Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Arboviroses · Introdução Arboviroses são as doenças causadas pelo chamados arbovírus, que incluem o vírus da dengue, Zika, febre Chikungunya e febre amarela. A classificação “arbovírus” engloba todos aqueles transmitidos por artrópodes, ou seja, insetos e aracnídeos (como aranhas e carrapatos). Existem 545 espécies de arbovírus, sendo que 150 delas causam doenças em seres humanos. Apesar de a classificação arbovirose ser utilizada para classificar diversos tipos de vírus, como o mayaro, meningite e as encefalites virais, hoje a expressão tem sido mais usada para designar as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, como o Zika vírus, febre Chikungunya, dengue e febre amarela. Todas as arboviroses são doenças de notificação compulsória. Dessa forma, todo caso suspeito deve ser prontamente comunicado por telefone, fax ou email às autoridades, por se tratar de doença grave, com risco de dispersão para outras áreas do território nacional e mesmo internacional. DENGUE Em qualquer região tropical como o Brasil toda vez que um paciente chega com quadro de Síndrome Febril, a suspeita de arboviroses (doenças transmitidas por insetos) precisam vir à nossa mente, sendo que dentre elas, uma das mais comuns no nosso meio é a Dengue. Só para se ter uma ideia, estima-se que a Dengue acometa, nas regiões tropicais, cerca de 50 milhões de pessoas anualmente, sendo que dessas, em torno de 500 mil são quadros graves com sintomas hemorrágicos. E para complicar para nosso lado, desde 1980 o Brasil tem se destacado por contribuir com aproximadamente 70% desses casos, o que nos faz entender que a Dengue é, na verdade, um problema de saúde pública - e é até por isso que se trata de uma doença de notificação compulsória, ou seja, é obrigatório notificar não só o diagnóstico, mas também os casos em que foi levantada a suspeita de Dengue. E como se já não bastasse, é válido destacar que apesar de os óbitos por Dengue serem bastante raros, de acordo com o Ministério da Saúde esse número tem crescido nos últimos tempos e isso indica que precisamos ter um pouco mais atenção para com essa doença. Bom...antes da gente começar a falar da apresentação clínica da Dengue, é importante entender um pouco de toda a biologia por trás dessa doença, pois é exatamente isso que justifica a magnitude que ela consegue alcançar, bem como o tratamento e a prevenção que vem sendo propostos pelo Ministério da Saúde. Dessa forma, a primeira coisa que precisamos saber é que a Dengue é provocada por um flavivírus, um vírus do gênero Flavivirus e da família Flaviviridae, que é um patógeno de RNA, envelopado e que possui 4 sorotipos bem estabelecidos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e o DENV-4, sendo que em termos de virulência, o 2 é o que mais se destaca, seguido pelo 3, depois o 4 e, por último, o sorotipo 1 (então para organizar isso: 2 > 3 > 4 > 1). Além disso tudo, uma das características mais importantes sobre esse vírus é que ele é um arbovírus, ou seja, a sua transmissão é feita por meio de insetos e é justamente aí que entra em cena o mosquito Aedes aegypti, a grande estrela quando se fala em Dengue. Com relação a esse mosquito, uma coisa que precisa ficar muito clara na nossa cabeça é que ele não é o causador da doença, ele é apenas o vetor dela! E o que isso quer dizer? Quer dizer que não é ele quem produz o vírus e sai infectando todo mundo. Na verdade o que acontece é o seguinte: o Aedes é um mosquito que se alimenta do néctar e da seiva das plantas, no entanto, quando grávida, as fêmeas desenvolvem o hábito da hematofagia (alimentação com sangue) pois só assim elas conseguem alguns nutrientes específicos para o desenvolvimento dos seus ovos. A partir daí, se ela picar uma pessoa que seja portadora do vírus da Dengue, ela irá se infectar e apesar desse vírus não causar nenhuma doença no mosquito, ele consegue ser transmitido nas próximas picadas que ela der e é justamente esse processo que favorece a transmissão da doença. Associado a isso, existem 2 características desse mosquito que favorecem muito a disseminação da dengue que são: - Ciclo holometábolo; - Discordância gonotrófica. O ciclo holometábolo está relacionado ao processo de metamorfose: então o mosquito põe ovos que depois originam as larvas, que vão formar as pulpas e essas, então, evoluem para os mosquitos em si. E por que isso favorece a disseminação da doença? Porque esses ovos são muito resistentes! A princípio eles só são depositados em águas limpas e paradas, mas os estudos mostram que eles conseguem sobreviver em latência por até 450 dias em desidratação, mas dentro desse período, se ele for exposto água, ele terá a capacidade de retomar seu processo evolutivo e dar origem a novos mosquitos. Para se ter uma noção do impacto dessa característica na disseminação da Dengue: os mosquitos só conseguem voar por até 100-200m de distância dos seus ovos, então se acredita que a principal forma de disseminação da Dengue entre as regiões seja por meio das viagens de pessoas infectadas, associada ao transporte passivo dos ovos, já que eles conseguem resistir por bastante tempo e em situações adversas. Para finalizar essa parte introdutória, a discordância gonotrófica faz parte do processo evolutivo que o Aedes passou para se adaptar à vida urba- na. O que acontece é o seguinte: esse mosquito tem hábitos diurnos e isso é uma desvantagem porque é um pe- ríodo em que as pessoas estão mais ativas e, portanto, mais propensas a matar mosquitos do que se elas esti- vessem sendo picadas à noite. Por conta disso, o Aedes adquiriu maior agilidade com suas asas e de- senvolveu a habilidade de sugar me- nos sangue, mas de mais pessoas, em vez de tentar sugar tudo de uma só - o que facilitaria que fossem mortos, como acontece com os pernilongos de hábitos noturnos. Dessa forma, além de haver um aumento na sua sobrevida, o Aedes também acabou tendo contato com mais indivíduos, o que também favorece a transmissão da Dengue. 02. Fisiopatologia Assim que o paciente é contamina- do pelo mosquito, o vírus penetra na corrente sanguínea e nesse primeiro momento ele vai se deslocar prefe- rencialmente para 3 locais: - Monócitos; - Linfonodos; - Musculatura Esquelética. O objetivo nessa etapa é se multipli- car, então o RNA viral vai ser inter- pretado nos lisossomos para que se- jam produzidas proteínas virais e, daí, a maturação dos vírions irá ocorrer dentro de organelas como o Comple- xo de Golgi ou o Retículo Endoplas- mático, o que permitirá a liberação dos mesmos novamente na corrente sanguínea após um determinado pe- ríodo. É nesse momento que o vírus irá se disseminar por todo o corpo do paciente estimulando a produção de citocinas pró-inflamatórias - como a TNF-a e IL-6, especialmente - e ini- ciando a fase sintomática da doença, sendo que uma das estruturas mais afetadas pela inflamação é a parede vascular, o que acaba aumentando a permeabilidade dela e, com isso, pode desencadear hemorragias ou a perda de plasma para terceiro espaço. 03. Quadro Clínico De forma simplificada, a gente pode definir a Dengue como um quadro febril agudo (de no máximo 7 dias) e que vem acompanhado de pelo me- nos 2 dos seguintes sintomas: Dor retroorbitária, mialgia, prostração, cefaleia, artralgia, exantema. Contudo, essa é uma forma bem bási- ca de encarar a doença, uma vez que ela pode se apresentar com quadros variando desde a completa ausência de sintomas, até quadros bastante graves em que o paciente apresen- ta até sinais de choque. Dessa for- ma, atualmente o que se recomenda é que a gente encare a doença como tendo 3 fases distintas: - Fase Febril; - Fase Crítica; - Fase de Recuperação. FASE FEBRIL A fase febril é a mais conhecida por nós já que corresponde ao período sintomático clássico da doença, então ela se apresenta com uma febre alta (39-40aC) de início súbito e duração de 2 a 7 dias, frequentemente asso- ciada àqueles sintomas pouco es- pecíficos como a cefaleia, adinamia, mialgia, artralgia e dor retro-orbitária. Além disso, o paciente também podeter náuseas e vômitos, anorexia, diar- reia e exantema, sendo que com re- lação a esses dois últimos sintomas vale destacar que: a) a diarreia cos- tuma ser pouco volumosa, com fezes pastosas e numa frequência de 3-4x ao dia, o que facilita na hora de dife- renciar dos quadros de gastroenteri- tes; b) já o exantema, por sua vez, está presente em cerca de 50% dos casos e na maioria das vezes se apresenta no padrão máculo-papular, afetando todo o corpo do paciente (face, tron- co, MMSS, MMII, mãos e pés) como vemos abaixo: FASE CRÍTICA Após a fase febril, boa parte dos pa- cientes evoluem direto para a recupe- ração, havendo melhora dos sintomas e do estado geral. Contudo, uma par- te das pessoas podem entrar no que chamamos de fase crítica, a qual se caracteriza por uma melhora da febre entre o 3o e o 7o dia de doença, as- sociada ao desenvolvimento de sinais de alarme, os quais são: SE LIGA! - Dor abdominal intensa - Vômitos persistentes - Acúmulo de líquidos - Letargia/irritabilidade - Hipotensão postural Hepatomegalia (>2cm) - Sangramento de mucosa - Aumento de Ht De maneira sistemática, a gente sempre precisa investigar a presen- ça desses sinais em pacientes com diagnóstico ou suspeita de Dengue - e mesmo quando não encontramos nada, deveremos orientar os pacien- tes para que retornem ao serviço caso identifiquem qualquer um desses si- nais. O que a presença de algum(ns) deles quer dizer para a gente? Isso in- dica que o paciente está deteriorando e tem uma chance maior de evoluir com complicações da doença, sendo a principal: choque. Choque Como a gente já falou lá em cima, a Dengue provoca um quadro de infla- mação sistêmica afetando especial- mente as paredes dos vasos, o que leva a um aumento da permeabilidade vascular e favorece a perda de líquido para terceiro espaço, podendo causar choque (frequentemente entre o 4o e 5o dia de doença) - sendo que é válido a gente destacar que essa deteriora- ção para o choque normalmente se dá dentro de um intervalo de 24-48h, costumando evoluir para o óbito em até 24h se nada for feito. Hemorragia Grave Além do choque, uma outra compli- cação muito grave da Dengue é a ocorrência de hemorragias pelo corpo e isso se dá não só pelo acometimen- to vascular que nós já sabemos que o vírus provoca, mas também pelo fato deles afetarem as plaquetas, o que torna mais difícil o processo de tam- ponamento. Inclusive, é justamente por conta des- sa complicação que é contraindicado para os pacientes com diagnóstico ou suspeita de Dengue, o uso de medi- camentos como o ácido acetil-sali- cílico (AAS) e os AINEs, já que eles afetam a cascata de coagulação e por isso podem acabar estimulando ain- da mais as hemorragias. Disfunção Orgânica A Dengue também pode levar ao comprometimento funcional de vá- rios órgãos como o fígado (que pode desenvolver hepatite), o coração (que pode ter uma miocardite), os rins (que entram em insuficiência aguda) e também o sistema nervoso central (provocando convulsões, encefalites, etc.). Isso mostra para a gente que é importante incluir na nossa solicita- ção de pacientes com Dengue Gra- ve, uma série de exames para ava- liar função orgânica geral como, por exemplo: TGO e TGP, ECG, ureia e creatinina. FASE DE RECUPERAÇÃO Por fim, a última fase da doença é a de recuperação, que é quando o paciente começa a ter uma melhora progres- siva dos sintomas e do estado geral, mas isso não significa que vamos fi- car tranquilos e pronto. Nada disso. Lembra que a fase crítica começa do mesmo jeito, então é importante con- tinuar acompanhando o paciente por um tempo e mantê-lo orientado de que deve retornar aos serviço caso identifique algum dos sinais de alar- me. Somado a isso, quando se encerra o quadro de Dengue, ficará mais fácil de se identificar a presença de ou- tras infecções associadas, então nós temos que ficar atento a isso. E além disso, é nessa fase que o paciente irá começar a reabsorver o líquido perdi- do para terceiro espaço, de modo que nós devemos nos preocupar também com o risco de hiper-hidratação. POPULAÇÕES ESPECIAIS Dois grupos com os quais a gente precisa ter atenção dobrada quando se trata de Dengue são o das crian- ças e o das gestantes. Primeiro com relação às crianças, o que acontece é que pacientes pedi- átricos não costumam fazer o quadro clássico que acabamos de aprender. Na verdade eles tendem a se manter assintomáticos ou apresentar sinto- mas muito inespecíficos como adi- namia, sonolência, náuseas e vômi- tos, etc. Assim, o que ganha bastante espaço para nos ajudar a levantar a suspeita diagnóstica é o aspecto epi- demiológico mesmo. Já no que tange às gestantes, a gran- de questão é que elas precisam ser acompanhadas de perto indepen- dente da gravidade da doença e isso pode ser explicado pelo fato de a Dengue aumentar a ocorrência alte- rações fisiológicas da gravidez, bem como de sangramentos obstétricos - e é inclusive por isso que toda ges- tante que apresenta sangramento, in- dependente do período gestacional, deve ser interrogada com relação a episódios de febre nos últimos 7 dias, justamente para afastar Dengue. Diagnóstico A presença de um quadro clínico clássico somado com um período so- mado a um período epidemiologica- mente ativo - como acontece nos ca- sos de surto, por exemplo -, dispensa qualquer outra investigação para a doença. Mas fora isso, o método de escolha para fazer o diagnóstico da Dengue depende do tempo de início da doença. Até 5 dias Durante os 5 primeiros dias da doen- ças, o paciente ainda não vai ter de- senvolvido sorologia para Dengue, de modo que a única forma que teremos de fazer esse diagnóstico é através da dosagem de partículas relaciona- das ao próprio vírus causador. Assim, nossas opções são: - Pesquisa de Antígeno Viral (NS1); - Teste de Amplificação Genética (RRT-PCR); - Imuno-histoquímica Tecidual; - Cultura. Desses todos, o NS1 é a melhor op- ção pois apresenta sensibilidade de 70% e especificidade de 95%, o que nos confere valores de RP+ de 14 e RP- de 0,3. A partir disso, a gente já percebe que não é um bom exame para afastar a suspeita de Dengue mesmo que venha negativo - e esse padrão se repete em todos os outros métodos citados acima. Mas além dis- so, outras 2 coisas muito importantes com relação à dosagem de NS1 são: a) ela deve ser feita até o 3o dia da do- ença pois depois disso a sua acurácia começa a cair bastante; e b) caso o paciente já tenha tido Den- gue antes, essa exame também perde um pouco do seu valor diagnóstico. A partir de 5 dias Do sexto dia em diante, aqueles mé- todos que de ver aqui não serão mais tão válidos para fazer o diagnóstico do paciente e é por isso que entra em cena a sorologia com pesquisa de an- ticorpos IgM e IgG. O IgG, como a gente sabe, só vai mostrar se o paciente já foi exposto ao vírus alguma vez, então pode ser que ele venha positivo por causa de infecção ontem, mas também pode ser que seja uma infecção de 2 anos atrás. Dessa forma, o que vai importar mesmo para podermos fazer o diag- nóstico de Dengue no momento será o IgM, o qual tem sensibilidade e es- pecificidade em torno de 80%, o que implica dizer que ele tem uma RP+ de 4 e uma RP- de 0,25, o que deixa claro que ele possui um poder diag- nóstico menor do que a dosagem do NS1 - inclusive, se for uma reinfec- ção, esses valores tendem a piorar -, mas, em contrapartida, é um método que se mantém válido por até 90 dias após a infecção. Estadiamento Uma vez tendo estabelecido o diag- nóstico de Dengue, nós precisaremos fazer o estadiamento da doença, vis- to que é justamente isso que vai de- finir como deverá nossa conduta para o paciente. Pensando nisso, se preco- niza que os pacientes sejam classifi- cados em 4 grupos: Para conseguirmos definir isso, então, a gente vai acompanhar a seguinte sistematização: assim que for levan- tada a suspeita de Dengue, nós já va- mos investigar a presença de sinais de alarme e a depender da resposta nesse item, a gente já consegue de-finir se o paciente estará no eixo A/B ou no eixo C/D. Caso seja um paciente A/B, o que res- ta para nós fazermos é descobrir se ele tem alguma condição especial e que precise de um acompanhamento diferenciado - como é o caso de ges- tantes, crianças, idosos e portadores de doenças crônicas. Se não tiver nada disso, nós o colocamos como A; e se tiver, como B. Já no eixo C/D, por sua vez, o que vai ser diferente para a gente é se há presença de sinais de uma daquelas 3 complicações princi- pais (o choque, a hemorragia e a dis- função orgânica). Se o paciente não tiver nada disso, só os sinais de alar- me, ele será C; se tiver, será D. Tratamento Feito isso, nós vamos iniciar o trata- mento específico para a categoria do paciente e também já decidir como que será o acompanhamento dele. Mas como é isso? É justamente o que vamos ver a partir de agora. Categoria A O paciente do grupo A é aquele com que a gente menos se preocupa por- que ele está bem e desenvolvendo um quadro clássico da doença que tende a regredir dentro de dias. Desse jeito, nós vamos solicitar os exames diagnósticos e prescrever dipirona e/ ou paracetamol no intuito de fazer o controle dos sintomas. Somado a isso, o acompanhamento desses pacientes deve ser feito em ambulatório, no entanto, é fundamen- tal que o paciente seja orientado a fa- zer repouso e a se hidratar bastante, bem como ele deve ser informado para retornar ao serviço o mais rápido possível caso apareça qualquer um dos sinais de alarme. Categoria B Já o grupo B é aquele em que, ape- sar de os pacientes estarem bem, eles possuem alguma condição de base que pode piorar com o quadro de dengue, como é o caso de doen- ças cardiovasculares, por exemplo. Dessa forma, a gente prefere manter o acompanhamento em leitos de ob- servação, mas com a mesma condu- ta que adotamos para o paciente A: exames diagnósticos, medicamentos para controle álgico e hidratação oral (também do mesmo jeito). Categoria C No grupo C as coisas começam a fi- car meio diferentes, afinal, o paciente agora está em um quadro grave. En- tão a primeira questão que muda é que agora ele precisa ser internado e aí ele vai receber reposição volêmica imediata (10mL/kg de soro fisiológico na 1a hora), além de receber aqueles medicamentos para controle de sin- tomas. Além disso, esses pacientes também precisam ser submetidos a todos os exames diagnósticos e mais um pou- co, o que inclui: - Hemograma; - Transaminases; - Albumina Sérica; - Ureia e Creatinina; - Glicemia; - Gasometria; - ECG/ECO; - Radiografia de Tórax; - USG de Abdome. E para que tudo isso? Porque nós pre- cisamos começar a investigar se ele está evoluindo com alguma daque- las 3 complicações de que já falamos (choque, hemorragia ou disfunção). Se houver melhora do quadro, nós vamos readaptar a hidratação para 25mL/kg em 6h e se continuar me- lhorando, a próxima etapa é nova- mente 25mL/kg só que em 8h. Caso contrário, se o paciente não apresen- tar qualquer melhora à intervenção, aí vamos realoca-lo para o grupo D. Categoria D Por fim, o paciente da categoria D já está em um quadro tão grave que precisa ser manejado na sala de emergência, sendo que ele também receberá medicamentos para con- trole de sintomas, fará todos aqueles exames do grupo C e receberá repo- sição volêmica imediata (20mL/kg de solução salina por via parenteral em até 20min). Além disso, por conta da gravidade desse quadro, os pacientes devem ser reavaliados a cada 15-30min e também precisam repetir o hemogra- ma a cada 2h para que seja acompa- nhado o valor do Ht. 07. Notificação Compusória Como comentamos lá no início, a Dengue é uma doença de notificação compulsória, o que implica dizer que o médico é obrigado a informar ao Ministério da Saúde não só os casos em que foi confirmada a doença, mas também todos os casos em que se le- vantou a suspeita da doença. Em cima disso, a notificação pode ser feita em 5 categorias diferentes: - Suspeita de Dengue - Suspeita de Dengue com sinais de alerta - Suspeita de Dengue Grave Caso confirmado - Nos primeiros casos notificados, é obrigatório que essa confirmação seja feita com base em achados laborato- riais. Nos próximos podem ser basea- dos no quadro clínico epidemiológico Caso descartado - Para ser descartado, é preciso haver pelo menos 1 dos seguintes critérios: - Laboratório negativo; - Confirmação de outra doença; - Sem exames laboratoriais, mas com clínica e epidemiologia compatíveis com outra doença. 08. Prevenção Como prevenção à Dengue, a estraté- gia que apresenta maior efetividade é o preparo do serviço de saúde antes de período críticos como o verão, por exemplo, e associado a isso o contro- le vetorial, que podemos conseguir CHIKUNGUNHA 01. Introdução A Chikungunya é uma doença cau- sada pelo vírus CHIKV (do gênero Al- phavirus e família Togaviridae), o qual tem o Aedes aegypti como vetor e o homem como hospedeiro definitivo. Dessa forma, assim que é infectado pelo vírus, o paciente entra em um período de incubação que pode du- rar entre 1 e 12 dias (média de 3-7 dias) e só depois disso é que ele en- tra no período sintomático da doença, o qual pode ser dividido em 3 fases distintas: - Fase Aguda (Febril) - Fase Subaguda - Fase Crônica Quadro Clínico FASE AGUDA Na fase aguda, o paciente apresenta um quadro de febre alta de até 40oC e que dura no máximo 10 dias e, asso- ciado a isso, é muito frequente (mais de 90% dos pacientes) a queixa de poliartralgia intensa e incapacitan- te (comumente com edema periarti- cular), que acomete principalmente mãos, punhos e tornozelo – apesar de que em cerca de 40% dos casos também há comprometimento do es- queleto axial. Além disso tudo, o paciente também pode cursar com vários daqueles sin- tomas inespecíficos, inclusive o rash eritematoso maculopapular, que está presente em até 75% dos casos, sen- do mais comum seu aparecimento por volta do 3o dia de sintomas. FASE SUBAGUDA Após cerca de 10 dias a febre desa- parece marcando o fim da fase agu- da e o início da fase subaguda, a qual pode se estender por até 3 meses e que é marcada persistência da dor articular, normalmente nas mesmas articulações previamente acometi- das, mas que agora pode começar a cursar com rigidez matinal, edema e tenossinovite hipertrófica, podendo levar a complicações como a Síndro- me do Túnel do Carpo. Por fim, depois de 3 meses os pacien- tes costumam evoluir para a recupe- ração mesmo, no entanto, uma pe- quena parcela acaba entrando numa 3a fase da doença que é a fase crôni- ca. FASE CRÔNICA A fase crônica é marcada por uma evolução do quadro articular, poden- do apresentar deformação (como na Artrite Reumatoide) e, em 20% dos casos, o fenômeno de Raynaud. Mas além disso, o paciente pode vol- tar a apresentar vários dos sintomas inespecíficos como fadiga, cefaleia, prurido, alopecia, dor neuropática, distúrbio do sono, etc. O que deixa ainda mais complicada essa evolução da doença é que ela pode durar até 3 anos, no entanto, como falamos, não é todo mundo que vai apresentá-la, na verdade ela é mais frequente em indivíduos com mais de 45 anos, ou que sejam portadores de doença arti- cular prévia ou que tenham apresen- tado sintomas mais intensos do que o normal durante a fase aguda. Diagnóstico Para fazer o diagnóstico de Chikun- gunya pode ser útil pedir um hemo- grama (evidenciará uma leucopenia e, mais raramente, uma trombocitope- nia) além de VHS e PCR, que costu- mam ficar aumentadas por semanas. No entanto, para realmente bater o martelo nós temos 3 opções: - RT-PCR (até o 8o após início dos sintomas); - IgM anti-CHIKV (a partir do 5o dia de doença); - Sorologia pareada de IgG anti-CHI- KV (uma a partir do 6o dia e outro 15 dias depois) Aumento ≥ 4x fecha diagnóstico. A chikungunya também é uma doen- ça de notificação compulsória Tratamento Na fase aguda, o ideal é fazer o con- trole dos sintomas como Paraceta- mol e, se necessário, associar com Dipirona ou Codeína. Além disso, se o paciente estiver com queixa de dor neuropática,a gente também deve associar drogas específicas como Amitriptilina ou Gabapentina. Já na fase subaguda, por sua vez, nós poderemos investir em AINEs e glicocorticoides, ao passo em que na fase crônica, o que poderemos fazer é prescrever Hidroxicloroquina (as- sociado ou não a Sulfassalazina) por 6x – o Metotrexate, nesses casos, fica como segunda opção por ser um me- dicamento mais tóxico. Além disso, a fisioterapia também é uma opção muito boa para alívio das dores. ZIKA 01. Introdução A Zika é uma doença também causa- da por um flavivírus (o ZIKAV) trans- mitido pelo mesmo mosquito Aedes aegypti. No entanto, é importante comentar que existem evidências – ainda não conclusivas – de que esse vírus também é passado por trans- missão vertical e sexual! Visto isso, temos que os primeiro ca- sos surgiram no Brasil em 2015 e logo a Zika entrou para o rol de arbovi- roses que representam um problema de saúde pública para o país, o que faz com que ela seja de notificação compulsória, assim como a Dengue e Chikungunya. Quadro Clínico De modo geral, a Zika não é uma do- ença tão expressiva como as outras duas de que já falamos: ela costuma passar por um período de incubação que dura de 2-14 dias, sendo que cerca de 80% dos indivíduos não ma- nifestam qualquer sintoma após esse período. O outros 20%, no entanto, podem apresentar um quadro de exantema máculo-papular pruriginoso, febre baixa, fadiga e hiperemia conjuntival, além de todos aqueles sintomas mais inespecíficos que já falamos várias e várias vezes. Mas então, qual é o grande proble- ma da Zika que justifique o fato dela precisar de notificação compulsória? É que esse vírus possui o que cha- mamos de “neurotropismo”, ou seja, é um vírus que gosta do tecido ner- voso e isso pode levar a uma série de complicações graves, sendo as mais comuns: a) Síndrome de Guillain-Bar- ré, uma doença desmielinizante que cursa com dor e fraqueza muscular progressiva, além de perdas motoras e paralisia flácida; e b) Microcefalia, que é uma má formação do sistema nervoso central devido ao ataque do vírus a células ainda em fase de mi- gração e diferenciação, de modo que a criança se apresenta com redução do perímetro cefálico, além de com- prometimento neuropsicomotor sig- nificativo. Zika na gestante Como dito anteriormente, o zika vírus apresenta neurotropismo e por conta disso uma grande preocupação se dá quando ocorre a infecção durante a gestação. Umas das possíveis com- plicações da infecção gestacional é a microcefalia, que refere-se à medida do perímetro cefálico (PC) inferior ao esperado para a idade e sexo (abaixo de 2 desvios-padrão). O Ministério da Saúde, em consonância com a Orga- nização Mundial da Saúde, considera 32 cm (percentil 2.6 para meninos e 5.6 para meninas) a medida padrão mínima para o PC do recém-nascido (RN). A microcefalia é causada por vírus de maneira geral, como citomegalovírus a partir da transmissão transplacentá- ria. Dessa forma, o vírus atinge o SNC do feto e desacelera o crescimento neuronal, provocando alterações no crescimento ósseo e, consequente- mente, redução do perímetro cefálico. Grupos de risco: gestantes durante o 1o trimestre de gestação moradores de zona rural, ausência de medidas profiláticas É importante destacar que o risco de microcefalia é muito maior no primeiro trimestre da gestação devido ao perí- odo de formação do SNC do feto, no entanto, o risco de infecção neonatal pelo feto é muito maior no terceiro tri- mestre. 04. Diagnóstico Idealmente, o diagnóstico de ZIKA deve ser confirmado por meio da do- sagem de RT-PCR que pode ser feita no soro (até o 7o dia) ou na urina (até o 14o dia), sendo que no caso do teste na urina é recomendado associar esse achado à dosagem de IgM anti-ZIKA e ao teste de PRNT. Agora, uma vez passado os 14 pri- meiros dias da doença, aí nossa saída será investir apenas no IgM anti-ZIKA e no PRNT. 05. Tratamento O tratamento para Zika ainda não está bem estabelecido, de modo que nós vamos apenas fazer controle dos sintomas, preferencialmente com Paracetamol, Dipirona ou algum an- ti-histamínico – é bom evitar AINEs pelo risco de infecção simultânea com o vírus da Dengue. 06. Prevenção Por fim, por ser uma doença com po- tencial de ser sexualmente transmis- sível, além de todo o controle com o vetor, é fundamental orientar quanto à prática sexual protegida, especial- mente os homens que devem evitar fazer sexo desprotegido durante toda a gravidez da esposa, ou por pelo me- nos 6 meses após infecção, ou por 8 semanas após viagem para área de risco. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL As três arboviroses apresentadas – Dengue, Zika e Chikungunya - não só no que tange à sintomatologia do quadro, mas também em relação ao tipo de patógeno (vírus de RNA) e de vetor (que também é o mosquito Ae- des aegypti). Desse modo, toda vez que estamos diante de uma síndro- me febril, é fundamental que nós fa- çamos o diagnóstico diferencial entre essas três comorbidades. No quadro abaixo, apresentamos como os sinais e sintomas se apre- sentam, e se diferencial, nas três co- morbidades:
Compartilhar