3. tecidos hematopoiéticos (incluso tecido linfoide): terceiro grupo mais comum do total de neoplasias caninas, representando 8-9% de todas as neoplasias malignas. 4. aparelho urogenital; 5. sistema endócrino; 6. aparelho digestivo; 7. orofaringe. Em gatos, são: 1. neoplasias dos tecidos hematopoiéticos, em particular o linfoma – mais comum e mais frequente que em cães; 2. neoplasias do plano nasal (aparelho respiratório), representando 17% de todas as neoplasias da pele (SALVADO, 2010) – são raras em cães. Neoplasias hematopoiéticas Linfomas O linfoma é uma neoplasia maligna hematopoiética que se inicia em células linfoides de órgãos sólidos, como linfonodos, fígado e intestino, sendo representativa tanto 39 DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE II em gatos como em cães, representando 80-90% das neoplasias hematopoiéticas. Os linfomas podem ser classificados conforme as localizações anatômicas: » Multicêntricos: linfoadenopatia com envolvimento do baço, fígado e/ou a medula óssea. » Alimentares: tumores gastrintestinais com envolvimento do linfonodo associado. » Mediastínicos: tumores solitários no mediastino cranial. » Extranodais ou sem classificação: linfomas que afetam cavidade nasal, olhos, pele, rins, sistema nervoso central, laringe, faringe, pulmões e outros locais extranodais (WEBER, 2016). Cães A incidência anual está estimada em 13-24 casos por 100.000 cães, sendo maior incidência em cães com idades entre 10-11 anos (ou seja, o linfoma acomete mais cães de meia-idade a velhos). As raças caninas mais predispostas são: » boxer; » bullmastiff; » basset hound; » são bernardo; » terrier escocês; » airedale; » bulldog. As raças com menor risco são o Teckel e o Lulu da Pomerânia (SALVADO, 2010). Gatos A espécie felina é o grupo mais frequente de neoplasias, com aproximadamente 1/3 de todas as ocorrências. O linfoma (linfoma maligno ou linfossarcoma) é o mais diagnosticado nesses animais, sendo o trato gastrointestinal o local primário mais frequente. Tal doença representa 50-90% de todas as neoplasias hematopoiéticas, com incidência anual de 200 em 100.000 gatos. É uma doença heterogênea com diversos sinais clínicos e respostas a terapias, e raças orientais parecem ter maior predisposição à doença. 40 UNIDADE II │ DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Existem dois grupos de felídeos mais afetados por essas neoplasias: a. animais positivos ao vírus da leucemia felina (FeLV) – geralmente acomete animais jovens, de 1 a 3 anos; b. animais FeLV-negativos – maior incidência em animais idosos (SALVADO, 2010). O vírus da leucemia felina (FeLV) está associado ao linfossarcoma, a doenças mieloproliferativas e à síndrome de imunossupressão em gatos domésticos. Tal vírus também pode infectar outros felinos. O FeLV está associado a neoplasias malignas hematopoiéticas e linfoides. Por muito tempo, considerou-se que o FeLV era responsável pela maioria das mortes envolvidas com a doença tumoral e, com a introdução de vacinas para FeLV, houve redução significativa de animais infectados. A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Felina (FIV) pode aumentar a incidência de linfoma felino, uma vez que FIV atua indiretamente no sistema, causando imunossupressão do organismo (CENTENARO, 2017). A infecção por Helicobacter spp também pode estar associada com linfomas em felinos domésticos; entretanto, mais estudos são necessários para elucidar Helicobacter spp. como causa ou apenas coincidência (WEBER, 2016). A avaliação diagnóstica deve incluir hemograma, exame físico completo, perfil bioquímico sérico, testes de FIV, FeLV e urinálise, além de exames complementares (radiografia torácica e abdominal, ultrassonografia abdominal), aspiração/citologia de medula óssea ou de outros tecidos afetados para se obter um diagnóstico definitivo e estadiamento da doença (WEBER, 2016). Leucemias As leucemias são neoplasias malignas que se iniciam de células precursoras hematopoiéticas da medula óssea e são classificadas de acordo com a linhagem celular: linfoide ou mieloide. Além disso, podem ser diferenciadas em agudas ou crônicas. Essas células perdem a capacidade de diferenciação e geram células imaturas e afuncionais. As leucemias agudas representam menos de 10% da totalidade das neoplasias hematopoiéticas. Os cães afetados são normalmente jovens ou de meia-idade, com uma idade média de 5-6 anos, mas esse processo neoplásico pode surgir em qualquer idade. Os machos parecem ter maior risco do que as fêmeas, mas não existe predisposição de raça. As leucemias crônicas são menos comuns do que as leucemias agudas, surgem em animais mais velhos, com idade média de 9 anos (SALVADO, 2010). 41 DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE II Em felinos, as leucemias são mais comuns em relação às demais espécies domésticas, representando 1/3 das neoplasias hematopoiéticas, e são aproximadamente 70 vezes mais frequentes em animais positivos para FeLV e FIV. As leucemias linfoides são descritas como as mais frequentes e, entre as leucemias mieloides, a leucemia mielomonocítica é a mais diagnosticada. A leucemia aguda também predomina sobre a leucemia crônica (CENTENARO, 2017). Outras neoplasias hematopoiéticas O timoma, tumor originado a partir das células epiteliais do timo, uma glândula linfoide primária, é uma neoplasia rara no cão e ainda menos comum no gato, sendo mais frequente em animais mais velhos (9 anos para cães e 10 anos para gatos). Em cães, parece existir uma ligeira predisposição das raças médias a grandes, como o Retriever de Labrador e o Pastor Alemão. Em gatos, não há predisposição de sexo ou raça (SALVADO, 2010). Neoplasias em ruminantes e equídeos Dados sobre a ocorrência de neoplasias em ruminantes e equinos são escassos, sendo que essas doenças em animais de produção determinam grandes perdas econômicas. Portanto, apresentaremos na Unidade IV, Capítulo 1, um Estudo de Caso dos autores Carvalho et al. (2014), que tem por objetivo apresentar as frequências de neoplasias em bovinos, ovinos, caprinos e equinos durante o período de 1983-2010. Os principais resultados são: diferenças na frequência de tumores entre as diferentes espécies e nos tipos de tumores prevalentes. As frequências de tumores encontradas são: » equinos – 10,6%; » bovinos – 6,8%; » caprinos – 3,3%; » ovinos – 2,1%. As neoplasias hematopoiéticas (linfossarcoma) apresentam grande prevalência, principalmente em bovinos, sendo a terceira em número de casos diagnosticados entre todas as espécies analisadas (13 casos). Como conclusão, os carcinomas em ruminantes e o sarcoide em equídeos são os tumores mais frequentes nos animais analisados, sendo a espécie equina a mais acometida dentre as espécies estudadas (CARVALHO et al., 2014). 42 UNIDADE II │ DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Mais detalhes dessa pesquisa, bem como tabelas com os resultados, podem ser encontrados na Unidade IV. 43 CAPÍTULO 2 Anemias e policitemia Anemias Anemia pode ser definida como uma diminuição na Contagem Global de Hemácias (CGH), na mensuração da Hemoglobina (Hb) ou na diminuição do Hematócrito (Ht), sendo que todas essas alterações são detectadas no hemograma (ROCHA, 2011). A anemia pode ser classificada como verdadeira (absoluta) ou falsa (relativa). A falsa é causada pelo aumento do volume plasmático em decorrência de gestação, em filhotes e no caso de terapias com administração de fluidos,dando uma falsa redução no CGH, no Ht e na Hb. Na anemia verdadeira, ocorre real diminuição no número de células vermelhas, com alterações no eritrograma. A anemia normalmente é um distúrbio secundário, relacionado a uma causa primária – como exemplo, tem-se a anemia ferropriva, que é decorrente da deficiência de ferro. Algumas doenças infecciosas, parasitas gastrointestinais hematófagos ou hemorragias agudas/crônicas podem causar quadros de anemia em animais domésticos e silvestres. Portanto, o tratamento das anemias envolve diagnóstico e solução das causas primárias. Sintomas e sinais clínicos abrangentes observados em animais anêmicos: a. redução da volemia – palidez; b. hipóxia – cianose, intolerância ao exercício, apatia, dispneia, disfunção de órgãos e tecidos; c. mecanismos de compensação do organismo – aceleração do pulso, taquicardia, dispneia. Além dessas observações, o hemograma completo, exame em que se avalia o eritrograma, confirmará as anemias. Algumas variações fisiológicas devem ser levadas em conta para correta interpretação do eritrograma, como: a. animais mais jovens podem ter número mais elevado de hemácias; b. machos normalmente apresentam maiores índices eritrocitários; 44 UNIDADE II │ DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO c. cavalos sanguíneos com aptidão para corrida apresentam maior número de hemácias; cães da raça Poodle apresentam hemácias macrocíticas; d. exercícios antes da coleta de sangue podem aumentar os níveis eritrocitários; e. gestação e lactação podem resultar em anemia falsa. As anemias podem ser classificadas de diferentes maneiras, sendo uma delas com base no mecanismo patofisiológico, que será descrito a seguir. Anemias hemorrágicas São comuns em animais e ocorrem devido à perda de sangue de forma aguda ou crônica, de forma externa ou interna. Podem ocorrer devido a traumas, perde excessiva de sangue após cirurgias, intoxicação por anticoagulantes, defeitos hemostáticos, doenças hepáticas, neoplasias e lesões gastrointestinais. Também podem ocorrer devido a doenças parasitárias, como a pediculose bovina, carrapatos em filhotes de gatos e cães, infestações graves por pulgas, infecção por ancilostomídeos em filhotes de cães e hemoncose em pequenos ruminantes. Em animais mais velhos, podem ocorrer hemorragias crônicas devido a neoplasias gastrointestinais, causando deficiência de ferro e presença de trombocitopenia crônica imunomediada. Em resultados de hemograma sugestivo de deficiência de ferro, a suspeita de tumores intestinais com sangramento deve ser considerada. As anemias hemorrágicas são de caráter regenerativo, pois, devido à perda sanguínea, ocorre situação de hipóxia tecidual com aumento de EPO que vai estimulando a multiplicação e diferenciação dos precursores eritroides. Portanto, anemias com caráter regenerativo são aquelas cuja produção de hemácias na medula óssea se mantém normal ou pode estar aumentada para tentar restabelecer a redução dessas células no sangue e são causadas por hemorragias ou hemólise. Nessas situações, a redução na quantidade de hemácias no sangue estimula a produção de EPO que vai atuar na medula óssea. Anemias hemolíticas Diversas anormalidades das hemácias tornam as células frágeis, rompendo-se facilmente quando passam pelos vasos sanguíneos. Essas hemácias frágeis vivem por um curto espaço de tempo, sendo destruídas mais rapidamente do que são formadas, e isso leva ao desenvolvimento de anemia grave. Em outras palavras, são ditas hemolíticas as anemias resultantes de aumento do ritmo de destruição dos eritrócitos, sendo que a medula óssea não é capaz de compensar essa diminuição de hemácias, mesmo aumentando sua produção. 45 DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE II As anemias hemolíticas ocorrem devido à destruição (lise) anormal e excessiva das hemácias de maneira intravascular (dentro de vasos sanguíneos) ou extravascular (em órgãos ricos em células SMF). Na lise intravascular, as hemácias liberam a hemoglobina no plasma, e esta se liga à haptoglobina. Depois, os hepatócitos removem o complexo hemoglobina-haptoglobina, dando origem à bilirrubina. A presença de hemoglobinemia e hemoglobinúria pode indicar hemólise intravascular, mas a maioria das anemias hemolíticas ocorre de maneira extravascular por fagocitose das hemácias de forma parcial ou completa, pelos macrófagos. Na anemia hemolítica extravascular, o principal sinal clínico é a icterícia, que ocorre por elevada produção de bilirrubina. A anemia hemolítica pode ser avaliada em conjunto com o histórico do animal, por meio da anamnese e realização do exame físico completo, com observação das mucosas pálidas ou ictéricas, hepatomegalia, esplenomegalia e hipertermia. Essas anemias podem ter várias causas e podem ser classificadas como adquiridas e hereditárias. As hereditárias são raras e resultam de defeitos “intrínsecos” dos eritrócitos ou intracelulares, enquanto as adquiridas em geral se originam de alteração “extracorpuscular” ou “ambiental” e são mais comuns. A Tabela 7 a seguir apresenta uma classificação simplificada das anemias hemolíticas. Tabela 7. Classificação das anemias hemolíticas. Hereditária Adquirida Membrana – anomalias na síntese de proteínas do citoesqueleto e da membrana plasmática Imunológicas – autoimune Metabolismo – deficiência enzimática Transfusões incompatíveis Hemoglobina – anomalias na síntese da heme Microangiopática Infecções Ingestão de agentes oxidantes, medicamentos, substâncias químicas, etc. Fonte: Silva e Monteiro (2017). Alguns medicamentos podem inibir o metabolismo das hemáticas ou desnaturar e precipitar a hemoglobina. Medicamentos que contêm oxidantes fortes (como, por exemplo, aspirina) e o propilenoglicol (aditivo de alimentos comerciais para animais) podem induzir a desnaturação da hemoglobina. Penicilina e sulfatrimetropim têm sido associados à anemia hemolítica em cavalos. As cebolas contêm um agente causador de anemia hemolítica oxidativa que afeta equinos, bovinos, gatos e cães. Bovinos podem apresentar sinais clínicos como palidez, icterícia, fraqueza e hemoglobinúria. Cães podem se intoxicar por zinco por meio da ingestão de moedas, roscas e outros materiais, apresentando sinais clínicos como palidez e icterícia. 46 UNIDADE II │ DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO Bovinos, ovinos e suínos podem se intoxicar por cobre; alguns bovinos podem apresentar dieta deficiente em fósforo e anemia hemolítica. Agentes infecciosos como vírus, bactérias, riquétsias e protozoários podem causar anemia hemolítica em animais. Alguns exemplos de doenças que causam anemia hemolítica são: » leptospirose; » babesiose; » anemia infecciosa equina; » infecções por clostridum perfringens; » erliquiose; » tripanossomíase; » infecções pós-estreptocócica; » hemobartonelose. Em alguns casos, a diferenciação entre anemias hemorrágicas e hemolíticas pode ser realizada com base na interpretação do eritrograma. As anemas hemolíticas são mais responsivas que as hemorrágicas, pois, na anemia hemorrágica, o ferro é perdido, não ficando disponível para a eritropoese. Na anemia hemolítica, o ferro é reaproveitado, e o grau de regeneração é bem intenso, sendo observado maior número de reticulócitos, metarrubrócitos, bem como anisocitose mais intensa. Anemias por deficiência de ferro É um tipo de anemia carencial, que ocorre quando o ferro é limitante para a eritropoiese, sendo ele um componente essencial do grupo heme da hemoglobina, e sua ausência resulta em anemia microcítica e hipocrômica (Figura 8). Apesar de ocorrer diminuição na síntese de hemoglobina, não ocorre diminuição na síntese de DNA, ocorrendo mitoses e levando à liberação de hemácias menores na circulação, causando microcitose. 47 DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE II Figura 8: Sangue periférico em anemia por deficiênciade ferro, células microcíticas e hipocrômicas. Fonte: Hoffbrand e Moss (2013). Em animais adultos, a deficiência em ferro é causada pela perda de sangue por problemas crônicos (como tumores no trato gastrointestinal e distúrbios de coagulação), e não somente por uma dieta pobre em Fe. Em animais jovens, é comum desenvolver deficência de Fe mais facilmente. O leite materno é pobre nesse mineral; as reservas nos animais tendem a ser pequenas; e o rápido crescimento exige expansão do volume sanguíneo. Bezerros e leitões podem desenvolver deficiência de ferro sem perda de sangue anormal; filhotes de gatos e cães com pulgas, carrapatos ou ancilostomídeos também são susceptíveis. A intoxicação por chumbo pode resultar em anemia secundária por deficiência de ferro – esses animais, na verdade, não apresentam uma deficiência, pois os estoques de Fe estão normais, mas o que acontece é que o chumbo inibe a incorporação de ferro pelo grupamento heme. O tratamento para essa anemia é feito por suplementação de ferro oral (forma ferrosa), por aplicação intramuscular ou, em casos de anemias severas, por administração de sangue por transfusão. Anemias de doenças inflamatórias Algumas doenças, como câncer, doença hepática e gastrointestinal, são consideradas crônicas e inflamatórias, e podem acometer a eritropoiese, levando a uma anemia denominada anemia de doenças inflamatórias por serem mediadas por citocinas inflamatórias (TNF, IFN-γ, IL-1 e IL-6), mesmo que não haja evidência clínica ou laboratorial de inflamação no animal. É uma das causas mais comuns da anemia arregenerativa, em que a medula óssea não consegue manter ou aumentar a produção de hemácias em consequência de lesões na medula ou carência de substratos necessários à eritropoiese (EPO, ferro, vitaminas do 48 UNIDADE II │ DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO complexo B, hormônios etc.) e, por isso, essa anemia provoca de leve a moderada anemia normocítica e normocrômica (falta de resposta medular). Vários mecanismos são responsáveis pela anemia, mas os principais são diminuição da vida útil e produção das hemácias. A diminuição da vida útil das hemácias pode gerar rápido desenvolvimento de anemias nos animais que apresentam inflamação aguda, causada por citocinas inflamatórias e lesões oxidativas que induzem ligação de autoanticorpos, provocando fagocitose por macrófagos. As citocinas também suprimem a resposta da medula óssea. Em gatos, essa anemia pode se desenvolver mais rapidamente, pois o tempo de vida das hemácias nessa espécie é menor (60 dias), quando comparada à canina (120 dias). As citocinas inflamatórias podem inibir a eritropoiese por meio da diminuição da disponibilidade de ferro, inibição direta de células progenitoras eritroides, inibição ou liberação na produção de EPO e redução da avidade biológica da EPO. Anemia da doença renal crônica A insuficiência renal crônica (IRC) é uma doença renal comum em cães e gatos idosos, caracterizada pela incapacidade de funcionamento dos rins devido à perda progressiva dos néfrons. Na IRC, é comum o desenvolvimento de anemia normocítica, normocrômica (arregenerativa), que favorece letargia, fraqueza muscular, anorexia e perda de peso. O fator principal do aparecimento de anemia na IRC é a redução da síntese de EPO pelos rins. A doença renal crônica leva à anemia por vários motivos, como diminuição da produção e atividade de EPO ou por citocinas inflamatórias que são induzidas pela doença renal. A produção de toxinas urêmicas pode reduzir a vida útil das hemácias, causando hemólise extravascular. Outro fator que pode levar à anemia é a hemorragia crônica em animais que sofrem frequentemente de úlceras orais devido à uremia. Policitemia ou Eritrocitose A policitemia (ou eritrocitose ou poliglobulia) é considerada o oposto da anemia, pois significa o aumento do número de células sanguíneas – hemácias, plaquetas ou leucócitos. No hemograma, a eritrocitose é caracterizada pelo aumento da contagem global de hemácias (CGH), do hematócrito (Ht) e da concentração de Hb. A policitemia pode ser classificada como falsa (relativa) ou verdadeira (absoluta). » Policitemia relativa: não ocorre uma verdadeira elevação nos índices, e sim uma hemoconcentração resultante de desidratação ou contração esplênica. A principal causa na clínica é a desidratação. A perda de 49 DOENÇAS E DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO │ UNIDADE II líquidos resulta em aumento dos valores da série vermelha do hemograma e também na concentração de proteínas. Os leucócitos e as plaquetas não são alterados nos casos de desidratação. Obs.: a contração esplênica ocorre durante esforço mediado por epinefrina. Em equinos jovens estressados, ocorre contração esplênica, já que apresentam baço muscular, sendo menos provável em vacas, cães e gatos. Esse fenômeno não está associado ao aumento de proteína total. » Policitemia absoluta: ocorre aumento verdadeiro na produção de hemácias, mediada ou não por EPO, resultando em elevação nos valores de hemácias, Ht e Hb. Pode ser classificada em primária ou secundária. › Primária: doença raramente descrita em animais. Pode ser familiar ou neoplásica. A eritrocitose primária neoplásica é observada em casos de Policitemia Vera, que é uma desordem mieloproliferativa crônica com produção autônoma de hemácias, independentemente da concentração de EPO. Essa enfermidade é raramente descrita em animais, e seu diagnóstico se dá por exclusão de outras causas ou a um aumento relativo no hematócrito. › Secundária: ocorre devido ao aumento de produção de EPO, resultante de situações de hipóxia tecidual. Pode ocorrer em doenças cardiovasculares e respiratórias, ou associada a neoplasias produtoras de EPO (carcinoma hepatocelular, hepatoblastoma em cavalos, cânceres renais, tumores nasais em cavalos) ou doença renal (hidronefrose, cistos renais) que estimulam EPO sem hipóxia. Alguns tumores que secretam citocinas explica a produção de EPO em locais inesperados. Doenças endócrinas de cães e gatos podem também apresentar aumento no número de eritrócitos. 50 CAPÍTULO 3 Distúrbios da coagulação As desordens de sangramento podem ocorrer por defeitos primários (plaquetas ou vasos) ou secundários (coagulação). Doenças congênitas da coagulação são raras. Sangramentos espontâneos são mais frequentes em cães, em decorrência de trombocitopenia e intoxicação por rodenticidas, mas tais distúrbios são raros em gatos. Trombocitopenia com sangramento espontâneo pode ser encontrada em gatos com distúrbios da medula óssea induzidos por retrovírus. Este capítulo abordará os distúrbios hemorrágicos associados a anormalidades da coagulação. A função primária da plaqueta é a manutenção da hemostasia pela interação com células do endotélio a fim de manter a integridade vascular. Quando um vaso sanguíneo é lesado, ocorre adesão das plaquetas ao local. As plaquetas também são importantes na coagulação por fornecerem fosfolipídios plaquetários e por carrear vários fatores de coagulação em sua superfície. Alguns fatores de coagulação são: fibrinogênio (Fator I), protrombina (Fator II), cálcio (Fator IV) e Fator anti-hemofílico (Fator VIII). Uma cascata de coagulação pode ser desencadeada na presença do fator tecidual no local injuriado. A coagulação sanguínea é finalizada por dois tipos de reação: » inibição da cascata de coagulação; » reações terminais iniciadas na coagulação. Além do controle bioquímico, os fatores de coagulação ativados são diluídos quando o sangue flui do local de injúria, ajudando na limitação das reações ao local da lesão. A antitrombina III é o mais importante inibidor da coagulação. Além de um histórico detalhado e de um exame clínico acurado, os testes laboratoriais específicos são essenciais para estabelecer a presença da maioria das desordens, como identificar problemas de fatores de coagulação (exemplo de deficiência do fator VIII
Compartilhar