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A clínica psicossocial das psicoses

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A Clínica 
Psicossocial 
das Psicoses
Salvador - Bahia
Julho de 2007
Programa de Intensificação de 
Cuidados a Pacientes Psicóticos
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia 
LEV - Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental.
Programa de IntensIfIcação de cuIdados 
a PacIentes PsIcótIcos
LEV - Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental.
•Hospital Especializado em Psiquiatria Mario Leal - SESAB
•Curso de Terapia Ocupacional da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências
•Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Parceria: 
“Não existe nada mais profundo
e revolucionário nos dias de hoje 
do que a preocupação com o outro”
Noam Choamsky 
“Se quero o outro comigo, 
fraco, cansado ou louco, 
tenho que deixar sempre abertas 
as portas do meu coração....”
Marcus Vinicius de Oliveira 
“De quem será, cuidado?
Fico sempre tão impressionado
com o muito muito que se faz
do pouco pouco que é dado.
Do residir assombrado
que germina assim, tão frágil semente,
ganhando vulto em solo adubado.
De quem será? Do semeador, do semeado?
Vivo a pergunta do mérito,
da relação entre os dois, cuidado.”
Marcus Vinicius de Oliveira 
Editor: Marcus Vinícius de Oliveira Silva
Co-editora: Lygia Freitas
Revisão: Lygia Freitas
Editoração: Wendel Barreto
Projeto Gráfico: Wendel Barreto
Apoio:
LEV - Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental
Departamento de Psicologia
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Federal da Bahia
End.: Rua Aristides Novis n 2, Estrada de São Lázaro 
Cep: 40210 730, Salvador - Bahia
email: levsaudemental@gmail.com
www.lev.ffch.ufba.br
In-tensa. Ex-tensa / Universidade Federal da Bahia. Departamen-
to de Psicologia, PIC ¬Programa de intensificação de cuidados 
e pacientes psicóticos.
Ano I, n. I (2007) - Salvador, BA: UFBA, FFCH, 2007.
 
I.Saúde mental. 2. Psicoses. 3. Pacientes - Psicologia. I. Univer-
sidade Federal
da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Depar-
tamento de Psicologia e Laboratório de Estudos Vinculares e 
Saúde Mental.
 
CDD - 616.89
“Todos os artigos podem ser reproduzindos desde 
que citada a fonte”.
© Marcus Vinicius de Oliveira Silva
A Clínica 
Psicossocial 
das Psicoses
Programa de Intensificação de 
Cuidados a Pacientes Psicóticos
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia 
LEV - Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental.
Salvador - Bahia
Julho de 2007
Entrevista 
• 15 - Entrevista com Eduarda Motta e Marcus Vinícius 
de Oliveira, supervisores do Programa de Intensificação de 
Cuidados a Pacientes Psicóticos 
 
Artigos de crença
• 40 - A clínica integral: o paradigma “psicossocial” como 
uma exigência da Clínica das Psicoses
• 42 - Loucura, cultura, instituição e sociedade 
• 52 - Psicose e ressonâncias sociais
• 70 - A família na psicose
• 78 - Psiquismo e sociedade: a psicose e os grupos
• 89 - A psicose e as relações vinculares: um esforço de 
referenciação teórica
Fazendo o PIC acontecer
• 97 - A clínica psicossocial da psicose: aprendizagem, 
cuidado intensificado e reinserção social
• 106 - Programa de Intensificação de Cuidados: um 
caminho para a qualidade de vida
• 114 - Programa de Intensificação de Cuidados: uma 
experiência de intervenção psicossocial
Estratégias
• 125 - A assistência domiciliar no âmbito do cuidado à 
saúde mental
• 136 - Atenção domiciliar: uma tecnologia de cuidado 
em saúde mental
• 141 - A formação de díades no trato com a loucura: 
acompanhando o acompanhante
• 146 - Supervisão: espaço de continência, aprendizado 
e reflexões
Complexidades
• 151 - A abordagem da crise na psicose
• 169 - Dança e xadrez: o papel da intensificação de cui-
dados no fortalecimento da autonomia de Felipe
• 180 - O solitário na multidão: a solidão da diferença
• 192 - Transbordamento psicótico: desafios e possibilida-
des de intervenção
• 202 - A.T. – que relação é essa?
• 208 - Derrubando muros, construindo vínculos: intensifi-
cação de cuidados no HCT-BA
• 216 - Psicose negra: a imagem de si e a recusa do 
corpo
Ressonâncias
• 223 - Ela não pode ser mãe – quando maternidade e 
loucura se cruzam
• 228 - Encontros e desencontros com a psicose
• 238 - Causos dos casos – o incrível poder do vínculo
• 240 - Entre amores, quase-amores e não-amores
Dados e Eventos 
• 251 - O BPC e a banalização da interdição judicial: um 
exemplo de atuação clínico-política
• 254 - O PIC em Letra e Número
Sumário
9
Editorial
As psicoses são tensas. Tensas para fora. Tensas para dentro. Registro de uma experiência subjetiva de 
precários equilíbrios do sujeito, instabilizadora de sua presença no mundo social. O sujeito psicótico 
vive o enigma da sua pertença como sócio da sociedade como uma produção subjetiva complexa, 
tensa e, por vezes, dolorosa. A psicose também se apresenta como fonte de tensão para aqueles que 
se dispõem a ocupar um lugar de cuidador diante dela. 
A clínica das psicoses é uma clínica tensa. Tensa para dentro, fazendo importantes exigências 
subjetivas para que seu agente possa estar bem situado diante de um sujeito que se movimenta em 
precária estabilidade possibilitada pelo seu arranjo psíquico. Tensa para fora, exigindo que seu agente 
disponha de habilidades de mediador, intermediário entre as necessidades sinalizadas pelo sujeito e 
as exigências da cultura. 
O ensino da clínica das psicoses é também tenso. Tenso para fora. Espaço de uma disputa teórico-
conceitual entre concepções que divergem sobre a sua natureza e sobre a priorização dos cuidados 
que devem ser ensinados aos futuros profissionais. Tenso para dentro: como ensinar? Como aprender? 
Como transmitir matéria que articula objetividade e subjetividade, num fazer que se situa nos limites 
entre a técnica e a arte?
Os espaços institucionais de cuidado dos sujeitos psicóticos são tensos. Tensos para dentro, no ma-
nejo dos settings que pretendem proteger (a quem?), isolar, excluir os sujeitos psicóticos e o agente de 
cuidados no mundo reduzido das hospitalizações, das emergências e dos consultórios acéticos. Tensos 
para fora, diante da exigência ética de uma clínica que se construa no território, ocupando a cidade 
e fazendo circular as representações estagnadas sobre as potencialidades dos sujeitos atendidos. 
In-tensa. Ex-tensa. Neste número, o PIC - Programa de Intensificação de Cuidados a Pacientes Psi-
cóticos, submete-se à revista. Prestamos contas de um ensino que se faz extra-muros, em que a univer-
sidade executa extensão e pesquisa. Revela o vigor próprio da vida que existe fora das salas de aula 
como um recurso de aprendizagem e para a produção de conhecimento. Ensino que articula a teoria 
e a prática, prestando serviços à população e participando ativamente da disputa teórica e técnica 
acerca dos conceitos que devem orientar a Reforma Psiquiátrica brasileira.
11
12
Intensificação de cuidados versus internação hospitalar: dois projetos distintos em suas éticas, em 
suas técnicas, suas formas de se transmitir. Intensificação de cuidados, esforço para identificar, deco-
dificar as necessidades dos sujeitos chamados psicóticos, para fazer segundo suas necessidades e não 
segundo as possibilidades – sempre menores e mesquinhas – que geralmente conformam o conforto 
das instituições e profissionais. Clínica que se faz onde o sujeito vive e habita, em seu domicílio e com 
a sua “comunidade”: sua família e seus conhecidos, os sócios com os quais ele compartilha sua vida 
social. 
Articulando recursos diversos - Atenção Domiciliar, Acompanhamento Terapêutico, Coletivos de 
Convivência, Redes Sociais, Suporte e Assessoria, Cuidados à Família, projetos, passeios, festas e uma 
regra única: intensificar os cuidados humanos, realizando as ofertas compatíveis com as necessidades 
dos sujeitos, assumindo as responsabilidades através de uma presença intensa e orientada. 
Clínica Psicossocial. Resgatamos do limbo este conceito que, apesar de nomear o carro chefe da 
novainstitucionalização dos serviços territoriais - os CAPS - não parece estar merecendo maiores 
atenções. Centro de Atenção Psicossocial, onde o signo em questão parece registrar apenas, sob 
forma de junção, a urgência de se considerar uma certa dimensão expurgada – o social – das teorias 
hegemônicas da clínica que fazem, no mesmo viés individualista, o triunfo do biológico e do psíquico. 
Ilusão, pois fora da sociedade não existe sociedade. Todos os fatos psíquicos são fatos sociais. Não 
existe sociedade humana que não se inscreva psiquicamente. Contra o que há que se afirmar: por uma 
Clínica Integral das Psicoses. As demais não serão senão a sua redução. 
Os artigos que fazem parte dessa coletânea têm o sabor da espontaneidade com que foram pro-
duzidos: por absoluta necessidade dos estagiários darem conta das suas experiências e sem qualquer 
exigência acadêmica que os obrigasse a isso – coisa rara e deliciosa para quem trabalha com a trans-
missão. Tentativas de articular a marca de uma experiência forte, que tem como pressuposto a idéia 
de que a psicose, ela própria, nos ensina. 
Aprendizes de feiticeiros, os estagiários que participaram do nosso programa imprimem nos seus 
escritos um pouco de sua técnica e sua arte: um desejo, uma coragem de viver assim tão próximos 
deste encontro com a realidade delicada dos sujeitos atendidos, com uma cidade maltratada, com os 
domicílios simples e muitas vezes precários, ruas, ruelas, becos, faltas e carências diversas, desorgani-
zação social e psíquica, pobreza e desalento. Para desse mundo tão duro e doído, extraírem a riqueza 
dos sons, cores, palavras, encontros que traduzem as emoções proporcionadas pela oportunidade 
13
de estarem vivendo a vida tal como ela é, fora das salas de aula e das proteções que, muitas vezes, 
os mimam e os sedam. Cada um trouxe o que tinha e o que pôde aportar, o que lhe marcou no seu 
encontro e enganchamento com a clínica da psicose. Resultado de uma transmissão que se fez. 
Supervisores, patronos e cúmplices - Eduarda Mota e eu - cumprimos com satisfação a tarefa de co-
ordená-los e organizar essa possibilidade da sua expressão inaugural, contando cada um o que viveu. 
De minha parte, incluo nessa publicação despretensiosamente alguns dos meus “artigos de crença”: 
aulas e notas que expressam um esforço pessoal para cultivar a teoria como recurso generoso que, 
distribuído, nos iguala e nivela na tarefa-obrigação de sustentarmos publicamente a explicitação do 
que fazemos, o que ensinamos, por que o fazemos e por que o ensinamos.
Que a Clínica Psicossocial das Psicoses que juntos temos reinventado nesses quatro anos de existên-
cia do nosso PIC possa nos trazer novas emoções e um próximo número. Que cada texto seja capaz 
de falar em nome do seu autor. 
Marcus Vinicius de Oliveira Silva
Editor
 
Como surgiu a proposta de criação do PIC?
Marcus - A grande ques-
tão que nos orientou, no 
começo, foi a questão do 
enfrentamento da idéia da 
necessidade da “interna-
ção”, a famosa idéia da ne-
cessidade desta ação como 
“retaguarda” para a clínica 
da psicose. O lugar do re-
curso à internação talvez 
seja hoje o ponto central do 
debate ideológico da Refor-
ma Psiquiátrica. Todo mundo é a favor de mo-
dernização dos serviços, todo mundo é a favor 
de serviços que atendam mais integralmente, 
todo mundo é a favor de criar acessibilidade 
dos pacientes ao serviço. A grande questão que 
pega no debate da Reforma Psiquiátrica é quan-
do a gente tem de precisar se a nossa Reforma 
Psiquiátrica é uma Reforma que substitui a inter-
nação, se tem a vocação de ser substitutiva à 
internação, se tudo isto que estamos fazendo, se 
todo este aparato institucional irá substituir a in-
ternação ou se o hospital psiquiátrico ou a idéia 
de leito hospitalar vai continuar operando como 
um conceito fundamental da Reforma. Então, 
esta tensão é uma tensão que nos interessa radi-
calizar, porque existem aqueles que defendem a 
idéia do leito hospitalar como um componente 
fundamental da Reforma, ou seja, que não pode 
Entrevista com Eduarda Mota e Marcus Vinícius Oliveira, supervisores do 
Programa de Intensificação de Cuidados a Pacientes Psicóticos 1 
15
1-Esta entrevista foi realizada por Noêmia de Aragão Casais como parte do 
material de base para monografia do Curso de Especialização em Saúde 
Mental do Departamento de Neuropsiquiatria da UFBA e editada por Marcus 
Vinícius de Oliveira Silva.
16
ter a Reforma sem a presença do leito hospitalar 
(aí eu estou falando, principalmente, do leito hos-
pitalar em psiquiatria; mas também da idéia do 
leito do Hospital Geral como uma retaguarda da 
assistência aos pacientes em crise). 
Reforma Psiquiátrica sem o fim dos 
manicômios?
Marcus - Sim. Digo que este é o ponto nevrál-
gico de disputa do debate em torno da Reforma. 
Qual o lugar do leito? O conceito de leito envolve 
o paciente deitado, o paciente fragilizado, o pa-
ciente que precisa estar circunscrito espacialmen-
te para receber um determinado cuidado. E então 
existe outra posição que diz que o conceito de 
leito hospitalar é absolutamente prescindível, não 
precisamos do conceito de leito hospitalar para 
fazer a Reforma, para fazer a clínica da Reforma, 
e que contrapõe á idéia de leito hospitalar à idéia 
de cuidados intensivos. Porque afinal de contas, 
o que o leito hospitalar deveria oferecer é o cui-
dado intensivo. A idéia de leito hospitalar para 
qualquer outra clínica da medicina diz respeito à 
circunscrição espacial, espacialidade num edifí-
cio, num prédio, de um conjunto de recursos que 
podem ser colocado, simultaneamente, à disposi-
ção do sujeito. A pergunta é: o que, na atenção 
psiquiátrica, nós podemos defender, que tipo de 
concepção sustenta que a idéia de leito hospitalar 
é mais adequada para orientar a organização do 
serviço? Porque, se for assim, nós temos sujeitos 
que vão defender que a gente tem de ter a ins-
tituição psiquiátrica “do bem”. Que a gente vá 
montar um monte de CAPS, Hospital Dia, Centros 
de Convivência, mas manter em nosso sistema 
um hospital psiquiátrico “do bem”, um pequeno 
hospital psiquiátrico, aliás, ampliar mais alguns 
leitos para garantir que o paciente, quando entrar 
em crise, muito em crise, possa ser internado no 
hospital psiquiátrico. 
Mas o CAPS III não teria esta finalidade de 
lidar com crises? 
Eduarda - Na Espanha, eles têm Hospital Dia, 
Centro Dia. Mas também 
têm hospital psiquiátrico 
extremamente moderno, e, 
quando eu estava lá, eles 
inauguraram um hospital 
psiquiátrico para adoles-
centes com quarto forte 
todo forrado, com uma 
parte de informática. Então, 
é uma modernização do 
hospital psiquiátrico. A con-
traposição exprime o conceito de albergamento, 
acolhimento, o CAPS III deve fazer a hospitalida-
de noturna. Mas veja: é a idéia de hospitalidade, 
e não de hospitalização, um outro conceito. Cabe 
a todos os CAPS lidar com a crise, não se trata de 
um lugar, de uma instituição, mas de uma atitude 
clínica compatível com as exigências de quem vai 
substituir o hospital psiquiátrico.
17
 Como surgiu essa idéia de intensificação de cui-
dados?
Marcus - A idéia da intensificação de cuidados 
é a idéia de oferecimento de cuidados intensivos 
a pacientes psiquiátricos que têm história de inter-
nação freqüente e laços sociais muito frágeis. En-
tão, dizemos assim: vamos montar um modelo de 
atuação clínica, um modo de atuar, ou seja, uma 
atitude clínica que possa abordar esses pacientes 
e buscar intervir na dinâmica de suas vidas com 
essas ofertas. Essa idéia é o nosso grande patri-
mônio, porque existe uma grande precariedade 
de nossa estrutura institucional de suporte do es-
tágio na instituição, de tal forma que a única coisa 
que a gente acabou, não intencionalmente, mas 
por força das circunstâncias, radicalizando foi o 
conceito da presença clínica. O que a gente tem 
para oferecer é a presença clínica e mais nada. A 
gente tenta articular, através dessa presença, ou-
tros recursos, mas o programamesmo só oferece 
a presença clínica. Essa atitude que ele tem de 
cuidado intensivo, entendendo cuidado intensi-
vo como intensificação de investimento humano, 
contrapondo à idéia de tecnologia, aparato tec-
nológico, parafernálias institucionais, equipamen-
tos e tal. A grande tecnologia é o investimento 
humano. Então, o programa está baseado, fun-
damentalmente, na idéia de promover um intenso 
investimento humano, cuidado como investimento 
humano, em prol das necessidades do sujeito que 
está em crise ou deste sujeito psicótico no mundo, 
e ver o que a gente pode fazer, através deste in-
vestimento, para produzir uma mudança em sua 
qualidade de vida, em sua posição no mundo, 
em sua liberdade. E é por isso que digo que não 
há um programa realmente, que o programa é, 
na verdade, a presença dos estagiários lá com os 
pacientes, é uma presença orientada. 
Então cuidados intensivos são uma tecnologia 
de assistência?
Eduarda - Com relação ao aspecto da tecno-
logia, a nossa é justamente a presença do outro, 
é a pessoa, é o investimento na relação. Quando 
se faz analogia com o hospital, com a UTI tem a 
questão da presença do outro, mas também tem 
toda sofisticação de aparelhagem tecnológica; na 
saúde mental, a sofisticação é a da presença, das 
idéias, do pensar clínico. É também um pensa-
mento sofisticado. É uma verticalização, não in-
tencional, porque, de fato, nós temos uma posi-
ção periférica na instituição. 
Marcus - Estávamos discutindo essa questão, 
porque a gente ainda sente que há essa diferen-
ciação do nosso programa com a totalidade da 
instituição que nos abriga. Estávamos localizando 
isso. O Mário Leal é uma instituição que ainda 
mantém o modelo bastante tradicional de oferta 
de assistência, é um hospital referência na Bahia, 
histórico, inclusive, mas uma instituição tradicio-
nal que ainda mantém o modelo antigo de aten-
ção à saúde mental. E nós, de certa forma, esta-
mos fazendo uma provocação, que é o oposto. 
Chega a ser quase crua na instituição a presença 
das idéias da Reforma, sendo um contexto pouco 
18
sensível à ideologia da Reforma. O Mário Leal 
possui ambulatório que funciona, às vezes, com 
aprazamento de quatro a cinco meses de aten-
dimento, de consulta, de re-consulta, internação 
psiquiátrica. As pessoas ainda acreditam real-
mente na necessidade de internação. Mas o Má-
rio Leal é um hospital reduzido, com poucos leitos 
e que aceitou a nossa presença, da universidade 
e das nossas invenções. 
Por que o Programa está localizado no 
Mário Leal? 
Marcus - Bom, primeiro, porque já tinha a Edu-
arda aqui, que trabalhava no Mário Leal. (risos). 
Acho que, dos lugares que nós tínhamos, aqui na 
Bahia, talvez este fosse o menos hostil. Então, se 
o Mário Leal era tradicional, ele é um tradicio-
nal que, dentro da sua tradicionalidade, não é 
hostil, não foi ostensivo contra a Reforma. Se al-
guém quiser fazer acontecer, que faça. Ele não se 
envolve, mas também não nos limita. Nós temos 
várias direções, vários lugares, muitas delas em 
serviços públicos estaduais da SESAB, de defesa 
corporativa, porque eles são diretores psiquiátri-
cos, defendem corporativamente a manutenção 
do status quo. Dizem não a este negócio que está 
se falando pelo Brasil inteiro, que vai acabar com 
o hospital. “Aqui na Bahia não vai acabar. Nós, 
psiquiatras baianos, não vamos deixar acabar, 
versão do Diabo, não temos nada a ver com essa 
coisa” O Mário Leal tinha esta posição um pouco 
menos hostil à Reforma. 
Eduarda - Eu acho interessante, também, não 
falar de fora, nós estamos dentro de um espaço. 
Na realidade, a gente vem se confrontar com a 
prática. Eu trabalhava na internação, na época 
do início do Programa, e ficava numa posição 
muito tensa diante dos pacientes dessa clínica. É 
um hospital pequeno, a gente conhece os pacien-
tes. Freqüentemente recebíamos pacientes que 
voltavam do Sanatório Bahia, do Santa Mônica, 
para o Mário Leal. Perguntava o que fazer com 
aqueles pacientes dentro desta estrutura, já que o 
ambulatório estava funcionando contra, então o 
que fazer diferente daquilo? 
Marcus - Eduarda, que é professora da FBDC, 
estava aqui, trabalhando na internação, questio-
nando o produto do trabalho dela; e eu estava 
no campo da Reforma, querendo achar um lu-
gar para poder montar um programa de estágio 
e fazer a problematização conceitual da idéia de 
“internação X intensificação de cuidado.” Então, 
nosso encontro foi fecundo nesse sentido, por-
que, na verdade eu queria abrir um programa de 
estágio para os alunos de psicologia da UFBA e 
ela também. Então, acho que abrimos uma coisa 
que é uma característica muito positiva do Progra-
ma, o trabalho com dois grupos profissionais, e 
conseguimos fazer da intensificação de cuidados 
um objetivo clínico que não é especializado nem 
para Terapia Ocupacional nem para Psicologia. A 
gente consegue desenvolver as habilidades carac-
terísticas, mas a gente não restringe ao modelo 
estrito de atuação do segmento profissional. Não 
é dividido em T. O. e Psicologia, mesmo porque 
19
a atuação do CAPS não fecha na especificidade. 
Claro, nós estamos preparando profissionais para 
o mercado de trabalho atual no meio psiquiátri-
co. 
Mas como combinar o que é especifico de cada 
grupo de estagiários e o que é comum?
Marcus – Usamos a idéia de núcleo e campo. 
Existe o campo que é de todos. Então ao cam-
po que é de todos, nosso estágio dá preferência. 
O campo dessa clínica, dessa atuação intensiva, 
dessa atitude clínica, deve ser de todos: os enfer-
meiros, psicólogos, assistentes sociais, etc. É uma 
atitude, uma postura, e óbvio que cada um a par-
tir de uma ferramenta do seu núcleo específico, 
disciplinar. 
Eduarda - No estágio, isso é um diferencial. 
Já temos quatro anos de Programa, e foi um en-
contro importante, no sentido institucionalmente 
produtivo; já passaram não sei quantas pessoas 
por aqui, já abrigou muita gente. Já são oito se-
mestres de atividades. Um aluno, ex-estagiário, 
passou em primeiro lugar agora na residência em 
saúde mental da UNEB. Outra passou para a re-
sidência de Psicologia do Juliano Moreira. Então 
nossos estagiários estão se destacando. 
Marcus - Acho que é isso aí, estas apostas, es-
tes espaços para formar, ensinar. A gente vem de 
culturas profissionais diferentes, mas a busca é de 
se encontrar. É isso aí. Foi um encontro. Aqui, por 
quê? Por essa coincidência. Para mim também foi 
o lugar menos hostil. Eduarda era uma pessoa 
que dava para conversar dentro das disputas, dis-
putas políticas de Reforma, que eu me envolvo 
por ser do movimento social, aqui era o lugar me-
nos contaminado. E também porque pensei: Poxa, 
aqui é um lugar menor, é um hospício pequeno. 
A conjuntura do lugar, do tipo que seria possível, 
como foi. E, apesar de a gente falar que a gente 
é um tanto marginal, de a gente estar um pouco 
fora, a instituição não nos abraça, mas também 
nos tolera bem, cria até um mínimo de tensão. 
Eu acho que poderia ser menor, mas a gente tem 
conseguido. 
Eduarda - Na verdade, há quatro anos tra-
balhamos com pacientes indicados pela institui-
ção. Então, nós fazemos a reunião, supervisão do 
Programa aqui. Já pensamos assim, por que não 
fazemos a supervisão fora daqui, na FBDC, no 
espaço da UFBA? A gente mantém esta coisa de 
fazer aqui dentro, porque a gente quer caracteri-
zar. Às vezes temos problemas de sala, de espaço, 
mas queremos caracterizar que é um Programa 
no Mário Leal, e com o Mário Leal. Não é um 
Programa clandestino.
Como se dá a apresentação do programa aos 
usuários?
A apresentação é feita pelos próprios estagiá-
rios do PIC que oferecem a possibilidade do pa-
ciente ingressar. A gente assume a identificação 
institucional como um programa do Mário Leal, 
pois não estamos fazendo nada clandestino. A 
20
gente não é oficial do ponto de vista da ideologia, 
da atitude. Fazemos questão de defender como se 
fosse um algo mais, um plus do serviço do hos-
pital para os pacientes. E nós temos a liberdadede triar os pacientes segundo nossos critérios. A 
instituição não nos impõe isto segundo os critérios 
dela. Nem número de pacientes, até na estrutura 
inicial do programa.
Qual é o critério de seleção dos pacientes?
Eduarda - Inicialmente, o primeiro critério foi a 
internação e a reinternação. Aqueles que tinham 
um ciclo de internação freqüente, pacientes jovens 
que, depois da primeira internação, sofrem com 
a internação e aí começa uma carreira. Este foi e 
é o primeiro critério. Importante relatar um caso: 
Um paciente que tem a primeira internação com 
quinze anos e, com dezoito, já tem quatro interna-
ções. Este é um paciente típico que nos interessa. 
E é um paciente considerado difícil, é a “carne 
de pescoço” para quem trabalha com internação, 
porque ele volta e com o mesmo quadro, justifi-
ca a internação para a equipe. Supostamente ele 
precisa estar internado, porque se pensa que uns 
não têm jeito, você precisa interná-los.
Marcus – E então são esses que se internam 
freqüentemente, os que não têm jeito, os que 
“têm de internar” que nós buscamos. Uma aposta 
no contrário. Ao tomar esta clientela, aceitamos a 
provocação, bem são estes aí, os “taizinhos” que 
não têm jeito, que têm de viver internados, preci-
sam de internação. Então, vamos ver o que é pos-
sível produzir na vida dessas pessoas, manejando 
um conjunto de atitudes para que elas possam 
não precisar de internação. Nós estamos fazen-
do, na prática, um debate entre intensificação de 
cuidado e necessidade de internação. Então, nós 
estamos dizendo assim: nenhum paciente precisa 
ser internado. Alguns precisam de cuidados in-
tensivos, porque seus casos são muito graves e 
precisam de uma atenção diferenciada se a gente 
não quiser interná-los. Então a gente está inver-
tendo um pouco, tem um caráter demonstrativo; 
o programa de uma perspectiva teórica e técnica 
dentro da Reforma Psiquiátrica. O que a gente 
provoca nos alunos hoje é que todos os pacien-
tes acompanhados precisam de cuidado intensi-
vo. Mesmo compensados, é preciso estar sempre 
com a antena ligada.
Existe um critério de idade para ser aceito? 
Eduarda - No inicio, até se tentou, mas não se 
conseguiu manter este critério. São duas idéias: 
uma era por pacientes mais jovens e outra que 
não tivessem muitas perdas cognitivas. Mas aca-
bou predominando o critério de se internar muito. 
Agora se aceita quase tudo, o que se interna muito 
e está muito abandonado e sozinho. Por exemplo: 
tem um paciente com mais de vinte internações 
na vida. Paciente que leva a vida inteira sendo 
internado, passa dois dias em casa e é internado, 
indo assim de um lugar para outro. Hoje temos 
uma grande dificuldade em mantê-lo fora da in-
ternação. Na verdade, a gente passou os últimos 
meses praticamente sem que ele fosse internado. 
21
Hoje, por acaso, ele está internado. Está interna-
do, porque nós somos muito insuficientes como 
programa, somos muito limitados. Ao limitarmo-
nos à mera presença, nós nos damos conta de 
que ela não é suficiente. 
Marcus - É preciso também os recursos estru-
turais, institucionais. Diria que, se nós tivéssemos 
hoje o manejo de recursos estruturais/ institucio-
nais, certamente ele não estaria internado. Es-
tou falando de uma atitude mais acolhedora na 
emergência, uma atitude/postura mais agressiva 
da instituição no sentido de ser mais bem articula-
da com a política integral da cidade, com a rede. 
Se a gente tivesse isto, ele não estaria internado. 
Ele não foi internado por uma questão psíquica. 
Foi internado, pois nós não conseguimos superar, 
com a mera presença, o grave déficit social. E, di-
ga-se de passagem, este caso é bom, porque nós 
fizemos uma intermediação deste paciente para 
ser atendido no CAPS, que devia, este espaço, 
possuir mais recursos do que nós, mas se trans-
formou no contrário, nós que passamos a ser um 
recurso do CAPS. Este serviço, ao invés de apor-
tar novos recursos, aportou apenas, como recurso 
fundamental para o paciente, a alimentação, por-
que ele não tinha como comer e, ao freqüentar 
aquela instituição, começou a ter comida, com 
muitas tensões, porque o CAPS fica muito irritado, 
já que o paciente vai lá para comer e não adere 
aos outros tratamentos.
Os recursos da clínica do CAPS são 
insuficientes? 
Marcus - Nós temos uma crítica, que é a críti-
ca exatamente do que os gestores da política de 
saúde mental estão fazendo – monta-se um equi-
pamento, mas não se tem a ideologia da intensifi-
cação de cuidados. Então o CAPS termina sendo 
um lugar muito hostil, pouco acolhedor, pouco 
sedutor, para que o paciente possa se vincular. 
E nesse caso nos acabamos sendo o recurso do 
CAPS. Apesar do programa do CAPS vir como 
algo muito mais instituído, mais chance de gera-
ção de recursos, de intervir no caso desse pacien-
te, nós passamos, praticamente, a contar com, o 
CAPS para a alimentação, para você ver como a 
questão é social. Nós conseguimos que o CAPS 
fosse um recurso para produzir alimentação, mas 
não para intensificar cuidados junto ao paciente. 
Eduarda - Ele tem uma situação social pecu-
liar. Ele mora num buraco com dois cômodos sem 
luz, sem água e sem gás, sujo. Mora numa cova, 
um verdadeiro antro. Quer dizer, estas situações 
22
sociais, que nós estamos pelejando aqui, mas que 
são limitadas pela mera presença sem institucio-
nalidade. Então, nós não temos problemas, não 
temos de demonstrar que os pacientes do pro-
grama nunca mais foram internados, basta ter 
um programa como este. Claro que nós estamos 
dizendo que o manejo clínico produz alteração 
substantiva na qualidade de vida, na continência 
social. Altera muito as chances de o sujeito ser 
internado. 
Marcus - O paciente citado passou um ano 
sem se internar, e isso só aconteceu porque nós 
operamos o tempo todo ao lado deste sujeito. 
Quer dizer, este sujeito não precisa de internação, 
precisa de alguma coisa que o programa sabe, 
mas não tem para dar. Mas sabe que é possível 
dentro de uma política pública de ser oferecido 
para um cidadão portador de transtorno mental. 
O que ele precisa não é nada estratosférico fora 
do campo do que uma política pública de saú-
de mental pode oferecer. Nós sabemos do que 
ele precisa, mas não podemos oferecer, porque 
somos um programa limitado. Mas a tecnologia 
de intensificação de cuidados evidenciou ser um 
caminho certo para operar com este tipo de sujei-
to. Quando convocado, o CAPS mesmo afirmou 
que se tratava de caso para internação. O CAPS 
até agora associou as forças expulsivas. Fizemos 
todo movimento (durante um ano) para mantê-lo 
fora do hospital psiquiátrico, e o que o CAPS tem 
a dizer sobre este caso é que ele é um caso para 
internação. Caso de internação por quê? Porque 
ele não consegue dialogar com o caso. Não con-
segue dialogar por quê? Porque falta repertório 
clínico, e é aí que entramos no seu assunto.
Então o que faz a diferença é a ideologia 
da clínica?
Marcus - O grande diferencial do PIC, talvez, o 
que a gente está querendo instalar, é um novo re-
pertório clínico, uma nova atitude para o exercício 
da clínica com essa clientela. Esta lógica que es-
tamos querendo problematizar, esta lógica, exata-
mente, que clínica é essa? O grande problema da 
Reforma Psiquiátrica, hoje, é a questão da incon-
sistência da clínica que é feita. Há uma ideologia 
geral, há um repertório de atitudes prescritas, mas 
existe um limite para operar na clínica. Então, o 
PIC está baseado no esforço teórico e prático de 
uma fundamentação de uma clínica psicossocial 
com psicóticos, uma clínica que articule, no mes-
mo movimento, a questão da subjetividade e do 
pertencimento social. Não a clínica que tome a 
questão da subjetividade como uma questão de 
indivíduo que está disfuncional e opere na clíni-
ca da falta de funcionamento psíquico do indi-
viduo e trate como uma outra coisa a questão 
do pertencimento social, dos laços sociais e da 
sociabilidade dos sujeitos. Ela é uma clínica muito 
empírica. Dentro dos CAPS, hoje, fazem-semui-
tas coisas, fazem-se muitas ofertas, mas a articu-
lação, a fundamentação, a estruturação de uma 
reflexão sobre condição psíquica e pertencimento 
social, pertencimento social e condição psíquica, 
isto não está sendo feito.
23
Qual é o diferencial da teorização do PIC 
em relação à clínica psicossocial dos psicóticos?
Marcus - É o esforço de produzir um pensa-
mento que orienta a ação, uma atitude clínica, 
baseada numa articulação que não os vê como 
dois âmbitos diferentes. Estruturação psíquica e 
pertencimento social são duas coisas que estão 
em mão dupla o tempo todo, em tráfego intenso, 
e quem quiser trabalhar nesta clínica, ser efetivo 
nessa clínica, trabalhar integralmente, tem de ser 
capaz de não separar, de não distinguir isto, mas 
operar com uma coisa operando com a outra (es-
trutura psíquica e pertencimento social, pertenci-
mento social e estrutura psíquica). Talvez assim, o 
que nós temos recenseado mais, o maior esfor-
ço que a gente tem aqui é de fazer essa costura. 
Ensinar a clínica em que não se separa, agora 
o social, agora o psiquismo. Mas agora a gente 
pensa o psiquismo como sociedade, sociedade 
como psiquismo, em vínculo, ou laços sociais, em 
relações, em sociabilidade, em pertencimento, 
em convivência, em expulsão social, em exclusão 
social, pensa todas essas coisas. Em estruturação 
do sujeito, em delírio, enfim, toma essas coisas 
todas como produção que está no campo, que 
precisa ser trabalhada, estudada. 
Eduarda - Eu acho, pessoalmente, que o cam-
po da teorização da clínica da saúde mental é um 
campo que valoriza muito a questão do indivíduo 
e da abordagem individual. Os profissionais não 
têm repertório para lidar com a questão social e, 
quando têm esse repertório, lidam com a questão 
do social como se ela fosse uma questão distinta 
da questão da estruturação psíquica individual. 
Normalmente não têm repertório, é como se isso 
não lhes pertencesse, e como se diz no prontu-
ário, a minha parte é até aqui, ali é o social e 
sobre o social eu não tenho o que fazer. Inclusive, 
é um jogo de empurra, é como se dividissem os 
pacientes em vários. Um lado é o social, outro 
o psíquico, outro lado é das drogas, outro é a 
família, como se o paciente fosse um bocado de 
coisas separadas. 
Marcus - Eu acho que essa clínica, que se cha-
ma “clínica ampliada”, ela vem mudar essa visão. 
O paciente não é só uma soma de um monte de 
coisas, que não opera sobre os sintomas, ope-
ra sobre a presença do sujeito no mundo; consi-
deram-se as dificuldades psicológicas, subjetivas 
para a presença desse sujeito no mundo e se con-
sidera que, efetivamente, o mundo é o lugar que 
realmente é difícil para o sujeito estar se ele não 
está operando num certo registro da normalida-
de. É tentar produzir este diálogo entre o mundo e 
o sujeito, o mundo psíquico do sujeito e a cultura, 
a cultura e o mundo psíquico. Eu acho que a gen-
te trabalha muito forte com essa questão de per-
tencimento na cultura, a idéia da psicose como 
uma dificuldade de ser sócio da cultura e de que 
nosso trabalho, nossa clínica é exatamente essa 
de criar possibilidades, de ampliar as chances de 
esse sujeito pertencer à cultura. Às vezes eu digo, 
um pé na cultura: “cultura, tem paciência, afinal 
de contas esse sujeito está psicótico”; um pé na 
psicose: “psicose, tem paciência, não fique nessa 
24
posição, afinal de contas a cultura não perdoa, 
a cultura é exigente, não vai deixar você ficar 
nessa posição”. Então um pouco essa idéia de 
mediador. 
A mediação seria uma nova função do profis-
sional de Saúde Mental?
Marcus – É assim que vejo. Esse operador da 
saúde mental como mediador dessa tensão entre 
a disfunção psíquica e a disfunção social, criando 
a possibilidade do cabimento da disfunção psí-
quica no funcionamento social. 
Eduarda - Ela é uma clínica sofisticada, né, 
Marcus? Você precisa da alteridade, que é outra 
coisa que a gente trabalha também, alteridade no 
lugar da autoridade. Eu acho que inicialmente é 
uma questão para os estagiários, elas vão visitar 
os pacientes do programa que se encontram in-
ternados em hospitais, e às vezes no CAPS tam-
bém, as equipes de lá ficam dizendo: “ah, vocês 
são babás dos psicóticos. Aqui nós damos auto-
nomia”. Então, tem uma leitura equivocada dos 
termos que são hoje em dia socialmente corretos, 
politicamente corretos. Autonomia é um termo 
que é comum hoje na saúde mental, mas autono-
mia como desresponsabilização. Então, tem esse 
detalhe ético. É um equívoco o que está aconte-
cendo com o termo “autonomia”: “os pacientes 
têm autonomia, eles tomam medicação se eles 
quiserem, eles vão ao caps se eles quiserem, não 
temos nada com isto”. Vêem autonomia como 
desresponsabilização do técnico em relação à 
psicose. Tenório fala que quanto mais pertencente 
a alguma coisa (várias coisas) maior grau de au-
tonomia esse sujeito adquire. 
Marcus – No PIC, a gente lidou com vários 
casos de recusa do paciente que a gente aplicou 
aquela idéia da reforma psiquiátrica italiana, da 
lei 180, que afirma: o paciente tem o direito de 
recusar tratamento, a unidade de atenção à saú-
de mental tem a obrigação de oferecer o aten-
dimento. Então, colocar essa contradição, esse 
direito de recusa e a obrigação da oferta como 
ponto de negociação. Porque se um tem o direito 
de recusar, o outro tem o dever de ofertar. Você 
faz o ponto de tensão que só pode ser solucio-
nado através do ponto de negociação. O serviço 
tem de ser capaz de convencer o sujeito que ele 
vai receber o serviço. E o sujeito? Respeitando o 
sujeito, ele tem o direito de recusar, ou seja, se o 
serviço não for convincente, ele não vai cumprir 
sua função se ele não tem de convencer o pacien-
te que ele deve aceitar. E ele só deve convencer, 
não pode impor à força, porque o paciente tem 
o direito de recusar. Em vários casos aqui a gente 
usa esse paradigma, sobretudo os casos de pa-
cientes que dizem assim: “eu não quero ver vocês, 
vão embora”. Aí a gente diz assim: “você tem o 
direito de não querer ver a gente, mas a gente 
tem a obrigação de vir cá e dizer que a gente está 
à sua disposição”. Então, temos aí um problema. 
O seu direito é o nosso dever, nosso dever ético 
de te perceber numa condição fragilizada e de 
perceber suas condições de fazer estas delibera-
ções sobre seu desinteresse por nós. Porque você 
25
está supondo que nós estamos no lugar de perse-
guidores, porque você está supondo que vamos 
colocar você nesse lugar hostil. Nós não estamos 
nesse lugar hostil, sabemos eticamente disso, va-
mos só sustentar nossa presença até a hora em 
que você tope conversar com a gente. 
Eduarda – Em vários casos a gente teve de 
aplicar isso aqui. Tá certo, isto é um problema, 
senão a gente se demite da responsabilidade do 
problema: “você não quer, você não quer! É pro-
blema seu” – é assim que o CAPS faz: “estou res-
peitando que você não quer”. E eu pergunto, não 
é engraçado? Quando ele quer se jogar lá do 
alto, acho que posso intimidá-lo, não respeito o 
que ele quer! Quando acho que ele diz que vai 
matar alguém, eu interno e não respeito o que 
ele quer! Agora, quando ele diz para mim que 
não quer a minha presença, eu rapidamente faço 
concordância com ele e digo: “eu respeito o que 
você quer”. Então é uma coisa meio de conveni-
ência. 
Marcus - Esse é um ponto legal, um ponto ra-
dical. Tivemos aqui três ou quatro casos em que 
tivemos de enfrentar isso, ação de nos demitirmos 
da responsabilidade. Vimos que o problema era 
um problema da nossa dinâmica clínica, então 
nós fomos desafiados a mudar nossa dinâmica 
clínica de abordagem para permitir que o pacien-
te se sentisse confortável para aceitar nossa oferta. 
Então, na hora em que ele se sentiu confortável, 
ele aceitou nossa oferta. Então, esse é o ponto em 
que nós trabalhamos com um sofisticado pensa-
mento. Na verdade, não é a tecnologia que é so-
fisticada, é o pensamento sobre essa difícil atitude 
que é oferecer uma clínica para essa clientela. 
E qual a relaçãodo acompanhamento terapêu-
tico com o programa, como é que ele entrou?
Marcus – Na verdade, hoje eu penso que cada 
vez mais nós tendemos a definir a clínica como 
baseada no manejo das relações vinculares, des-
de o conceito de transferência (strictu sensu), con-
ceito já consagrado na clínica da saúde mental. 
Nós extrapolamos esse conceito de transferência e 
manejamos múltiplas relações vinculares. Isto, de 
alguma forma, pode definir essa clínica como clí-
nica do manejo das relações vinculares. Por isso, 
no lugar do estágio, nós dizemos que trabalha-
mos com a clínica que preserva a relação transfe-
rencial, e, para isso, delimitou-se um setting para 
preservar a relação terapeuta-paciente, porque 
aquela relação vincular promove os efeitos tera-
pêuticos (você pode chamar isso de reforço de 
pureza, pureza do vínculo transferencial isolan-
do através do setting). A questão é que o setting 
do serviço substitutivo é exatamente o setting da 
contaminação, não tem esta pureza, as relações 
vinculares são atravessadas, ligadas por muitos 
aspectos, muito dinâmicas. Então, temos aí um 
fato, é uma condição nova. E o saber psicológico, 
psicanalítico, relação psiquiatria-médico-pacien-
te, ela não se preparou para lidar com essa di-
mensão das relações vinculares transversais, para 
lidar com a dimensão das relações vinculares res-
tauradas nos processos de convivências coletivas. 
26
Então, é uma clínica que não sabe sobre isso, ela 
não tem recurso de pensamento. 
Então o vínculo é um conceito central 
para vocês?
Marcus - Essa clínica está baseada nesse re-
curso, manejar as relações vinculares como orien-
tação nessa clínica. E aí, a gente vem trabalhando 
com a idéia de que nós fazemos muitas ofertas 
(não ofertas tipo pacotes), de que o programa, 
na verdade, é baseado em várias possibilidades, 
em articulações dessas relações vinculares, e uma 
dessas possibilidades é essa coisa de atenção do-
miciliar. Hoje o paradigma da atenção domiciliar 
começa a ser desenvolvido no PSF, na idéia de 
medicina da família, algumas coisas começam a 
ser desenvolvidas a partir do saber sobre atenção 
domiciliar. Atenção domiciliar é tomar o lócus do 
domicílio como lócus de ofertas de atenção. O 
setting completamente tenso, conturbado, confu-
so, às vezes a gente vai lá fazer a oferta dentro 
desse setting, tomar o domicílio como setting da 
oferta. Talvez esse seja um ponto forte sobre o 
qual a gente nem saiba tanto, mas a gente apos-
tou nele, e ele foi revelando uma potencialidade. 
Talvez os PSFs tenham um saber sobre isso, dife-
rente do saber que nós estamos produzindo, que 
é o manejo das relações vinculares transversais, 
cruzadas, enfim. 
Eduarda - Nós trabalhamos com as duplas, 
pessoas que vão para dentro das casas. As ar-
ticulações das duplas: uma escuta fulano, outra 
escuta sicrano, ou seja, maneja-se esse conjunto 
de relações no ambiente da família. Outra coisa 
que a gente faz é uma aposta no trabalho com a 
sociabilidade. Então, o trabalho com a sociabili-
dade, com os pacientes, o esforço de produção 
da sociabilidade, ela define o espaço do trabalho 
grupal. E a gente mantém um grupo, o grupo do 
encontro, que é uma modalidade que a gente está 
ainda ensaiando. Este espaço de grupo é um es-
paço importante. Dentro deste espaço nós temos 
um tipo de oferta que é um esforço para olharmos 
as necessidades sociais integrais. 
Marcus – Retomando a sua pergunta. Um 
desses componentes que usamos nesse manejo 
múltiplo é o componente do Acompanhamento 
Terapêutico ou AT. Tanto na dinâmica da relação 
grupal, nos processos grupais, isto porque o pa-
ciente vem para o grupo acompanhado, vem in-
troduzido no grupo com o acompanhante, quan-
to nos passeios coletivos de todos os pacientes, 
quando os estagiários saem com os pacientes 
em grupo, que também divergem da estrutura 
típica do acompanhamento terapêutico, em que 
um acompanha um. Aqui, muitos acompanham 
muitos. E também temos a dinâmica do AT stric-
tu sensu, porque, às vezes, com cada paciente, 
há uma dinâmica relacional, às vezes a dupla sai 
com um para isso, para aquilo. Às vezes sai com 
dois também, mas o mais comum é sair a dupla 
com um paciente, fazer coisas da necessidade do 
paciente na rua, coisas ligadas à cidadania: tirar 
identidade, título de eleitor, benefício, ministério 
público, não tem regras.
27
A intensificação de cuidados então é mais 
ampla do que o acompanhamento terapêutico?
Eduarda - Temos de enfatizar mais a questão 
do trabalho com as redes sociais na comunidade 
a partir do núcleo familiar. Você toma o núcleo fa-
miliar, a atenção domiciliar e uma certa expansão 
disso para outras relações, dos pacientes com, os 
amigos por exemplo. Aspecto importantíssimo é 
a articulação com os vizinhos, com a igreja, com 
a comunidade, com a rua, com a barraca em 
frente. A gente tem casos de a comunidade fa-
zer movimento contra o paciente, de brigar. Tem 
uma situação em que o paciente xingou a mãe de 
alguém, e esse foi lá brigar, bater no paciente, e 
as estagiárias lá na casa tiveram de contornar, do 
lado do paciente, intermediar, e depois voltaram 
para trabalhar com os vizinhos, com o grupo de 
adolescentes para poder conviver de uma outra 
maneira. Articularam a rede objetiva e subjetiva 
mesmo. 
Marcus - Fazer advocacia do paciente na co-
munidade é emprestar o poder contratual, é aju-
dar a negociar uma melhor posição diante do 
outro, usando o poder das estagiárias: “olha, 
comunidade, vocês têm de ter paciência com o 
cara, porque ele está muito mal”. 
Eduarda - E às vezes o contrário também, 
às vezes o paciente entra em crise, não quer se 
alimentar e tem um pastor que é um integrante 
importante na vida desse paciente, e bastou que 
esse paciente conversasse com ele para que ele 
conseguisse se alimentar, para produzir uma in-
terferência a partir de uma outra relação que é 
significativa para ele, para interferir no caso dele. 
E tem um caso interessante de estagiários que fo-
ram fazer uma visita a um paciente que mora aqui 
perto do Mário Leal e foram assaltados no meio 
do caminho. Aí roubaram a bolsa e o celular dos 
estagiários. Eles voltaram para o Mário Leal, a 
moça chorando, o rapaz não podia chorar, por-
que “homem não chora”. E todos num clima de 
drama, porque afinal de contas, “veja como é ar-
riscado esse programa, colocou os estagiários em 
risco, eles foram à comunidade que moravam as 
pessoas pobres, perigosas, que assaltam as pes-
soas”, todo um drama. E, enquanto estão todos 
lá, discutindo esse drama, vem a paciente trazen-
do a bolsa da estagiária, dizendo “eu estava na 
porta da minha casa, de repente vi fulano passar 
com uma bolsa e reconheci, aquela bolsa é a bol-
sa do meu estagiário. Corri lá, falei com não sei 
quem, e não sei quem foi lá e trouxe a sua bol-
28
sa. Tome aqui sua bolsa, na minha comunidade a 
sua bolsa não será roubada”. 
Marcus – É, pelo ponto de vista do laço social, 
produziu proteção para os estagiários, pela ques-
tão do vínculo, do manejo. Em todas essas ope-
rações, há questões que nos fazem aproximar da 
temática do AT. Entretanto nós produzimos cursos 
sobre AT, incentivamos, enfim. Nos interessa mui-
to qualificar as principais funções típicas, o modo 
de operação típica do AT, ainda que isso esteja 
calcado na perspectiva didática, de uma díade 
do acompanhante e paciente. Nós achamos que 
isso pode ser uma base nuclear interessante, para 
pensar na questão da continência, do holding, de 
uma série de funções que o AT pode exercitar. É, a 
dinâmica psíquica do psicótico, ela é muito com-
plexa, toda informação teórica, clínica que puder 
ajudar para que um sujeito compreenda melhor 
o que significa estar diante de um paciente psi-
cótico, acho que essa é a matéria principal que 
tem faltado no mercado, que é um preparo para 
que os sujeitos possam se localizar diante desse 
enigma, que é a psicose, se é que é possível isto. 
Que o sujeito possa ter um repertório mais elásti-
co para se movimentar diante do sujeito psicótico.A gente acha que este programa é um preparo, 
um tipo de preparo para o trabalho, e, no caso, 
este preparo a gente procura trabalhar aqui no 
estágio. Na verdade, o que a gente está prepa-
rando nesses estagiários é uma atitude para uma 
postura. Lição número um para quem quer traba-
lhar com pacientes psicóticos: é preciso aprender 
a suportar a psicose! Esse é um ponto de partida 
que interroga hoje os nossos serviços. Os serviços 
hoje estão cheios de pessoas que, ao invés de 
suportar a psicose, agridem a psicose com uma 
certeza clínica que advém da teoria psicanalítica, 
da psicopatologia psiquiátrica, enfim, das diver-
sas formas de localização do sujeito psicótico. 
Os serviços não estão preparados para lidar 
com os pacientes? 
Marcus - Acho que pouco preparados, teórica 
e tecnicamente, para a clínica com psicóticos. Eu 
olho aí, esse é pensamento meu, e vejo que há 
uma asfixia tática que impede qualquer clínica de 
prosperar com esse sujeito esquisito aí, arranja-
do psiquicamente ao modo da psicose. Com esse 
tipo de fechamento, em que a teoria hegemônica 
produz a certeza sobre o que o sujeito tem, se 
é incapaz de produzir qualquer efeito dialogante 
com a psicose. Então, eu acho que isso aí é perda 
de tempo. A atitude clínica que a gente desenvol-
ve é essa atitude que tenta produzir a condição 
de suportar. 
O acompanhamento terapêutico não seria um 
recurso útil aí?
Marcus – Há um saber sendo produzido nes-
sa relação diádica do acompanhante terapêutico 
com o acompanhado que nos interessa, que é 
uma matéria útil para o nosso trabalho. Agora, a 
gente acha que o AT é o recurso, ou é o melhor 
recurso? Não! Porque o que estamos falando é de 
manejo das relações vinculares. Se a gente tem 
29
uma crítica ao abuso do setting tradicional que, 
para manejar as relações vinculares, isola a rela-
ção vincular, que protege o lugar da relação vin-
cular, que, para isso, tem de se fechar numa sala, 
trancar seu diálogo entre quatro paredes, porque 
só assim vai produzir esse laço que vai permitir 
a interferência transferencial. Se a gente identifi-
ca tudo isso, é lógico que a gente valoriza o AT, 
na medida em que o AT rompe com esse setting 
e coloca o sujeito numa situação de exposição. 
Ele cria para o AT a necessidade de flexibilidade, 
de lidar com as situações de transversalidades, 
com os atravessamentos, com a simultaneidade, 
com a multiplicidade de situações. Então, o AT é 
progressivo em relação ao tema de ruptura com 
o setting clássico da clínica, que tenta reduzir a 
relação do sujeito pelo recenseamento simbólico 
que ele apresenta no contato. Ou pela postura 
ou pela atitude física do paciente tenta-se deduzir 
coisas sobre ele. O AT entra na vida do pacien-
te, tem mais chances de receber do paciente in-
formações, perceber, fazer leituras interpretativas 
acerca das dinâmicas subjetivas, psíquicas do pa-
ciente psicótico. 
E quais seriam as limitações do AT em relação 
à proposta de vocês?
Marcus - O AT ainda está mantido no registro 
de uma sociabilidade privatizada, ou seja, a re-
lação diádica ainda é tida como ponto principal 
da sustentação. Mas acontece uma coisa interes-
sante, lá em São Paulo, onde essa prática é mais 
difundida, onde se vêem casos assim: um pacien-
te, para ser cuidado, tem de ter um psiquiatra, 
um psicólogo ou psicanalista, e aí tem um AT. O 
AT para possibilitar as dinâmicas da sociabilida-
de. É como se cada um desses sujeitos tivesse de 
preservar um campo de especificidade da sua 
atuação para garantir a efetividade do que ele 
faz. E aí nós estamos propondo algo diverso com 
essa idéia de cuidado intensivo, baseado no ma-
nejo das relações vinculares, múltiplas, diversas, 
aquelas que foram fundamentais para o desen-
volvimento do CAPS como projeto de instituição 
de cuidados aos psicóticos. Estamos perguntan-
do, na verdade, que especificidade é essa onde 
um escuta, o outro medica, e o outro circula pela 
cidade? Que história é essa? Que lugar é esse? 
O grande desafio é perguntar: alguém é capaz 
de trafegar por tantas posições diante do sujeito e 
sustentar sua posição de alteridade diante dele? 
A exposição à convivência do profissional com o 
sujeito atendido em múltiplas situações, múltiplos 
espaços, múltipla referência, coloca que tipo de 
risco? Coloca o risco de que a alteridade seja per-
dida, mas isso é um problema da relação vincu-
lar, esse é um problema do material, do preparo 
do sujeito que está posto nessa relação. Talvez o 
que nós estejamos dizendo, querendo dizer, é que 
talvez seja possível para um sujeito experimentar 
múltiplas posições diante do paciente sem perder 
a posição da alteridade. 
Como se articula essa questão da alteridade 
com a noção de vínculo?
Marcus - Esse tema é muito interessante, por-
que, muitas vezes, existe uma confusão entre a 
30
posição que sustenta a alteridade e a perspectiva 
moral que exige dos psicóticos uma submissão à 
autoridade. Fica aquele papo da alteridade como 
autoridade, e, muitas vezes, fica parecendo que 
a figura da alteridade é exercício de autoridade. 
Autoridade: eu sou um médico, eu sou um psica-
nalista, eu sou seu AT. Fica parecendo que o que 
sustenta a relação vincular é uma certa autorida-
de do saber sobre a psiquiatria, sobre psicanálise, 
sobre AT; e não a postura do cuidador que conse-
gue manter-se na condição de um “Outro” válido 
diante do psicótico. No CAPS, eles dizem não ser 
possível suportar a convivência, suportar o grupo, 
porque eles aprenderam teoricamente que têm de 
lidar no espaço neutro, no espaço que não conta-
mine. Se eles estão no grupo, se estão no espaço 
da convivência, eles se expõem, entram em cho-
que contra sua própria questão. 
O vínculo seria um tipo de transferência? 
Marcus - Ou a transferência que é apenas mais 
um tipo de vínculo? Entendeu? Nós estamos, na 
verdade, fazendo uma provocação do campo, o 
principal campo orientador da fundação teórica 
do preparo para a clínica mental que é a psica-
nálise. E ela toma a transferência ao modo de 
uma relação vincular muito especial, e nós esta-
mos partindo da transferência para dizer “tudo é 
vínculo”. A grande questão é saber qual o prepa-
ro que alguém tem de ter para se sustentar numa 
posição, em múltiplas localizações diante do su-
jeito, sustentando alteridade. Isto tem a ver com o 
preparo do sujeito, isso não é um ideal absurdo, 
só vai exigir que esse profissional seja um profis-
sional mais permanentemente atento e mais de-
vidamente centrado na sua função, no seu saber, 
na sua localização no mundo. Ou seja, vai exigir 
um profissional mais sofisticado. Agora, nós não 
podemos querer colocar as pessoas em ambien-
tes, em settings absolutamente diversos, múltiplos, 
movimentados, coletivos e manter a referência te-
órica, interpretativa da clínica no registro da rela-
ção diádica. 
Eduarda - Temos podido desenvolver essa pro-
blemática, a problemática de como que a gente 
pode, sem culpas e sem dar satisfações a nenhu-
ma igreja teórica específica, tentar produzir uma 
clínica baseada na alteridade e no vínculo, sobre-
tudo considerando que, de vez em quando, você 
pode não conseguir, que de vez em quando você 
vai falhar, você vai se perder, mas ainda assim, 
sem culpa, sem aquela obrigação, sem aquela 
imposição, sustentar a busca de uma clínica que 
se envolva na complexidade das relações sociais 
concretas que definem as possibilidades e as po-
sições dos sujeitos no mundo. Resistir à tentação 
de reduzir a complexidade do sujeito para caber 
nas nossas conveniências teóricas.
Marcus - Mas, sobretudo está a tarefa de pro-
duzir um elemento orientador para a prática clí-
nica: olhe, diante do paciente, eu tenho que o 
tempo todo estar fazendo alteridade, e a alterida-
de é estar sempre centrado na minha função, na 
minha escuta, na minha atitude, na minha posi-
ção. A gente está tentando que desenvolvam essa 
31
habilidade, que é muito mais uma atitude, que 
tem relação com o preparo, que tem relação com 
as idéias que estão sendo orientadas.Então, é 
por isso que aqui hoje eu disse assim: as pessoas 
têm uma atitude, nós oferecemos uma presença 
orientada por um certo pensamento que compre-
ende o que é a psicose, o que significa o delírio, 
o que significa a crise, o que significa um deter-
minado tipo de produção dos pacientes em sua 
vida, que os outros que estão lá com os pacien-
tes, que também são sujeitos psíquicos, que tam-
bém estão expressando sua condição de sujeitos 
barrados, as suas dificuldades, suas limitações, e 
nós produzimos uma interação entre sujeitos psí-
quicos precários. Somos todos sujeitos psíquicos 
precários, inclusive o sujeito que está atendendo 
o outro sujeito. Devia ser preparado, mas é pre-
cário, e, dentro dessa precariedade, ele busca se 
preparar para superar a precariedade. Nós todos 
somos sujeitos psíquicos precários, e os psicóti-
cos sujeitos psíquicos com um tipo de precarie-
dade, os seus familiares com as precariedades e 
nós com nossas precariedades: “um encontro de 
precários”. 
Como se dá a formação para atuar 
no programa?
Eduarda - Se tem uma metodologia que é as-
sim: exposição durante dois meses, mera exposi-
ção aos pacientes. O segundo momento é reser-
vado para a teorização; em seguida vem a ação. 
Este programa é assim, quem quiser participar do 
estágio tem de ficar durante as férias para receber 
os pacientes da dupla que está saindo. Então, a 
passagem é uma fase do estágio, é o primeiro 
contato do paciente com seu futuro acompanhan-
te. Durante a passagem, ele é progressivamente 
apresentado ao paciente, informado que substi-
tuirá e ele, durante um mês, vai sendo repassado, 
então ele vai da posição de alguém que está che-
gando até a posição de alguém que está saindo. 
Em momento nenhum o atendimento é interrom-
pido. Nas duas primeiras semanas, você (a dupla 
que está chegando), e nas duas outras, você (a 
dupla que está saindo) atuam juntos. Então faz aí 
o que a gente chama de “passagem”, aí depois, 
após um mês, o paciente está por conta dos no-
vos. Ele conhece o paciente nas 4, 5 semanas, 
mas sabe muito pouco sobre qualquer coisa, seja 
sobre clínica, seja sobre psicose.
Marcus – O aluno vem com uma experiência 
mínima e, às vezes, nenhuma sobre a psicose. Ele 
nunca viu alguém psicótico, ele nunca se relacio-
nou com alguém psicótico, não viveu experiência 
anterior, é virgem na relação com a psicose. No 
máximo, viu pacientes internados na disciplina de 
psicopatologia. E aí a gente deixa um período ini-
cial de quase um mês e meio pelo menos (só aí 
já vão quase dois meses e meio de convivência). 
Dizemos assim, só seja delicado e gentil, simpá-
tico e presta atenção, esteja presente, mas não 
complique, não perturbe a vida do paciente, por-
que o contato com o sujeito psicótico é uma das 
principais fontes de aprendizagem sobre a psico-
se. Nada das idéias que são trazidas aqui podem 
substituir o contato com a experiência do sujeito 
32
psicótico. Passagem e depois exposição à psico-
se. Aqui se tem uma concepção teórica: “a psi-
cose ensina”. A psicose é uma obra da produção 
psíquica que tem uma direção de trabalho, de su-
peração. Então, são crenças teóricas de trabalho 
que orientam essa atitude, de que a psicose en-
sina, de que quem quiser aprender aprende com 
a psicose. É só prestar atenção, tem de ter uma 
postura de abertura. Aí tem a questão: abertura, 
suporte, acolhimento. Na primeira fase, a gente 
está preocupado com as idéias mais gerais sobre: 
vínculo, internação, fases da reforma, a base do 
programa, o que é que a gente faz, e as pessoas 
estão lá em contato. Então, está em descompasso 
clínico, as pessoas estão angustiadas porque não 
sabem o que fazer, são incompetentes, e a gen-
te não está oferecendo recursos de interpretação 
nesse momento. 
E a formação teórica?
Marcus - Depois dessa fase, a gente começa, 
paulatinamente, a oferecer mais recursos teóricos 
das mais diversas fontes: pode ser teoria sistêmi-
ca, psicanálise lacaniana, psicanálise freudiana, 
Pichon Riviére, dos grupos, das teorias da reforma 
psiquiátrica, da clínica antimanicomial, podem ser 
coisas úteis e interessantes para pensar em instruir 
esse contato com os sujeitos (estagiários), com os 
pacientes (também sujeitos). Então, essa interpre-
tação é mais ou menos assim. Nós começamos 
a perceber que começa a se instaurar um pensa-
mento e atitude clínica. Ex: uma estagiária relata 
que percebeu que precisa lidar de forma diferente 
com as mães de diferentes pacientes, ou seja, não 
há uma condição indicada a seguir, cada caso é 
único. O que os estagiários apreendem são deles, 
isso é aprendizagem clínica. É lógico que ninguém 
vai sair daqui perito em intervenções precisas de 
clínica da psicose. Ninguém pode ensinar, e não 
há esta perícia, é muito mais a postura, a atitude, 
a interpretação e a abertura e capacidade de su-
portar. 
Seis meses dá para atingir o objetivo?
Eduarda - Claro que não, quem fica mais tem-
po desenvolve mais, mas percebemos que tem 
uma mudança de postura, isso sim. Mudança de 
postura, compreensão, atitude. Em seis meses, 
as pessoas adquirem leitura acerca do psiquis-
mo, um olhar sobre o psiquismo psicótico e uma 
postura clínica. São seis meses intensivos também 
para os estagiários. Eles atendem final de sema-
na, à noite, pela manhã. Alguns pacientes eles 
estão visitando três vezes por semana. Às vezes, 
os estagiários saem da casa do paciente mais de 
9h da noite, tentando negociar: “só saímos da-
qui após você tomar o remédio”. É intensificação 
também de contato, de conhecimento, de convi-
vência clínica, de impacto. 
Marcus - Mas é também uma intervenção pe-
dagógica. Ao falar da forma que lida, orienta os 
estagiários, cada supervisor com seu estilo próprio 
“pai e mãe”, rígido, brando. Tem pessoas aqui 
que precisam deslocar de posição, elas tentam 
nos enrolar, se você não der uma dura, uma de-
sorganizada... E é melhor que ela se desorganize 
33
aqui, na supervisão... Às vezes alguém chora, pois 
somos todos sujeitos psíquicos precários. A provo-
cação é um pouco calculada, cada um recebe do 
jeito que pode agüentar. Não nos interessa deses-
tabilizar a posição defensiva, estas coisas têm um 
certo cálculo, um manejo da aprendizagem, das 
transferências, do rigor, do esforço da ética. 
Eduarda - Eles, os estagiários, trazem um inte-
resse muito grande, que vai além da nossa exigên-
cia, nós conseguimos gerar, a partir do clima de 
equipe, um ambiente de altíssimo envolvimento. 
Marcus - Trabalhamos e operamos com o con-
ceito de autonomia radical. Talvez assim as pes-
soas acreditem na minha autoridade, pela minha 
forma forte e dura, às vezes, de tratar os temas, 
mas o grau de autonomia com que as pessoas 
operam é enorme, talvez seja essa a tensão, pois 
as pessoas operam com muita autonomia. A or-
ganização da dinâmica do atendimento é muito 
por conta dos estagiários. Nós supervisionamos, 
naturalmente. A avaliação é feita a partir da mu-
dança de atitude, a fala, como falam com o pa-
ciente, o desenvolvimento psíquico do paciente, 
a mudança no pensamento clínico, tudo. Um 
alto grau de envolvimento, comprometimento. 
A aprendizagem principal, que tudo move, é da 
perspectiva ética. Uma perspectiva ética de aber-
tura, de generosidade, de compreensão que esse 
é o serviço, que eu posso até não querer fazer o 
serviço, mas entender que esse é o serviço, isso é 
que tem de ser feito. Tá certo que essa é a clínica, 
eu posso achar pretextos, justificativas, explica-
ções para não fazer, mas o que é que tem de ser 
feito, o que deve ser feito? O que a psicose preci-
sa que seja feito? Nossa proposta é assim: “faça 
segundo a necessidade da psicose”, não precisa 
a gente mandar, faça segundo a necessidade da 
psicose, a psicose vai lhe interpelar, e, se ela lhe 
interpelar e você estiver sustentando ativamente, 
você não vai ter para onde correr. Você vai ter 
de entrar e vai ter de responder, ou vai se demitir, 
cair fora, você não vai ficar no meio termo. E nor-
malmente, de modo geral, a atitudedas pessoas 
é muito bacana, só não elogio demais, porque 
senão estraga. Fico muito orgulhoso, a gente 
nota, que pessoas bacanas, que aprendizagem, 
voluntária, gastando dinheiro do próprio bolso, 
é pura transferência com o trabalho. O fato de 
estarem ali por escolha facilita, porque permite 
que você tenha uma equipe ali que está a fim. A 
forma como a gente conseguiu criar o ambiente, 
sem institucionalizações, mas muito nessa idéia: 
“tem de fazer aquilo que a psicose exige”. O que 
34
é a clínica? Fazer o que a psicose exige. Na su-
pervisão, orientamos assim: você está atendendo 
o que a psicose está exigindo, o que é que o caso 
está pedindo? O caso pede, você faz; ou você se 
demite ou você atende. Eles são os responsáveis 
pelo caso, são eles que devem prestar conta, são 
eles que estão em contato com o paciente, às ve-
zes, três vezes por semana. 
Eduarda -Tem alunas para as quais o estágio 
significa, pela primeira vez, ter contato com as 
realidades sociais muito duras, tem um aspecto 
muito duro. Moças muitas vezes preservadas, que 
são de famílias de classe média, fazem cursos 
pró-ativos, e as pessoas herdam essa generosi-
dade. Pois esta coisa de terapia ocupacional e 
psicologia não vai dar dinheiro, mas você já tem 
uma certa direção generosa, são pessoas protegi-
das socialmente. Para algumas delas, é a primeira 
vez que vão se expor à vida da pobreza, da de-
sigualdade social, da miséria. Então, no final, há 
um discurso como - “foi uma lição de vida” muito 
importante. Há casos das estagiárias que expres-
sam não estar suportando a situação de vida/
miséria de certo paciente, então a gente altera, 
inclui mais um na dupla/trio, e recua aquele que 
não está suportando.
E a história de se trabalhar em dupla? 
Marcus - Na verdade, é outra sacação, tudo 
assim, muito empírico. Na verdade, no primeiro 
semestre foi muito difícil, porque a gente tinha de 
inventar o programa. Algumas idéias agora ficam 
mais fáceis de a gente dizer, né? A gente achou 
um jeito, criou umas regras assim, tem uma idéia. 
Mas essa coisa de dupla, por exemplo, é uma coi-
sa fundamental. Hoje, não faria de outro jeito. Tá 
certo, não sei se funcionaria de outro jeito. Traba-
lhamos em dupla, sempre que possível, duplas de 
T.O. e Psicologia. Depois criamos uma coisa as-
sim: dois pacientes com uma mesma dupla, e um 
terceiro com uma dupla diferente, para criar alte-
ridade. Porque três pacientes com a mesma dupla 
cria um vício na dupla. Para comparar: quando 
eu trabalho com fulano, é assim; quando eu tra-
balho com cicrano, é de uma forma diferente. A 
química das duplas é diferente na abordagem, na 
atitude, na aprendizagem. A história das duplas, 
acho que traz assim, suporte recíproco para elas, 
o fato de estarem acompanhadas, a questão do 
testemunho, feedback, pensar junto, testemunhar 
o desenvolvimento e a dificuldade do outro. En-
tão, eu acho que o fato de fazer em duplas criou 
uma química interessante do programa. Não faria 
diferente, até porque o manejo, uma vai cuidar da 
mãe, elas vão se dividir, pois estão lidando com 
transferências múltiplas, transversais, as pessoas 
podem se aproximar, fazer um revezamento. 
Mas a troca destas duplas a cada semestre não 
cria dificuldades?
Marcus - Uma das nossas descobertas mais in-
teressantes colocou em xeque uma das questões 
centrais do programa que era a questão da psico-
se, a questão vincular. Então, nosso eixo, nosso di-
álogo, nosso enfrentamento de pensar a psicose, 
35
que expressa uma dificuldade de pertencimento 
social, de laço social, da condição de ser sócio da 
sociedade. Então, a questão vincular passa a ser 
para nós como uma questão de manejo delicado 
na psicose, vínculo e manejo em todo lugar (filho, 
pai, mãe, professor, aluno, etc). A psicose exige 
uma delicadeza no manejo clínico. E o fato de o 
paciente psicótico ser um sujeito, às vezes, refra-
tário ou narcísico, no investimento vincular, torna 
a questão de, de seis em seis meses, trocar as 
pessoas um problema. Então, a cada seis meses, 
nós vivemos um processo de reconstrução da re-
lação vincular com as novas duplas. Então, esse é 
um exercício que não era intencional, mas propõe 
marcar uma transferência não com o sujeito, mas 
com o lugar do outro, com o lugar de cuidador. 
Então, eu acho que isso é uma coisa bacana, que 
a gente precisa desenvolver teoricamente, por-
que boa parte dos pacientes tem ficado pacíficos, 
não são todos, têm alguns que problematizam o 
enigma vincular, para eles é muito radical. Vários 
pacientes estão entrando numa um pouco assim: 
“não quero nem saber, eu sei que tem alguém 
aqui comigo. Se vai embora, fico com saudade, 
mas vem outra pessoa e do que eu sei é que es-
tou me dando bem, que tem alguém cuidando de 
mim, preocupado comigo, com uma atitude boa 
comigo, que me faz bem”. Entendeu? Como se 
fosse uma espécie de treino psicótico com a ques-
tão dessa alteridade do vínculo, que seria uma 
questão emblematicamente séria dos núcleos cen-
trais da psicose. Até o fato de ter, de seis em seis 
meses, de mudar de dupla, que pode ser, para al-
guns, um obstáculo, impossível. Como o paciente 
não vai poder se vincular?! Ele vai construir uma 
história, ele vai ter uma oportunidade de construir 
uma não, 5, 6, 12, várias histórias vinculares, em 
um curto espaço de tempo, com pessoas que têm 
um zelo, um cuidado vincular, pessoas que estão 
postas numa relação vincular, no lugar de alte-
ridade, delicadeza com eles. Então, é como se 
fosse (estou pensando nisso agora) uma espécie 
de treino para o manejo desse enigma. Às vezes 
dizem que o psicótico aprende de ouvido, que ele 
não tem o outro dentro. Ele pode treinar que o 
outro existe, que o outro tem certo modo de ope-
ração e que ele pode se adequar a isso, e a vida 
pode ser menos tensa. 
Como vocês vêem a possibilidade do progra-
ma, ao invés de ser um estágio, ser um traba-
lho permanente, de ele se tornar um recurso 
desenvolvido dentro do CAPS?
Marcus - Na verdade, eu acho, a gente acha 
que isso deveria ser não um programa, mas que 
isso deveria ser uma orientação teórica, meto-
dológica, técnica e ética para o trabalho com a 
clínica psicossocial no interior dos CAPS. Na re-
alidade, a gente acha, porque a gente não está 
no CAPS, porque esse seria o trabalho do CAPS. 
A gente está no Mário Leal, com essa condição 
de ser uma unidade de internação, e por quê? 
Porque nós queremos desenvolver uma metodo-
logia com determinados arcabouços de inter-
pretação teórica, a gente quer desenvolver uma 
certa metodologia que possa ser orientadora da 
ação clínica. Nós temos certeza de que estamos 
36
preparando pessoas para trabalharem no CAPS. 
Aqui, a turma daqui vai chegar ao CAPS e vai dar 
show, show de atitude, de postura, de manejo, de 
depoimento do que está fazendo na vida, show 
de clínica. Pode não estar tão afiado do ponto de 
vista da perícia técnica, da clínica, porque isso 
exige muito treino, muita bagagem. Eles são éti-
cos, fundamentalmente pela postura, pela atitu-
de, na presença, na interpretação do fenômeno, 
do jogo de cintura, da capacidade de movimen-
tar-se no setting. Aos profissionais que atuam no 
CAPS falta, muitas vezes, esse preparo prévio, o 
saber se movimentar, saber sair para a rua, para 
a cidade, saber juntar muita gente: eles têm medo 
de misturar, tá certo? A turma aqui não tem medo 
de misturar. Em uma situação de crise, as meninas 
são muito bem resolvidas, escutam: tá delirando? 
Estão lá dentro da casa com a família, calma aí, 
sem alarmar, sem tragédia, com uma desenvol-
tura. 
Eduarda – E, às vezes, a experiência do CAPS 
é a de ficar esperando do paciente demanda es-
pontânea. O paciente em crise, o CAPS fala “não, 
não vai lá, que ele está em crise”. As meninas di-
zem “não, porque, se ele está em crise, é que a 
gente precisa estar lá”; porque este treino de seis 
meses dá essa perspectiva. Eu tenho certeza de 
que nós estamos preparando recursos humanos 
para trabalharem na Reforma Psiquiátrica, para 
trabalharemno CAPS. O recurso básico, o recur-
so é isso, nem tinha essa pretensão toda. Aqui as 
pessoas estão passando por uma formação que 
tem pontos mais fortes, pontos altos, tem defici-
ências, certamente, coisas que Marcus e eu domi-
namos pouco. 
Marcus - É muita coisa, o campo é múltiplo 
demais, e, dentro do que a gente conseguiu sis-
tematizar, a gente tem um roteiro de direção que 
tem um clima de muita dedicação e interesse. As 
pessoas estão atentas, estão interessadas, há uma 
sintonia “quem o pode mais, pode o menos”. Se 
esta atitude clínica desenvolvida aqui e voltada 
para a psicose é o que mais desafia a clínica da 
reforma psiquiátrica, eu acredito que, no futuro, 
com treino especifico, nós poderemos ter bons 
terapeutas para as outras clínicas, para CAPSI, 
CAPS AD. A atitude principal que as pessoas ad-
quirem, depois do treinamento específico que nós 
damos, centrado na questão da psicose, lhes per-
mitirá uma atitude clínica bastante diferenciada. 
Artigos de crença
39
A relação entre teoria e prática é, certamente, uma questão central quando se trata do pre-
paro para o trabalho com a coisa mental. Este 
preparo envolve um tipo de treinamento no qual 
o exercício do encontro empírico com o fenôme-
no mental deve se articular com a administração 
da teoria. Não pode haver dúvidas em relação 
ao lugar ocupado pela teoria nesse processo. Um 
repertório teórico amplo e diverso deve estar à 
disposição como pensamento disponível para ilu-
minar este encontro. Somente assim a teoria pode 
encarnar-se, ganhar as dimensões singulares de 
uma aprendizagem subjetiva que define o estilo 
de cada um que deseja ocupar este lugar de um 
agente profissional de cuidados às pessoas que 
demandam tal atenção. O encontro clínico que 
ensina é aquele em que a mediação da teoria 
ajuda a romper com a especularidade que marca 
a relação entre dois sujeitos, introduzindo aí um 
terceiro através da dimensão simbólica represen-
tada pela teoria. Mas é preciso cuidar para que 
a teoria não assuma o governo desse encontro, 
aviltando as dimensões complexas da realidade 
empírica, pretendendo reduzir às categorias do 
pensamento, os aquecidos fenômenos subjetivos 
com os quais lida. Entendemos que todos os su-
jeitos que trabalham com a clínica têm a obriga-
ção de responder à interpelação acerca dos seus 
motivos de agir: como entendem o fenômeno que 
trata e como o tratam. Todo sujeito tem a obriga-
ção de explicitar as razões do seu fazer clínico, 
ainda que ao modo de uma reconstrução que se 
faz à posteriori da intervenção. Todavia, sem o 
encontro empírico, é impossível apreender a clí-
nica. Não há leitura teórica que possa prescindir 
da experiência quando se trata de construir um 
saber clínico de tipo intelectual, mas, sobretudo, 
subjetivo. Tampouco podemos prescindir nessa 
tarefa da companhia do Outro. Do outro mais ex-
periente, e sempre haverá alguém mais experiente 
ou com uma outra experiência, que nos cuidará 
subjetivo, que nos escutará numa supervisão, que 
nos transmitirá conhecimento num seminário ou 
curso. De muitos outros colhi, ao longo do ca-
minho, no esforço de produzir a minha sistema-
tização, formas de entender, formas de explicar, 
em nome das quais, hoje coordeno este projeto 
de preparo para futuros trabalhadores de saú-
de mental. Nestes “artigos de crença”, explicito 
as minhas fragmentárias construções, a partir da 
quais tenho buscado criar pontos de partida para 
as interrogações daqueles pelos quais academi-
camente sou responsável por orientar e que espe-
ram de mim que eu seja uma boa companhia no 
seu processo de iniciação. Através destes, textos, 
aulas transcritas e notas de trabalho vão registran-
do um pensamento que se sabe, sempre, apenas 
uma expressão nas fronteiras da ignorância. Mas, 
por hora, é isso o que eu tenho oferecido.
Marcus Vinícius de Oliveira Silva
Alguns artigos de crença...
40
A CLÍNICA INTEGRAL: 
O PARADIGMA “PSICOSSOCIAL” COMO UMA EXIGÊNCIA 
DA CLÍNICA DAS PSICOSES
*Marcus Vinícius de Oliveira Silva
* Psicólogo, Doutor em Saúde Coletiva IMS/UERJ, Professor Adjunto da Faculdade de Filosofia e Ci-
ências Humanas da UFBA, Coordenador do Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental do 
Departamento de Psicologia da UFBA, Criador e Supervisor do PIC - Programa de Cuidados Intensivos 
a Pacientes Psicóticos.
O programa de atenção psicossocial a pacien-tes psicóticos com histórico de internações 
psiquiátricas, marcados pela condição de início 
da carreira manicomial (com vistas a sua inter-
ceptação) ou pela grande freqüência de interna-
ções motivadas por situações de fragilidade social 
está baseado no conceito de “intensificação de 
cuidados”, que decorre de uma compreensão das 
necessidades clínicas de natureza “psicossocial” 
presentes nessas situações e que, de um modo 
geral, são negligenciadas pelos modos tradi-
cionais de organização da oferta de assistência 
aos mesmos¹. Por “intensificação de cuidados”, 
compreende-se um conjunto de procedimentos 
terapêuticos e sociais direcionados ao indivíduo 
e/ou ao seu grupo social mais próximo, visando 
o fortalecimento dos vínculos e a potencialização 
das redes sociais de sua relação, bem como o es-
tabelecimento destas nos casos de desfiliação ou 
forte precarização dos vínculos que lhes dão sus-
tentação na sociedade. De caráter ativo, a “inten-
sificação de cuidados” trabalha na lógica do “um 
por um” e pretende colher o indivíduo no con-
texto de sua vida familiar e social, estabelecendo 
um diagnóstico que respeite a complexidade de 
cada caso em suas peculiaridades psíquicas e so-
ciais. Baseada em visitas domiciliares regulares, 
de prospecção e intervenção, a “intensificação de 
cuidados” oferece desde os recursos terapêuticos 
tradicionais até o assessoramento existencial do 
qual os sujeitos psicóticos carecem, com vistas a 
contribuir para o processo de re-organização de 
suas vidas, para o enfrentamento das tendências 
socialmente expulsivas motivadoras das re-inter-
nações freqüentes. Como elemento de suporte e 
de organização do programa, a “intensificação 
de cuidados” investe na produção de novos es-
paços de sociabilidade, sustentados no interior da 
instituição, criando dispositivos coletivos de aco-
40
41
lhimento e convivência através da “grupalização” 
dos sujeitos, bem como para os seus familiares, 
apostando no poder do vínculo social como um 
elemento fundamental da “continência psíquica”. 
Como pressuposto e justificativa fundamental de 
tal perspectiva, temos a compreensão de que, an-
tes de se constituir como “doença mental” e ser 
inscrita como um fato médico, a psicose, inter-
pretada como loucura, caracteriza-se por ser um 
fato social. Torná-la médica não retirou dela sua 
condição de ser um fato social, mas a reinscreveu 
numa certa perspectiva reducionista cujos únicos 
beneficiários são certas instâncias de poder social 
das quais os sujeitos loucos não participam ou 
usufruem. O ponto de corte para a construção 
do comportamento bizarro ou desviante como 
alvo das intervenções psiquiátricas, sobretudo na 
geração das demandas de internações, situa-se 
antes em marcadores sociais do que em marca-
dores clínicos ou da sintomatologia estritamente 
psíquica. Todo fato psíquico é um fato social. Não 
existe fato psíquico que não se inscreva como fato 
social. Não existe fato social que não se inscre-
va como psiquismo. A “loucura” ou a “psicose” 
como fato psíquico encontra-se marcada pela 
condição de ser um fato social estridente e signi-
ficativo. Somente quando os sintomas interferem 
na ordem social de forma relevante, o sujeito será 
inscrito no quadro do desvio psiquiátrico, sobretu-
do quando afetadas as suas qualidades de auto-
regulação, autonomia pessoal e/ou econômica ou 
de perturbação da ordem. Não que os elementos 
de alteração do funcionamento psíquico deixem 
de ser relevantes na definição da gravidade dos 
casos psiquiátricos, mas apenas quando essas al-
terações ultrapassam um certo patamar

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