Prévia do material em texto
co/cfGo; Ditosdr¥reEscritos I Foucault Tg3::cbo`leo:iaat,izpas::oui::risaujeito: ': Ui Psicanalise Organizacao e selecao de textos: Manoel Barros da Motta Traducao: Vera Lucia Avellar Ribeiro Dits et ecrtts Edl¢ao francesa preparada sob a direcao de DaLniel Defert e Ftancois Ewald com a colaLboracao de Jacques Lagrange #p",.,.-£;-;r:g;=F#c: {, FORENSE UNIVEI]SITARIA 1a edicao - 1999 © Copgrighi bdittons Gallimard,1994 Traduzido de: Dtts et ecrits Get ouurage, publie dams le cad:re du programme d'aide a la pubtteatton, behef iu=ie du soufien dr MirTtstdre f ranquts des Af f iaires Etrangeres, de {'Ar7ibassade de Ft.a(nco au Br€s{! et de la Maison c{e F+Once de Rto c{e /art€iro. Este livro. publlcado no ambito do programa de participapao a publicacao, contou com o apoio do Minlsterio frances das Relacdes Exteriores. da Embalxada da F`ranca no Brasil e da Malson de F`rance do Rlo de Janeiro. Polo da capa: Jacques Robert CIP-Brasil. Catalofa¢ao-na-fonts SindjcaLo Nacional dos Bdltores de Llvrce, RJ. F86p Foucault, MJchcl,1926-1984 Problcmanzapao do 8ujeito: pstcologla, peiqulatrla c psLcanaLise/Mlchel Foucault. tradu¢ao dc Vcra I,ucia Avellar Ribeiro; onganlzacao Manoel BarTos da Molta. -Rlo de JaLnclro: Forcrise Unlversltaria. 1999. (Dltos e escrltos: I) Traducao de: DIIB eL ecrits lsBN 85-218-0251 -X I. Sujelto (psicologla). 2. Pslcanillse.I. Motta. Manoel Barren da.11. Titulo. 1'[. Sche. destepi:jF:?ad::eupai:t:!ai:#:'o°uu#C¢::iB:u:rc£:::I::rp6r:,dc:¢::dmcfrn;::=inac,Puasr[:: atraves de processos xcrogrAncos. de rotoc6pia e dc gravacao, sem permlssao expres9a do Edltor (L€l nq 9.610. de 19.02.98). Bisr*rRA°S£S±irNes]st£SiferifrdrfudeLSEidlcaopela: Rto de Janeiro.. Rua do Rosano. loo -20041-002 -Telefax: (21) 509-3148/509-7395 Sto JJnd: hugo de Sao Francisco. 20 -01005-010 -Tels.: (11) 3104-2005 -F`ar: 3107-0842 e-mafz: forumv@untsys.com.br htty:/ /www.editoras.com/forenseuniverslfarla Impresso no Brasll Prhied in Braztt Apresentacao Construida sob o signo do novo. a obra de Michel F`oucault subverteu, transformou, modificou nossa relacao com o saber e a verdade. A relacao da filosofia com a razao nao e mais a mesma depois da Hist6nd da [oucurcL Nem podemos pensar da mesma forma o estatuto da punicao em nossas sociedades. A intervencao te6rico-ativadeMlchelF`oucaultintroduziutambemumamudan- ca nas relac6es de poder e saber da cultura contemporanea, a partir de sua matriz ocidental na medicina, na psiquiatria, mos sistemas penais e na sexualidade. Pode-se dizer que ela colabora para efetuar uma mutacao de eplsteme, para alem do que alguns chamam p6s-estruturalismo ou p6s-modernismo. A edicao francesa dos Difos e escritos em 1994 pelas Edic6es Gallimard desempenha urn papel fundamental na difusao de uma boa parte da obra do fll6sofo cujo acesso ao ptlbllco era dificil, ou em muitos casos impossivel. Alem de suas grandes obras, As pcttwras e as cotsas, Htstoha dct toucura, Vqiar e. punir, O.r.as?i--rnerito de ctintoc., Rqumond Roussct e Htstoria da sexualidade, F`oucault multiplicou seus escritos e a acao de seus ditos, na Europa. nas Amchcas, na Asia e no Norte da Africa. Suas intervenc6es foran das relac6es da loucura e da sociedade, feitas no LJapao, a reportagens sobre a revolucao islamica em Teera. e debates no Brasil sobre a penalidade e a politica. Este trabalho foi em parte realizado atrav6s de urn grande ntlmero de textos, intervenc6es. conferencias, introduc6es. prefacios e artigos pu- blicadosnumavastagamadepaisesquevaidoBrasilaosEstados Unidos e ao Japao. As Edic6es Gallimard recolheram esses textos em quatro volumes. com excecao dos livros. A edicao francesa pretendeu a exaustividade. organizando a totalidade dos textos publicados quando Michel F`oucault vivia. embora seja provavel que alguma pequena lacuna exista neste trabalho. 0 testamento de Foucault. por outro lado, excluia as publicac6es p6stumas. Daniel Defert e F`rancois Ewald realizaram, assim, urn monumen- tal trabalho de edicao e estabelecimento dos textos. situando de maneira nova as condic6es de sua publicaeao, controlaram as circunstancias das traduc6es, verificaram as citac6es e erros de tipografia. Jacques Lagrange ocupou-se da bibliografia. Defert VI Michel Fducault - Ditos e Escritos elaborou uma cronologia, na verdade uma microbiografia de F`oucault para o primeiro volume, que mantivemos na edicao brasileira, em que muitos elementos novos sobre a obra e acao de Michel F`oucault aparecem. Bste trabalho, eles o fizeram com uma visada etica que. de maneira muito justa, parece-me. chamaram de intervencao mi- nima. Para isto. a edicao francesa de Defert e Ewald apresentou os textos segundo uma ordem puramente cronol6gica. Este cui- dado nao impediu os autores de reconhecerem que a reuniao dos textos produziu algo de inedito. 0 conjunto destes textos constitui urn evento tao importante quanto o das obras ja publicadas. pelo que complementa, retlfica ou esclarece. As numerosas entrevistas - quase todas nunca publicadas em portugues - permitem atua- lizar os ditos de Foucault com relacao a seus contemporaneos e medir os efeitos de intervenc6es que permanecem atuais, no ponto vivo das questoes da contemporaneidade. sejam elas filo- s6flcas. Iiterarias ou hist6ricas. A omissao de textos produz. por outro lado, efeitos de interpretacao, inevitaveis tratando-se de uma selecao. A edicao brasileira dos Dttos e escritos e uma ampla selecao que tern como objetivo tornar acessivel ao pdblico brasileiro o maior ntlmero possivel de textos de F`oucault que nao estivessem ainda editados em portugues. Como nao mos era possivel editar integralmente todos os textos, optamos por uma distribuieao tematica em alguns campos que foram objeto de trabalho de F`oucault. Asslm. este volume, o primeiro da serie, concentra-se em torno da tematica da psiquiatria. da psicologia e da psicana- lise. A relacao complexa com as teorias classicas da razao e do sujeito desdobra-se. ai. numa problematica que atravessou mo- mentos diferentes. A pergunta sobre o que entendia como "hist6ria das problema- ticas" F`oucault respondera: "Durante muito tempo procurei saber se seria possivel caracterizar a historia do pensamento dis- tingulndo-a da historia das ideias - quer dizer, da analise dos sistemas de representac6es - e da hist6ria das mentalidades - quer dizer, da analise das atitudes e dos esquemas de comporta- mento. Pareceu-me que exlstia urn elemento que era capaz de caracterizar o que n6s poderiamos chamar os problemas ou, mats exatamente, as problematizae6es. 0 que distingue o pensamento e que ele e algo inteiramente diverso do conjunto das repre- sentac6es que subentendem urn comportamento; ele e algo intei- ramente diverso do dominio das atitudes que podem determina- lo. 0 pensamento nao e o que habita uma conduta e lhe da urn Apresentacao Vll sentido; e mais exatamente o que permite tomar distancia com relacao a esta maneira de fazer ou de reagir, de da-1o para si como objeto de pensamento e interroga-1o sobre seu sentido, suas condic6es e seus fins. 0 pensamento e a liberdade com relacao ao que se faz, o movimento pelo qual disto mos distanciamos. o constituimos como objeto e refletimos sobre ele como problema" (PoiemiccL Politico e Problerratizcap6es, vol. V desta obra). Textos sobre a psicologia da decada de 50, o grande prefacio a obra de Binswanger, pouco conhecidos, assim como outros mais recentes podem dar ocasiao a uma leitura renovada do trabalho de Foucault e a inclusao no debate te6rico. filos6fico, cientifico, clinico e politico de problemas atuais com que nos debatemos. A problematizacao do sujeito se desdobra. pelo memos. em dois momentos crucials no trabalho de F`oucault. Urn deles esfa associado a questao da "morte do homem" ou do que Georges Canguilhem chamou o esgotamento do "coglto". Na arqueologia das cienciashumanas que construiu no seu grande livro As pahauras e as coisas, F`oucault punha em questao o estatuto de ciencias das disciplinas que se reclamavam de uma antropologia filos6fica ou da tradicao do cogito, que no pensamento filos6fico contemporaneo encontrava seu ponto de articulacao mais recente na fenomenologia. F`oucault atribui ai a psicanalise urn lugar privilegiado. 0 privilegio desta disclplina, e especialmente da obra de Freud, diz respeito a sua posicao no conjunto dos saberes que organizam a episteme de nossa epoca. "F`reud e o produtor de uma empresa radical de apagamento da partilha entre `o negativo e o positivo, o normal e o pato16gico, do compreensivel e do incompreensivel. do significante e do lnsignificante.. E e assim que todo este saber em cujo interior a cultura ocidental dera para si uma certa imagem do homem gira em torno da obra de F`reud" (Les rnots et les choses, Paris, Editions Gallimard, 1966, p. 372). A psicanalise aparece na configuracao do saber contemporaneo abrindo urn novo espaco ao mesmo tempo te6rico e pratico de uma nova epoca hist6rica. E esta que anuncia o fechamento da heranca do seculo }nx ou, em outros termos, do sistema de pensamento que se iniciara com o pensamento de Kant. Ela consagra o creptisculo das psicologias, das sociologias e, em tlltima insfancia, da autropologia fllos6fica. A uma pergunta do fll6sofo Badiou sobre a possibilidade de a psicologia ser capaz. como as ciencias exatas. de fazer sua pr6pria filosofla responde que este papel cabe, nas chamadas ciencias humanas, a psicanalise e a antropologia. E mais: "que depois da analise de F`reud, alguma coisa como a analise de Lacan foi Vlll Michel F`oucault -Dltos e Escritos possivel. que depois de Durkheim, alguma coisa como I,evi- Strauss foi possivel, tudo isso prova, de fato, que as ciencias humanas estao prestes a instaurar com elas pr6prias e para elas pr6prias uma certa relacao critica que nao deixa de fazer pensar na relacao que a fisica ou as matematicas exercem quanto a elas pr6prias; o mesmo para a lingtiistlca. (...) Nao se trata de uma filosofia da psicanalise ou da antropologia mas de uma relaeao reflexiva da ciencia consigo mesma" (nlosoJia e Pstoolqgia, neste volume). Respondendo a Madeleine Chapsal, que lhe perguntava onde estamos, Foucault respondia estarmos muito longe da geracao precedente, da geracao de Sartre e de Merleau-Ponty. . . A oposieao de F`oucault a fllosofla de Sartre e que esta constitui uma moda- 1idade de hermeneutica, uma filosofia do sentido. Para Michel F`oucault, a ruptura ocorrera com a obra de Lacan e Levi-Strauss, quando Lacan sobre o inconsciente mostrara que do sentido somos efeito de superficie, urn reflexo, uma espuma, e o que mos sustentava no tempo e no espaco era o sistema. "A importancia do trabalho de hacan advem de ele mostrar que atraves do discurso do paclente, de sua neurose, sao as estruturas, o sistema mesmo da linguagem - e nao o sujeito, que falam" (Dits et Gcrus, vol.I, nQ 37, ps. 513-514, da edicao francesa). E F`oucault generaliza para as tres orientac6es de pensamento que foram para ele fundamentais: a de hacan. a de Levi-Strauss e a de Georges Dumezll - "todas aparentemente pertencendo as ciencias humanas. porem de fato apagando a imagem tradicional que tinhamos do homem. tornando indtil mesmo a heranca mais pesada do seculo XIX, o humanismo" (Ftlosojia e PsteolQgta. neste volume). Se em Lacan nao se trata de negacao do sujeito, mas da dependencia do sujelto em relacao ao significante. em Foucault trata-se de uma oposicao a tradicao que identifica o cogito e o sujeito contra o inconsclente. guando mals tarde F`oucault publicara Voritede de saber, ele o fafa como parte de uma hist6ria da sexualidade que devera funcionar como uma genealogia da psicanalise. Neste momento, F`oucault apaga a ruptura inaugural da psicanalise em beneficio de uma continuidade da pratica analitlca com a pfatica religiosa da conflssao. No entanto. F`oucault modificou radicalmente de novo sua problematica a partir do Uso c[os prazenes, e a nocao de sujeito volta a ser urn ponto focal de seu trabalho. Sob a egide da problematizacao, eis como ele define esta etapa de seu trabalho Apresentacao lx e redefme o trabalho que realizara antes: "analisar nao os com- portamentos nem as ideias, nao as sociedades nem suas ideolo- gias... mas as problematizac6es atraves das quais o ser se da como podendo e devendo ser pensado e as praticas a partir das quais elas se formam. A dimensao arqueol6gica da analise permite analisar as formas mesmas da problematizapao; sua dimensao geneal6gica, sua formacao a partir das praticas e suas modifi- cac6es. Problematizacao da loucura e da doenca a partir de praticas sociais e medicas, definindo urn certo perfil de "norma- 1izacao" problematizacao da vida, da linguagem e do trabalho em praticas discursivas que obedecem a certas regras "epistemicas"; problematizacao do crime e do comportamento criminoso a partir de certas praticas punitivas que obedecem a urn modelo "disci- plinar" (L'usage des p[aisirs, Editions Gallimard, ps. 17-18). E agora eu gostaria de mostrar como na Antigtlidade a atividade e os prazeres sexuais foram problematizados atraves das praticas de si, pondo emjogo os criterlos de ``uma estetica da existencia". Esta problematizacao e, na verdade, o objeto de uma investigacao que renova radicalmente a etica na medida em que e "uma hist6ria das problematizac6es eticas feita a partir das praticas de si" (L'usage c!es phaistrs, Editions Gallimard, ps.18-19). A edicao brasileira e bern mais ampla do que a americana, em curso de publicacao, e tambem do que a italiana. Sua diagrama- cao segue praticamente o modelo frances. A dnica diferenca significativa e que na edicao francesa a cada ano abre-se uma pagina e os textos entrain em seqtiencia numerada (sem abrir pagina). Na edicao brasileira, todos os textos abrem pagina e o ano se repete. Abaixo do titulo hi uma indicacao de sua natureza: artigo, apresentacao, prefacio, conferencia, entrevista, discussao, intervencao. resumo de curso. Esta indicacao, organizada pelos editores. foi mantida na edicao brasileira. assim como a referencia bibliograflca de cada texto, que figura sob seu titulo. A edieao francesa possui urn duplo sistema de notas: as notas numeradas foram redigidas pelo autor e aquelas com asterisco foram feitas pelos editores franceses. Na edicao brasileira, ha tambem dois sistemas, com a diferenca de que as notas numera- das compreendem tanto as originals de Michel F`oucault quanto as dos editores franceses. Para diferencia-1as, as notas do autor possuem urn (N. A.) antes de iniciar-se o texto. Por sua vez, as notas com asterisco, na edicao brasileira, se referem aquelas fei- tas pelo tradutor, e vein com urn (N. T.) antes de iniciar-se o texto. Esta edicao permite o acesso a urn conjunto de textos inaces- siveis, fundamentais para pensar quest6es cruciais da cultura X Michel F`oucault - Ditos e Escrltos contemporanea e, ao mesmo tempo. medir a extensao e o alcance de urn trabalho. de urn u)ork iriprqgress dos mais importantes da hist6ria do pensamento em todas as suas dimens6es, eticas, esteticas, literatlas. politicas, hist6ricas e filos6ficas. Manoel Barros da Motta Sumato Cronologia.....................................1 1954 -Introducao (in Binswanger) ................... 65 1957 -A Psicologia de 1850 a 1950 .................. 122 1961 -Prefacio (Fo[ie et d6raison) .................... 140 1961 -A I,oucura S6 Existe em uma Socledade ......... 149 1962 -Introducao (in Rousseau) .................... 151 1962 -0 "Nao" do Pal ............................ 169 1962 -0 Clclo das Ras ........................... 184 1963 -A Agua e a Loucura ......................... 186 1964 -A Loucura,a Ausencia da Obra ................ 190 1965 -Filosofia e Psicologia ........................ 199 1970 -Icoucura, Literatura, Sociedade ................ 210 1970 -A Loucura e a Sociedade ..................... 235 1972 -Resposta a Derrida ......................... 243 1972 -0 Grande lnternamento ..................... 258 1974 -Mesa Redonda sobre a Experftse Psiquiitrica ..... 269 1975 -A Casa dos Loucos ......................... 281 1975 -Bancar os Loucos .......................... 287 1976 -Bruxaria e Loucura ......................... 290 1977 -0 Asilo Ilimltado ........................... 294 1981 -Ifacan, o "Libertador" da Psicanalise ............ 298 1984 -Bntrevista com Michel F`oucault ............... 300 0rganizacao da Obra -Ditos e Escritos ............... 313 Cronologia -Qunl a entao este momento taofirdgtl do qual ndo podenros separar rrossa identidade e que a leucu.a com ele?" Michel Foucault (vcr ng 266, vol. Ill da edicao francesa desta obra). 1926 0utubro, dia 15. nascimento de Paul-Michel F`oucault, em Poitiers. rua da Visitation n910, mais tarde rua Arthur-Ranc, filho de Paul-Andre F`oucault. doutor em medicina, condecorado com a cruz de guerra, nascido em F`ontainebleau, a 23 de julho de 1893, e de Anne-Marie Malapert, nascida em Poitiers, a 28 de novembro de 1900. Cirurgiao no hospital pdblico de Poitiers, o Dr. Paul Foucault foi urn anatomista brilhante, segundo o vir6logo Luc Montagnier, que acompanhou seu ensino na escola de medicina de Poitiers. Ele pr6prio era filho do Dr. Paul F`oucault, medico em F`ontainebleau, este, por sua vez, filho do Dr. F`oucault. medico dos pobres em Nanterre, onde uma rua lembra seu nome e suas obras. inne Malapert, rilha de cirurgiao - seu pal ensinava na escola de medicina de Poitiers -, guardou sempre o lamento de ter nascido muito cedo para que o estudo da medicina fosse conveniente a uma mulher. Casados desde 1924, tinhaln uma filha, F`rancine, nascida em 1925. Se a familia paterna e cat6lica e mesmo devota. a familia materna. mais liberal. tende a urn voltairianismo de born-tom. A irma do pal e mis- sionaria na China. o irmao da mac e farmaceutico no Peru. 1930 Bntra no jardim de infancia do liceu Henri IV de Poitiers. com uma permissao especial devido a sua idade. para nao ser separado de sua irma mais velha. De 1932 a 1936 freqtlenta o primario do liceu. 1933 /aneiro, dia lQ, nascimento de seu irmao, Denys, que se tornara cirurgiao. 2 Michel Foucault - Ditos e Escritos 1934 /ulho, dia 25, assassinato do chanceler Dollfuss pelos nazistas austriacos: "Foi meu primeiro grande pavor concernente a morte" (ver n9 336. vol. IV da edi¢ao francesa desta obra). 1936 Chegada de uma governanta inglesa na familia para "falar com as criancas": ela ficafa com eles ate o final da guerra. Bntrada de Paul-Mi- chel na sexta serie do liceu Henri IV de Poitiers, onde se aproxima das primeiras criancas refugiadas da Espanha. 1937 Paul-Michel surpreende seu pal, que lhe prometia urn futuro de cirurgiao, anunciando que sera professor de hist6ria. "Status familiar- mente inaceitavel, comentava F`oucault, a nao ser est.ando na Sorbonne como o primo Plattard" -especialista conceituado de Rabelais. 0 Ministerio da Satide substitui o "bonito nome asilo", dado por Esquirol, por "hospital psiquiatrico''. 1940 Maio, as criancas da familia F`oucault sao enviadas a propriedade familiar de Vendeuvre-du-Poitou, junto a sua av6 Raymond-Malapert, enquanto o exercito alemao invade a F`ranca. Ji[nho, a familia acolhe na casa de Poitiers seus parentes parisienses em exodo. No dia 16, Petain pede a inlerrupcao dos combates e substitui a repdblica por uma "nova ordem" colaboracionista. A casa da ramilia em Vendeuvre e parcialmente requisitada pelos oficiais alemaes ate a aberlura do /rout russo. OLtlubro, a ausencia de professores. a aglomeracao dos estudanles parisienses em Poiliers desorganlzam a vida do liceu: a familia coloca Paul-Michel no colegio Saint-Stanislas, dirigido pelos padres das escolas cristas. 1942 Juriho, passa mos exames, com uma permissao devido a sua idade, da primeira parte do bacharelado classico. Outono, seu professor de filosofia do colegio Saint-Stanislas e depor- tado por participar da resistencia. Sua mac lhe propicia aulas particu- lares dadas por urn estudante de filosofia, Louis Girard - mais tarde conhecido em Poitiers por suas explicac6es do Marti/esto cornLtnista - Cronologia 3 enquanto faz com que o colegio recrute urn beneditino da abadia de Liguge. Dom Pierro, para all ensinar filosofia. 1943 0ulubro. bacharel na classe preparat6ria no liceu Henri IV de Poitiers para a preparacao do concurso de entrada para a Escola Normal Superior. 1944 Junho. bombardeio allado em Poitiers pouco antes de sua libertacao. 1945 0Lttubro, depois de ter sido reprovado no concurso para entrar na Escola Normal. entra na classe preparat6ria do liceu Henri IV de Paris. Jean Hyppolite, tradutor da Fenomenologici do espiri[o. de Hegel (Aubier,1939-1943). ali ensina filosofia. As notas altas que Hyppolile da as dissertac6€s de F`oucault inauguram sua reputa¢ao rilos6fica. Dezembro, casamento de sua irma, Francine, de quem permanecera muito pr6ximo. 1946 Marco, dia 5, Wiston Churchill declara, no Westminster College. em F`ulton (Missouri): "Uma cortina de ferro caiu sobre o continente." Jrulho, Paul-Michel F`oucault a recebido na Escola Normal Superior. Verdo, vexado por ter tropecado numa citacao durante a prova oral da Escola Normal, poe-se a estudar o alemao seriamente. George Bataille funda a revista Crt£.ique. •Ter vinte anos no dia seguinte a guerra mundial (...) mudar radical- mente uma sociedade que deixara acontecer o nazismo" (vcr n9 281, vol. IV da edicao francesa desta obra). Na Escola Normal. F`oucault far, alguns lac:os de amizade e solidarie- dade definitivos. com certos condiscipulos seus: Maurice Pinguet` Robert Mauzi, Pierre Bourdieu. Jean-Claude Passeron. Jean-Pierre Serre. Paul Veyne etc. Os anos na Bscola Normal conslituem urn periodo inJ.eliz para Foucault, pouco a vontade com seu fisico e sua inclinacao sexual. 1947 Maurice Merleau-Ponty, professor na faculdade de Lyon, torna-se professor auxiliar de psicologia na Escola Normal, ou seja. encarregado 4 Michel Foucault - Ditos e Bscritos de preparar os alunos para o concurso de professores. Seu curso sobre a uniao da alma e do corpo em Malebranche, Maine de Biran e Bergson determina o primeiro projeto de tese de F`oucault sobre o nascimento da psicologia com os p6s-cartesianos. F`racasso da conferencia de Moscou sobre a Alemanha: inicio da guerra fria. 1948 Foucault recebe sua licenciatura de filosofia na Sorbonne. OutL[bro, Louis Althusser, de volta a Bscola Normal em 1945 depois de passar cinco anos no campo de prisioneiros (suboficiais) na Alema- nha. torna-se professor auxiliar de filosofia e entra no Partido Comunista no contexto da convocacao de Estocolmo. Em sua autobiografia (L'ciL)eri{r dure [origtemps, Paris. Stock, 1992), ele relata que "a vida filos6fica na Escola nao era particularmente intensa: estava na moda atingir e desdenhar Sartre". Dezembro, o caso Lyssenko explode. A relacao entre as coisas ditas e suas condi¢6es de determinacao externa, doravante. apaixona os fil6so- fos e os cientistas. Ciencia burguesa e ciencia proletaria se confrontam no seio da Bscola Normal, principalmente no ensino dos fil6sofos husserl-marxistas Jean-Toussanti Desanti e Tram Duc Thao. f`il6sofo e patriola vielnamita, "as duas esperancas de nossa geracao'`. segundo Allhusser. Tenlaliva de suicidio de Michel F`oucault (relatada por Mau- rice Pinguet em Le d6bat, n9 41. setembro-novembro de 1986). 1949 Maurice Merleau-Ponty.eleito professor de psicologia na Sorbonne, da seu famoso curso sobre "Ciencias do homem e fenomenologia", ao mesmo tempo em que faz conhecer F`erdinand de Saussure aos normalis- tas, dando a F`oucault o gosto por aquilo que ele chamara de o pensa- mento formal, opondo-o ao estnituralismo. `.Ble exercia sobre n6s uma fascinacao" (comentario de F`oucault relatado por Claude Mauriac em If terrips immobile, Paris, Grasset, 1976, t.Ill, p. 492). Feueretro, gra¢as aos seus conhecimentos dos testes 6pticos, ele se l`az ter baixa no exercito pela rna visao. F`oucault recebe a licenciatura de psicologia, criada em 1947. Periodo em que se alternam para ele trabalho e angtistia violenta; tentado pelo alcool, comeca uma psicoterapia: "A leitura de F`reud lhe sugere que lalvez seja de boa e saudavel moral nao ceder sobre a verdade do desejo" (Maurice Pinguet. If d6bcif, nQ 41). Ele redige seu diploma de estudos superiores de filosofia sobre Hegel, sob a orient.a¢ao de Jean Hyppolite. Cronologia 5 1950 F`oucault adere ao Partido Comunista. Mais tarde confidenciou que a guerra da Indochina foi determinante em sua decisao. Todavia, ele nao fara nenhuma alusao a estas circunstancias nas entrevistas em que comenta esse periodo de sua vida. Em fevereiro-marco de 1950, os normalistas comunistas estavam efetivamente muito mobilizados contra a guerra dai Indochina. F`oucault vive muito mal as press6es que o PCF (Partido Comunista F`rances) exerce, entao, sobre a vida privada de Althusser para que este rompa com sua futura mulher, Helene Legotien. Jrunho, dia 17, nova tentativa de suicidio. Bin sua biografia de Althusser (Paris, Grasset.1992). Yann Moulier-Boutang relata 11 epi- s6dios de suicidios entre os alunos da Bscola Normal durante 18 meses, entre 1952 e 1955. Bmbora hesitasse em recorrer a psicanalise. Fou- cault frequentou por certo tempo urn Dr. Gallot. Em 23 de junho, a urn amigo que se preocupa ele escreve: "Deixe que eu me cale... deixe que eu me reabitue a olhar em frente, deixe-me dissipar a noite da qual tomei o habilo de cercar-me em pleno meio-dia." No dia 24, urn posto de assistente prometido na Sorbonne lhe e subitamente barrado devido aos seus engajamentos politicos, assim ele o ere. 0 mtlsico Gilbert Humbert, aluno de Messiaen, testemunho mais proximo dos anos 1950-1952, se lembra de umjovem inquieto, recitando de cor Vigny, Musset, Eluard. Nerval e devorando Saint-LJohn-Perse. Husserl, Jaspers e Bergson. Ele relata tambem a tentacao das "expe- riencias-limite'. a maneira de Bataille. Bvocando a mesma epoca, Mau- rice Pinguet escreve: ..Minha primeira imagem de Michel F`oucault, urn jovem risonho de gestos vivos, urn olhar claro e vigilante por tras das lentes sem armacao: entendi en passant que se tratava do Dasein, do ser para a morte: ouvi urn de meus camaradas declarar doutamente: •F`oucault e inteligente como todos os homossexuais.' Prova de que ele nao conhecia muitos." (Ire c{6bat. ng 41). /Ltlho, fracasso no concurso para professores, o que inquieta seus condiscipulos, entre os quais circula o fantasma de uma caca as bruxas comunislas. Isto aproxima F`oucault de Althusser. Passa o verao es- tudando Plotino com G. Humbert. discute as teses entao desenvolvidas na URSS por Andrei Jdanov. amplamente expostas em La noLtuelle critiqLie ou. de modo mais matizado. no Jornal de Aragon, Les lettres /rcin€ciises, segundo as quais toda tecnica pralicada no Oest.e em mtisica. filosofia. 1iteratura. na arte em geral, e referida a urn formalismo burgues. Ele gosta de Mozart e Duke Elington. Agosto, viagem de estudos a G6ttingen. Oufubro. La nouuelle critique ataca Hyppolite e denuncia o retorno a Hegel como a dltima palavra do revisionismo universitalio. Breve tratamento de desintoxicacao; ``retorno de urn lugar urn pouco distante", escreve ele. Ele discute com seu pal sobre uma eventual hospitalizaeao em Saint-Anne. Dissuadido por Louis Althusser. que all fe7, uma primeira experiencia em 1947. Esforca-se para ser urn "born 6 Michel F`oucault - Ditos e Bscritos comunista", escreve no jornal dos estudantes comunistas e vende L'h.umantte. 1951 Cogita deixar a F`ranca assim que termine seus estudos. Pensa na Dinamarca. Le Kafka e Kierkegaard - explicado na Sorbonne por Jean Wahl, tamb€m urn grande iniciador da filosofia alema -, Heidegger, Husserl e Nietzsche. Pensa tambem em deixar o PCF`. /unho, dia 19, visita Georges Duhamel para apresentar sua candida- tura a fundacao Thiers, dnica possibilidade de obter urn status de pes- quisador sem cumprir dois anos de ensino. No dia 14, conhece Pierre Boulez durante uma estada na abadia de Royaumont, onde Boulez afir- ma que cada compositor foi influenciado por urn escritor, e ele por Joyce. Agosto, e recebido no concurso para professores de filosofia. Sorteia, como tema da principal exposicao, "a sexualidade", proposto por Georges Canguilhem. Ble confidencia a Gilbert Humbert que ha tres anos nao e mais comunista. Oufubro, torna-se professor auxiliar de psicologia na Escola Normal, onde suas aulas da segunda-feira a noite tornam-se rapidamente muito freqtientadas. Durante anos elas sao assistidas por Paul Veyne, LJacques Derrida, Jean-Claude Passeron, Gerard Genette e Maurice Pinguel. Participa como psic6logo dos trabalhos do laborat6rio de eletroence- ralografia do Dr. Verdeaux e de sua mulher, Jacqueline, conhecida em Poiliers durante a guerra no servico do Pr. Jean Delay no hospital psiquiatrico Saint-Anne. Pensionista na fundacao Thiers. comeca sua tese sobre os p6s-carte- sianos e o nascimento da psicologia. Apaixona-se por Malebranche e Maine de Biran. F`reqtienta lgnace Meyerson, diretor do Journal cze psgchotogie normale et pathotogique. 0 Dr. Morichau-Beauchant. primeiro frances a aderir a Sociedade Internacional de Psicanalise (carta a F`reud, de 3 de dezembro de 1910), autor do primeiro artigo de psicanalise publicado na F`ranca ("Ire rapport affectif clans la cure des psycho-nevIoses", Gazette des h6pitaujc, 14 de novembro de 1911), amigo da familia F`oucault em Poitiers, lhe envia sua colec:ao das primeiras revistas de psicanalise. Leitura de Heidegger. Doravante, nas dobras dos panfletos da celula comunista da Escola Normal, comeca a acumular notas, organizadas como planos de conferencia, sobre Heidegger e Husserl. 1952 Exerce as func6es de psic6logo no servico do Pr. Delay, onde Henri Laborit faz experimentar o primeiro neuroleptico, alvorada de uma revolucao psiquiatrica. Cronologia 7 Mdio, lnicio de uma relacao intensa com o compositor Jean Barraque (1928-1973). -Bstranha personalldade a desse mtislco que nao hesita- mos em designar como a mals lmportante figura da mdsica contempo- ranea depois de Debussy (...), a mais dellrante liberdade sob o controle mais severo de uma pena", escreve sobre ele Andre Hodelr ("A mtisica ocidental p6s-weberiana", Esprit, ndmero especial. janeiro de 1960). "Adoravel. feio como urn piolho, loucamente espiritual, sua erudicao em materia de rrrauuais garcons se aproxlma da enciclopedia. Eis-me intei- ramente desconcertado ao me sentir convidado por ele para explorar urn mundo que eu lgnorava ainda. onde vou passear meu sofrimento", escreve F`oucault a urn amlgo, segundo o qual, aquele. percebido pela jovem mdsica como o tinico rival possivel de Boulez, produziu "uma mutacao" sobre o jovem fil6sofo: a saida do tormento. Junho, recebe seu diploma de psicopatologia no lnstltuto de Psicologia de Paris. Oufubro. sai da fundacao Thlers e toma-se assistente de psicologia na F`aculdade de Letras de Lllle, onde, segundo G. Canguilhem. A. Ombredane. o tradutor de Rorschach , procurava alguem competente em psicologia aperlmental. Deixa o Partldo Comunlsta como assentimento de Althusser. 0 caso das .`blusas brancas", que revela o anti-semitismo da URSS, no qual os medicos judeus ditos "sionlstas" sao acusados de compl6 contra Stalin, crlstallza o mal-estar que F`oucault sentia no seio do PCF`. 0 fato de urn estudo sobre Descartes. encomendado pelo Partldo, ter sido amplamente podado para ser publicado acabou por exaspera-1o. Estuda com Maurice Pinguet o surrealismo. 1953 Jraneiro, F`oucault assiste a uma representacao de En attendant Goc{ot, considerada por ele como uma ruptura. "Depois eu li Blanchot, Ba- taille..." (vcr ArqueolQgia de uma Paixdo, vol. Ill desta obra). F`oucault compartilha com BaITaque seu entusiasmo por Nietzsche, o qual desco- bre, e Barraque compartllha o seu pela mdsica serial. por Beethoven e pelo vinho. Apresenta no ctrculo dos alunos comunistas da Escola urn breve ensalo de psicologla materlallsta insplrado em Pavlov, redigido sobre uma proposlcao de Althusser. Segue em Saint-Anne o seminario de Jacques Iacan. Morco., dia 5, morte de Stalin. Barraque remaneja Sequences, composto em 1950 sobre textos de Rim- baud, substituindo-os por textos de Ecce homo e poesias de Nietzsche. 0 entusiasmo de Foucault por Char suplanta definitivamente o que sentia por Saint-John Perse. Leitura intensiva da psiquiatria alema do entre duas guerras sobre a qual acumula notas e traduc6es, e igual- mente sobre a teologla (Earth) e a antropologla (Haeberlln). Traduz sem publica-1os casos e artlgos de Binswanger (1881-1966), dos quais "0 delirio como fen6meno biograftco". 8 Michel Foucault - Ditos e Escritos /unho, Daniel Lagache, Juliette F`aivez-Boutonnier e F`rancoise Dolto criam a Sociedade F`rancesa de Psicanalise a qual I.acan se agrega. Jacqueline Verdeaux e F`oucault visitam Binswanger na Suica; ele, in- trodutor da Daseincirtakyse de Heidegger na pratica psicanalitica e psiquia- trica. Ambos empreendem a traducao de seu texto iniciador da psiquiatria existencial. Troum und Erdsteriz. No hospital de Mtinsterlingen, junto ao psiquiatra Roland Kuhn, assistem a uma festa de carnaval dos loucos. Foucault trabalha a interpretacao das pranchas de Rorschach a partir das conferencias de Kuhn, que serao traduzidas por J. Verdeaux e pre- l-aciadas por Bachelard. Estuda os manuscritos de Husserl entao confia- dos por Van Breda a Merleau-Ponty e Tran Duc Thao, na rua do Ulm. Recebe o diploma de psicologia experimental no lnstituto de Psicologia. Jrulho, "(Bebe) muit,o, (nao mais esta) infeliz, mas (esta) mais sozinho que antes. Substitui Althusser (como professor auxiliar de filosofia na Escola Normal) e nao ten mais tempo de trabalhar para (si)", escreve ele a urn amigo. Redige urn longo artigo sobre a constituicao da psicologia cientifica (vcr A Ps{co[ogia c!e ]850 a J950. neste volume). Pensa em romper com urn modo de vida no qual apenas a inteligencia de Bar- ranque o impede. Roland Barthes publica If degte zero de l'6criture. Agosto, viagem a Italia com Maurice Pinguet, que relata: "Hegel, Marx, Heidegger, F`reud, tais Cram em 1953 seus eixos de referencia quando se deu o encontro com Nietzsche (...) vejo Michel lendo ao sol, na praia de Civitavecchia, as ConsidGrcitioris interripestiues (...). Mas, desde 1953, o eixo de urn projeto de conjunto se desenhava" (1€ dGbcit, n9 41). F`oucault freqtlentemente disse que chegara a Nietzsche atraves de Bataille, e a Bataille atraves de Blanchot,. Mais tarde, ele dira que ele lhe fora revelado por Heidegger. Em uma passagem nao publicada das entrevistas de 1978 com Trombadori (vcr n9 281, vol. IV da edicao francesa dest.a obra), F`oucaull confidenciava: ..o que me fez bascular I.oi urn artigo que Sartre havia escrito sobre Balaille antes da guerra, que li ap6s a guerra, e que era urn tal monumento de incompreensao, injustica e arrogancia, de rancor e de agressividade que, depois deste momenlo, me tornei irredutivelmente a favor de Batallle e contra Sartre... Setembro, hacan pronuncia seu famoso discurso de Roma sobre "F`uncao e campo da palavra e da linguagem em psicanalise... Gilles Deleuze publica Erxptrisme et sul2/.ecttijif6, seu primeiro livro, dedicado a Jean Hyppolite. Outubro, Foucault da em Lille urn curso sobre ..Conhecimento do homem e reflexao transcendental", e algumas aulas sobre Nietzsche. 0 Nietzsche que o apaixona e aquele dos anos 1880. Em seu seminario da Escola Normal, ele explica F`reud e a ArlthJ-opo{og{e de Kant. 1954 Jraneiro, em Paris. criacao da Arcadia, primeira associacao dita "ho- m6fila'., cujos modos de acao sao inspirados na franco-maconaria (vcr 0 Verc{ndciro Sexo, vol. V desta obra). Cronologia 9 Abri{,1ancamento de Mdradie meritale et personnal{t6 (PUF`), pequeno livro encomendado por Althusser para uma colecao destinada aos estudantes. "A verdadelra psicologia. escreve F`oucault ao concluir. como toda ciencia do homem, deve ter por objetivo desaliena-lo." Pinel ainda liberta os acorrentados de Bicetre. Se a psiquiatria existencial de Binswanger e comentada, a segunda parte da obra e uma exposicao apologetica da reflexologia de Pavlov. Em seus T€tulos e traba[hos (vcr n9 71, vol. I da edicao francesa desta obra). F`oucault da sempre como data desta obra 1953. guase simultaneamente, e publicada sua longa intro- ducao a Troum unc! Erdsterng, de Binswanger. na colecao de inspiracao fenomenol6gica `Textos e estudos antropol6gicos". Desclee de Brouwer (vcr Jntroducdo (in BinsLuanger) , neste volume). Ainda enquanto assistente de psicologia em Lille e professor auxiliar na Escola Normal, da urn curso sobre antropologia filos6fica: Stiner. F`euerbach, Jacques Lagrange, que o assiste na Escola Normal, lembra- se tambem da importancia dada a psicologia genetica (Janel, Piaget,. Pieron, F`reud). Medo do alcoolismo. Deseja romper com Jean Ban-aque, deixar a Franca e distanciar-se de sua formacao anterior, o que, mais t,arde, confidenciou a M. Clavel (Ce qLtej.e crois. Paris, Grasset. 1975). No verso da c6pia datilografada de Malac{te men[a[e et personndrit6, ele escreve urn texto sobre Nietzsche jamais publicado: "Existem tres experiencias vizinhas: o sonho, a embriaguez e a insensatez", mais adiante, ele acrescenta: `Todas as propriedades apolineas definidas em L'orfg{rie de lci trag6d{e formam o espaco livre e luminoso da existencia filos6fica." Em 1982. ele diz a Gerard Raulet "ter vindo a Nietzsche em 1953. na perspectiva de uma hist6ria da razao" (vcr Estruturaltsmo e P6s-estruturci[ismo, vol. 11 desta obra). Seu amigo. o numismata Raoul Curiel, da seu nome ao historiador das religi6es Georges Dumezil, que procura urn leitor de frances para a Suecia. JrLt[ho, dia 20, os acordos de Genebra poem fim a guerra da Indochina. Outubro. comeca urn curso sobre Fenomenologici e ps{colog[a. Dia 15 - Dumezil lhe indica por carta a vaga do cargo de leit,or e diretor da Maison de F`rance em Upsalia, ocupado por ele pr6prio 20 anos antes. "0 cargo e urn dos tap-j.obs das relac6es culturais. geralmente de futuro. Ble foi ocupado por lingtiistas, historiadores. ril6sofos e futuros homens de letras. Nao lhes falo da bibliot.eca, Carolina Rediviva. uma das melhores da Europah nem da paisagem, a floresta estando a duzentos metros da cidade." IVouembro. desencadeamento da insurrei¢ao argelina. 1955 Entusiasmo de F`oucault e Barraque por La mort de Vlrgile, de Hermann Broch, revelado por Blanchot. sobre o qual o mdsico compora urn ciclo musical gigantesco em que trabalhafa ate 1968. "A mdsica 10 Michel F`oucault -Ditos e Escritos representou para mim urn papel tao importante quanto Nietzsche", confidenciou F`oucault (vcr n9 50, vol. I da edicao francesa desta obra). Feuereiro, a revista Critique. na pessoa de Roland Caillois. comenta Mdrcidte inentdre et personncil{t6: "i melhor que uma iniciacao.e urn ajustamento (...). E surpreendente que o autor creia ter definido urn materialismo em psicopatologia. Excelente positivismo clentifico, nao implica em si nenhuma posicao metafisica. A palavra materialismo e excessiva" (Critique. t. XI, ng 93, ps.189-190). Agosto, dia 26, F`oucault e destacado por urn ano, pela Bducacao Nacional. para assuntos estrangeiros. Outono, ocupa o posto de Upsalia. A Franca reconstr6i entao suas relac6es culturais. Washington, Moscou e Bstocolmo -devido ao Premio Nobel ~ sao postos importantes. A administracao das relac6es culturais, no quinto andar do gual d'Orsay. da muita importancia as advertencias de F`oucault. que permanecera leitor no departamento de romanistik e diretor da Maison de F`rance por tres anos. F`oucault se apaixona pelas quest6es de organizacao e politica culturais, preocupacao que o acompa- nhou durante toda a sua vida. A Maison de France torna-se muito freqtientada, notadamente por Jean-Christophe Oberg, que deveria, mais tarde, ter urn papel na iniciacao das negociac6es americano-viet- namitas, e por Erie-Michel Nilsson, futuro cineasta da televisao a quem foi dedicada a primeira edicao de Hist6rfa dci loucura - mas s6 almocava la quem fosse capaz de recitar Rene Char. 0 bi6logo Jean-F`ran¢ois Miquel, na epoca em Upsalia, relata que as conferencias de F`oucault a afluencia era comum: dela parlicipavam T. Suedberg e A. W. K. Tiselins, dois Premios Nobel em quimica com que contava a universidade. IVoi;errtoro, Georges Canguilhem, fil6sofo e medico, antigo resistente da rede de Jean Cavailles, sucede Gaston Bachelard na Sorbonne. Dezembro, Foucault acolhe, na Suecia, Jean Hyppolite, que faz duas conferencias: "Hist6ria e existencia" e "Hegel e REerkegaard no pensa- mento frances contemporaneo". Em Paris, no Natal. Robert Mauzi faz com que se encontrem Foucault e Roland Barthes, ele pr6prio antigo funcionario da administra¢ao das rela€6es culturais. Inicio de uma longa amizade. 1956 Aprendizagem da "longa noite sueca" em sua "amplidao de exilio": `.A algumas centenas de metros, a floresta imensa onde o mundo recomeca a genese: em Sigtrina, o sol nao nasce mats. Do fundo desta raridade eleva-se apenas o essencial que amamos reaprender: o dia e a noite. o anoitecer protegidos por qualro paredes, frut,os crescidos em parte alguma e. de tempo em tempo, urn sorriso'. (carla a urn amigo -27 de janeiro de 1956). Colette Duhamel lhe encomenda, para as edic6es de La fable ronde, uma breve hist6ria da psiquiatria, a qual ele pr6prio nao atribuia uma finalidade universitaria, pretendendo, inclusive, nao mats pensar em Cronologia 11 uma carreira na F`ranca. Urn Jaguar esporte branco de estofamento em couro negro com o qual combinava suas roupas. recordes de velocidade entre Bstocolmo e Paris assinalavam essa ruptura, o que ficara para seus amigos como lenda de urn periodo dandi. Toma conhecimento dos fundos medicos da biblioteca universitaria de Upsalia. Da urn curso sobre o teatro frances; depois. uma serie de conferencias sobre "0 amor de Sade a Genet" (e a epoca em que, em Paris, Pauvert e processado por sua reedicao das obras de Sade). Mcir€o. ..Tenho uma necessidade niet.zscheniaina de sol" (carla a urn amigo). Em Upsalia, conhece Dumezil a quem estara ligado, durante t.oda sua vida, por uma amizade filial. F`reqtlenta o laborat6rio cienlifico de Tiselius e o Cyclotron de Svedberg. Trabalha tambem na traducao de urn texto de neuropsiquiatria de Weizsacker. Acolhe o erudito dominica+ no A. J. F`estugiere, especialista em filosofia e espiritualidade gregas e helenisticas. com quem mantefa contato durante toda a sua vida. 1957 Cansado das coac6es impostas aos doutorandos franceses a prop6- sito da extensao de seus trabalhos, F`oucault decide sustentar uma tese sueca, mais curta. Seu manuscrito sobre a hist6ria da psiquiatria. que de fato se tornou a hist6ria da loucura, foi recusado pelo Pr. Lindroth, que esperava uma abordagem mais positivista. Aliuncia urn curso dedicado a experiencia religiosa na literatura francesa de Chateaubriand a Bernanos. Todavia. pensa em partir para F`rankfurt ou Hamburgo. iJLt[ho, em Paris, onde todos os ver6es ele trabalha mos arquivos nacionais e na biblioteca do Arsenal, descobre ha Ljue, de Raymond Roussel, com o editor Jose Corti. que o aconselha a adquirir o conjunto da edicao Lemerre que se tornou rara (vcr Arqueolog{a de Ltma Pciix:do, vol.Ill desta obra). Dezembro, acolhe Alberl Camus, vindo para receber o Premio Nobel de literatura. Bin uma conferencia lembrada por Jean-F`rancois Miquel como fascinante. mas que nao foi conservada, ele apresenta a obra do grande representante do humanismo do p6s-gueITa ao pdblico de Upsalia. F`oucault estava convencido de que os suecos queriam home- nagear a Argelia e fizeram uma falsa analise das posi¢6es politicas de Camus. Hyppolite le o manuscrito de Fo[ie et d6raisori. Aconselha-o a converte-lo em tese francesa a ser submetida a Canguilhem. 1958 Feueretro, publicacao da traducao de Cycle de la structure, de Viktor von Weizsacker, feita por F`oucault e D. Rocher, pelo editor Desclee de Brouwer (col. "Bibliotheque de neuropsychiatrie'.). a partir da quarta edicao. de 1948. 1 2 Michel Foucault - Ditos e Bscritos Maurice Pinguet deixa a F`ranca e parte para o Japao. F`oucault pensa em instalar-se em Hamburgo. Mci{o. dia 30. retorna precipitadamente a Paris, com Jean-Christophe Oberg, para estar presente aos acontecimentos politicos. JrLtnho. dia 19, posse do general De Gaulle como chefe de governo. Setembro, dia 28, a Franca adota por referendum a Constituicao da V Reptiblica. Outubro, F`oucault deixa Bstocolmo e parte para Vars6via, ainda enormemente arruinada. E encarregado de reabrir, no seio da universi- dade, o Centro de Civilizaeao Francesa. Inst2ila-se no hotel Bristol, em cima do cafe intelectual da epoca. All, reescreve Fo{{e ef derci{son. 0 general De Gaulle. que se preocupa com a abertura politica no lesle` lrala com toda deferencia a representacao diplomatica francesa na Pol6nia. onde foi adido militar nos anos 30. Uma equipe muito gaullista acompanha o novo embaixador, Etienne Burin des Roziers , companheiro chegado do general. Progressivamente, F`oucault representa junto a M. Burin de Roziers o papel de conselheiro cultural. IVouernbro, "Voce sabe que Ubu* se passa na Pol6nia, ou seja. em parte alguma. Estou na prisao, quer dizer, do outro lado. mas que e o pior. De fora: impossivel entrar, esfolado contra as grades, a cabeca passada apenas o suficiente para vcr os outros la dentro, andando em circulos. Urn sinal, eles ja estao mais longe, nada se pode por eles, a nao ser espreitar sua pr6xima passagem e preparar urn sorriso. Porem. entre- mentes, eles receberam urn pontape e nao tern mais a forca ou a coragem de responder. Esse sorriso nao esta perdido, urn outro o toma para si e, desta vez. o 1eva com ele. Do rio Vistula sobem nevoas, sem cessar. Nao se sabe mats o que e a luz. Alojam-me em urn hotel luxuoso socialisla. Trabalho em minha `F`olie' que, nesse desfiar do delirio, corre o risco de se tornar urn pouco mais o que eta sempre pretendeu ser" (carta a urn amigo, 22 de novembro de 1958). IvaLa!. remete o manuscrilo de Fo[ie et dGraison` tornado muito espesso. para o lemido a. Canguilhem que delibera: "Ncio faca nenhuma alleracao, e uma lese." 1959 Em Vars6via, na estima reciproca que se estabelece entre Burin des Roziers e F`oucault, este constr6i. sobre as relac6es de De Gaulle com as instituic6es e com a Argelia. convicc6es diferentes daquelas da esquerda francesa que, entao. escande pelas ruas: "0 fascismo nao passara." F`amiliar com Husserl e Brentano. F`oucault se liga a T. Kotarbinski, herdeiro da tradicao semi6tica de Lvov -Vars6via. entao presidente daAcademia das Ciencias. *(N. T.) Ubu Ref.. comedia burlesca e caricatural de A. LJarry.1896. Cronologia 13 F`az conferencias sobre Appollinaire em Crac6via e em Gdansk. Pensa em instalar-se em Berkeley, California, ou no Japao. onde se encontra Maurice Pinguet. Freqtlenta diferentes ambientes poloneses franc6fo- nos. Seus espessos manuscritos sobre o encarceramento e seu convivio social inquietam a policia de Gomulka, que lhe arma uma cilada utilizando urn jovem interprete, e exige sua partida. Sefembrio, dia 14, morte de Dr. Paul F`oucault. Oumbro. dia 19, destacado por tres anos para a Alemanha. Foucaull deixa Vars6via para dirigir o lnstituto F`rances de Hamburgo. 1960 Escreve sua segunda tese: GenGse et structLtre de l'An[hropolog[e de Kant. e traLduz Anthropotogie du point de uue pragmatique (estaL segunda lese, nunca publicada. esta conservada sob a forma de datilograma na biblioteca da Sorbonne). FeL)erelro. prefacia Fo[te ef c{6raison. doravante terminado (vcr A Lingucigem ao Jrt/in{to, vol. Ill desta obra). Abril, Georges Canguilhem o recomenda a Jules Vuillemin, diretor do departamento de filosofia da Universidade de Clermont.-F`errand, que lhe prop6e urn posto de mestre de conferencias de psicologia. Isso pressup6e a publicacao de Folte et d6rdrsori. Brice Parain, da Gallimard, recusa o manuscrito. Philippe Aries -cuja H{stoire c{e Z'en/ant et de sa/arutl[e au XVJJJ€ s{ecle comeca a modificar a historiografia francesa -o acolhe em sua cole¢ao "Civilisations et mentalites`., nas edic6es Plon, sob o titulo exato.. Fotie et derctison. Htstotre de lafiotie a L'age classique (zL pub\icaQao e de maio de 1961) (vcr n9§ 346 e 347, vol. IV da edicao francesa desta obra). Em Hamburgo. onde freqtlenta o africanista Rolf ltaliaander (vcr n912. vol. I da edicao francesa desta obra), ele acompanha. as vezes, Robbe-Grillet, Roland Barthes ou Jean Bruce - entao rei do romance policial -pelos meandros do bairro dos prazeres de Sankt Pauli. F`az com que se encene all uma peca de Cocteau. Jrunho, dia 19, Cocteau lhe escreve em agradecimento. OLttLtbro, eleit,o na F`aculdade de Clermont-F`errand. reinstala-se em Paris. na rua Monge, n9 59. Robert Mauzi apresenta-lhe urn estudante de rilosofia, Daniel Deferl, apenas ingressado na Escola Normal Supenor de Saint-Cloud. que sera seu companheiro de 1963 ate a sua morte (vcr nQ 308, vol. IV da edicao francesa desta obra). F`oucault inicia uma vida muit.o especifica na Universidade F`rancesa: viver em Paris e ensinar na provincia. 1961 Bin Clermont-F`'errand, alem de Jules Vuillemin. Foucault freqtienta os fil6sofos Michel Serres, Jean-Claude Pariente e o historiador Bertrand Gille. Em Paris. Iongas jornadas na Biblioteca Nacional onde, sob a User Typewriter 14 Michel Foucault -Ditos e Escritos ctipula da sacada suspensa sobre a sala de leitura, ele sera visto trabalhando anos a fio. Mciio, dia 20. visando ao doutorado, apresenta na Sorbonne suas duas teses: Kcirit, Anthrapologie, cuja introducao. traducao e nolas sao rela- tadas por J. Hyppolite; e Fo[ie et c{6raison. Histoir€ de [a/o[te d l'dge c[asstque, tese principal relatada por G. Canguilhem e D. Lagache. Hist6rfa da [oucuro e saudado pelos historiadores Robert Mandrou e F`ernand Braudel como uma contribuicao importante para a hist6ria das mentalidades. Maurice Blanchot escreve: "Neste rico livro, insistente por suas necessarias repetic6es. quase insensato, e sendo esse livro uma tese de doutorado, assistimos com prazer a este choque entre a univer- sidade e a desrazao" (IAI riouL)elle reLjuejrdncaise, n9106). E nomeado examinador no concurso de entrada para a Bscola Normal, da qual J. Hyppolite e o diretor. No dia 31, inaugura uma serie de emiss6es radiofonicas de FYance-Cul- ture sobre "Histoire de la folie et litterature", que prosseguirao ate 1963. /ulho, morte de sua av6 Raynaud-Malaperl, a quem era muito ape8ado. No dia 22. entrevista no 1€ moride, na qual e apresentado como "o inteleclual absoluto ejovem: fora do tempo" (vcr A Loucurci S6 Erdste em Lirtici Sociec{crde. neste volume). A heranca paterna lhe permite instalar-se na rua Dr. F`inlay, ng 13, no dltimo andar de urn im6vel novo, cujos amplos vaos das janelas se abrem. de urn lado, para o que em breve se tornara o moderno Front de Seine e, do outro, para o espaco ainda baldio do antigo vel6dromo de inverno. IVoL)embro, dia 27, termina a redacao de 0 ricrsc{rrterito c{a clin{ca. que apresentava como "remates" de Hist6rfa da loucura. Dezembro, dia 25, comeca a redacao de Raumond Rousse[. 1962 Pressionado pelo editor para reeditar Ma[adie mentdre etpersorinalit6, F`oucault reescreve inteiramente a segunda parte intitulada "I,es con- ditions de la maladie". a qual se torna "F`olie et culture.', urn resumo bern distante da Hist6rfa clci [oucura, da reflexologia parvloviana e da antro- pologia existencial de 1954. Doravant,e, seu titulo e Malcid{e rneritale et psgchotogte (Doenga mental e psieotogta). Feueretro, conhece Gilles Deleuze, que publica IV{etzsche et [a phtloso- phle (PUF`) . Mcirco, dia 18, os acordos de Evian poem rim a guerra da Argelia. Mciio, dia 18. Foucault anota: "Sade e Bichal, contemporaneos es- trangeiros e gemeos, colocaram no corpo do homem ocidental a morte e a sexualidade: estas duas experiencias tao pouco naturais, tao transgressivas, tao carregadas de urn poder de contestacao absoluta e a partir do que a cultura contempofanea fundou o sonho de urn saber que permitiria mostrar o Horro nc[tura..." Cronologia 15 Publicacao da traducao francesa de L'ortg{rie de la g6omGtrie, de Husserl. com uma apresentacao de Jacques Derrida. Bsse livro torna-se imediatamente o cerne da reflexao epistemol6gica parisiense. F`oucault. que muito trabalhou esse texto mos anos 50, fala entao da "importancia desse texto tao decepcionante''. que o obriga a aprofundar sua nocao de arqueolo8ia (cartaL). Bleito professor de psicologia na Universidade de Clermond-F`errand. onde substitui Jules Vuillemin como chefe do departamento de I`ilosofia. o qual sucede, no College de France. a Maurice Merleau-Ponty, brusca- mente falecido em 4 de maio de 1961. Setembro. submete o manuscrito de 0 nascimento c{ci c[{riica a leit,ura de Althusser. A admiracao pela analise estrutural se desenvolve na Bscola Normal. 1963 Jranetro, com Roland Barthes e Michel Deguy, entra no conselho de redacao da revista Critique. Segundo Jean Piel, cunhado de Georges Bataille, que dirige a revista, a participacao de F`oucault s6 foi efetiva depois da publicacao de As palauras e as cotsas (1966), interrompendo- se em 1973. embora Foucault deixasse figurar seu nome ate 1977. Marco, dia 4` em uma conferencia no Colegio F`ilos6fico, Jacques Derrida critica as paginas dedicadas por F`oucault, na Hist6rici da [oLtcura, a primeira das Mec{{fac6es, de Descartes. Derrida havia convi- dado F`oucaull, em uma carta de 3 de fevereiro: "Reli seu texto durante as ferias de Natal com uma alegria incessantemente renovada. Acho que lentarei mostrar, grosso moc!o, que sua leitura de Descartes e legitima e iluminant.e em urn nivel de profundidade hist6rica e filos6fica. que nao me parece poder ser imediatamente signiricado ou assinalado pelo texto que voce utiliza e que. penso eu, nao o lerei exat.amente como voce." Mas o "totalitarismo estruturalista" denunciado por Derrida atinge Foucault.. que lrabalha precisamente para diferenciar sua arqueologia do es- truturalismo. "Por que e preciso que a historicidade seja sempre pensada como esquecimento?" (carta). Abril, publicacao de 0 ncisclni.erito czci clinfoci.. urna cinqueologia c!o olhar medico, na colecao "Histoire et philosophic de la biologic et de la medicine", dirigida por J. Canguilhem. da PUF. Mate, publicacao de Rc[urronc{ Roussel pelaGallimard, na colecao de Georges Lambrichs, saudada por Philippe Sollers na revista Tet qLtel como ..nascimento da clitica'.. Sua publicacao devia acompanhar uma reedi¢ao da obra de Roussel. Jrulho. os acordos de Moscou definem a coexistencia pacifica. Solje- nitsyne comeca a recolher as lembrancas do gulag. I. A mencao de ..carta". sem indica¢ao de destinatario. designa uma correspon- dencia enviada a Daniel Defert. 1 6 Michel Foucault - Ditos e Escritos F`erias em Tanger e Marrakech com R. Barthes e R. Mauzzi. Agosto, dia 5, "Cheguei em Vendeuvre. E o tempo das folhas de papel que enchemos tal qual cestos de macas. das arvores que cortamos, dos livros que lemos linha por linha com a meticulosidade das criancas (...) e a sabedoria de cada verao" (carta). Corrige as provas da traducao da Anthropologie, de Kant. e da homenagem a Bataille, morto no ano precedente {ver Prejl&cto d Trc[rtsgnessdo, vol. Ill desta obra). I,e RIos- sowski sobre Nietzsche. Acumula notas sobre as relac6es entre a antropologla e a filosofia critica. 0 guai d'Orsay lhe prop6e a direcao do Instituto F`rances de T6quio, o que dese].ava ha muito tempo. Sefembro, e convidado a participar de uma obra de 10 volumes em Cerisy-1a-Salle pelo grupo Tel quel. que deseja "determinar as coorde- nadas sobre a situacao da literatura depois do novo romance". Inicio de relac6es pessoais com os membros desse grupo (Sollers, Pleynet. Thi- baudeau, Baudry, 01lier e. tambem. J-i. Hallier, que rompera com Sollers em 1962); sobre os livros destes Foucault escrevefa urn certo ndmero de artigos. Outubro. renuncia instalar-se em T6quio para permanecer junto a Daniel Defert, que se prepara para o concurso de professor de filosofia. Abandonando a continuacao prevista da Htst6ria da toucura, que deveria incidir sobre a hist6ria da pslquiatria penal, comeca a escrever "urn livro sobre os signos'.. Urn trabalho intenso interrompe o ritmo dos jantares noturnos com Roland Barthes em Saint-Germain-des-Pres; suas re- lac6es se distendem. IVouembro, conferencias em Lisboa. onde vai contemplar o quadro de Bosch -A teritcxpdo de Santo Arttonto. e em Madri. Dia 9. carta descrevendo seu encontro, no Prado, com las Meninas, quadro em tomo do qual se cristaliza seu projeto de "livro sobre os slgnos" (vcr "As Damas c{e Compa- nhfa". vol. Ill desta obra). Dezembro, rele Heidegger. Interrompe o plano de As palat)mos e as cotsas. 1964 Longas jomadas de pesquisas na Biblioteca Nacional. Em pequenos cadernos de estudante encadelam-se notas de leituras, planos de capitulos e esbocos de artigos. If a Forruritfon du Concept de iejlexg, de Georges Canguimem. que se tornou seu "born mestre" desde a Hist6rfu da foucura. As relac6es com Gilles Deleuze e Pierre Klossowski tomam-se regu- lares; freqtienta igualmente Jean Beaufet. Em julho, encontram-se com Karl I.6with, Henri Birault, Gianni Vattimo, Jean Wchal, Colli e Monti- nari, que estabelecem uma nova edicao de Nietzsche. no col6quio organizado por Deleuze sobre Nietzsche. em Royaumont (vcr Ivietzsche, Fteucz, Maur, vol.11 desta obra). Croiiologia 17 Abrf[, conferencias em Ankara. Istanbul ("Le desenchatement orien- tal"). Visita Efeso ("nos rastros de Heraclito (...) nunca vi nada tao belo'') (carta). Agosto, dia 10. "Tenho a impressao de que me aproximo da reconver- sao em nao-escrita total. 0 que muito me liberara" (carta). Le apaixona- damente Au-dessous c{u uo[cari. de M. Lowry. Setembro, ap6s os bombardeios americanos sobre o Golfo de Tonkin, Daniel Defert nao ocupa o posto de cooperador no Vietna. que deman- dara para cumprir suas obrigac6es militares. Defert esta lotado na Tunisia onde, em breve, F`oucault ira encontra-lo. hancamento .`nos halts de estacao de trem", como Foucault gostava de dizer, de uma edicao muito abreviada da Hist6ria dci [oucurci. em uma colecao de bolso recente. da Plon, "Le monde en 10/18". 0 meio intelectual esta dividido quanto aos fundamentos dessas colec6es eru- ditas a preco baixo. F`eliz com essa edicao popular que alcan¢ou grandes tiragens. F`oucaull se decepciona quando o edit.or recusa-se a republic`ar a edicao integral. Ele rompe, entao. com a Plon. As lraduc6es es- lrangeiras de Htsl6ric[ c{a loLicLtra, excelo a edicao italiana da Rizzoli, de 1963, foram est.abelecidas a partir da versao abreviada. OLtlubro, dia 18, "Refaco meus malditos signos todo o sanlo dia" (carta). Ele freqtienta os Deleuze, Vuillemin. Desanti, Klossowski. Bin Clermont-F`errand. da urn curso sobre a sexualidade. Op6e-se, com a maioria da faculdade, a nomeacao de Roger Garaudy para professor no departamento de rilosoria; membro do Comite Central do Partido Comu- nista, que diziam ter sido imposto por seu antigo condiscipulo. Georges Pompidou (entao primeiro-ministro). Dezembro, publicacao, por Jean Vrin, da traducao da Anthropolog{e de Kant. 0 que fora uma tese secundaria foi reduzido a tres paginas de noticia hist6rica, com esta nota final: "As relac6es do pensamento crit,ico e da reflexao antropol6gica serao estudadas em uma obra ulterior." E o andncio de As pcilauras e as coiscrs, ainda designado por F`oucault como seu ..1ivro sobre os signos". Titular das aulas ptiblicas nas faculdades universltarias Saint-Louis em Bruxelas, ele faz uma conferencia sobre .'Linguagem e literatura''. IVcital. temporada na Tunisia. A primeira redacao do livIo sobre os signos a concluida. 1965 Jc[rie{ro, dia 5, observando do aviao que decola da ilha de Djurba "o bascular do solo no limite com o mar", ele rabisca em urn cartao-postal o que sera a tiltima frase de As pdraurcis e as coiscis. F`orte desejo de instalar-se na cidade de Sidi-Bou-Said, que domina o golfo de Cartago. Participa com Alain Badiou, Georges Canguilhem, Dinhah Dreyfus e Paul Ricoeur de uma serie de debates de filosofia para a radiotelevisao 18 Michel Foucault - Ditos e Escritos escolar (vcr nlosQfia e Ps[co[ogia. neste volume, e n9 31, vol. I da edicao francesa desta obra). Nomeado para a Comissao de Reforma das Universidades, estabele- cida por Christian F`ouchet, ministro da Educacao do General De Gaulle. F`oucault se inquieta quanto ao projeto de multiplicacao de universida- des locals sem recurso. Prepara urn contraprojeto que artlcula essas fa- culdades de modo complementar no quadro das regi6es, o qual ele re- mete ao Ellseu, onde Etienne Burin de Rozlers se tornou secretalio geral. Corre o rumor de uma nomeacao de F`oucault para subdiretor dos ensinos superiores para as ciencias humanas. Feuerieiro, dla 13, "Nao falel dos slgnos, mas da ordem" (carta a respeito de seu livIo sobre os signos). Abri[, dia 4. .`Enfim, tare fa cumprida. Trezentas paginas reescritas desde Sfax com urn equilibrio completamente diferente. Nao e mal nem enfadonho." Bscreve o prefacio: "Uma teoria geral da arqueologia que me agrada bastante." Pensa em se apresentar no College de F`rance para fugir de Clermond-F`errand. Renuncia. ao tomar conhecimento da can- didatura do historlador Georges Duby. Maio. dia 2, Canguilhem, entusiasmado com o manuscrito do "livro sobre os signos". F`oucault e informado de que uma campanha sobre sua vida privada, conduzlda por alguns universitarios, e a causa de sua nao-nomeacao para a subdlrecao do ensino superior. Dia 14, Remete seu manuscrito para G. Lambrlchs na Gallimard. /unho, Roges Caillois lhe endereca uma carta entusiasta a prop6sito desse manuscrito e pede urn texto para sua pr6pria revista, DiQgGne (vcr A Prosa c{o Munc{o. vol.11 desta obra). Burin des Rozlers lhe confidencia que ten, com Malraux. novos projetos para ele. Dia 9. abalado pelas intrigas contra sua nomeacao, Foucault viaja para a Suecia e encaminha sua candidatura para Elisa- bethville - futura Lubumbashi, logo que este pais toma o none de Zaire -onde ensina, entao, o 16gico G. G. Granger.0 soci61ogo G. Gurvitch o estimula a se apresentar para uma cadelra de psicologia na Sorbonne. F`oucault renuncia, ao descobrir demaslada hostilidade. Nova temporada em Sfax e Sidl-Bou-Sat.d. Agosto, visita a retrospectiva Nicolas de Stael em Zurique. Vat vcr os RIee do museu da Baslleia. Pensa em pedir uma fun¢ao em Abidjan. Setembno, Althusser envia a F`oucault seu Pour Marx, com a seguinte dedicat6ria: ..Estas poucas velharias." Outubro, convidado a faculdade de filosofia de Sao Paulo pelo fil6sofo Gerard Lebrun. aluno. asslm como Jules Vuillemin e I.ouis Althusser, de Martial Gueroult. All, ele se junta aos fil6sofos Gianotti, Ruy F`austo, ao critico Roberto Schwartz. a poetisa Lupe Cotrim Garaude e a psica- nalista Betty Milan; ele lhes da as primicias de alguns capitulos de As pa{aL)ras e as coisas. A turne de conferencias prevista e interrompida pelos golpes de forca que, de uma semana para outra, fortalecem a posse dos marechais e que, em breve, lrao cacar seus amigos de suas func6es ou exila-los. Cronologia 19 1966 Jcmefro, criacao do Circulo de Epistemologia em torno de Jacques- Alain Miller e FTancois Regnault, sob o duplo apoio de Lacan e de Canguilhem. Sua publicacao , os Cchters poLtr l'ana[use, que se prevalece de "todas as ciencias da anallse: a 16glca, a llngtiistica, a psicanalise, quer contribuir para uma teoria do dlscurso". Esse circulo responde. demarcando-se, a criacao em torno de Roberto Linhart, da Unlao das Juventudes Comunistas Marrdstas-Ifninlstas (UJCML) , primeiro movi- mento de insplracao maoista no melo estudantil. Enquanto As pa[oura[s e cis coisas estao no prelo, F`oucault retoma os problemas de metodo colocados por ele nessa arqueologia. "A filosofla e uma empreitada de diagn6stlco, a arqueologia urn metodo de descricao do pensar" (carta). I,e Whorf e Sapir. "Nao, nao e lsso: o problema nao e a lingua, mas os limltes da enunciabllidade" (carta). Feuerefro, aceita, com Gilles Deleuze, a responsabilidade da edicao francesa das obras completas de Nietzsche estabelecidas por Colli e Montinarl. Marco. dias 11,12 e 13, o Comite Central do PCF` reunido em drgenteuil declara, contra Althusser, que "o marrdsmo e o humanismo de nosso tempo". Dia 28, conferencias no Theatre Universitaire de Budapeste. A confe- rencia anunciada sobre o estnituralismo e suposta, pelas autoridades htingaras, interessar a tao pouca gente que a isolam no gabinete do reitor. F`oucault descobre entao que, no Leste, devido as suas origens no pensamento formal de Praga e da Rdssia, o estruturalismo funciona como urn pensamento alternativo ao marx]smo. F`oucault recusa a visita ritual a Gy6rgy Lukacs, preferindo o retrato de Jeanne Duval por Manet no museu Szepmtiveszeti. Dia 31. seus interlocutores hdngaros confidenciam a F`oucault sen- tirem urn grande alivio ao descobrirem em Les lettresJran€atses, o diario de Aragon, sua longa entrevista com Raymond Bellour que anuncia a saida de As pdrc[uras e as coisas: serao memos suspeitas em seu pats (vcr nQ 34, vol. I da edicao francesa desta obra). Viagem a Debrecen, na planicie de Puszta: "FTquel urn pouco emocionado ao vcr que o pensa- mento do querido velho Alth (Althusser) chegava ao amago do marxismo das estepes" (carta: vcr nQ 281, vol. IV da edicao francesa desta obra). Temporada em Bucareste. Abrd, publlcacao de As pdraL)ras e as coisas, uma arqueologla das ciencias humanas, na colecao "Bibllotheque des ciences humaines", recentemente lnaugurada por Pierre Nora na Gallimard. 0 titulo deseja- do era "L'ordre des choses", ja utilizado por Jacques Brosse em uma publicacao prefaciada por Bachelard; sua retomada nao foi autorizada. Tenacidade ou esquecimento. F`oucault, mais tarde, intitularia uma colecao de "Lcs vies paralleles" (vcr n9 223, vol. Ill da edicao francesa desta obra), titulo de urn capitulo dessa mesma obra. 20 Michel Foucault - Ditos e Bscritos Mdio. freqtienta Derrida e Althusser. Dia 16, F`oucault afirma em uma entrevista: "Nossa tarefaL € a de mos libertarmos definitivamente do humanismo (...), e neste sentido que meu trabalho e urn trabalho politico, na medida em que todos os regimes do Leste ou do Oeste fazem passar suas mercadorias sob a bandeira do humanismo" (vcr n9 37, vol. I da edicao francesa desta obra). A primeira edicao de As pcilaL)ras e as cotsas esgota-se em urn mss e meio. Dia 23, L'expriess apresenta este livro como a maior revolucao em filosofia desde o existencialismo. Doravante, "a morte do homem" e "o marxismo esta no pensamento do seculo XIX como peixe dentro d'agua" circulam na impressa como as f`rases emblematicas da obra. Dia 26. carta entusiasta de Rene Magritte. Inicio de uma corTespon- dencia na qual Foucault o interroga sobre sua interpretacao do Ba[con de Manel. Magritte faz votos de encontrar Foucault no fim do ano. Juriho, a imprensa comenta. doravante, tanto as vendas quanto o livro. As primeiras, como sintoma; o segundo, como ruptura. Mil nove- centos e sessenta e seis e uma das grandes safras das ciencias humanas francesas: Lacan. Levi-Strauss. Benveniste. Genette, Greimas. Dou- brovsky, Todorov e Barthes publicam alguns de seus textos mais importantes. Percebido ate aqui como metodo regional. o estruturalismo e registrado freqtientemente como movimento. JrulJro, em Vendeuvre, seis horas de escrita por dia para responder aos ataques contra "a morte do homem.'. "Ate mesmo Jean Daniel depois Domenach. Tentar dizer o que pode ser urn discurso filos6fico hoje" (carta). Ele retrabalha Log{que/orme[le et trariscendeiitdre, de Husserl, desta vez, porem, na traducao francesa. "Pela primeira vez. pus-me a ler romances policiais.'` Sobre As pa[aLjras e as coisas. diz Hyppolite: "E urn livro tragico." "Ble foi o tinico que o viu," confidencia F`oucault. Selembro, F`oucault decide instalar-se na Tunisia onde lhe prop6em. pela primeira vez, uma cadeira de filosofia (e nao de psicologia). 0 sucesso na midia perturbou, segundo ele, a recepcao de seu trabalho. A aridez do livro seguinte testemunhara sua vontade de romper com esta forma de sucesso. Dia 15. F`ran¢ois Mauriac consagra uma parle de seu "Bloc-notes" ao ant.i-humanismo de As patauras e as colsas, e conclui: "Voce tornaria Sart.re simpalico aos meus olhos." Doravante. Foucault segue de muito longe e bern seletivamente o que se diz sobre "a morte do homem". OutLtbro, dia 19, F`oucault obtem seu desligamento da universidade para ficar tres anos na Tunisia. Sartre, no fasciculo de L'arc que lhe e dedicado, ataca o estruturalismo, rejeita a tendencia de F`oucault e de Althusser a privilegiar as estruturas em detrimento da hist6ria. chama a arqueologia de uma geologia que substitui as transformac6es pelas estratificac6es, e conclui: "Foucault e a dltima muralha da burguesia." As principals revistas intelectuais manterao ate maio de 1968 a polemica c6ntra As pci[auras e cis coiscLs: Les temps moc[ernes, janeiro de 1967, Esprit, maio de 1967, Irfu pens6e, fevereiro de 1968 etc. Cronologia 21 Nouembro, instalado no hotel Dar-Zarouk, F`oucault procura uma casa sobre a encosta selvagem da colina de Sidi-Bou-Said. "Eu queria ter com o mar uma relacao imediata, absoluta, sem civiliza¢ao" (carta). Dla 12, e a primeira vez, desde 1955, que ele ensina filosofia: o curso dedicado ao "Discurso filos6fico" prolonga As palauras e as coisas. Ele da urn curso pdblico sobre a cultura ocidental. "A teoria do discurso permanece urn terreno baldio, 396 paginas a refazer" (carta). Dia 16:"Encontrei ontem. nesta manha. neste momento, esta definicao do discurso da qual precisava ha anos" (carta) . Dezembro, prefacia uma reedicao da Grammaire de Port-Royal inicial- mente prevista pela Seuil (vcr Jntroc{ucdo (in Arnaulc{ e lancelot) , vol.11 desta obra). Surpreende-se com a penetracao de Althusser junto aos estudantes tunisianos:"b curioso vcr o que para n6s e puro discurso te6rico vertlcalizar-se de repente aqui em imperativo quase imediato" (carta). Dia 9, instala-se sob as longas ab6badas brancas -descritas por Jean Daniel, que acaba de conhecer - das antigas cavalaricas do bei em Sidi-Bou-Sai.d. Bsforcando-se, segundo o voto de Nietzsche, para tornar- se cada dia urn pouco mais grego, esportivo. bronzeado, ascetico, ele lnaugura uma nova estllizacao de sua erdstencia. IVcital, acampamento` com burros e camelos no planalto de Tassili de Ajjer, no Grande Sul argelino. 1967 Jraneiro, Les temps modernes (rf 22) passa ao ataque. Foucault se contenta em responder por carta privada as quest6es embaracosas de Michel Amlot, em seu artigo "Relativismo cultural de Michel F`oucault.': -Renunciei dar ao livro urn prefaclo metodol6gico que teria servido de modo de uso. Nao e de modo algum para lhe dar essa explicacao que lhe escrevo. mas por gosto pelo serio da discussao e por simpatia real por seu texto." Elc conclui: "guerendo libertar a hist6ria -pelo menos a das ideias - de urn esquema bastante desgastado no qual se trata de lnfluencia, de avancos, de atrasos, de descoberta, de tomada de cons- ciencia, procurei deflnir o conjunto das transforma¢6es que servem de regras para uma descontlnuidade empirica." Encontra, as vezes. Chadli Klibi, entao ministro da Cultura tunisiano, futuro representante da Llga Arabe. Dia 31: WEstou muito arrebatado pelo que se passa na China. A esperan¢a de terminar A arqueo[og{a do saber na primavera foi transfe- rlda para o ano que vein" (carta). FeL)ereiro, ``A hist6rla, apesar de tudo. e prodigiosamente divertida. Estamos memos solifarios e inteiramente livres" (carta). Projeto para escrever urn texto referente a reedi¢ao do livro de F`ernand Braudel sobre o MediteITineo, e talvez mesmo. para rediglr urn llvro sobre a his- toriografia, que seria a ocasiao de uma outra arqueologia das ciencias humanas, manifestando assim que as "epistemes" nao periodizam vis6es 22 Michel Foucault - Dltos e Bscritos do mundo. 1£ Dumezil. Ieltura que o acompanhou durante toda sua vida. e la r6L)o[utton permanente, de Trotski, entuslasmando-se a tal ponto que lhe ocorrera qualificar a si mesmo de trotskista em 1968. As leituras de seus estudantes tunisianos. de fato, alimentam F`oucault. Marco. dia 14, no circulo de estudos arquitet6nicos, em Paris, Fou- cault faz uma conferencia sobre as "heterotopias.' e faz uma emissao radiofonica sobre o mesmo assunto (vcr nQ 359, vol. IV da edicao francesa desta obra) . Dia 17. na Sorbonne, exp6e no seminalio de Raymond Aaron os criterios segundo os quais se pode identificar historicamente uma formapao cultural como a economla politlca atraves de diferentes epis~ temes. Raymond Aaron quer absolutamente assimilar episteme a Wet tanschciuung. Debate que contribuifa para o abandono do conceito em A arqueo!ogha do saber. Por tras dessa discussao epistemol6gica, se afinam as taticas dos dois protagonlstas para o College de F`rance. Os argumentos apresentados no seminario de Raymond Aaron serao desen- volvidos na segunda entrevista com Raymond Bellour (vcr Sabre as Maneiras de Escreuer a Hist6rici, vol.11 desta obra). Assiste a pr€mtGre de I,a terifatton c{e Saint Antoine, no teatro Odeon. bale de Bejart que utiliza a lconografla recolhida por F`oucault em seu estudo sobre F`laubert (vcr Posjlficto a Ftaubert (A Tentacdo c!e Scinto An[6rifo), vol.Ill desta obra). Abri[, "Suspendi toda a escrita para vcr urn pouco mais de perto Wittgenstein e os analistas ingleses" (carta). Sobre os analistas ingleses, ele escreve: "Estilo e nivel de analise que eu buscava neste inverno patinhando. A angdstia ben pouco suporfavel deste inverno." F`oucault utiliza, entao, a biblioteca de seu colega Gerard Deledalle, raro ou dnico especialista frances em John Dewey e em filosofia americana. Dia 12. LQ presse de Tunis relata: `Todas as sextas-feiras a tarde, a maior sala da faculdade da Tunisia e muito pequena para receber as centenas de estudantes e ouvintes que vein seguir as aulas de Michel F`oucault." Ma{o. a revlsta Esprit consagra urn ntlmero especial a "Bs- truturalismo. ideologia e metodo". "Contra o pensamento frio do sistema que se edifica em relacao a todo sujelto individual ou coletivo'., Jean-Ma- rie Domenach. diretor da revista, coloca 10 quest6es a F`oucault, das quais ele nao retera senao a questao sobre a "possibilidade de uma intervencao politica, a partir de urn pensamento da descontinuidade e da coacao". Ironia do destino, a longa resposta sera publicada em maio de 1968 (vcr n9 57, vol. I da edi¢ao francesa desta obra). "Os analistas ingleses me alegram bastante: eles permitem vcr bern como se pode fazer analise nao lingtiistica de enunciados. Tratar dos enunciados em seu funcionamento. Mas no que e em relacao a que isso funciona, eles nunca o tornam evidente. Sera preciso. talvez, avancar nessa direcao" (carta). Publica¢ao na Gra-Bretanha da traducao de Hist6rfa c{a loucura, prefaciada por David Cooper, em "Studies in existentialism and pheno- menology.`, colecao de R. D. Laing, que outrora dedicara The dit;id€cZ seor a Binswanger. Esta publicacao foi seguida de urn artigo de Lalng, "Sanity Cronologia 23 and madness -the invention of madness" (The rieLu statesrrmrl, 16 de junho de 1967). Hist6ria c{a toucuro circula. doravante, sob o estandarte da antipsiquiatria mos paises de lingua inglesa. Sempre solicitado e sofrendo oposl¢ao na Sorbonne, F`oucault renun- cia definitivamente e apresenta sua candidatura a jovem Universidade de Nanterre. onde e eleito em junho para uma cadeira de psicologia. i tambem nomeado examinador no concurso da Escola Nacional de Administra¢ao. Jruriho, dia 19, entrevista com o presidente Bourguiba. Ireitura de Panofsky: artigo no 1€ rrouue[ obseruateur, para o qual comeca a escrever mais freqtlentemente (vcr As Pa[auras e as Jmagens, vol.11 desta obra). Do dia 5 ao dia 10, manifestac6es antiimperlalistas explodem contra a embaixada dos Estados Unidos na Tunisia, por ocasiao da GuerTa dos Seis Dias. asslm como prQgroms contra os comerciantes judeus, prova- velmente suscitados pelo poder para facilitar a detencao dos oponentes. Os estudantes politlzados abrigam cada vez mais suas reuni6es junto a F`oucault. que observa: `.Eles sao sinocastristas." "Em nome da grande solicitude" do presidente Bourguiba para com ele. as autoridades tuni- sianas instalam bruscamente uma linha telefonica na casa de F`oucault. Jrulho. retorno a Vendeuvre: "E preciso que haja para mim muitos poderes nesse canto de terra, para que eu me sinta nele mais ou memos a vontade" (carta). Dia 16. "Eu escavo Nietzsche; creio comecar a perceber por que isso sempre me fascinou. Uma morfologia da vontade de saber na civilizacao europeia que se deixou de lado em favor de uma analise da vontade de poder" (carta). Agos[o. dia 15, morte de Magritte. Dia 25, termina A ariqueotogta c{o sciber "Restam-me dois ou tres meses de releitura neste inverno." Outubro, Foucault. achando que o ministro frances da Educa¢ao tardava a ratlficar sua eleicao em NanteITe, parte por urn ano para a Tunisia. IVouembro. "Recebi urn born questionario dos Cchiers pour ['ana{use'.. destinado a urn ndmero dedicado a "Genealogla das ciencias" (vcr Sobre a Arqueotogia das Ciencias. Resposta ao CircuLo de Eptstemotogia, vg\.11 desta obra). Termina "urn trequinho sobre Magritte" (vcr Jsto Jvdo E Ltm Ccndmbo. vol. Ill desta obra). Promete as Edie6es de Minuit urn ensaio sobre Manet. intitulado 1€ noir ct !a couleur. Do dia 14 ao dia 19, breve estada na ltilia para o lancamento da traducao de As pdrauras e as coisas pela RIzzoli, seguida de urn posfaclo de Canguilhem. "Morte do homem ou esgotamento do Cogito". Conhece Umberto Eco em Milao. F`az uma conferencia sobre