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FACULDADE CIÊNCIAS MÉDICAS DE MINAS GERAIS ANA PAULA TOMAZ CAROLINE DE SOUSA FREDERICO BONSUCESSO LARA OLIVEIRA SOUSA LÍVIA MELHEM MARIA EDUARDA ALVES PEREIRA HISTÓRIA DA LOUCURA E LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL Os percursos da psicologia brasileira no campo da saúde mental Belo Horizonte, MG 2020 ANA PAULA TOMAZ CAROLINE DE SOUSA FREDERICO BONSUCESSO LARA OLIVEIRA SOUSA LÍVIA MELHEM MARIA EDUARDA ALVES PEREIRA HISTÓRIA DA LOUCURA E LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL Os percursos da psicologia brasileira no campo da saúde mental Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos Históricos e Epistemológicos da Psicologia do curso de Psicologia da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais. Professor Alexandre Dutra Gomes da Cruz Belo Horizonte, MG 2020 RESUMO O presente trabalho discorre acerca de como eram vistos os ditos loucos, como as concepções da loucura estavam visceralmente relacionadas às antigas funções dos manicômios e o contexto da Luta Antimanicomial no Brasil. Inicialmente apresentamos os percursos da historia da loucura e o progresso das instituições psiquiátricas, ou seja, seus paradigmas científicos e as práticas ocorridas. Localizando o desenvolvimento da psicologia no campo da saúde mental e a relação entre as práticas ocorridas que resultaram, sobretudo, em grande modificação dos conceitos e procedimentos anteriormente adotados na historia da loucura, sendo inadequada para o contexto brasileiro. Desse modo, relatamos a presença marcante da construção social e o preconceito contra os ditos loucos e sua suposta improdutividade para a sociedade e os movimentos de reforma psiquiátrica no Brasil a partir das novas concepções sobre a loucura e saúde mental atualmente. Palavras-chave: História da loucura, Instituições psiquiátricas e manicomiais, Luta Antimanicomial. 1. INTRODUÇÃO A Luta Antimanicomial refere-se a um contexto de preocupação com saúde mental, notadamente em pacientes psiquiátricos diante de seu processo de internação, objetivando respeitar e proteger seus direitos relacionados à liberdade e vida. Iniciado no final da década de 70, o também chamado Movimento Antimanicomial questionava o tratamento oferecido em instituições psiquiátricas. Defendia a ideia que os denominados “loucos”, termo utilizado para reporta-se a pacientes que possuíam algum tipo de transtorno ou sofrimento mental, não era adequado em um cenário onde se almejava que aquele indivíduo voltasse para o seu convívio social e se adequasse a ele novamente. Mediante a uma pesquisa qualitativa acerca do referido assunto, realizaram-se levantamentos de dados históricos primordiais para a compreensão de sua importância e relevância no contexto da saúde mental, que serão abordados em ordem cronológica e contextual no presente trabalho. 2. JUSTIFICATIVA Estudar o contexto da maneira como ocorreu a história da loucura e a realidade social no campo da saúde mental desses indivíduos tanto em seu meio quanto em manicômios e hospitais psiquiátricos, é extremamente necessário para a compreensão do movimento da reforma psiquiátrica no Brasil e engajamento na Luta Antimanicomial. O sofrimento psíquico trazia para a sociedade uma concepção preconceituosa de incapacidade daqueles que sofrem com doenças mentais - que é o mesmo de doença cerebral, tendo, sua origem, endógena. A sociedade defendia a ideia de que os ditos como loucos precisassem ser retirados, contra suas próprias vontades, do convívio social para serem tratados isoladamente, ou seja, era retirado o direito básico de liberdade desses cidadãos. Por outro lado, a consciencialização acerca das barbáries que eles sofriam e o respeito são fundamentais para a reparação da compreensão do significado das doenças mentais, para, assim, transformar dentro e fora das instituições o modo com que os pacientes eram tratados. O Movimento de Luta Antimanicomial tem como lema “Por uma sociedade sem manicômios” e, fundamenta-se no respeito à defesa da liberdade e intervenções para um tratamento adequado e humanizado para a melhoria da qualidade de vida daqueles em sofrimento mental. A partir das novas concepções na atualidade sobre a loucura e saúde mental, ainda é refletido socialmente um tabu e um preconceito em relação ao sofrimento psíquico, defendendo o afastamento dos mesmos no meio social. Em outro olhar, para funcionar de maneira eficaz, o paciente psiquiátrico necessita de tratamentos que respeitem sua integridade e seus direitos, pois eles ainda enfrentam dificuldades inerentes no dia a dia. Dessa forma, as políticas públicas voltadas para a saúde mental são fundamentais para retirar a concepção de que o lugar ideal para a restauração e normalização de comportamentos seria os manicômios. 3. REFERENCIAL TEÓRICO Inúmeros estudiosos, filósofos, psicólogos e psiquiatras contribuíram para explicar no que consistem as concepções sobre normalidade e anormalidade e como as formas de lidar com a loucura variam de acordo com o contexto histórico. Segundo Michel Foucault, em sua obra “A História da Loucura” (1961), a loucura clássica não é uma doença, mas sim, o extremo dos defeitos, visto que a grande internação é “o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade”. No contexto histórico brasileiro, destaca-se, entre os inúmeros hospitais psiquiátricos que existiram e realizavam maus-tratos, barbáries e abusos através de eletrochoques e excesso de medicamentos, ou seja, verdadeiras chacinas, o Hospital Colônia, localizado em Barbacena, Minas Gerais. Daniela Arbex, em sua obra “Holocausto Brasileiro” (2013), retrata os maus-tratos da história do Hospital Colônia, administrado pela FHEMIG através do depoimento de ex-funcionários e pessoas ligadas diretamente ao dia-a-dia do funcionamento do local. Segundo a autora, 70% dos internos não possuíam transtornos mentais. Segundo Franco Basaglia, psiquiatra italiano e reformulador do modelo de tratamento aplicado em instituições psiquiátricas, “se queremos combater a marginalidade e os desvios, devemos fazer na estrutura social e não como fenômeno isolado que se pretende passar como simples anomalias individuais, onde só uma porcentagem da população tem a desgraça de ser o alvo”. A influência de Basaglia foi importante para o nascer da Luta Antimanicomial no Brasil, que teve seus primeiros protestos realizados em 1970. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), através de variados campos de passa a protagonizar e a construir a partir deste período a denúncia da violência dos manicômios e da mercantilização da loucura. Paulo Delgado, sociólogo e deputado, foi o “porta-voz” desse grupo historicamente silenciado, que desde a época de estudante fora influenciado pelos ideais de Franco Basaglia. O deputado apresentou, em 1989, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 3.657, propondo a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. De acordo com Delgado: A lei não desconhece a doença mental. Ela regula a forma de tratá-la. As insuficiências do tratamento não são da lei, mas da deficiênciana sua aplicação. A doença é uma coisa normal da vida. O que não é normal é não haver convivência pacífica com ela. O maior problema ainda é de aceitação da dificuldade do outro. A reforma psiquiátrica é, de certa forma, a abolição da escravidão do doente mental, seu fim como mercadoria de lucro dos hospitais fechados, da exploração do sofrimento humano com objetivos mercadológicos. Atualmente, o Brasil tem 15.532 leitos em hospitais psiquiátricos, além de 59 Unidades de Acolhimento e 1.475 leitos SUS em hospitais gerais, de acordo com Ministério da Saúde. Essa população fica na invisibilidade e muitos ficam internados por décadas, sem perspectiva de saída para o convívio social. No início dos anos 2000, havia 50 mil leitos. Parafraseando, ainda, Arbex, agora, é preciso lembrar. Porque a história não pode ser esquecida. Porque o holocausto ainda não acabou. 4. OBJETIVOS 4.1 Gerais Proporcionar uma analise a trajetória da historia da loucura, no âmbito da saúde mental, concomitantemente a analise ao crescente movimento antimanicomial, principalmente no Brasil. 4.2 Específicos Explicitar a luta pelas mudanças e suas transformações com o decorrer do tempo. Reconhecimento da inadequação de tratamento dos ditos como loucos e suas mudanças em relação aos atos políticos. Compreensão dos conceitos que tangem a saúde mental dentro e fora dos hospitais psiquiátricos. Impacto na mudança de concepções em relação à Reforma psiquiatra e a importância da desospitalização. 5. METODOLOGIA Trata-se de um estudo de caso qualitativo, elaborado no contexto da disciplina Fundamentos Históricos e Epistemológicos da Psicologia, ministrada como disciplina obrigatória do 1º período da faculdade Ciências Mêdicas de Minas Gerais (CMMG). Assim, seis discentes realizaram essa atividade utilizando os dados obtidos através de uma pesquisa exploratória e qualitativa, de fontes primárias e secundárias, por meio de técnicas de coletas de dados, baseadas em estudos da revisão bibliográfica por meio de sites, artigos, documentários, filmes e livros, sendo alguns desses, sugeridos pelo professor. Tais práticas servem para descrever, analisar e conscientizar toda a população sobre a história da loucura, a necessidade latente da reforma psiquiátrica e a urgência de se ter uma luta antimanicomial devido aos métodos torturantes e cruciais no tratamento dos pacientes. 6. DESENVOLVIMENTO 6.1. A História da Loucura Em sua obra “A História da Loucura”, Michel Foucault compreende que o saber psicológico seria impensável desde o fim da Idade Média até a o período da Renascença. Desse modo, o autor afirma que a loucura seria uma expressividade do sujeito envolta em mistérios e inúmeras vezes associadas a forças místicas das contradições e tradições sociais que impediriam a objetivação de seus discursos, de acordo com parâmetros de uma medicina rudimentar vigente na época. Neste período, a loucura era tida como espelho da experiência da pequenez do homem medieval diante de um universo infinito, estando sempre em proximidade com a morte. É necessário ressaltar, também, que a humanidade, naquela época, vivia os riscos iminentes de guerras, pragas e fome. Entre o período medieval e renascentista havia uma forte expressão social no ocidente de exclusão de um grupo de sujeitos, os leprosos – eram tidos como aqueles que traziam consigo as mazelas do mundo. A partir do final da Idade Média e início do período neoclássico ou renascentista, no entanto, há uma drástica diminuição do número dos casos de lepra. A partir disso, a lepra e as mazelas que a ela eram atribuídas passam a desocupar o espaço de segregação social. É neste instante que a loucura assume esse papel e passa a ser a essência da segregação e do banimento. A experiência da loucura se contrapõe, progressivamente, com o humanismo do período Renascentista que traz consigo uma importante e crescente valorização da racionalidade, da ciência e da natureza. Nesse momento, surge uma loucura advinda da razão, submetendo uma reflexão crítica que confrontava suas alegorias metafísicas e transcendentais. "A loucura nasce no coração dos homens e organiza – na medida em que ele - desorganiza sua conduta" (FOUCAULT, 1961). A partir dessa definição, a loucura é abordada por outros autores como a imanência da razão, sendo assim, a representação do castigo do homem que erra e, assim, se expõe aos efeitos da inverdade delirante de seus próprios atos. Este discurso possibilita o surgimento da experiência clássica da loucura. A partir do século XVII, no decorrer do chamado Classicismo, se iniciam as práticas de internamento do indivíduo considerado fora dos padrões sociais, como dispositivo de poder e exclusão. Os internamentos poderiam ser realizados de diversas formas – alguns exemplos seriam via cartas régias, encaminhamentos policiais, curas paroquiais e pedidos familiares. É necessário ressaltar que esta ferramenta era utilizada em demasia e compreendia uma parcela população totalmente heterogênea, visto que se estima que apenas 10% dos internos possuíam alguma insanidade. Assim, eram internados, também, pobres, criminosos, ateus, mulheres viúvas, alquimistas e blasfemadores (SILVEIRA, Fernando de Almeida; SIMANKE, Richard Theisen). Assim, Foucault considera o Classicismo como período inicial para uma nova percepção da loucura como risco para a sociedade, sendo referida como “desorganização da família, desordem social e perigo para o Estado” (FOUCAULT, 1961). Neste âmbito, o internamento é considerado castigo para a purificação da alma e cura do corpo: nele, a loucura está associada à noção de desatino, visto que a razão antecede a loucura. 6.2. A Luta Antimanicomial A priori, vale destacar que o estopim para que houvesse uma luta contra o tratamento dentro e fora das instituições psiquiátricas, no Brasil, foi a maneira brutalmente desumana que os ditos “loucos” eram tratados e submetidos nos hospitais psiquiátricos, sobretudo, a chacina que ocorreu em Barbacena, MG, no Hospital Colônia. No fim da década de 70, surgiram alguns movimentos de trabalhadores da área da saúde mental juntamente com familiares e amigos dos pacientes, que colocaram, portanto, em evidência a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil. Os movimentos propulsores da hoje conhecida nacionalmente como Luta Antimanicomial foram denominados Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) e Movimento Sanitário. O movimento antimanicomial consiste pela luta por direitos das pessoas com sofrimento mental, pois, assim como qualquer cidadão, elas têm o direito à liberdade, o direito a viver em sociedade sem que haja exclusão, além do direito a receber cuidado, atenção e um tratamento humano. No entanto, o movimento questiona o modelo de tratamento nos hospitais psiquiátricos, uma vez que ali violam veementemente o direito básico à vida humana. Sendo assim, o movimento propõe a reformulação do modelo de atendimento da saúde mental no Brasil, buscando a garantia da cidadania dos pacientes e familiares, sem que haja sofrimento para todos. Não obstante, comemora-se o dia da Luta em 18 de Maio; pois, nesta data, no ano de 1987, foi realizado um encontro de grupos favoráveis a politicas antimanicomiais, surgindo, portanto, a proposta de reconstruir o sistema psiquiátrico brasileiro. Com o lema“Por uma sociedade Sem manicômio”, luta-se pela pluralidade de tratamentos para com as pessoas em sofrimento psíquico grave, sem que haja tortura, agressão e exclusão. Além de ser um ato de resistência em memória daqueles que foram cruelmente torturados, silenciados e assassinados. Desse modo, o Movimento de Luta Antimanicomial constitui-se em um diálogo de conscientização com as instituições legais e com os cidadãos. 6.3. Hospital Colônia em Barbacena: Holocausto Brasileiro No Brasil, a luta ganhou mais visibilidade, destaque e urgência depois do ocorrido em um dos maiores hospícios do país, o Hospital Colônia, situado em Barbacena, MG, cidade essa com outras seis instituições psiquiátricas. Denominado “Holocausto Brasileiro” por Daniela Arbex, o episódio brasileiro ganhou destaque após as 60 mil mortes por situações desumanas diversas, a título de exemplo, por tortura, fome, frio, sede, etc - estima-se que mais de mil cadáveres foram vendidos ilegalmente para universidades mineiras. O Hospital Colônia foi inaugurado em 1903 e era mantido pelo governo mineiro com auxílio da Igreja Católica. Antes de se tornar um lugar de chacina humana, o Hospital era destinado ao tratamento de pacientes tuberculosos. Com o passar dos anos, em 1930, o Hospital Colônia tornou-se uma instituição de natureza pública, sendo oficialmente um hospício. E foi ali que ocorreu o assassinato em massa de cerca de 60 mil pessoas, visto que aquela instituição servia como um depósito de humanos renegados e indesejados pela sociedade, com o fito de se ter uma sociedade padrão e normal, uma vez que desabrigados, alcoólatras, prostitutas, inimigos políticos, homossexuais, pessoas negras, loucos, portadores de doenças físicas, jovens, crianças e até mesmo órfãos eram encaminhados para a Colônia. Vale ressaltar, também, que grande parte daqueles que ali viviam, eram de etnia negra. O dia a dia no Hospital configurava-se como crime à humanidade, não só pelo tratamento obsoleto, torturante e genocida, mas como também a superlotação, uma vez que o hospital tinha capacidade para receber até 200 pessoas, mas chegou a ter 5 mil, reafirmando, assim, a ideia da limpeza social, pois o Colônia não tratava apenas pessoas da cidade, mas também, de muitas outras pessoas que vinham de fora, desembarcando de trem. Frente a isso, dormiam amontoados uns aos outros para se aquecerem em razão de suas camas terem sido trocadas por capins, e, muitas vezes, os que ficavam na parte de baixo eram sufocados. Geraldo Magela Franco, funcionário aposentado do hospital, trabalhou por vinte e nove anos e relata que o tratamento de choque e o uso de medicações nem sempre tinham finalidades terapêuticas, mas sim de contenção e intimidação. Afirma também que: “Não havia prescrição, a gente aprendia na prática sobre o que fazer, quando ocorria qualquer perturbação. No caso dos remédios, a gente dava quando o doente apresentava algum tipo de alteração. Em situação de epilepsia, aplicávamos uma injeção. Se o cara, às vezes, se exaltava, ficava bravo, a gente dava uma injeção para ele se acalmar”. Em 1979, os primeiros passos para a Reforma Psiquiátrica foram impulsionados pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia, o mesmo que estabeleceu a abolição dos hospitais psiquiátricos na Itália, com a aprovação da lei nº180 de 1978, também conhecida como Lei Basaglia. Franco compareceu ao Hospital Colônia e chegou a comparar o local a um campo de concentração nazista e afirmou: “Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como esta”, exigindo seu fechamento imediato frente às condições malevolentes e cruéis que as pessoas ali se encontravam. No entanto, foi apenas na década de 1980 que a história do Hospital Colônia teve fim, encerrando de https://pt.wikipedia.org/wiki/Psiquiatra https://pt.wikipedia.org/wiki/It%C3%A1lia https://pt.wikipedia.org/wiki/Franco_Basaglia https://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_de_concentra%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Nazista vez as atividades. Por fim, em 1996, o hospital foi aberto como o Museu da Loucura, em memória daqueles que foram exterminados brutalmente na Colônia Barbacena. 6.4. Nise da Silveira: pioneira no processo de humanização da psiquiatria Nise da Silveira, grande expoente do Movimento e psiquiatra alagoana, foi uma das maiores responsáveis pela revolução do tratamento da loucura no Brasil. Nise era contra as violências praticadas dentro dos hospitais psiquiátricos e, através da terapia ocupacional - cuja foi pioneira no Brasil -, ela viabilizou uma intervenção mais humanitária. Além dos feitios em manicômios brasileiros, Nise já havia deixado sua marca na Faculdade de Medicina da Bahia, onde era a única mulher em uma turma de 158 alunos. Em 1940, Nise iniciou seu trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional - atualmente, Centro Psiquiátrico Pedro II. A cientificidade da psiquiatria vigente da década de 195 alegava maior efetividade terapêutica através dos métodos psicocirúrgicos, como a lobotomia, e o uso de eletrochoque. Essas intervenções, entretanto, não eram feitas apenas de forma terapêutica como, também, por meio de punições quando os pacientes causavam confusões. Nise se contrapunha duramente a estas práticas. Os pacientes submetidos a esses procedimentos tiveram como consequência diminuição ou regressão do estado mental, alteração de personalidade, imprevisibilidade das reações, regressão geral e uma alta taxa de morbidade e mortalidade. A perda da capacidade de realizar necessidades básicas é outra consequência recorrente a esses excessos. A lobotomia transforma uma desordem funcional em uma doença orgânica irreversível, de acordo com o psicólogo Walter Melo. Nise promoveu uma intervenção mais humanitária indo contra as práticas violentas e negligentes dos demais. Através da terapia ocupacional, cargo o qual a psiquiatra foi designada, Nise foi responsável por criar um ambiente acolhedor para os seus clientes, como denominava seus pacientes, por meio do uso da arte, como pinturas e esculturas. Neste local a represália é proibida, a liberdade é dada a eles para produzirem sua arte. Ao invés dos funcionários darem ordens, estes praticam a escuta. A psiquiatra alagoana, além de ter sido pioneira na área de terapia ocupacional em manicômios, também foi pioneira na implantação da zooterapia em esquizofrênicos. Ela também realizou estudos de mandalas, influenciada por Carl Gustav Jung, ao identificar um padrão de imagens circulares nos trabalhos dos clientes do ateliê. Nise da Silveira contribuiu de forma grandiosa para a Reforma Psiquiátrica e, ainda hoje, é prestigiada por seus feitos. 6.5. Reforma Psiquiátrica no Brasil No Brasil, o processo da reforma psiquiátrica surgiu no final da década de 1970, sob a influência do movimento da reforma psiquiátrica iniciado na Itália, pelo psiquiatra Franco Basaglia, anos antes e inserido no contexto da época em que se demonstrava a crise do modelo de cuidados, centrado no hospital psiquiátrico. Verificava, portanto, a eclosão do surgimento dos movimentos sociais que lutavam pelos direitos das pessoas com transtornos mentais. Além disso, as denúncias de maus tratos, torturas e baixa assistência, os quais ocorriam nos hospitais psiquiátricos brasileiros e que eram negligenciadas pelo Estado, levaram à mobilização de vários profissionais e, consequentemente, ao Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). A partir deste período, as principais reivindicações nos projetos de reforma incluíamdesde modificações para readequar o saber psiquiátrico até reformas de cunho mais amplo que defendiam a desconstrução deste saber. Ademais, vale ressaltar as propostas de reformas que visam à ‘humanização’ da estrutura hospitalar, da vida dos internos propostas que indicam a necessidade de desconstruir o paradigma psiquiátrico - torturante- segundo perspectivas que as alforriem do secular aparato médico hospitalar. No Brasil, o processo para essa reforma ficou marcado por dois períodos: o primeiro se deu através da crítica ao modelo hospitalocêntrico (1978-1991) e, o segundo momento, se deu pela implantação das redes extra- hospitalares (1992-2000). Sendo assim, em primeiro instante, os movimentos eram marcados pela denúncia de maus tratos e a crítica aos os serviços prestados aos doentes psíquicos graves. Ainda na primeira fase, no ano de 1989, foi dada estrada no projeto de lei do Deputado Paulo Delgado, objetivando a regulamentação dos direitos dos pacientes portadores de transtorno mentais e também a extinção dos manicômios de forma progressiva no país. Em segundo instante, no ano de 1992, começaram a surgir as primeiras consequências positivas do projeto de lei de Paulo Delgado, a aprovação em vários estados, por exemplo, e, também à implantação das primeiras leis que determinavam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos. Logo depois, surgiram movimentos que contribuíram para execução das primeiras normas federais que visam regulamentar a implantação dos serviços de atenção diária e o surgimento das primeiras fiscalizações e classificações dos hospitais psiquiátricos. Além disso, foi neste período que, com influências internacionais de desinstitucionalização, criou-se a CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), a qual tem como objetivo oferecer aos seus usuários um tratamento que alinhe o acompanhamento clínico e os cuidados de reintegração social, focando na reconstrução da singularidade e da autonomia dos mesmos. No entanto, isso é um dos principais desafios da Reforma Psiquiátrica, haja vista a exclusão social ter sido um agravante no que tange à saúde mental. Frente a Reforma, então, tornou-se o trabalho psiquiátrico por meios alternativos, sem agressões, visando à autonomia do ser. Nos dias atuais, apesar de todos os avanços alcançados nos tratamentos psiquiátricos por meio da luta Antimanicomial, ainda há muito que se fazer no que tange melhorias ao se tratar da saúde mental. Em consequência da exclusão social sofrida pelos taxados “loucos” que saiam do manicômio, o tratamento psiquiátrico ainda sofre uma repressão e é tratado como tabu diante a sociedade. Além disso, medidas como a lei sancionada em 2019, a qual permite a internação compulsória de dependentes químicos sem autorização judicial coloca novamente em questão os direitos do indivíduo, urgindo, então, a importância da reafirmação de um compromisso por essa luta. 7. CONCLUSÃO Este trabalho possibilitou a compreensão sobre o percurso da história da loucura, principalmente no Brasil. Sendo presente a cultura manicomial, a violência, o preconceito na visão dos ditos como loucos e desprezo em relação a esses, mas apesar disso tudo também é possível encontrar resistência. Na realização do trabalho, embora possuir toda trajetória marcante oque mais chamou atenção, foram às condições que os doentes mentais eram colocados e expostos, tendo como exemplo, os tratamentos como forma de métodos efetivos, como o eletrochoque ou a lobotomia. Tratamentos com a finalidade de modificar ou curar os comportamentos dos indivíduos com as doenças mentais. Sendo atualmente evidente, o quão era invasivo e danoso para todos que eram expostos a essas intervenções por se tratar de operações que desligavam os lobos frontais direito e esquerdo de todo o encéfalo. Os pacientes não conseguiam ter voz, por além de sofrerem o preconceito social, muitas vezes também a própria família criminalizava a doença pela falta de conhecimento. Em resumo, evidencia-se a importância da marcante Luta Antimanicomial, sendo fundamental para o legado do direito fundamental à liberdade que todo cidadão deve ter, sem excluir os doentes mentais do seu lugar como cidadãos, recebendo um tratamento efetivo e cuidado necessário para o auxilio e melhora no convívio social destes. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo mostrar como a luta repercutiu como forma de resistência e assim revolucionou os percursos da psicologia brasileira no campo da saúde mental, influenciando a forma de estudar não só o individuo, mas também, a loucura e a diferenciação para o sofrimento psíquico. Por último, evidencia-se a importância do auxilio médico para o diagnóstico clínico, com o acompanhamento psicológico, tendo como finalidade acompanhar o paciente durante o processo de tratamento efetivo e a reintegração social deles, pois uma sociedade sem manicômios fornece respeito, aceitação e acolhimento, ao invés da exclusão social. Por isso, políticas públicas voltadas para a saúde mental, são imprescindíveis para que os tratamentos funcionem de maneira eficaz. CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando a situação de pandemia que nos encontramos atualmente, uma boa alternativa para lidar com o isolamento social e a ansiedade presente nesse momento é assistir filmes. É notável pensar na importância do cinema na atual situação em relação à pandemia e também no atual momento crítico político que estamos enfrentando. Em momentos assim, a arte é o primeiro alvo daqueles que tentam sufocar a liberdade. O cinema nos influencia e afeta de diversas formas, por conciliar várias artes, filosofias e estudos. Reunimos algumas sugestões de filmes e documentos que retratam a temática da Luta Antimanicomial, tais como “Nise: O Coração da Loucura”, “Bicho de Sete Cabeças”, “Um Estranho no Ninho”, “Uma Mente Brilhante”, “Holocausto Brasileiro”, “A Loucura Está Entre Nós” e “Epidemia de Cores”. A cultura manicomial e a violência estão presentes em todos estes filmes e documentários, corroborando como a Luta Antimanicomial foi e ainda é de extrema importância. Ao concluirmos este trabalho, é possível afirmar que quanto mais pessoas conhecerem e puderem fazer parte, mais potente e resistente ela se tornará. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVEIRA, Fernando de Almeida; SIMANKE, Richard Theisen. A psicologia em História da Loucura de Michel Foucault. Fractal, Rev. Psicol. Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 23-42, Abr. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984- 02922009000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso: 28 Maio 2020. PESSOTTI, Isaias. Sobre a teoria da loucura no século XX. Temas psicol. Ribeirão Preto, v.14, n.2, p.113-123, dez. 2006. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413- 389X2006000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 28 maio 2020. Vieira, P. P. (2015). Reflexões sobre A História da Loucura de Michel Foucault. Revista Aulas, 1(3). Recuperado de <https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/aulas/article/view/1934> SARTORI, Lecy. Arte e inovação: reflexões a partir do filme Nise, o coração da loucura. Cienc. Cult., São Paulo , v. 70, n. 2, p. 56-59, Abr. 2018. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009- 67252018000200014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 30 maio 2020. ALVES, Erinaldo Domingos; ALVES, Thiago Costa. A Luta Pela Reforma Psiquiátrica Frente aos Direitos Humanos: Uma Revisão de Literatura. Psicologado,[S.l.]. (2018). Disponível em <https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/a-luta-pela-reforma- psiquiatrica-frente-aos-direitos-humanos-uma-revisao-de-literatura>. Acesso em 30 Maio 2020 BORGES, Francisca Maria Oliveira. O Nascer da Reforma Psiquiátrica. Psicologado, [S.l.]. (2013). Disponível em <https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/o-nascer-da-reforma- psiquiatrica>. Acesso em 30 Maio 2020. https://psicologado.com.br/ https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/a-luta-pela-reforma-psiquiatrica-frente-aos-direitos-humanos-uma-revisao-de-literatura https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/a-luta-pela-reforma-psiquiatrica-frente-aos-direitos-humanos-uma-revisao-de-literatura https://psicologado.com.br/ https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/o-nascer-da-reforma-psiquiatrica https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/o-nascer-da-reforma-psiquiatrica QUESTÕES PROPOSTAS PELO GRUPO: 1. O processo de reforma psiquiátrica no Brasil ocorreu em 1970, exercendo uma importante atuação na assistência à saúde mental concedida ao individuo em sofrimento psíquico. Discorra por que sua transformação aconteceu e quais foram seus principais avanços. 2. Cite qual foi à contribuição da Psicanálise em relação aos estudos dos distúrbios comportamentais e sua importância no percurso da psicologia brasileira no campo da saúde mental. 3. Com o surgimento do Renascimento, surge também a prática de exclusão daqueles que não pertencem ao meio social – os denominados loucos. No entanto, tal prática persiste e ainda é realizada, atualmente, em território brasileiro. Discorra sobre o papel do psicólogo na desconstrução deste mecanismo e os seus principais desafios.
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