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Laura Vieira Gomes de Oliveira – Medicina UNIFG A dor neuropática pode ser classificada em dois grupos: desencadeada por estímulos e independente de estímulos ▪ Desencadeada por estímulos é caracterizada por sinais de hiperalgesia e alodinia que resultam de estimulação mecânica, térmica ou química ▪ Dor independente de estímulos (dor espontânea) pode ser persistente ou paroxística e, em geral, é descrita como dor em queimação. A dor neuropática refere-se a dor causada por um grupo heterógeno de distúrbios clínicos muito variáveis quanto a etiologia e a manifestação clínica. Isso inclui os sinais e sintomas provocados por uma lesão primaria do SN periférico ou pela disfunção do SN central. Exemplos de causar da dor neuropática: ▪ Mediada por mecanismos imunológicos → síndrome de Guillain-Barré ▪ Infecciosa – Herpes Zoster ▪ Metabólica – diabetes ▪ Toxica – álcool ▪ Traumática – amputação ▪ Distúrbios de tecido conjuntivo – Lúpus Do ponto de vista fisiológico, a dor neuropática é causada por lesões, danos potenciais ou disfunção do sistema nervoso central ou periférico. As lesões do sistema nervoso causem déficits sensoriais (sintomas negativos – tato leve, vibratória, térmica e dor) e um percentual expressivo dos casos apresenta-se com vários tipos de dor e disestesias (sintomas positivos) Sensibilização periférica Após uma lesão/disfunção aos nervos periféricos (não necessariamente nas terminações, mas sim em algum lugar dos nervos periféricos), ocorre uma sucessão de eventos – como resultado do processo reparador – que acabam por alterar a sobremaneira a condução nervosa, induzindo a sensibilização periférica (1) Após a ocorrência da disfunção por alguma causa etiológica pontual, macrófagos ativados e células de Schawnn sintetizam mediadores inflamatórios, citocinas (interleucinas, fatores de necrose tumoral, interferon, fatores de transformação Beta, fatores de crescimentos) buscando uma regeneração nervosa. O fator de crescimento – em busca da regeneração – aumenta a síntese, transporte e conteúdo neuronal de neuropeptídeos algiogênicos (substância P e peptídeo relacionado ao gene da calcitocina) nas terminações nervosas. Essa escada de acontecimentos bioquímicos induz a sensibilização (baixa do limiar ou mais canais de cálcio – explicada nos próximos tópicos) dos receptores nociceptivos das fibras C, de modo que eles começam a responder a estímulos mecanismo e térmicos (hiperalgesia e alodinia mecânica e térmica), que normalmente não causam dor, ou até mesmo serem estimulados de forma totalmente espontânea (dor responsável pela sensação persistente de dor em queimação). Obs. a desnervação parcial leva a aumento relativo dos níveis de fator de crescimento nervoso (GNF) nas células intactas Obs. A dor espontânea pode produzir a sensibilização periférica nos axônios lesados e nos adjacentes íntegros. (2) A regeneração da membrana e dos constituintes axonais lesionados, modifica a permeabilidade das membranas e do número, distribuição e cinética dos canais iônicos de cálcio e sódio (principalmente as áreas de regeneração – por causa das células de Schwann – e nos gânglios sensitivos do Laura Vieira Gomes de Oliveira – Medicina UNIFG neurônio); dessa forma, ocorre uma excitabilidade aumentada e geração de maior número de potenciais e descargas espontâneas nas fibras lesionadas. Obs. As células de Scwann – muito presentes na regeneração das fibras nervosas por controlarem a expressão dos canais de sódio ao longo do axônio – sofrem, durante o processo, uma desdiferenciação, fazendo com que ocorram mudanças no processo de mielina nova e fatores de crescimento, provocando, também, efeitos nos neurônios lesados e nos vizinhos intactos. (3) Correntes efáticas são geradas pelas fibras degeneradas (fator de crescimento + células de Schwann) e em neuromas de amputação (neuroma é o tecido que foi seccionado na amputação, inflamar – essa inflamação é composta pela deposito de células e fibras nervosas na extremidade do nervo que estava naquele membro usualmente) induzindo a despolarização em células vizinhas, ou seja, provoca excitação cruzada que envolve mais do que as usuais fibras da nocicepção, mas fibras mielinizadas grossas do tipo A, por exemplo, que contribui para fenômenos como a alodinia e hiperpatia. Obs. o neuroma faz parte de um mecanismo periférico de dor desencadeado por estímulos (hiperalgesia). Ele é uma massa emaranhada de tecidos nervosos em regeneração embutida na cicatriz e nos tecidos conjuntivos da área de um nervo lesionado. Ele é uma área sensível a estímulos mecânicos. Eles acumulam ou expõe canais iônicos (como o de sódio) e receptores fisiológicos e patológicos que colaboram com a hiperexcitabilidade e atividade ectópica (4) Ao afastar-se da periferia e aproximar da medula (corno posterior) e do centro nervoso, também são notadas mudanças que sensibilizam ainda mais a resposta periférica – os gânglios sensitivos respondem a lesão do nervo periférico com mudanças anatômicas e fisiológicas, sendo, dessa forma, um adicional de potenciais anormais iniciados na periferia ▪ Por exemplo, possa ser que ocorra um contato anormal entre duas vias diferentes que passam mensagens diferentes, como estruturas do sistema nervoso simpático entrarem em contato com estruturas do sistema nervoso sensitivo somático (que é o normal da dor). Tal contato anormal, faz com que a ativação do sistema nervoso simpático seja capaz de provocar dor intensa (uma vez que, sua despolarização, a nível de gânglios, vai despolarizar a via da dor) pela inervação inusitada. Um exemplo é a Síndrome da dor complexa regional. ▪ Outro exemplo é o aumento local da síntese das proteínas que constituem canais iônicos e receptores, sensibilizando ainda mais a resposta que chega das fibras anormais lesionados e normais que foram sensibilizadas pelo conteúdo extracelular. (5) Como citado acima, a estrutura do corno posterior da medula é bastante afetada – ocorre modificações, ainda, de desorganização sináptica, ampliação da distribuição espacial das terminações aferentes intactas nos locais que ainda não possuem fibras aferentes para entrar na medula (isto ocorre devido ao brotamento de novas terminações, principalmente do tipo Abeta). Contudo, em consequência do brotamento, aumenta os campos receptivos da informação que vem chegando as fibras periféricas e, com isso, a passagem dos estímulos inócuos gerados na periferia, gerando a alodinia. Ao adentrar o corno posterior, as projeções aferentes são alteradas (lembrar que agora possui ainda mais fibras rápidas que levaram a informação de dor que iniciou nas fibras periferias lesionadas), pervertendo a informação sensitiva, ou seja, unidades que Laura Vieira Gomes de Oliveira – Medicina UNIFG normalmente só reagiriam a estímulos nociceptivos passam a reagir a estímulos de baixa intensidade. Obs. Somada a essa situação desastrosa, ocorre a diminuição do GABA (via descente comprometida), que é um neurotransmissor inibitório no corno dorsal, com elevação do cálcio intracelular, promovendo a ativação de mecanismos sensibilizadores. Assim como aumento de receptores de receptores de citocina e substância P. (6) Passando agora para o nível central. A indução é feita, primeiramente, pelo disparo de fibras C (normais da via nociceptiva) que se projetam nas camadas do corno posterior, produzindo potenciais excitatório pós-sinápticos (segundo neurônio e via neoespinotalámica) lentos que duram 20 segundos ou mais; contudo, a excitação aferente repetitiva dessas fibras causa somação temporal desses potenciais lentos, induzindo o fenômeno wind up nos neurônios centrais. Esse fenômenoé caracterizado por uma forma de plasticidade de curta duração dos neurônios do corno dorsal da medula; nele, o potencial de ação de alguns neurônios aumenta (ocorre com o segundo neurônio da via após estimulação repetitiva). (7) Somado a essa alta atividade dos neurônios do corno dorsal da medula, tem a hipoatividade das unidades inibitórias (como o GABA) e do sistema supressor suprasegmentar dependente de monoaminas. Esta é uma via de origem no tronco, principalmente na substância cinzenta periaquedutal no mesencéfalo (sendo essa região de grande integração nociceptiva por receber aferência de várias áreas relacionadas a dor). As vias descendentes originadas na região periarquedutal se projetam na formação reticular bulbar ventral rostromedial que, por sua vez, se projeta largamente no corno posterior da medula, onde exerce atividade inibitória dos aferentes do trato espinotalâmico e ativa os sistemas inibitórios GABA. Esta atividade está comprometida e influência na gênese da dor neuropática. (8) Acredita-se que componentes genéticos possam predispor o ser a ter uma lesão periférica, explicando a diferentes suscetibilidades em desenvolver neuralgia pós-herpética após uma crise de herpes zoster. Sensibilização central Na grande maioria dos casos, a lesão do sistema nervoso central é causa por uma neuropatia que se desenvolve na medula espinhal; é o caso em 60% a 70% dos indivíduos afetados, sendo que em um terço é intensa. É atribuída a alta atividade neuronal em certos segmentos da medula e à modificação do padrão de chegada de estímulos sensitivos ao tálamo. Quando ocorre uma lesão transversal na medula, na área do corno posterior, ocorre uma expansão dos campos receptivos e uma alta atividade neuronal dos neurônios justapostos a esta área. Muitas vezes, a estimulação de centros superiores reduz a alta atividade dos neurônios situados no corno posterior da medula e, por esta causa, a lesão nas vias inibitórias descendentes é uma das causas principais da expansão dos campos receptivos dos neurônios em certo segmento medular. Além destas alterações segmentares a nível medular + possível lesão nas vias inibitórias descendentes; sugere-se alterações a nível talâmico, sendo estas alterações um incremento a atividade neuronal, uma vez que ocorre uma ação excitatória mediada por aspartato e glutamato nos receptores de NMDA situados nas áreas sem aferencia no núcleo ventral posterior (área com axônios da via neoespinotalamica) Obs. o aumento da atividade do glutamato nos receptores de NMDA que, tanto na sensibilização periférica quanto central, ajudam a não inibir a informação da dor que chega ao centro nervoso Laura Vieira Gomes de Oliveira – Medicina UNIFG As lesões encefálicas relacionadas a dor neuropática variam muito conforme a sua localização e dimensão; contudo, o comprometimento espino-talâmico-cortical é uma condição quase necessária para o seu aparecimento. A causa encefálica mais comum na dor central é o AVC e se desenvolve em cerca de 8% dos pacientes (11% acima daqueles com 80 anos). As disestesias são o sintoma mais comum, geralmente em queimação contínua ou não, constrição, aperto e caracterizadas por um retardo de aparecimento após um estímulo ser aplicado (diferente da dor de lesões periféricas em que a resposta a um estímulo é imediata). Do ponto de vista fisiopatológico, a região ventral posterior do tálamo (conhecido por ser o centro integrador principal somatossensitivo) constitui a estrutura com disfunção mais importante nos casos de dor central por neuropatia; até mesmo naqueles casos quando a lesão é extratalâmica. Alguns autores sugerem que até mesmo a expressão de canais de sódio seja modificada no tálamo, após lesão que faça com boa parte de suas fibras aferentes sumam. A deaferentação (interrupção de vias aferentes) parece exercer o papel mais importante da gênese da dor central encefálica. Dessa forma, a lesão causada na via neoespinotalamica (ou seja, a deaferentação das fibras dessa via) teria como resultado a liberação das vias reticuloespinotalâmicas que são relacionadas as reações de alerta, despertar e aspectos psicocomportamentais da experiência dolorosa. Um outro fato a se ter em mente é que as lesões no sistema nervoso central podem alterara mecanismos excitatórios e inibitórios à distância do local da lesão, sendo que o glutamato participa ativamente na transmissão de informações nociceptivas no SNC. Dessa forma, a dor central encefálica seria, um produto do desequilíbrio entre a atividade glutamatergica no núcleo ventral posterior – para onde convergem as aferencias somatossensitivas e as unidades gabaérgicas intratalâmicas e corticotalâmicas. FONTE: dor neuropática – instituto SimbiDor, Antônio Cézar, doutor em neurologia pela FMUSP A nível molecular, entende-se que a sensibilização central ocorre quando os aminoácidos excitatórios (glutamato e aspartato) e a substância P ligam-se aos receptores localizados nos neurônios de transmissão do corno dorsal da medula (de segunda ordem – não são periféricos). A perda dos controles inibitórios que se projetam para as camadas superficiais do corno dorsal da medula espinhal é outra alteração central que contribui para o surgimento do processo de sensibilização central de alodinia. Isso ocorre quando os interneurônios inibitórios segmentares têm suas funções deprimidas. Como essa inibição normalmente funciona como um “portão” espinhal para as informações sensoriais, a inibição deprimida aumenta as chances de que os neurônios do corno dorsal disparem espontaneamente ou com mais vigor aos estímulos aferentes primários. Diagnostico Atualmente, a abordagem diagnostica da dor neuropática utiliza sistemas de classificação antiquados baseados na etiologia da dor e em sua distribuição anatomia. Contudo, por várias razoes, essa não é a abordagem ideal. 1. A maioria dos estados patológicos neuropáticos está associada a mais de um mecanismo desencadeante da dor e esses mecanismos podem mudar com o tempo 2. Síndromes diferentes podem causar dor neuropática pelos mesmos mecanismos O atendimento médico para diagnosticar uma dor neuropática deve seguir os seguintes passos: escalas multidimensionais e exame neurológico. Sendo as escalas multidimensionais importantes para definir sintomas, intensidade da dor e diferenciar dor neuropática de não-neuropática. Laura Vieira Gomes de Oliveira – Medicina UNIFG As escalas utilizadas são: Escala de Dor Neuropática (EDN) e Inventario de Sintomas de Dor Neuropática (ISDN) ▪ EDN – consiste em 10 itens. 7/10 caracterizam a dor, 1/10 descreve em qualidade temporal, 1/10 aspecto geral desagradável da dor e o último item indica a intensidade da dor profunda e superficial ▪ ISDN – avalia os diferentes sintomas (10 itens) e a duração (2 itens). Ademais, exames complementares podem ser utilizados para a confirmação do diagnostico etiológico, como: eletroneuromiografia, ressonância magnética, teste sensitivo quantitativo, estudo de potenciais evocados e biopsia do nervo Tratamento A dor neuropática pode não responder tão bem aos opioides ou aos AINES. Ela pode ser tratada mais eficazmente por fármacos que estabilizam ou modulam a função do sistema nervoso central (por exemplo, fármacos indicados para epilepsia ou depressão) ou agentes antiarrítmicos (como os bloqueadores dos canais de sódio) O tratamento pode ser farmacológico ou não (apoio de equipe multidisciplinar) No tratamento farmacológico, a melhor abordagem clínica segue a observação empírica (por meio do teste dos sentidos) e determinação dos mecanismos potenciais da lesão neuropática (ou seja, quais locais são os alvos de destruição). Além disso, importante aliaros mecanismos de ação dos fármacos escolhidos com os mecanismos patológicos potenciais da dor e etiologia. Normalmente é utilizada a polifarmácia tendo-se duas classes principais de medicamentos: agentes profiláticos para controle da dor e outros sintomas e fármacos supressores para aliviar os episódios de agravamento da dor ou outros sintomas. ANTICONVULSIONANTES São os fármacos mais estudados na dor neuropática e há bastante evidências ao seu favor. A ideia proposta por eles é o bloqueio dos canais de sódio e cálcio e a diminuição da excitabilidade neuronial. Eles atuam com seu efeito anestésico local, através da estabilização da membrana neuronal, diminuição da transmissão sináptica e supressão da atividade espontânea que pode ocorrer no gânglio da raiz dorsal. Gabapentina É um fármaco amplamente utilizado no tratamento da dor neuropática (principalmente no subtipo da Síndrome complexa da dor regional). O seu mecanismo de ação é atribuído, inicialmente, a ativação dos sistemas GABA endógenos que atuam na modulação da dor (P.S. esse medicamento não é um agonista GABA, mas sim uma análogo do GABA). Além disso, este medicamento pode produzir algum efeito como supressora dos aminoácidos excitatórios como o glutamato. Os efeitos colaterais são menos expressivos e incluem sonolência, vertigem e, menos frequentemente, sintomas gastrointestinais e leve edema periférico. Estabilizadores de membrana A fenitoína e os agentes antiepilépticos estabilizadores da membrana (bloqueadores do canal de sódio) podem ter utilidades no tratamento da dor neuropática. A carbamazepina, por exemplo, é um estabilizador de membrana e desempenha um papel tradicional no tratamento. A oxicarbazepina é tão eficaz quando a carbamazepina e possui menos efeitos colaterais. Obs. apesar disso, a carbamazepina é a droga de escolha no tratamento de qualquer neuropatia periférica dolorosa. A carbamezapina é um derivado do antidepressivo tricíclico. Seu efeito é exercido ao bloquear a condutância iônica frequência-dependência em canais de sódio, suprimindo assim a atividade espontânea da fibra Adelta e C. Seus principais efeitos colaterais são sonolência, vertigem, ataxia e anemia aplástica. Ela é muito efetiva em dores paroxísticas e lancinantes e menos efetiva em dor em queimação (dor espontânea).
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