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DIRETORIA DA SBMFC (2012-2014) Nulvio Lermen Junior Thiago Gomes Trindade Paulo Poli Neto Cleo Borges Ademir Lopes Junior Daniel Knupp Roberto Umpierre Juliana Oliveira Soares Emílio Rossetti Pachecof Oscarino dos Santos Barreto Junior Nilson Massakazu Ando Presidente Vice-presidente Secretário-geral Diretor Financeiro Diretor de Comunicação Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Lato sensu Diretor de Graduação e Pós-Graduação Strictu sensu Diretora Científica Diretor de Titulação Diretor de Exercício Profissional Diretor de Medicina Rural M294 Manual de genética médica para atenção primária à saúde [recurso eletrônico] / Organizadores, Taiane Vieira, Roberto Giugliani. - Dados eletrônicos. - Porto Alegre : Artmed, 2013. Editado também como livro impresso em 2013. ISBN 978-85-65852-89-o 1. Genética médica. 2. Atenção Primária à Saúde. 1. Vieira, Taiane. II. Giugliani, Roberto. CDU 575:61 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnos - CRB 10/2052 TAIANE VIEIRA • ROBERTO GIUGLIANI ORGANIZADORES MANUAL DE GENÉTICA MÉDICA PARA ~ , ~ , ATEN=A• PRIMARIA A SAUDE Versão impressa desta obra: 2013 2013 © Artmed Editora LTDA., 2013 Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Editora: Daniela de Freitas Louzada Capa: Márcio Monticelli Ilustrações: Gilnei da Costa Cunha e Emiliano N. Bellini Preparação de originais: Sandra da Câmara Godoy Leitura final: Caroline Castilhos Melo Projeto gráfico: PaolaManica Editoração: Techbooks Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 - Porto Alegre - RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. Unidade São Paulo Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center Vila Anastácio - 05095-035 - São Paulo - SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 - www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Taiane Vieira Enfermeira. Assistente do Serviço de Bioética - Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Pesquisadora do Serviço de Genética Médica do HCPA. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Roberto Giugliani Médico. Médico do Serviço de Genética Médica do HCPA. Professor ti- tular do Departamento de Genética da UFRGS. Diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o Desenvolvimento de Serviços de Genética Médica na Améri- ca Latina. Coordenador do Instituto Nacional de Genética Médica Populacional (INAGEMP). Membro da Academia Brasileira de Ciências. Especialista em Genética Clínica pela Universida- de de São Paulo (USP). Pesquisador IA do CNPq. Mestre e Doutor em Genética pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Pós-Doutor nas áreas de erros inatos do metabolismo e de doenças lisossômicas no Guy's Hospital, em Londres, no Instituto Giannina Gaslini, em Gênova, no Hôspital Necker Enfants Malades, em Paris, no Kin- der Spital Zurich, em Zurich e no Children's Hospital of Oakland, em Oakland. Andressa Federhen Enfermeira. Coordenadora de Pesquisa Clínica no Grupo de Pes- quisa Clínica em Genética Médica do HCPA. Mestre em Ciências Médicas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas pela UFRGS. Antonette Souto El Husny Médica. Residente em Genética Médica do HCPA/UFRGS. Doutoranda em Genética e Biologia Molecular do Programa de Pós-Graduação em Genética Molecular e Biologia Molecular da Universidade Federal do Pará (PPGBM/UFPA). Camila Giugliani Médica de família e comunidade. Professora adjunta de Medicina Social da UFRGS. Especialista em Saúde Pública pelo College de Médecine des Hôpitaux, em Paris. Doutora em Epidemiologia pela UFRGS. Camila Matzenbacher Bittar Médica geneticista. Médica pesquisadora do Grupo de Pes- quisa Clínica em Genética do HCPA. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da UFRGS. Carolina Fischinger Moura de Souza Médica geneticista. Responsável pelo Serviço de Informações sobre Erros Inatos do Metabolismo do Serviço de Genética Médica do HCPA. Mé- dica geneticista do Serviço de Genética Médica do HCPA. Especialista em Erros Inatos do Me- tabolismo pela Associação Médica Brasileira (AMB). Doutora em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. • VI ílj t Cristina Brinckmann Oliveira Netto Médica geneticista. Médica contratada do Serviço .S de Genética do HCPA. Mestre e Doutora em Bioquímica pela UFRGS. 3 ~ Fernanda Sales Luiz Vianna Bióloga. Colaboradora do Sistema Nacional de Informação sobre Agentes Teratogênicos (SIAT). Mestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Flávia Romariz Ferreira Enfermeira. Especialista em Saúde Pública pela Universidade Fe- deral de São Paulo (UNIFESP). Mestre em Ciências pela UNIFESP. Mestre em Aconselhamento Genético pela Universidade do Porto, Portugal. Ida Vanessa D. Schwartz Médica geneticista. Professora adjunta do Departamento de Ge- nética da UFRGS. Pesquisadora do CNPq 2. Doutora em Ciências: Genética pela UFRGS. Júlio César Loguercio Leite Médico geneticista e pediatra. Especialista em Genética Mé- dica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM). Mestre em Medicina: Pediatria pela UFRGS. Doutor em Medicina: Pediatria pela UFRGS. Preceptor do Programa de Residência Médica em Genética Médica do HCPA. Professor colaborador do Curso de Pós-Graduação em Biomedicina da UFRGS. Coordenador do Programa de Monitoramento de Defeitos Congênitos do HCPA (ECLAMC - Estudio Colaborativo Latinoamericano de Malformaciones Congenitas). Larissa Pozzebon da Silva Estudante de Enfermagem da UFRGS. Coordenadora de Pes- quisa Clínica no Grupo de Pesquisa Clínica em Genética Médica do HCPA. Lavinia Schuler-Faccini Médica. Professora associada do Departamento de Genética da UFRGS. Coordenadora do SIAT do HCPA. Especialista em Genética Médica pela SBGM. Mestre e Doutora em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Pós-Doutora em Toxicologia Repro- dutiva pelo Hospital for Sick Children, em Toronto, Canadá. Lígia M. R. Azevedo Estudante de Medicina da UFRGS. Bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Colaboradora do SIAT. Bolsista do Instituto Nacional de Genética Médica Populacional (INAGEMP). Louise Lapagesse de Camargo Pinto Médica geneticista. Especialista em Genética Médi- ca pela SBGM. Médica geneticista do Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFRGS. Maria Lucia Medeiros Lenz Médica de família e comunidade. Coordenadora da Atenção Materno-Infantil do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) de Porto Alegre. Especialista em Saúde Pública pela UFRGS. Maria Teresa Vieira Sanseverino Médica geneticista. Coordenadora do SIAT. Especialis- ta em Genética Médica pela SBGM. Mestre em Bioquímica pela UFRGS. Doutora em Pediatria pela UFRGS. Osvaldo Artigalás Médico geneticista. Médico geneticista do GHC, do Hospital Materno- -Infantil Presidente Vargas e do Hospital Moinhos de Vento (Núcleo Mama). Especialista em Genética Médica pela SBGM. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Doutoran- do em Genética e Biologia Molecular da UFRGS. Tatiéle Nalin Nutricionista. Coordenadora de Pesquisa Clínica do Grupo de Pesquisa e Ava- liação de Tecnologias em Saúde em Genética Clínica do HCPA. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Mo- lecularda UFRGS. Têmis Maria Félix Médica geneticista. Professora do Programa de Pós-Graduação em Saú- de da Criança e do Adolescente da UFRGS. Médica geneticista do Serviço de Genética do H CP A. Especialista em Genética Médica pelo HCRP /USP. Mestre em Genética pela FMRP /USP. Dou- tora em Pediatria pela UFRGS. O preceito que diz que para construirmos um sistema de saúde eficaz e economica- mente viável devemos fazê-lo com base em uma Atenção Primária à Saúde (APS) for- talecida é internacionalmente reconhecido. Nesse sentido, a publicação deste Manual vem em um movimento de agregação de ferramentas importantes para a atuação dos profissionais nessa área. No Brasil, a Medicina de Família e Comunidade é a especialidade médica que tem a Atenção Primária à Saúde como sua área de atuação. A ligação com a hereditarie- dade é inata a esses profissionais, pois a prática diária com uma orientação familiar faz parte da essência de seu campo de trabalho e, nesse caso, em grande parte das vezes, há o envolvimento da genética como fator importante para o provimento de um cuidado adequado aos seus pacientes. Os profissionais que escolhem essa especialidade recebem, desde o princípio de sua formação, uma base conceitua! com ferramentas para a abordagem familiar que vão desde a construção de um genograma (ou familiograma) até mecanismos de en- trevista familiar sistêmica e de entendimento do ciclo de vida. A publicação deste Manual vem somar a essa base conceitua!, pois traz informações importantes de fun- do biológico, valiosas no dia a dia da APS. Nulvio Lermen Junior Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade Nos últimos anos, temos vivenciado uma transição epidemiológica que leva as doen- ças genéticas a assumirem um papel de destaque em relação a morbidade e morta- lidade. A Atenção Primária à Saúde (APS) parece ser o cenário ideal para trabalhar por meio de estratégias de prevenção e controle de doenças com base genética ou malformações congênitas. Para tanto, é necessário que os profissionais da APS estejam familiarizados com conceitos básicos de genética médica, além de terem conhecimento sobre algumas das condições genéticas constatadas com mais frequência na população. Com a inte- gração desses conhecimentos, eles poderão, além de promover a prevenção e o con- trole dessas condições genéticas, estar preparados para o manejo de algumas situa- ções na Atenção Primária. Assim, apresentamos o Manual de genética médica para Atenção Primária à Saúde, que engloba, em uma leitura acessível, conceitos básicos em genética médica e informações sobre as condições genéticas mais frequentes, reunidos em dez capítulos escritos por especialistas e que oferecem uma visão abrangente do tema: Genética Médica e Atenção Primária à Saúde; Conceitos Básicos em Genética Médica; Ava- liação Genética de Famílias; Dismorfologia; Agentes Teratogênicos e Prevenção de Defeitos Congênitos; Genética da Deficiência Mental; Erros Inatos do Metabolismo e Triagem Neonatal; Oncogenética; Genética e as Doenças Comuns do Adulto; Aconse- lhamento Genético, Atenção Pré-Concepcional e Diagnóstico Pré-Natal. Taiane Vieira Roberto Giugliani Capítulo 1 Genética Médica e Atenção Primária à Saúde .............................. 11 Taiane Vieira Camila Giugliani Capítulo 2 Conceitos Básicos em Genética Médica ........................................ 15 Andressa Federhen Camila Matzenbacher Bittar Capítulo 3 Avaliação Genética de Famílias ................................................... 26 Louise Lapagesse de Camargo Pinto Taiane Vieira Capítulo 4 Dismorfologia ............................................................................... 32 Júlio César Loguercio Leite Têmis Maria Félix Capítulo 5 Agentes Teratogênicos e Prevenção de Defeitos Congênitos ....... 42 Fernanda Sales Luiz Vianna Maria Teresa Vieira Sanseverino Lavinia Schuler-Faccini Capítulo 6 Genética da Deficiência Mental ................................................... 53 Larissa Pozzebon da Silva Taiane Vieira Antonette Souto El Husny Júlio César Loguercio Leite X Capítulo 7 Erros Inatos do Metabolismo e Triagem Neonatal ..................... 65 Carolina Fischinger Moura de Souza Tatiéle N alin Taiane Vieira Capítulo 8 Oncogenética ................................................................................ 76 Osvaldo Artigalás Cristina Brinckmann Oliveira Netto Capítulo 9 Genética e as Doenças Comuns do Adulto .................................. 85 Taiane Vieira Ida Vanessa D. Schwartz Capítulo 10 Aconselhamento Genético, Atenção Pré-Concepcional e Diagnóstico Pré-Na tal .................................................................. 92 Larissa Pozzebon da Silva Camila Matzenbacher Bittar Flávia Romariz Ferreira Lígia M. R. Azevedo Maria Teresa Vieira Sanseverino ,, d. ln ice .......................................................................................... 103 Taianc Vieira Camila Giugliani Capítulo 1 Genética Médica e Atenção Primária à Saúde À medida que os países se desenvolvem econômica e socialmente, obtendo melhor controle das doenças infectoparasitárias, as alterações genéticas passam a ocupar um lugar de destaque nas estatísticas como causadoras de morbidade e de mortali- dade. Estima-se que uma parcela significativa da população necessite de algum tipo de atendimento relacionado a problemas genéticos (para diagnóstico, tratamento ou aconselhamento). No entanto, poucos indivíduos e famílias recebem o atendimento de que necessitam, por vários motivos, destacando-se a desinformação da comunida- de a respeito das doenças hereditárias, a dificuldade no diagnóstico e/ou no encami- nhamento para especialistas por parte dos profissionais não geneticistas, com uma abordagem insuficiente no nível da Atenção Primária, e a falta de uma quantidade suficiente de serviços de genética médica, os quais se concentram, principalmente, nas universidades.' As causas das doenças genéticas são variadas; portanto, várias abordagens são necessárias para a prevenção e um melhor cuidado dos pacientes e de suas famílias. Algumas doenças genéticas, como síndrome de Down e defeitos do tubo neural, po- dem ter sua incidência reduzida por meio de ações educativas direcionadas à comu- nidade. A Organização Mundial da Saúde propôs, em 2000, que fossem incorporadas à Atenção Primária à Saúde (APS) ações para a prevenção e o controle das doenças geneticamente determinadas e das malformações congênitas. 2 A APS caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, nos âmbitos individual e coletivo, que abrange promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diag- nóstico e tratamento de problemas de saúde frequentemente detectados, reabilitação e manutenção da saúde. É o primeiro contato e a via preferencial dos usuários com o sistema de saúde. Ela orienta-se pelos princípios da universalidade e do acesso, do vínculo e da continuidade da atenção, da integralidade e da coordenação do cuidado, da responsabilização, do cuidado centrado na pessoa, da equidade e da participação social. A Atenção Primária considera a pessoa em sua singularidade e sua complexi- dade na inserção sociocultural.3 12 Assim, os contextos familiar e comunitário são elementos importantes no proces- so de cuidado, assim como a competência cultural, caracterizada como a capacidade do profissional de atuar dentro do contexto de convicções culturais, comportamentos e necessidades apresentados em uma comunidade.4 Em janeiro de 2009, foi publicada, no Brasil, a Política Nacional de Atenção In- tegral em Genética Clínica, constituída com o envolvimento tanto da atenção especia- lizada em genética clínica quanto da Atenção Primária. Essa política prevê que as fa- mílias com problemas relacionados a anomalias congênitas e doenças geneticamente determinadas serão identificadas e acompanhadas pelas equipes da APS. 5 A Estratégia Saúde da Família (ESF), modeloproposto para implementar a APS no Brasil, funciona com equipes multidisciplinares, compostas por: médico, enfermeiro, técnicos e auxi- liares de enfermagem, dentista, técnicos e auxiliares em saúde bucal e agentes comu- nitários de saúde (ACSs).6 Os ACSs exercem um papel fundamental no fortalecimento da integração da comunidade com os outros profissionais da equipe de saúde e podem ter uma função valiosa nas ações de educação junto à comunidade. Os avanços no en- tendimento da base genética das doenças estão cada vez mais influenciando o manejo clínico dos pacientes. Todos os profissionais de saúde poderiam incluir conhecimentos de genética em suas práticas, de acordo com as necessidades da população assistida, e a APS emerge como o cenário mais apropriado para a promoção de alguns cuidados que incluem o conhecimento de conceitos básicos de genética.7-10 Starfield e colaboradores11 defendem que os elementos essenciais da APS (aces- so, continuidade, integralidade e coordenação do cuidado) podem maximizar ore- conhecimento de potenciais problemas genéticos e a coordenação do manejo destes problemas de modo custo-efetivo. Entretanto, os profissionais da APS precisam ter conhecimento suficiente sobre genética para prover cuidado apropriado voltado aos problemas genéticos ou para realizar o encaminhamento a um especialista de forma adequada quando necessário. A identificação de pacientes que necessitam de investigação específica (encami- nhamento para especialista) tem um papel-chave para os profissionais da APS. Com os avanços na medicina genômica, os pacientes irão apresentar condições com um componente genético reconhecido com mais frequência, o qual deve ser manejado adequadamente. Uma vez identificado um risco em potencial, seja pela história fa- miliar ou por exames de triagem, pode ser necessário o encaminhamento para um serviço de referência, mas muitos pacientes e famílias podem ser tratados na Atenção Primária. O risco genético que pode emergir de uma história familiar obtida no con- texto da APS inclui a predisposição para doenças multifatoriais ou monogênicas e a detecção de risco reprodutivo.12 Além disso, existem inúmeras medidas de prevenção primária, nos âmbitos popu- lacional ou individual, que podem reduzir o risco de anomalias congênitas. Essas inter- venções envolvem uma melhor nutrição (p. ex., fortificação ou suplementação com ácido fólico), prevenção de doença ou infecção materna (vacinação contra rubéola; cuidado pré-concepcional da mulher portadora de epilepsia ou diabetes, evitando fármacos tera- togênicos), evitação de certas exposições durante a gravidez (fumo, álcool e obesidade) e controle de exposição a agentes químicos de fontes ocupacionais ou ambientais. 13' 14 O foco principal ao se desenvolver conhecimentos básicos de genética na Atenção Primária devem ser as doenças comuns, a predisposição genética para desenvolvi- mento de doenças na vida adulta e a saúde reprodutiva. Apesar de algumas famílias em risco para doenças genéticas, especialmente quando este é associado às doenças monogênicas, necessitarem de encaminhamento para especialista, a maioria delas pode ser manejada na Atenção Primária.12 Programas de supervisão clínica na APS (geneticistas dando apoio periódico às equipes nas unidades básicas) ou de suporte telefônico ou pela internet podem ser muito úteis para promover o conhecimento de genética necessário aos profissionais da Atenção Primária para identificar e acompa- nhar de forma adequada as famílias com doenças ou situações de risco genético. Lembre-se: • A APS é o primeiro contato e a via preferencial dos usuários com o sistema de saúde. Ela orienta-se pelos princípios da universalidade e do acesso, do vínculo e da continuidade da atenção, da integralidade e da coordenação do cuidado, da responsabilização, do cuidado centrado na pessoa, da equidade e da participa- ção social. • Conhecimentos básicos em genética podem ajudar os profissionais da APS no cuidado de pessoas e famílias com doenças geneticamente determinadas ou em situações de risco genético. • Muitas situações que envolvem conhecimentos em genética podem ser mane- jadas no contexto da APS; porém, outras situações precisarão de encaminha- mento para serviços de referência. A identificação de pacientes que precisam de investigação específica em serviços especializados tem um papel-chave para os profissionais da APS. Referências 1. Ramalho AS. Genética comunitária: uma alternativa oportuna e viável no Brasil. Boletim da SBGC. 2004;6:2-7. 2. World Health Organization. Primary health care approaches for prevention and control of congenital and genetic disorders. Geneva: WHO; 2000. Report of a WH O meeting, Cairo, Egypt, 6-8 December 1999. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 648/GM, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília: MS; 2006 [capturado em 15 jul. 2011]. Disponível em: http:/ / bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ politica_nacional_ atencao_ basica_ 2006. pdf. 4. Starfield B. Primary care: concept, evaluation, and policy. NewYork: Oxford University; 1992. 5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 81/GM, de 20 de janeiro de 2009. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. Brasília: MS; 2009 [ capturado em 2 abr. 2010]. Disponível em: http:// dtr2001.saude.gov.br / sas/PORTARIAS / Port2009 / GM/ GM-81.html. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488/GM, de 21 de outubro de 2011. 13 14 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília: MS; 2011 [capturado em 7 set. 2012]. Disponível em: http:/ / www.brasilsus.com.br /legislacoes/ gm/ 110154-2488.html. 7. Hayflick SJ, Eiff MP. Role of primary care providers in the delivery of genetic services. Community Genet. 1998;1:18-22. 8. Emery J, Watson E, Rose P, Andermann A. A systematic review of the literature exploring the role of primary care in genetic services. Fam Pract. 1999;16(4):426-45. 9. Burke W, Emery J. Genetics education for primary care-providers. Nat Rev Genet. 2002;3(7):561-6. 10. Flouris A, Hawthorne G, Aitken M, Gaff C, Metcalfe SA. Development of a questionnaire for evaluating genetics education in general practice. J Community Genet. 2010;1(4):175-83. 11. Starfield B, Holtzman NA, Roland MO, Sibbald B, Harris R, Harris H. Primary care and genetics services: health care in evolution. Eur J Public Health. 2002;12(1):51-6. 12. Qureshi N, Modell B, Modell M. Raising the profile of genetics in primary care. Nat Rev Genet. 2004;5(10):783-90. 13. Alwan A, Modell B. Recommendations for introducing genetics services in developing countries. N at Rev Genet. 2003;1(4):61-8. 14. Dolk H, Boyd P, Calzolari E, Garne E, Haeusler M, Irgens L, et al. What is "primary" prevention of congenital anomalies? Lancet. 2009;37 4( 9687):378. Andressa Federhen Camila Matzenbacher Bittar Introdução Capítulo 2 Conceitos Básicos em Genética Médica A genética médica abrange o estudo da herança de doenças nas famílias, o mapea- mento dos genes causadores de doenças em locais específicos dos cromossomos, a análise dos mecanismos pelos quais os genes causam doenças, o diagnóstico e a pos- sibilidade de tratamento de distúrbios genéticos.1 O estudo dos princípios básicos da genética humana possibilita a compreensão de mecanismos envolvidos na etiologia de inúmeras doenças e, consequentemente, a busca de alternativas para o tratamen- to e a prevenção dessas condições. Para o entendimento desses mecanismos, alguns conceitosiniciais são importantes. O ácido desoxirribonucleico (DNA) contém, em sua estrutura, a informação ge- nética necessária para especificar todos os aspectos que fazem do ser humano uma estrutura funcional. O DNA organiza-se em cromossomos dentro do núcleo das cé- lulas. Cada cromossomo contém vários genes, que são as unidades que carregam a informação genética. O genoma contido no núcleo das células contém 46 cromosso- mos, divididos em 23 pares, sendo 22 pares de cromossomos autossômicos e 1 par de cromossomos sexuais (XX nas mulheres e XY nos homens).2 O cariótipo é o conjunto cromossômico padrão de um indivíduo (Fig. 2.1). Os cromossomos de um mesmo par são chamados de homólogos pois carregam a mesma informação genética na mesma sequência. À posição precisa em que o gene está localizado no cromossomo chamamos de lócus. 2 Em qualquer lócus específico, as informações genéticas podem ter formas idênticas ou levemente diferentes do mesmo gene, chamados de alelos. 2 As mutações consistem em mudanças na sequência ou no arranjo do código genético. Já os polimorfismos são variações do DNA encontradas em mais de 1% da população em geral,2 e são alterações que não levam diretamente a causar uma doença.1 Algumas vezes, essas variantes conferem uma predisposição genética a determinadas doenças multifatoriais ou poligênicas, como doença de Alzheimer, doença coronariana, hiper- tensão essencial e diabetes melito.1 16 QJ "'C '= ~ rlj --~ ~ -~ ~ '~ e -~ ~ ~ o !~ ~ = QJ < ~ ~ ~ ~ ~ ~ -~ "'C ,QJ ~ ~ ~ -~ +"' ,QJ = QJ ~ QJ "'C ,; = = ~ ~ 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 X y Figura 2.1 Cariótipo humano. Fonte: Maluf e Riegel.3 Classificação As doenças genéticas podem ser classificadas de maneiras distintas, de acordo com a localização do defeito genético. Distúrbios cromossômicos Os distúrbios cromossômicos são responsáveis por uma grande proporção de abor- tos, malformações congênitas e deficiências mentais. A investigação cromossômica está indicada como procedimento diagnóstico para: pacientes com malformações, alterações fenotípicas, problemas precoces de crescimento e desenvolvimento, na- timortos e morte neonatal, problemas de fertilidade, história familiar de alteração genética, neoplasia e gestação em mulheres em idade avançada.2 As anomalias nos cromossomos podem ser numéricas ou estruturais, envolvendo um ou mais autossomos (cromossomos 1 ao 22), cromossomos sexuais ou ambos de maneira simultânea. A anomalia cromossômica mais comum, com repercussão clínica, é a aneuploidia, que consiste na presença de um cromossomo extra ou na falta de um dos cromossomos, sempre associada a malformação física, deficiência mental ou a am- bas. 2 As consequências fenotípicas dependem da natureza da anomalia cromossômi- ca, do desequilíbrio resultante nas partes envolvidas no genoma, dos genes específicos contidos ou afetados pela anomalia e da probabilidade de transmissão para a prole.2 Anomalias cromossômicas numéricas2 As células somáticas normais apresentam o número diploide de cromossomos (2n). Quando ocorre um complemento cromossômico euploide, chamamos de triploidia (3n) ou tetraploidia (4n). As triploidias são observadas em 1 a 3% das concepções identificadas e, dentre as que sobrevivem ao fim do primeiro trimestre, a maior parte resulta da fertilização por dois espermatozoides. Outra causa da triploidia pode ser o insucesso em uma das divisões meióticas, resultando em um ovócito ou um espermatozoide diploide. A manifestação fenotípica de uma triploidia de- pende se o conjunto extra de cromossomos vem do pai ou da mãe. Triploides com um conjunto extra de cromossomos paternos apresentam, em geral, uma placenta anormal, enquanto aqueles que receberam o conjunto adicional de cromossomos maternos são precoce e espontaneamente abortados na gestação. Já as tetraploi- dias (4n) apresentam sempre 92 cromossomos, e suspeita-se que resultem da falha na conclusão de uma clivagem inicial durante a divisão do zigoto. A aneuploidia ocorre em, pelo menos, 5% das gestações conhecidas, sendo o tipo mais comum de distúrbio cromossômico. Os pacientes aneuploides podem apresentar trissarnia ou monossomia e ambas apresentam grave repercussão fenotípica. A trissarnia (3 cro- mossomos no lugar do par normal de um cromossomo específico) pode ocorrer com qualquer cromossomo, porém, a trissarnia de um cromossomo inteiro raramente é compatível com a vida. As trissarnias observadas em nascidos com vida ocorrem, de forma predominante, nos cromossomos 13, 18 e 21, responsáveis, respectiva- mente, pelas síndromes de Patau, de Edwards e de Down. As trissarnias ocorridas nos outros cromossomos são, na maioria dos casos, letais, pois esses cromossomos possuem um maior número de genes. A monossomia de um cromossomo inteiro é quase sempre letal, à exceção da monossomia do cromossomo sexual X, que causa a síndrome de Turner. Anomalias cromossômicas estruturais2 Os rearranjos estruturais resultam da ruptura dos cromossomos seguida pela recons- tituição em uma combinação anormal. As anomalias estruturais, no total, são menos comuns que as numéricas e podem ser induzidas por agentes como radiação ionizan- te, algumas infecções virais e agentes químicos. Podem ser definidos como balance- ados, quando o conjunto cromossômico possui o complemento normal de material cromossômico, ou não balanceados, quando há material adicional ou ausente. As de- leções e duplicações são exemplos de rearranjos não balanceados. Nas deleções, há a perda de um segmento de um cromossomo, resultando em desequilíbrio cromossô- mico, uma vez que o portador da deleção é monossômico para a informação genética no segmento correspondente do homólogo normal. As duplicações podem originar- -se de um crossing-over desigual ou de uma segregação anormal a partir da meiose de um portador de uma translocação ou de uma inversão e, em geral, causam uma alteração fenotípica. Marcadores, cromossomos em anel, isocromossomos e cromos- somos dicêntricos também são classificados como rearranjos não balanceados. Quan- do os rearranjos cromossômicos são balanceados, geralmente não causam um efeito fenotípico. As inversões ocorrem quando um único cromossomo sofre duas fraturas e é reconstituído com o segmento invertido entre os pontos de ruptura. O portador de uma inversão geralmente não apresenta um fenótipo, porém, pode produzir gametas 17 18 anormais, o que pode levar a uma prole não balanceada. As translocações envolvem a troca de segmentos de dois cromossomos, geralmente não homólogos. As transloca- ções recíprocas resultam da ruptura de cromossomos não homólogos com a permuta recíproca dos segmentos partidos, não alterando o número total de cromossomos. Assim como outros rearranjos, as translocações recíprocas também estão associadas a um risco de produzir gametas não balanceados. As translocações robertsonianas envolvem dois cromossomos menores (acrocêntricos, nos quais o centrômero está na parte terminal) que se fundem próximo à região do centrômero. Nesse caso, o cariótipo apresenta apenas 45 cromossomos. Embora o portador de uma transloca- ção robertsoniana seja fenotipicamente normal, há o risco de ter descendentes não balanceados e, portanto, com fenótipo alterado. As inserções são um tipo de translo- cação não recíproca que ocorre quando um segmento removido de um cromossomo é inserido em um cromossomo diferente. O portador apresenta o risco de até 50% de ter uma criança anormal. Distúrbios monogênicos2 Consistem em doenças causadas por mutações em um único gene. Os padrões de he- rança dos distúrbios monogênicos dependem de o fenótipo ser dominante ou recessi- vo e da localização cromossômica da alteração genética, que pode ser em um cromos- somo autossômico ou em um cromossomo sexual. Padrão de herança autossômica 2 Os distúrbios de herança autossômica em geral afetam homens e mulheres igualmen- te (salvo algumas exceções,como distúrbios limitados ao sexo). As doenças autossô- micas recessivas ocorrem somente em indivíduos com dois alelos mutantes e nenhum alelo normal. Em indivíduos com somente um alelo mutante, o alelo normal compen- sa o alelo anormal, impedindo que a doença se manifeste. Como cada indivíduo herda somente um dos dois alelos de cada genitor, para que a doença autossômica recessiva se manifeste, o indivíduo deve herdar um alelo mutante de cada genitor. Os indiví- duos afetados por uma doença autossômica recessiva, em sua maioria, são filhos de genitores heterozigotos não afetados. Nesse caso, os pais são também chamados de portadores e apresentam o risco de 25% de terem um filho afetado (homozigoto), conforme demonstrado na Tabela 2.1. A Figura 2.2 exemplifica o padrão de herança autossômica recessiva em um casal de portadores. A doença genética mais comum em crianças brancas que segue esse padrão de transmissão é a fibrose cística. Como a maioria dos alelos mutantes responsáveis por distúrbios autossômicos está em portadores, esses alelos podem permanecer ocul- tos por diversas gerações. A presença desses genes recessivos se manifesta somente quando o portador se une a outro portador para o mesmo lócus e ambos transmitem o alelo mutado ao descendente. A possibilidade de ambos os genitores serem porta- dores de um alelo mutante no mesmo lócus aumenta se eles forem consanguíneos, ou seja, possuírem um ancestral em comum que possa ter transmitido essa condição para ambos. Embora a união consanguínea aumente o risco genético, esse risco não é muito superior ao risco que indivíduos não aparentados apresentam. Tabela 2.1 Padrão de herança autossômica recessiva 1 União parental Prole Risco da doença Portador com portador Rr X Rr Portador com afetado Rr x rr Afetado com afeta do rr x RR ¼ RR, ½ Rr, ¼ rr ½ Rr, ½ rr Todos RR ¾ não afetados ¼ afetado ½ não afetado ½ afetado Todos afetados Em resumo, as principais características da herança autossômica recessiva são: • Um fenótipo autossômico recessivo só é observado nos irmãos do probando e não em seus genitores, descendentes ou outros parentes. • Para a maioria dos distúrbios autossômicos recessivos, os homens e as mulheres apresentam a mesma probabilidade de serem afetados. • Os genitores de uma criança afetada são portadores assintomáticos de alelos mu- tantes. • Os genitores de uma pessoa afetada podem, algumas vezes, ser consanguíneos. Isso é mais provável se a mutação responsável pela doença for rara na população. • O risco de recorrência para cada irmão do probando é de 1 em 4. Aa Aa AA Aa Aa ªª Figura 2.2 Padrão de herança autossômica recessiva em um casal de heterozigotos. 19 20 As doenças autossômicas dominantes correspondem a mais da metade dos dis- túrbios mendelianos. O risco e a gravidade dos distúrbios dominantes dependem de se um ou ambos os genitores está afetado e se a característica é estritamente domi- nante ou incompletamente dominante. Na prática, os homozigotos para fenótipos dominantes não são vistos com frequência pois as uniões que poderiam produzir uma descendência homozigota são raras, com exceção da acondroplasia - distúrbio esque- lético que se manifesta por meio de nanismo de membros curtos e cabeça grande. As uniões entre dois indivíduos acondroplásicos são comuns, podendo resultar em um filho homozigoto para a doença. Os indivíduos homozigotos para a acondroplasia são muito mais gravemente afetados do que os heterozigotos e, em geral, não sobrevivem ao período pós-natal imediato. Como dito anteriormente, quando os indivíduos ho- mozigotos para um fenótipo dominante sobrevivem, são muito gravemente afetados e não chegam a se reproduzir. Na hipótese da união de dois indivíduos heterozigotos, há o risco de que 75% da prole seja afetada e 25% de que seja normal, conforme de- monstrado na Tabela 2.2. A Figura 2.3 exemplifica o padrão de herança autossômica dominante em um casal com um afetado e um não afetado. Resumidamente, a herança autossômica dominante segue as seguintes regras: • O fenótipo aparece em todas as gerações, em que cada uma das pessoas afetadas possui um genitor afetado. Casos originados de mutações recentes em um ga- meta de um genitor fenotipicamente normal e casos nos quais o distúrbio não é expresso ou é expresso de modo sutil em uma pessoa que herdou o alelo mutante ~ ~ sao exceçoes a essa regra. • Qualquer filho de um genitor afetado tem 50% de risco de herdar a característica para as famílias nas quais o outro genitor é fenotipicamente normal. • Pessoas fenotipicamente normais não transmitem o fenótipo para seus filhos. • Em geral, homens e mulheres têm a mesma probabilidade de transmitir o fenóti- po a descendentes de ambos os sexos. • Uma significativa proporção de casos isolados se deve a uma nova mutação. Tabela 2.2 Padrão de herança autossômica dominante União parental Prole Risco da doença Afetado com não afetado Ddx dd Afetado com afetado DdxDd ½Dd,½dd ¼ DD, ¼ Dd, ¼ dd ½ afetado ½ não afetado Se estritamente dominante: ¾ afetados ¼ não afetado Se incompletamente dominante: ½ afetado de maneira semelhante aos genitores ¼ mais gravemente afetado que os genitores ¼ não afetado Aa ªª ªª Aa Aa ªª Figura 2.3 Padrão de herança autossômica dominante em um casal com um afetado e um não afetado. Padrão de herança ligada ao X2 Distribui-se de maneira diferente entre homens e mulheres. Como os homens apre- sentam apenas um cromossomo X, são homozigotos em relação aos genes ligados ao X, enquanto as mulheres, por apresentarem dois cromossomos X, podem ser he- terozigotas ou homozigotas para os alelos. No entanto, os alelos para a maioria dos genes ligados ao X são expressos a partir de somente um dos dois cromossomos X em qualquer uma das células de uma mulher. Podemos esperar, em homens e mulheres, os genótipos descritos na Tabela 2.3. Os padrões de herança recessivos ou dominantes ligados ao X distinguem-se com base no fenótipo nas mulheres heterozigotas. Quando os fenótipos ligados ao X são expressos em portadoras, são chamados de dominantes. Quando os fenótipos não são expressos em portadoras, são chamados de recessivos. Alguns geneticistas con- sideram os termos dominante e recessivo ligado ao X dispensáveis para as doenças ligadas ao X, uma vez que a dominância e a recessividade não são absolutas para um distúrbio ligado ao X. Esses termos, porém, ainda são amplamente usados e des- crevem extremos de um espectro de penetrância e expressividade em portadores do sexo feminino de doenças ligadas ao X. Os distúrbios recessivos ligados ao X em geral estão restritos aos homens e raramente são observados em mulheres. A hemofilia A é um exemplo. Se um hemofílico unir-se a uma mulher normal, todos os filhos receberão o cromossomo Y do pai e um cromossomo X da mãe, não sendo afetados, mas todas as filhas receberão o cromossomo X do pai com o seu alelo para hemofilia, portanto, serão obrigatoriamente portadoras. A Figura 2.4 exemplifica esse padrão 21 22 Tabela 2.3 Padrão de herança ligado ao X Genótipos Fenótipos Homens Mulheres Hemizigotos XH Hemizigotos Xh --- Homozigotos XHXH Heterozigotos XHXh Homozigotos x hxh Não afetado Afetado Não afetados Não afetados (normalmente) Afetados de herança. Se uma filha do homem afetado unir-se a um homem não afetado, há a probabilidade de que 50% das filhas do casal sejam portadoras, 50% das filhas sejam normais, 50% dos filhos sejam afetados e 50% dos filhos sejam normais. As principais características da herança recessiva ligada ao X são: 2 • A incidência é muito mais alta em homens do que em mulheres. • As mulheres heterozigotas geralmente não são afetadas, mas algumas podem expressar a condição com expressividade variável, conforme determinado pelo padrão de inativação do X. • Os homens afetados transmitem a condição para todas as filhas, e qualquer um dos filhos de suasfilhas tem 50% de chance de herdá-lo. XX XY XY Figura 2.4 Padrão de herança ligada ao X, utilizando como exemplo a hemofilia A. • O alelo mutante geralmente não é transmitido de pai para filho, mas é transmiti- do por um homem afetado para todas as suas filhas. • O alelo mutante pode ser transmitido por uma série de portadores do sexo femi- nino. Se isso acontecer, os homens afetados em uma família são aparentados por meio das mulheres. • Uma significativa proporção de casos isolados é devida a uma nova mutação. Os distúrbios dominantes ligados ao X são regularmente expressos em heterozi- gotos e não há transmissão homem a homem. Todas as filhas e nenhum dos filhos de um homem afetado serão afetados. São raros os distúrbios classificados como domi- nantes ligados ao X. Um exemplo é o raquitismo hipofosfatêmico, doença na qual a capacidade dos túbulos renais de reabsorverem o fosfato está comprometida. As principais características da herança dominante ligada ao X são: 2 • Os homens afetados com parceiras normais não têm nenhum filho afetado e to- das as filhas são afetadas. • Tanto os filhos quanto as filhas das mulheres portadoras apresentam 50% de chance de herdarem o fenótipo. • As mulheres serem afetadas é cerca de duas vezes mais comum do que os homens o serem, porém as mulheres afetadas apresentam uma expressão mais leve do fenótipo. Distúrbios de herança complexa2 Esses distúrbios resultam de complexas interações entre diversos fatores genéticos e ambientais e, por isso, também são chamados de distúrbios de herança multifatorial. Nesse padrão de herança, há o efeito coletivo do genótipo de um lócus ou de múltiplos Zoei (efeito poligênico ou multigênico), aumentando ou reduzindo a suscetibilidade a uma doença, combinada a uma variedade de fatores ambientais, que podem iniciar, acelerar, exacerbar ou proteger contra o progresso da doença. Em geral, a agrega- ção familiar está presente pelo fato de que membros de uma mesma família com- partilham a informação genética e estão expostos aos mesmos agentes ambientais com mais frequência que indivíduos escolhidos aleatoriamente na população. Como exemplos de doenças multifatoriais, pode-se citar algumas malformações congênitas, como defeitos do tubo neural, fenda labial com ou sem fenda palatina e malformações cardíacas congênitas. As principais características da herança de doenças complexas são: • Esses distúrbios não demonstram um padrão simples de herança mendeliana, apesar de os genes contribuírem para a ocorrência deles. • Em geral, há agregação familiar, pois é mais provável que os parentes de um indi- víduo afetado tenham os mesmos alelos que predispõem às doenças em comum com a pessoa afetada do que com indivíduos não relacionados. • Apesar de membros afetados de uma mesma família apresentarem o mesmo ge- nótipo, pode haver ausência de penetrância da doença, sobretudo pela ação dos fatores não genéticos (fatores ambientais). 23 24 • A doença é mais comum entre os parentes mais próximos do probando. Quanto mais intimamente relacionados, maior a chance de haver compartilhamento de alelos de predisposição. Distúrbios mitocondriais Além dos 3 bilhões de pares de bases descobertos no genoma nuclear, posteriormente foi constatado que cada célula humana contém milhares de cópias de uma pequena molécula circular de DNA com um duplo revestimento, que constitui o DNA mitocon- drial. Com isso, verificou-se a existência de um padrão de herança mitocondrial, que segue uma linha de transmissão estritamente materna, uma vez que as mitocôndrias são transmitidas de uma geração a outra somente por meio dos óvulos maternos. 2 As mitocôndrias localizadas nos espermatozoides não contribuem para o patrimônio do zigoto após a fertilização. 1 Portanto, todos os filhos de uma mulher que seja homoplas- mática para uma mutação no DNA mitocondrial herdarão essa mutação, enquanto nenhum dos filhos de um homem portador dessa mutação herdará o DNA defeituoso. 2 Uma característica própria das doenças de herança mitocondrial é a variabilidade fe- notípica, especialmente nos casos em que existe uma heteroplasmia. Isso ocorre por- que as consequências das mutações no DNA mitocondrial diferem das que acontecem no DNA nuclear. O efeito de uma mutação no DNA mitocondrial depende do número de organelas que apresentam a mutação em comparação ao número de células nor- mais. As clássicas doenças mitocondriais comprometem os tecidos muscular e nervo- so, constituindo encefalomiopatias mitocondriais, como a neuropatia óptica hereditá- ria de Leber, cujos sintomas aparecem, em geral, na puberdade.1 As principais características da herança mitocondrial são: 2 • Todos os filhos de mulheres homoplasmáticas para uma mutação herdarão essa mutação. Já os filhos de um homem portador da mutação não a herdarão. • As mulheres heteroplasmáticas para mutações de ponto e duplicações as passa- rão para todos os seus filhos. No entanto, o risco e a gravidade da doença podem variar consideravelmente dependendo da fração de mitocôndrias mutantes. As deleções heteroplasmáticas em geral não são herdadas. • Nas famílias em que há heteroplasmia, o espectro da doença pode variar conside- ravelmente entre seus membros, dependendo da fração de mitocôndrias nos di- ferentes tecidos. A pleotropia e a expressividade variável nos membros afetados de uma mesma família são comuns. Fatores que afetant os padrões de herança 2 A expressão fenotípica de um genótipo anormal pode ser modificada por envelhecimen- to, outros Zoei genéticos ou efeitos do meio ambiente, dificultando o diagnóstico e a in- terpretação do heredograma. Existem dois modos distintos pelos quais tais diferenças na expressão podem ocorrer: penetrância reduzida e expressividade variável. A penetrância consiste na probabilidade de que um gene de fato se expresse. Quando a frequência de expressão de um fenótipo é de menos de 100%, é dito que a penetrância do gene é redu- zida, ou seja, nem todos os indivíduos que possuem o gene para a condição manifestarão o fenótipo. A expressividade é a gravidade da expressão do fenótipo entre os indivíduos com o mesmo genótipo causador da doença. Quando a gravidade da doença difere entre pessoas que apresentam o mesmo genótipo, diz-se que a doença apresenta expressivi- dade variável. Um exemplo de doença com expressividade variável é a neurofibroma- tose tipo 1, caracterizada por crescimento de múltiplos fibromas na pele, presença de múltiplas lesões cutâneas pigmentadas planas e irregulares, crescimento de pequenos tumores benignos na íris dos olhos e, algumas vezes, deficiência mental, tumores no sis- tema nervoso central, neurofibromas plexiformes difusos e desenvolvimento de câncer nos sistemas nervoso ou muscular. A penetrância da doença é de 100%, isto é, todos os indivíduos que apresentam o genótipo para a neurofibromatose tipo 1 apresentarão o fenótipo em algum grau. ' Lembre-se: • O genoma contido no núcleo das células contém 46 cromossomos, divididos em 23 pares, sendo 22 pares de cromossomos autossômicos e 1 par de cromosso- mos sexuais (XX nas mulheres e XY nos homens). • As mutações consistem em mudanças na sequência ou no arranjo do código genético. • Os polimorfismos são variações do DNA encontradas em mais de 1% da popula- ção em geral, e são alterações que não levam diretamente a causar uma doença. • Algumas vezes, os polimorfismos conferem uma predisposição genética a deter- minadas doenças multifatoriais (ou poligênicas). • As doenças genéticas podem ser cromossômicas (alterações numéricas ou es- truturais), monogênicas (autossômicas recessivas, autossômicas dominantes ou ligadas ao cromossomo X) ou resultantes de diversos fatores genéticos ligados a fatores ambientais (multifatorial). Referências 1. Carakushansky G. Doenças genéticas em pediatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 2. Nussbaum RM, Mclnnes RR, Willard HF. Thompson & Thompson genética médica.7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2008. 3. Maluf SW, Riegel M. Citogenética humana. Porto Alegre: Artmed; 2011. 25 Capítulo 3 Louise Lapagesse de Camargo Pinto Taiane Vieira Avaliação Genética de Famílias Introdução A obtenção da história familiar é uma estratégia para direcionar as atividades de pro- moção da saúde de maneira mais eficaz para os indivíduos e suas fanu1ias. Ela é uma importante ferramenta para identificar indivíduos e famílias com suscetibilidade ge- nética para doenças crônicas comuns, como acidente vascular cerebral, diabetes e a maioria dos cânceres, assim como doenças monogênicas raras, como fibrose cística, anemia falciforme, formas hereditárias do câncer de mama e colo. Em geral, para doenças genéticas raras, a história familiar primeiramente reflete o fator de risco ge- nético compartilhado entre os membros da família afetados, seguindo um padrão de herança específico, o qual pode ser reconhecido por meio de uma avaliação cuidadosa do heredograma. Para as doenças crônicas comuns, que possuem uma natureza mul- tifatorial, a história familiar reflete a interação complexa entre fatores de risco gené- ticos e não genéticos (p. ex., exposições, comportamento e fatores culturais) compar- tilhados entre os membros da família afetados pela doença.'-" De maneira resumida, pode-se dizer que a história familiar é o conjunto da des- crição dos parentescos e da história médica da família. Os objetivos principais, ao obtê-la, são: 1) alertar ao médico sobre a possibilidade de fatores genéticos estarem influenciando na ocorrência das doenças familiares; 2) estabelecer o mecanismo de herança; 3) auxiliar na estimativa do risco individual para o desenvolvimento de uma doença.3 História familiar O motivo da consulta que leva um paciente a procurar um serviço de saúde pode ser diferente de acordo com cada situação, mas a história familiar será a mesma inde- pendentemente da queixa apresentada. Desse modo, a coleta da história familiar é essencial para todas as áreas da saúde, tendo em vista que ela pode revelar pistas para o diagnóstico ao fornecer informações relevantes de vários indivíduos relacionados.4 Além disso, a história familiar pode auxiliar na elucidação do padrão de transmissão e fornecer dicas para seguimento das doenças genéticas, particularmente das doenças comuns, nas quais o estilo de vida e o ambiente têm papel importante. 5 Destacam-se duas situações em que a história familiar merece ser investigada de modo mais detalhado na Atenção Primária: durante uma primeira consulta em pacientes com um diagnóstico estabelecido de uma doença com uma base genética ou na suspeita de uma doença com uma possível causa genética. No primeiro caso, pode- -se incluir as consultas de rotina para avaliação da saúde, de planejamento familiar e de pré-natal. Já no segundo caso, um paciente pode necessitar de uma consulta por estar preocupado com o risco de vir a ter uma doença genética por apresentar um familiar afetado ou com o risco de transmitir uma doença para os seus filhos. Todos os profissionais dos cuidados de saúde primários podem realizar a obten- ção da história familiar. De uma maneira geral, é possível coletar uma história f a- miliar de maneira simplificada em 10 minutos, no entanto é prudente reservar um tempo maior, tendo em vista que algumas famílias podem demandar mais tempo.3 Heredograma O heredograma é a representação gráfica da história familiar, sendo constituído por todos os membros da família e suas relações por meio de símbolos padroni- zados (Fig. 3.1). Essa representação deve conter as seguintes informações: idade ou ano de nascimento; idade para óbitos, idade e causa da morte; consanguini- D o • ©0 • 0 )() ób Sexo masculino Sexo feminino Sexo não especificado Número de filhos do sexo indicado Afetado Falecido Natimorto Gêmeos dizigóticos D-O União 0-0 Separação • =o União consanguínea [O] Adoção 0 0 Portadores obrigatórios (não manifestam a doença) /7• Probando (caso-índice) ~ Aborto Gêmeos monozigóticos Figura 3.1 Símbolos utilizados na construção dos heredogramas. 27 28 dade; etnia; informações relevantes sobre a saúde; doenças relevantes e idade ao diagnóstico; informações sobre gestação, infertilidade, abortamentos espontâneos, natimortos, complicações gestacionais, informações sobre meios-irmãos e outras informações pertinentes.5'6 Para começar a coleta de uma história familiar, deve-se questionar sobre a his- tória médica de, ao menos, três gerações da família do consulente (pessoa afetada ou um parente não afetado de um probando). Probando, ou caso-índice, ou propósito é o indivíduo que está sendo estudado. Inicialmente, os pacientes podem não ter o conhecimento total de sua história familiar ou apresentarem conhecimentos incom- pletos ou incorretos. Se, no primeiro momento, não for possível obter todas as infor- mações, os pacientes devem ser encorajados a contatar seus parentes para obtê-las e/ou confirmá-las. Em um próximo encontro, de posse das informações, a história familiar poderá ser finalizada ou retificada. É fundamental obter os dados corretos para orientar o paciente e sua família de maneira adequada. Também é importante ter em mente que a história familiar deve ser sempre atualizada. Para a construção de um heredograma, o profissional de saúde deve: estar fami- liarizado com os símbolos; iniciar a construção pela linhagem paterna, à esquerda, a partir do consulente ou do probando (membro da família afetado); em cada linha, colocar uma geração e utilizar números romanos; numerar os indivíduos da esquerda para a direita com algarismos arábicos; continuar pelas uniões do consulente e dos ir- mãos deste; continuar subindo em direção aos pais e avós da mesma maneira; coletar pelo menos três gerações (Fig. 3.2). O profissional que irá obter a história familiar deve ter em mente que o local da entrevista deve ser apropriado para deixar a família tranquila ao relato das informa- ções. A linguagem utilizada deve ser compreensível, e as perguntas, simples e aber- tas. O consulente deve participar da confecção do heredograma ao mesmo tempo em que é questionado. A explicação dos benefícios, limitações e riscos da obtenção da história familiar podem deixar o paciente mais à vontade.3,4'6'7 Deve-se garan- tir a confidencialidade, deixando claro que quem coleta a história do paciente não prestará nenhum tipo de julgamento em relação às informações, tendo em mente as implicações éticas da coleta da história familiar. A coleta das informações deve ser realizada de maneira não diretiva, evitando expressões como alto ou baixo risco, bons ou maus genes, entre outras. 1 2 3 4 2 3 4 5 7 8 l i Ili Figura 3.2 Exemplo de heredograma de três gerações. Considerações importantes Existem pontos delicados na construção das genealogias que devem ser abordados: adoções, abortamentos, filhos ilegítimos, uso de drogas, infertilidade, doenças psi- quiátricas. Também devem ser formuladas questões diretas a respeito de indivíduos que faleceram precocemente e sobre a presença de deficiência mental e/ou física. 8 A consanguinidade é um dos fatores mais importantes na avaliação de famílias em risco para várias doenças genéticas. Devido à confusão que o grau de parentesco pode causar, a consanguinidade deve ser questionada de várias maneiras: "se o ma- rido e a esposa são parentes", "se alguém da família materna tem parentesco com a família paterna" e "se os pais podem ser primos". Quanto mais próximo for o paren- tesco (p. ex., primos de primeiro grau são mais relacionados do que os de segundo grau), maior o risco de serem portadores de genes deletérios semelhantes. São con- siderados parentes de primeiro grau pais, irmãos e filhos do probando. Avós, netos, tios, sobrinhos e meios-irmãos são designados parentes de segundo grau.5 Interpretação O profissional de saúde deve fazer todos os esforços para confirmar o diagnóstico de umadoença relatada durante a coleta da história familiar, solicitando, quando necessário, resultados de exames e certidão de óbito.4 A importância da confirmação do diagnóstico reside no fato de que as informações podem ser contraditórias; por exemplo, uma paciente pode ter a informação de câncer no ovário mas, ao trazer o exame, pode-se verificar que se tratava de um cisto de ovário. Esse tipo de situação muda completamente a indicação da avaliação genética. Ao concluir a coleta da história familiar, o profissional de saúde poderá interpretar e fornecer informações sobre a doença, o modo de herança, a etiologia, o prognóstico, as opções terapêuticas e a necessidade de encaminhamento para serviços de referência. A história familiar positiva para uma condição é um fator de risco importante para doenças crônicas comuns e doenças genéticas raras. O conhecimento do padrão das doenças familiares pode ajudar a identificar indivíduos que podem se beneficiar de intervenções preventivas, permitir a modificação dos hábitos de vida e interfe- rir nos cuidados básicos de saúde. 2 Por outro lado, é muito comum que os pacientes superestimem o risco de doenças comuns, como câncer e doenças cardiovasculares, sendo de extrema importância que recebam orientações corretas.1 É possível estratificar o risco para o desenvolvimento de doenças genéticas pelo reconhecimento das características familiares e pelo comportamento da doença na família, sugerindo uma suscetibilidade hereditária (Quadro 3.1). Testes genéticos A história familiar também serve como ferramenta de triagem para o encaminhamen- to de pacientes para a realização de testes genéticos. À medida que os testes genéticos 29 30 Quadro 3.1 Classificação de risco para o desenvolvimento de doenças com base genética Um risco familiar BAIXO pode ser designado caso exista: • Nenhuma história familiar da doença; • Doença em um único parente de segundo grau de um ou de ambos os lados da família. Um risco familiar MODERADO pode ser designado caso exista: • Somente um parente de primeiro grau com início tardio da doença; • Somente um parente de primeiro grau com início tardio da doença e um parente de segundo grau da mesma linhagem familiar com início tardio da doença; • Somente um parente de segundo grau com início precoce da doença e um parente de segundo grau da mesma linhagem familiar com início tardio da doença; • Somente dois parentes de segundo grau da mesma linhagem familiar com início tardio da doença. Um risco familiar ALTO é designado: • Para todas as outras histórias familiares de doenças, incluindo ter ao menos um pa- rente de primeiro grau com início precoce da doença em combinação com múltiplos familiares afetados em diferentes gerações; • Quando a história familiar é sugestiva de uma doença monogênica conhecida. Início precoce de uma doença se refere à ocorrência 10 a 20 anos antes do esperado para a população em geral. Linhagem se refere ao lado da família ao qual a doença é relatada. Fonte: Adaptado de Scheuer e Yoon.2 se tornam disponíveis, sua importância será cada vez maior para identificar os indiví- duos em risco para determinadas suscetibilidades ou para o diagnóstico das doenças genéticas. A testagem genética preditiva no cuidado primário pode ser uma promessa no futuro. 2 No entanto, profissionais de saúde pública devem estar cientes das limi- tações dos testes genéticos, e essa informação deve ser transmitida aos pacientes. A área mais importante para o reforço do papel da saúde pública está na regulamenta- ção dos testes genéticos e outros serviços genéticos fornecidos principalmente pelo setor privado. 8'9 Avanços no entendimento da genética humana têm trazido potenciais benefícios para a prática clínica. Tais avanços promovem desafios e riscos para os pacientes. Os riscos incluem testagem e ansiedade desnecessárias, terapias inadequadas e custos excessivos. O oferecimento da testagem genética tem o potencial de influenciar nas relações familiares, no estilo de vida e nas decisões reprodutivas.3 O aspecto mais importante da medicina será sempre a adequada avaliação dopa- ciente e de sua família por meio de uma anamnese minuciosa e um cuidadoso exame físico. As hipóteses diagnósticas corretas surgirão somente a partir desses dois pontos que constituem a avaliação. Lembre-se: • A história familiar é uma importante ferramenta para identificar indivíduos e famílias com suscetibilidade genética para doenças crônicas comuns e também para doenças monogênicas raras. • É fundamental obter os dados corretos para orientar adequadamente o paciente e sua família, além de manter a história familiar sempre atualizada. Referências 1. Ruffin MT, Nease DEJr, Sen A, Pace WD, Wang C, Acheson LS, et ai. Effect of preventive messages tailored to family history on health behaviors: the family healthware impact triai. Ann Fam Med. 2011;9(1):3-11. 2. Scheuer MT, Yoon PW. Family history: a bridge between genomic medicine and disease prevention. ln: Willard HF, Gensburg G. Genomic and personalized medicine. San Diego: Else,~er; 2003. v. 1, p. 481-492. 3. Rose P, Lucassen A. Practical genetics for primary care. Oxford: Oxford University Press; 1999. 4. Rich EC, Burke W, Heaton CJ, Haga S, Pinsk-y L, Short MP, et ai. Reconsidering the family history in primary care. Gen lutem Med. 2004;19(3):273-80. 5 GeneticAlliance; The New England Public Health Genetics Education Collaborative. Understanding genetics: a New England guide for patients and health professionals [Internet]. Genetic Alliance; 2010 [capturado em 13 nov. 2012]. Disponível em: http://www. resourcerepository.org/ documents/ 1868understandinggenetics: anewenglandguideforpatientsandheal thprofessionals/. 6. Bennett RL. The language of the pedigree. ln: Benett RL. The practical guide to the genetic family history. 2nd ed. Hoboken: John Wiley & Sons; 2010. Chapter 1, p. 1-17. 7. March of Dimes-Genetics and Your Practice [Internet]. White Plains; c2003 [atualizado em 2011; capturado em 13 nov. 2012]. Disponível em: http://www. marchofdimes.com/gyponline/ index. bm2. 8. Bennett RL. Pedigree parables. Clin Genet. 2000;58(4):241-9. 9. Holtzman NA. What role for public health in genetics and vice versa? Community Genet. 2006;9(1):8-20. 31 Capítulo 4 Dismorfologia Introdução Júlio César Loguercio Leite Têmis Maria Félix O termo dismorfologia foi utilizado pela primeira vez por David Smith, em 1960, para descrever as alterações estruturais observadas em alguns indivíduos. O significado etimológico do termo é "estudo da forma anormal". Como disciplina científica, com- bina conhecimentos e práticas de embriologia e epidemiologia clínica. Na prática mé- dica diária, é uma ferramenta diagnóstica e ocupa-se de crianças ou adultos portado- res de defeitos morfológicos congênitos. 1 Os defeitos presentes ao nascimento são ditos congênitos, independentemente da causa ou da patogênese, ou inclusive do período de surgimento durante a gestação. Os fatores que causam tais anomalias podem ser genéticos, ambientais ou um dese- quilíbrio ent re ambos. Patogênese é o mecanismo no qual ocorre uma alteração no desenvolvimento. Os fatores etiológicos ambientais que atuam na gestação, causando alterações morfológicas, são chamados de agentes teratogênicos. Os agentes terato- gênicos podem ser químicos, biológicos e físicos e exercem suas ações mais danosas primariamente nas oito semanas iniciais da gestação. Classificação dos defeitos congênitos Anomalia maior: Anomalia estrutural com consequências médicas e sociais. Apresenta incidência menor que 1%, sendo maior entre os fetos abortados. Exemplos: fendas labiais e palatinas, malformações cardíacas. Anomalia menor: Anomalia estrutural relativamente frequente, sem consequên- cias médicas e sociais. A incidência é de cerca de 15% nos nascidos vivos. É impor- tante reconhecê-la, porque sinaliza a necessidade de pesquisara existência de outras anomalias. A presença de duas ou mais anomalias menores aumenta a probabilidade de encontrar também uma anomalia maior. As anomalias menores frequentemente ajudam no diagnóstico de síndromes específicas. Exemplos: microtia, hipertelorismo ocular, pregas epicânticas, micrognatia, nevos, sindactilia de segundo e terceiro arte- lhos.2 Outros exemplos são mostrados no Quadro 4.1. Quadro 4.1 Exemplos de anomalias menores Crânio Forames parietais: São defeitos circulares localizados próximos ao centro dos ossos pa- rietais no sítio das veias emissárias parietais. Variam de 1 mm a 3-4 cm, são geralmente bilate- rais e, algumas vezes, aparecem como múltiplos defeitos ósseos. Inclusive os grandes forames não costumam ser sintomáticos, mas podem causar preocupação na infância pela protusão e, às vezes, pulsação do escalpo adjacente. Por volta dos 3 anos de idade, os defeitos ainda podem ser palpáveis, mas em geral já alcançaram seu tamanho final e não são mais pulsáteis. Bossafrontal ou parietal: Há uma elevação simétrica dos ossos, formando uma cú- pula baixa. No caso da bossa parietal, as elevações formam-se sobre a maior convexidade dos ossos parietais. Na bossa frontal, as proeminências são vistas sobre a fronte em ambos os lados da linha média, quase verticalmente sobre as órbitas. Proeminência dafronte: Deve ser diferenciada da bossa frontal. Toda a testa projeta- -se para a frente, mas não são vistas proeminências ósseas distintas. Fronte alta ou curta: Avaliada pela distância vertical entre a linha das sobrancelhas e o topo da cabeça. Existe considerável variação racial ou familiar nessa medida, que pode ser enfatizada ou obscurecida por uma linha capilar anterior alta ou baixa. Fronte inclinada: Pode parecer curta, entretanto, uma acentuada inclinação para trás geralmente significa hipoplasia dos lobos frontais e é, na maioria dos casos, associada à microcefalia franca. Região periocular Ptose palpebral: Resulta da fraqueza do músculo elevador da pálpebra, fazendo com que esta se direcione para baixo, cobrindo parcialmente a pupila. A ptose unilateral pode ser familiar, mas é frequentemente de origem traumática, enquanto a ptose bilateral é su- gestiva de anormalidade neuromuscular generalizada. Entrópio: É a tendência de rotação interna da pálpebra superior, pondo os cílios em contato com a córnea. Pode ser uma condição temporária, mas, se não for corrigida a tem- po, pode levar à abrasão e eventual cicatrização da córnea. Estenose ou atresia do dueto lacrimal: Os duetos abrem, normalmente, poucos dias ou semanas após o nascimento. No início da infância, lacrimejamento excessivo de um olho pode ser a primeira indicação da anomalia. O bloqueio da drenagem geralmente ocorre distal ao saco lacrimal, que pode tornar-se distendido e, após, infectado. Uma massa cística pode ser encontrada abaixo do canto interno do olho e, com frequência, lágrimas ou pus podem surgir por leve pressão desse local. Olhos Pequenos colobomas de íris: Os colobomas são ausências de porções da íris. Variam de pupila elíptica a um defeito que alcança a borda externa da íris (geralmente o quadrante inferonasal). Quando o defeito atinge a retina, a visão pode ser afetada, e a anomalia não mais é classificada como menor. (Continua) 33 34 Quadro 4.1 Exemplos de anomalias menores (Continuação) Heterocromia iridis: Ocorre quando toda a íris de um olho é de uma cor distinta da do outro. Heterocromia iridum: É um segmento em forma de cunha, na íris, apresentando co- loração ocular anômala. Manchas de Brushfield: Pequenas zonas despigmentadas da íris levemente elevadas, for- mando um anel irregular de cerca de um terço do comprimento da margem externa da íris. São vistas em alguns indivíduos normais e não têm significado especial, mas podem ser um achado na síndrome de Down, sobretudo quando estão associadas à hipoplasia periférica da íris. Pterígio: Pequeno crescimento fibroso, enraizado, de forma triangular, com o ápice próximo ao limbo da córnea e a base na esclera do globo lateral. Pode originar problemas se continuar a crescer e estender-se sobre a córnea. Nariz Columela curta: Direciona a ponta do nariz para baixo e distorce as narinas para cima, produzindo um nariz de aparência plana. Nariz bulboso: A extremidade nasal arredondada pode ser uma variante familiar, mas também pode ser vista em algumas condições patológicas. Hipoplasia das asas do nariz: Dá ao nariz uma aparência estreita. A largura do dor- so nasal não aumenta, como é comum, da base para a ponta, fazendo com que este exiba um contorno tubular. Ponte nasal ampla: Implica alargamento palpável dos ossos do nariz e pode ser vista em alguns indivíduos normais com hipertelorismo leve. Cavidade oral Palato gótico: Palato estreito visto mais frequentemente na síndrome de Turner. Algu- mas vezes, está associado à rafe palatina mediana proeminente, que segue a linha de fusão do palato duro. Fossetaslatinas: São pequenos orifícios algumas vezes encontrados na linha média do palato, especialmente no ponto de união dos palatos primário e secundário. Torus palatinus: Consiste em protuberância em forma de rosca sobre o terço posterior do palato duro e em lesão benigna que pode ter padrão de herança multifatorial. Hipodontia: Há menos dentes que a quantidade esperada para a idade do paciente. Hipoplasia ou ausência dos incisivos maxilares laterais: Pode ser encontrada como anomalia isolada, mas frequentemente ocorre em famílias em um padrão autossô- mico dominante. Dentes palatinos supranumerários: Erodem do palato primário, logo atrás dos in- c1s1vos supenores. Dentes em pá: Incisivos cujas bordas laterais curvam-se para trás, em direção à língua, adquirindo forma de "C" em relação à secção transversal. Dentes incisivos entalhados: Apresentam uma falha da borda incisiva, produzindo um dente mais estreito na borda incisiva do que na cérvice. Dentes de Hutchinson: Vistos na sífilis congênita. Os incisivos maxilares laterais es- tão confinados, e os incisivos centrais, entalhados. (Continua) Quadro 4.1 Exemplos de anomalias menores (Continuação) Molares de Mulberry: São quase esféricos, com distorção das cúspides em protube- râncias irregulares e arredondadas. Dente incisivo bigeminado: É a fusão das origens de dois dentes vizinhos. Pescoço Arcos branquiais remanescentes: São massas firmes e indolores localizadas pró- ximas às bordas anteriores dos esternocleidomastóideos. Esses vestígios são formados de cartilagem branquial que falhou em realizar a regressão normal e, quando isolados, têm apenas efeito estético. Mais comumente unilaterais, podem estar associados a cistos, seios ou fístulas branquiais. Abdome Hérnia ventral: É a protrusão do peritônio por meio de um defeito da parede muscu- lar do abdome, lateral à linha média. Em geral unilateral e de tamanho variável. Pode ser difícil perceber as margens do defeito, o que contrasta com o anel bem definido de tecido conectivo das hérnias umbilicais. Artéria umbilical única: Encontrada em cerca de 1% de todos os recém-nascidos, mas em uma proporção muito maior em crianças com anomalias congênitas, especial- mente envolvendo o coração e os rins. Entretanto, não é patognomônico de nenhuma dessas situações. , Posição umbilical não usual: E um indício raro de desenvolvimento precoce anor- mal. Umbigo caudalmente localizado sugere migração inadequada do tecido mesenquimal na zona entre o tronco e a membrana cloacal, nos primeiros dois meses. Provavelmente apresenta a mesma patogênese da extrofia de bexiga, só que em menor grau. Genitália feminina Adesões entre os pequenos lábios: Vistas frequentemente em meninas. Em geral podem ser separadas por leve tração com os dedos. Clitoromegalia: Clitóris com mais de o,6 mm ou presença de glande hipertrófica. Genitália masculina Hidrocele: Causada por acúmulo de fluido na tunica vaginalis, em torno dos testícu- los. Resoluçãoespontânea e completa é esperada em algumas semanas ou meses, inclusive quando o volume de fluido é suficiente para distender gravemente o escroto, causando aparente desconforto. Hipospadia: É considerada uma anomalia menor quando envolve um pequeno des- locamento do meato uretral sobre a superfície ventral da glande. Formas mais graves não mais recebem a classificação de anomalias menores, e sim, malformações. Criptorquidia: Vista com mais frequência em prematuros, é a descida incompleta dos testículos para a bolsa escrotal. Inclusive quando nascidos a termo, cerca de 3% dos me- ninos apresentam criptorquidia unilateral (mais frequentemente do lado direito). Mais da metade dos testículos criptorquídicos completam a descida no primeiro mês de vida, e 99%, no primeiro ano. Criptorquidia prolongada não mais classifica-se como anomalia menor. (Continua) 35 36 Quadro 4.1 Exemplos de anomalias menores (Continuação) ~ , Anus e per1neo Apêndices anais: São pequenos (1 a 4 mm) crescimentos externos da mucosa da mar- gem anal, relativamente comuns e sem significado patológico. Estenose anal: Relativamente comum em recém-nascidos, parece resolver-se de ma- neira espontânea nos primeiros três a seis meses de vida. Em raros casos, problemas per- sistentes, como fezes em fita, exigem dilatação artificial ou cirurgia para aliviar a estenose. Embriologicamente, é provável que represente hipoplasia ou ruptura incompleta da mem- brana anal no fim da 7ª semana. Imperfuração anal: Trata-se de uma emergência cirúrgica e comumente faz parte de associações malformativas e, inclusive, de síndromes. Pele Nevos benignos pigmentados: Originam-se de uma anomalia localizada da função ou distribuição dos melanócitos. Manchas mongólicas: Anomalia transitória frequente em crianças de grupos raciais de pele mais pigmentada. Azuis-acinzentadas, são em geral encontradas na região inferior do dorso e do sacro, raramente estendendo-se até os ombros ou o pescoço. Não têm signi- ficado dismorfológico, mas devem ser diferenciadas de hematomas. Manchas café com leite: Variam de alguns milímetros a vários centímetros de diâme- tro e têm cor apenas levemente mais escura que a da pele adjacente. O tipo mais comum tem bordas bem delimitadas e é claramente demarcado. A presença de mais de cinco manchas maiores de 1 cm deve ser considerada como indicativo do diagnóstico de neurofibromatose. Nevos benignos hamartomatosos N evos epidérmicos: Lesões enraizadas e verrucosas de tamanho variável, algumas ve- zes arredondadas, mas mais comumente lineares, seguindo as linhas de Blaschko. Apare- cem ao nascimento ou durante a infância e são levemente hiperpigmentadas ou amareladas em indivíduos de pele clara. Angiofibromas: São lesões pequenas (1 a 2 mm), de superfície suave, variando de vermelho-claro a púrpura. Aparecem com mais frequência à medida que a idade aumenta e são insignificantes quando em pequeno número, mas, se numerosas, podem indicar dis- túrbios, como doença de Fabry ou fucosidose. N evos vasculares Manchas róseas: Afetam quase metade dos recém-nascidos. São zonas de dilatação dos capilares superficiais, geralmente encontradas na nuca, porção média da fronte, glabela, filtro ou pálpebras. Com frequência, vários lugares são afetados. Variam de cor salmão a ver- melho e ficam mais evidentes quando o bebê chora. Costumam enfraquecer e desaparecer nos primeiros anos de vida, exceto as manchas da nuca, que tendem a persistir. Manchas vinho do porto: Representam dilatação regional e ingurgitamento de capi- lares maduros. Em geral, afetam a face e o pescoço, têm bordas bem delimitadas e podem ser púrpura ou mais escuras, não indicando, necessariamente, anomalias subjacentes, a não ser que abranjam a área de distribuição do ramo oftálmico do nervo trigêmeo, casos em que podem indicar sinal de anomalias vasculares intracranianas da síndrome de Sturge-Weber. Telangiectasias: Lesões planas, vermelhas e puntiformes, formadas por dilatação local das arteríolas da pele. Pode ocorrer progressão para padrão aracniforme, no qual pequenos va- sos parecem emergir de um ponto central. Algumas telangiectasias isoladas não são incomuns, mas, quando ocorrem em grande número na face e na porção superior do tronco, assim como na conjuntiva bulhar, podem ser sinal de vários distúrbios genéticos. (Continua) Quadro 4.1 Exemplos de anomalias menores (Continuação) Hemangiomas capilares: Zonas pálidas ou levemente avermelhadas de alguns milí- metros a vários centímetros. Durante a infância, há crescimento rápido das lesões, que se tornam elevadas, de consistência esponjosa, com coloração variando de vermelho a púr- pura, que desvanece com a pressão. São causadas, aparentemente, pela persistência local de células angioblásticas que originam plexo vascular de paredes finas e drenagem venosa pobre. Costumam apresentar crescimento rápido nos primeiros meses de vida, seguido de regressão espontânea e gradual nos anos seguintes. Hemangiomas cavernosos: Crescem lentamente após o nascimento. São de cor azu- lada, pelo seu sítio abaixo da derme e, à palpação, parecem-se com uma "bolsa de vermes". O fluxo sanguíneo que passa por essas lesões é lento, e elas não desvanecem com a pressão. Algumas vezes, estão associadas a supercrescimento do tecido subjacente, inclusive dos ossos. Outras anomalias Mamilos supranumerários: São encontrados com frequência e especialmente em indivíduos de grupos raciais de pele mais pigmentada. Podem estar em qualquer lugar ao longo da linha mamária, mas mais frequentemente aparecem logo abaixo do sítio normal da mama, como uma mancha oval, pigmentada, menor que a metade do mamilo normal. Ocasionalmente, são pareados ou múltiplos de maneira simétrica, mas, com mais frequên- cia, são únicos. Podem ser distinguidos de outras manchas pela localização e pela superfí- cie levemente elevada e rugosa, além da presença frequente de prega cutânea curta trans- fixando seu centro. Fossetas cutâneas normais: Podem ser encontradas sobre o processo acromial, nas laterais dos cotovelos e no sacro, onde a pele é relativamente bem aderida às proeminên- cias ósseas subjacentes. Na área sacral, devem ser distinguidas de seios pilonidais. Mãos Clinodactilia: Encurvamento lateral do dedo, geralmente em direção à linha média, no plano da palma. O envolvimento do quinto dedo é mais comum e causado por graus varia- dos de hipoplasia da falange média, que modifica os planos de movimentação dos dedos. A clinodactilia leve é mais facilmente detectada pelo exame das pregas de flexão, que se inclinam umas sobre as outras em vez de ficarem paralelas. Dedos cônicos: São vistos em alguns indivíduos obesos, mas também podem indicar hipoplasia leve das falanges média e distal. Dedo acessório: Localiza-se na região ulnar da primeira falange do quinto dedo. Uni ou bilaterais, os dedos acessórios podem ser razoavelmente bem formados, com uma ou mais falanges rudimentares. Com frequência, tomam a forma de uma pequena protuberân- cia ou massa pedunculada, unida ao quinto dedo por um pedúnculo estreito. Quarto metacarpal curto: Causa encurtamento aparente e incomum do quarto dedo, aparentando comprimento igual ao do segundo ou, inclusive, do quinto dedo. A demons- tração desta suspeita pode ser feita avaliando-se a articulação metacarpo-falangiana proxi- mal, que estará bem diminuída em relação às adjacentes, ao cerramento da mão. Sindactilia cutânea: Graus moderados podem ser examinados por meio de uma vis- ta dorsal da mão, com as articulações metacarpofalângicas flexionadas. As pregas de pele interdigitais podem ser vistas estendendo-se distalmente, quase ao nível das articulações interfalângicas. (Continua) 37 38 ' Quadro 4.1 Exemplos de anomalias menores (Continuação) Pés Hálux distal largo: Associado a encurtamento do primeiro dedo do pé. Quarto metatarsal curto: Causa aparente irregularidade do comprimento do quarto artelho; também pode produzir
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