Buscar

Vol I_Ditos-e-escritos-I

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 164 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 164 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 164 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Continue navegando


Prévia do material em texto

co/cfGo; Ditosdr¥reEscritos I
Foucault
Tg3::cbo`leo:iaat,izpas::oui::risaujeito:
':
Ui
Psicanalise
Organizacao e selecao de textos:
Manoel Barros da Motta
Traducao:
Vera Lucia Avellar Ribeiro
Dits et ecrtts
Edl¢ao francesa preparada sob a direcao de DaLniel Defert e
Ftancois Ewald com a colaLboracao de Jacques Lagrange
#p",.,.-£;-;r:g;=F#c:
{,
FORENSE
UNIVEI]SITARIA
1a edicao - 1999
© Copgrighi
bdittons Gallimard,1994
Traduzido de:
Dtts et ecrits
Get ouurage, publie dams le cad:re du programme d'aide a la pubtteatton,
behef iu=ie du soufien dr MirTtstdre f ranquts des Af f iaires Etrangeres, de
{'Ar7ibassade de Ft.a(nco au Br€s{! et de la Maison c{e F+Once de Rto c{e /art€iro.
Este livro. publlcado no ambito do programa de participapao a publicacao,
contou com o apoio do Minlsterio frances das Relacdes Exteriores. da
Embalxada da F`ranca no Brasil e da Malson de F`rance do Rlo de Janeiro.
Polo da capa: Jacques Robert
CIP-Brasil. Catalofa¢ao-na-fonts
SindjcaLo Nacional dos Bdltores de Llvrce, RJ.
F86p Foucault, MJchcl,1926-1984
Problcmanzapao do 8ujeito: pstcologla, peiqulatrla c psLcanaLise/Mlchel
Foucault. tradu¢ao dc Vcra I,ucia Avellar Ribeiro; onganlzacao Manoel BarTos da
Molta. -Rlo de JaLnclro: Forcrise Unlversltaria. 1999.
(Dltos e escrltos: I)
Traducao de: DIIB eL ecrits
lsBN 85-218-0251 -X
I. Sujelto (psicologla). 2. Pslcanillse.I. Motta. Manoel Barren da.11. Titulo.
1'[. Sche.
destepi:jF:?ad::eupai:t:!ai:#:'o°uu#C¢::iB:u:rc£:::I::rp6r:,dc:¢::dmcfrn;::=inac,Puasr[::
atraves de processos xcrogrAncos. de rotoc6pia e dc gravacao, sem permlssao expres9a do
Edltor (L€l nq 9.610. de 19.02.98).
Bisr*rRA°S£S±irNes]st£SiferifrdrfudeLSEidlcaopela:
Rto de Janeiro..
Rua do Rosano. loo -20041-002 -Telefax: (21) 509-3148/509-7395
Sto JJnd:
hugo de Sao Francisco. 20 -01005-010 -Tels.: (11) 3104-2005 -F`ar: 3107-0842
e-mafz: forumv@untsys.com.br htty:/ /www.editoras.com/forenseuniverslfarla
Impresso no Brasll
Prhied in Braztt
Apresentacao
Construida sob o signo do novo. a obra de Michel F`oucault
subverteu, transformou, modificou nossa relacao com o saber e
a verdade. A relacao da filosofia com a razao nao e mais a mesma
depois da Hist6nd da [oucurcL Nem podemos pensar da mesma
forma o estatuto da punicao em nossas sociedades. A intervencao
te6rico-ativadeMlchelF`oucaultintroduziutambemumamudan-
ca nas relac6es de poder e saber da cultura contemporanea, a
partir de sua matriz ocidental na medicina, na psiquiatria, mos
sistemas penais e na sexualidade. Pode-se dizer que ela colabora
para efetuar uma mutacao de eplsteme, para alem do que alguns
chamam p6s-estruturalismo ou p6s-modernismo.
A edicao francesa dos Difos e escritos em 1994 pelas Edic6es
Gallimard desempenha urn papel fundamental na difusao de uma
boa parte da obra do fll6sofo cujo acesso ao ptlbllco era dificil, ou
em muitos casos impossivel. Alem de suas grandes obras, As
pcttwras e as cotsas, Htstoha dct toucura, Vqiar e. punir, O.r.as?i--rnerito de ctintoc., Rqumond Roussct e Htstoria da sexualidade,
F`oucault multiplicou seus escritos e a acao de seus ditos, na
Europa. nas Amchcas, na Asia e no Norte da Africa. Suas
intervenc6es foran das relac6es da loucura e da sociedade, feitas
no LJapao, a reportagens sobre a revolucao islamica em Teera. e
debates no Brasil sobre a penalidade e a politica. Este trabalho
foi em parte realizado atrav6s de urn grande ntlmero de textos,
intervenc6es. conferencias, introduc6es. prefacios e artigos pu-
blicadosnumavastagamadepaisesquevaidoBrasilaosEstados
Unidos e ao Japao. As Edic6es Gallimard recolheram esses textos
em quatro volumes. com excecao dos livros. A edicao francesa
pretendeu a exaustividade. organizando a totalidade dos textos
publicados quando Michel F`oucault vivia. embora seja provavel
que alguma pequena lacuna exista neste trabalho. 0 testamento
de Foucault. por outro lado, excluia as publicac6es p6stumas.
Daniel Defert e F`rancois Ewald realizaram, assim, urn monumen-
tal trabalho de edicao e estabelecimento dos textos. situando de
maneira nova as condic6es de sua publicaeao, controlaram as
circunstancias das traduc6es, verificaram as citac6es e erros de
tipografia. Jacques Lagrange ocupou-se da bibliografia. Defert
VI Michel Fducault - Ditos e Escritos
elaborou uma cronologia, na verdade uma microbiografia de
F`oucault para o primeiro volume, que mantivemos na edicao
brasileira, em que muitos elementos novos sobre a obra e acao
de Michel F`oucault aparecem.
Bste trabalho, eles o fizeram com uma visada etica que. de
maneira muito justa, parece-me. chamaram de intervencao mi-
nima. Para isto. a edicao francesa de Defert e Ewald apresentou
os textos segundo uma ordem puramente cronol6gica. Este cui-
dado nao impediu os autores de reconhecerem que a reuniao dos
textos produziu algo de inedito. 0 conjunto destes textos constitui
urn evento tao importante quanto o das obras ja publicadas. pelo
que complementa, retlfica ou esclarece. As numerosas entrevistas
- quase todas nunca publicadas em portugues - permitem atua-
lizar os ditos de Foucault com relacao a seus contemporaneos e
medir os efeitos de intervenc6es que permanecem atuais, no
ponto vivo das questoes da contemporaneidade. sejam elas filo-
s6flcas. Iiterarias ou hist6ricas. A omissao de textos produz. por
outro lado, efeitos de interpretacao, inevitaveis tratando-se de
uma selecao.
A edicao brasileira dos Dttos e escritos e uma ampla selecao
que tern como objetivo tornar acessivel ao pdblico brasileiro o
maior ntlmero possivel de textos de F`oucault que nao estivessem
ainda editados em portugues. Como nao mos era possivel editar
integralmente todos os textos, optamos por uma distribuieao
tematica em alguns campos que foram objeto de trabalho de
F`oucault. Asslm. este volume, o primeiro da serie, concentra-se
em torno da tematica da psiquiatria. da psicologia e da psicana-
lise. A relacao complexa com as teorias classicas da razao e do
sujeito desdobra-se. ai. numa problematica que atravessou mo-
mentos diferentes.
A pergunta sobre o que entendia como "hist6ria das problema-
ticas" F`oucault respondera: "Durante muito tempo procurei saber
se seria possivel caracterizar a historia do pensamento dis-
tingulndo-a da historia das ideias - quer dizer, da analise dos
sistemas de representac6es - e da hist6ria das mentalidades -
quer dizer, da analise das atitudes e dos esquemas de comporta-
mento. Pareceu-me que exlstia urn elemento que era capaz de
caracterizar o que n6s poderiamos chamar os problemas ou, mats
exatamente, as problematizae6es. 0 que distingue o pensamento
e que ele e algo inteiramente diverso do conjunto das repre-
sentac6es que subentendem urn comportamento; ele e algo intei-
ramente diverso do dominio das atitudes que podem determina-
lo. 0 pensamento nao e o que habita uma conduta e lhe da urn
Apresentacao Vll
sentido; e mais exatamente o que permite tomar distancia com
relacao a esta maneira de fazer ou de reagir, de da-1o para si como
objeto de pensamento e interroga-1o sobre seu sentido, suas
condic6es e seus fins. 0 pensamento e a liberdade com relacao
ao que se faz, o movimento pelo qual disto mos distanciamos. o
constituimos como objeto e refletimos sobre ele como problema"
(PoiemiccL Politico e Problerratizcap6es, vol. V desta obra).
Textos sobre a psicologia da decada de 50, o grande prefacio a
obra de Binswanger, pouco conhecidos, assim como outros mais
recentes podem dar ocasiao a uma leitura renovada do trabalho
de Foucault e a inclusao no debate te6rico. filos6fico, cientifico,
clinico e politico de problemas atuais com que nos debatemos.
A problematizacao do sujeito se desdobra. pelo memos. em dois
momentos crucials no trabalho de F`oucault. Urn deles esfa
associado a questao da "morte do homem" ou do que Georges
Canguilhem chamou o esgotamento do "coglto". Na arqueologia
das cienciashumanas que construiu no seu grande livro As
pahauras e as coisas, F`oucault punha em questao o estatuto de
ciencias das disciplinas que se reclamavam de uma antropologia
filos6fica ou da tradicao do cogito, que no pensamento filos6fico
contemporaneo encontrava seu ponto de articulacao mais recente
na fenomenologia. F`oucault atribui ai a psicanalise urn lugar
privilegiado. 0 privilegio desta disclplina, e especialmente da obra
de Freud, diz respeito a sua posicao no conjunto dos saberes que
organizam a episteme de nossa epoca. "F`reud e o produtor de
uma empresa radical de apagamento da partilha entre `o negativo
e o positivo, o normal e o pato16gico, do compreensivel e do
incompreensivel. do significante e do lnsignificante.. E e assim
que todo este saber em cujo interior a cultura ocidental dera para
si uma certa imagem do homem gira em torno da obra de F`reud"
(Les rnots et les choses, Paris, Editions Gallimard, 1966, p. 372).
A psicanalise aparece na configuracao do saber contemporaneo
abrindo urn novo espaco ao mesmo tempo te6rico e pratico de
uma nova epoca hist6rica. E esta que anuncia o fechamento da
heranca do seculo }nx ou, em outros termos, do sistema de
pensamento que se iniciara com o pensamento de Kant. Ela
consagra o creptisculo das psicologias, das sociologias e, em
tlltima insfancia, da autropologia fllos6fica.
A uma pergunta do fll6sofo Badiou sobre a possibilidade de a
psicologia ser capaz. como as ciencias exatas. de fazer sua pr6pria
filosofla responde que este papel cabe, nas chamadas ciencias
humanas, a psicanalise e a antropologia. E mais: "que depois da
analise de F`reud, alguma coisa como a analise de Lacan foi
Vlll Michel F`oucault -Dltos e Escritos
possivel. que depois de Durkheim, alguma coisa como I,evi-
Strauss foi possivel, tudo isso prova, de fato, que as ciencias
humanas estao prestes a instaurar com elas pr6prias e para elas
pr6prias uma certa relacao critica que nao deixa de fazer pensar
na relacao que a fisica ou as matematicas exercem quanto a elas
pr6prias; o mesmo para a lingtiistlca. (...) Nao se trata de uma
filosofia da psicanalise ou da antropologia mas de uma relaeao
reflexiva da ciencia consigo mesma" (nlosoJia e Pstoolqgia, neste
volume).
Respondendo a Madeleine Chapsal, que lhe perguntava onde
estamos, Foucault respondia estarmos muito longe da geracao
precedente, da geracao de Sartre e de Merleau-Ponty. . . A oposieao
de F`oucault a fllosofla de Sartre e que esta constitui uma moda-
1idade de hermeneutica, uma filosofia do sentido. Para Michel
F`oucault, a ruptura ocorrera com a obra de Lacan e Levi-Strauss,
quando Lacan sobre o inconsciente mostrara que do sentido
somos efeito de superficie, urn reflexo, uma espuma, e o que mos
sustentava no tempo e no espaco era o sistema. "A importancia
do trabalho de hacan advem de ele mostrar que atraves do
discurso do paclente, de sua neurose, sao as estruturas, o
sistema mesmo da linguagem - e nao o sujeito, que falam" (Dits
et Gcrus, vol.I, nQ 37, ps. 513-514, da edicao francesa).
E F`oucault generaliza para as tres orientac6es de pensamento
que foram para ele fundamentais: a de hacan. a de Levi-Strauss
e a de Georges Dumezll - "todas aparentemente pertencendo as
ciencias humanas. porem de fato apagando a imagem tradicional
que tinhamos do homem. tornando indtil mesmo a heranca mais
pesada do seculo XIX, o humanismo" (Ftlosojia e PsteolQgta. neste
volume).
Se em Lacan nao se trata de negacao do sujeito, mas da
dependencia do sujelto em relacao ao significante. em Foucault
trata-se de uma oposicao a tradicao que identifica o cogito e o
sujeito contra o inconsclente.
guando mals tarde F`oucault publicara Voritede de saber, ele o
fafa como parte de uma hist6ria da sexualidade que devera
funcionar como uma genealogia da psicanalise. Neste momento,
F`oucault apaga a ruptura inaugural da psicanalise em beneficio
de uma continuidade da pratica analitlca com a pfatica religiosa
da conflssao.
No entanto. F`oucault modificou radicalmente de novo sua
problematica a partir do Uso c[os prazenes, e a nocao de sujeito
volta a ser urn ponto focal de seu trabalho. Sob a egide da
problematizacao, eis como ele define esta etapa de seu trabalho
Apresentacao lx
e redefme o trabalho que realizara antes: "analisar nao os com-
portamentos nem as ideias, nao as sociedades nem suas ideolo-
gias... mas as problematizac6es atraves das quais o ser se da como
podendo e devendo ser pensado e as praticas a partir das quais
elas se formam. A dimensao arqueol6gica da analise permite
analisar as formas mesmas da problematizapao; sua dimensao
geneal6gica, sua formacao a partir das praticas e suas modifi-
cac6es. Problematizacao da loucura e da doenca a partir de
praticas sociais e medicas, definindo urn certo perfil de "norma-
1izacao" problematizacao da vida, da linguagem e do trabalho em
praticas discursivas que obedecem a certas regras "epistemicas";
problematizacao do crime e do comportamento criminoso a partir
de certas praticas punitivas que obedecem a urn modelo "disci-
plinar" (L'usage des p[aisirs, Editions Gallimard, ps. 17-18). E
agora eu gostaria de mostrar como na Antigtlidade a atividade e
os prazeres sexuais foram problematizados atraves das praticas
de si, pondo emjogo os criterlos de ``uma estetica da existencia".
Esta problematizacao e, na verdade, o objeto de uma investigacao
que renova radicalmente a etica na medida em que e "uma
hist6ria das problematizac6es eticas feita a partir das praticas de
si" (L'usage c!es phaistrs, Editions Gallimard, ps.18-19).
A edicao brasileira e bern mais ampla do que a americana, em
curso de publicacao, e tambem do que a italiana. Sua diagrama-
cao segue praticamente o modelo frances. A dnica diferenca
significativa e que na edicao francesa a cada ano abre-se uma
pagina e os textos entrain em seqtiencia numerada (sem abrir
pagina). Na edicao brasileira, todos os textos abrem pagina e o
ano se repete. Abaixo do titulo hi uma indicacao de sua natureza:
artigo, apresentacao, prefacio, conferencia, entrevista, discussao,
intervencao. resumo de curso. Esta indicacao, organizada pelos
editores. foi mantida na edicao brasileira. assim como a referencia
bibliograflca de cada texto, que figura sob seu titulo.
A edieao francesa possui urn duplo sistema de notas: as notas
numeradas foram redigidas pelo autor e aquelas com asterisco
foram feitas pelos editores franceses. Na edicao brasileira, ha
tambem dois sistemas, com a diferenca de que as notas numera-
das compreendem tanto as originals de Michel F`oucault quanto
as dos editores franceses. Para diferencia-1as, as notas do autor
possuem urn (N. A.) antes de iniciar-se o texto. Por sua vez, as
notas com asterisco, na edicao brasileira, se referem aquelas fei-
tas pelo tradutor, e vein com urn (N. T.) antes de iniciar-se o texto.
Esta edicao permite o acesso a urn conjunto de textos inaces-
siveis, fundamentais para pensar quest6es cruciais da cultura
X Michel F`oucault - Ditos e Escrltos
contemporanea e, ao mesmo tempo. medir a extensao e o alcance
de urn trabalho. de urn u)ork iriprqgress dos mais importantes da
hist6ria do pensamento em todas as suas dimens6es, eticas,
esteticas, literatlas. politicas, hist6ricas e filos6ficas.
Manoel Barros da Motta
Sumato
Cronologia.....................................1
1954 -Introducao (in Binswanger) ................... 65
1957 -A Psicologia de 1850 a 1950 .................. 122
1961 -Prefacio (Fo[ie et d6raison) .................... 140
1961 -A I,oucura S6 Existe em uma Socledade ......... 149
1962 -Introducao (in Rousseau) .................... 151
1962 -0 "Nao" do Pal ............................ 169
1962 -0 Clclo das Ras ........................... 184
1963 -A Agua e a Loucura ......................... 186
1964 -A Loucura,a Ausencia da Obra ................ 190
1965 -Filosofia e Psicologia ........................ 199
1970 -Icoucura, Literatura, Sociedade ................ 210
1970 -A Loucura e a Sociedade ..................... 235
1972 -Resposta a Derrida ......................... 243
1972 -0 Grande lnternamento ..................... 258
1974 -Mesa Redonda sobre a Experftse Psiquiitrica ..... 269
1975 -A Casa dos Loucos ......................... 281
1975 -Bancar os Loucos .......................... 287
1976 -Bruxaria e Loucura ......................... 290
1977 -0 Asilo Ilimltado ........................... 294
1981 -Ifacan, o "Libertador" da Psicanalise ............ 298
1984 -Bntrevista com Michel F`oucault ............... 300
0rganizacao da Obra -Ditos e Escritos ............... 313
Cronologia
-Qunl a entao este momento taofirdgtl do qual ndo podenros
separar rrossa identidade e que a leucu.a com ele?"
Michel Foucault (vcr ng 266, vol. Ill
da edicao francesa desta obra).
1926
0utubro, dia 15. nascimento de Paul-Michel F`oucault, em Poitiers.
rua da Visitation n910, mais tarde rua Arthur-Ranc, filho de Paul-Andre
F`oucault. doutor em medicina, condecorado com a cruz de guerra,
nascido em F`ontainebleau, a 23 de julho de 1893, e de Anne-Marie
Malapert, nascida em Poitiers, a 28 de novembro de 1900. Cirurgiao no
hospital pdblico de Poitiers, o Dr. Paul Foucault foi urn anatomista
brilhante, segundo o vir6logo Luc Montagnier, que acompanhou seu
ensino na escola de medicina de Poitiers. Ele pr6prio era filho do Dr.
Paul F`oucault, medico em F`ontainebleau, este, por sua vez, filho do Dr.
F`oucault. medico dos pobres em Nanterre, onde uma rua lembra seu
nome e suas obras.
inne Malapert, rilha de cirurgiao - seu pal ensinava na escola de
medicina de Poitiers -, guardou sempre o lamento de ter nascido muito
cedo para que o estudo da medicina fosse conveniente a uma mulher.
Casados desde 1924, tinhaln uma filha, F`rancine, nascida em 1925. Se
a familia paterna e cat6lica e mesmo devota. a familia materna. mais
liberal. tende a urn voltairianismo de born-tom. A irma do pal e mis-
sionaria na China. o irmao da mac e farmaceutico no Peru.
1930
Bntra no jardim de infancia do liceu Henri IV de Poitiers. com uma
permissao especial devido a sua idade. para nao ser separado de sua
irma mais velha.
De 1932 a 1936 freqtlenta o primario do liceu.
1933
/aneiro, dia lQ, nascimento de seu irmao, Denys, que se tornara
cirurgiao.
2 Michel Foucault - Ditos e Escritos
1934
/ulho, dia 25, assassinato do chanceler Dollfuss pelos nazistas
austriacos: "Foi meu primeiro grande pavor concernente a morte" (ver
n9 336. vol. IV da edi¢ao francesa desta obra).
1936
Chegada de uma governanta inglesa na familia para "falar com as
criancas": ela ficafa com eles ate o final da guerra. Bntrada de Paul-Mi-
chel na sexta serie do liceu Henri IV de Poitiers, onde se aproxima das
primeiras criancas refugiadas da Espanha.
1937
Paul-Michel surpreende seu pal, que lhe prometia urn futuro de
cirurgiao, anunciando que sera professor de hist6ria. "Status familiar-
mente inaceitavel, comentava F`oucault, a nao ser est.ando na Sorbonne
como o primo Plattard" -especialista conceituado de Rabelais.
0 Ministerio da Satide substitui o "bonito nome asilo", dado por
Esquirol, por "hospital psiquiatrico''.
1940
Maio, as criancas da familia F`oucault sao enviadas a propriedade
familiar de Vendeuvre-du-Poitou, junto a sua av6 Raymond-Malapert,
enquanto o exercito alemao invade a F`ranca.
Ji[nho, a familia acolhe na casa de Poitiers seus parentes parisienses
em exodo. No dia 16, Petain pede a inlerrupcao dos combates e substitui
a repdblica por uma "nova ordem" colaboracionista. A casa da ramilia
em Vendeuvre e parcialmente requisitada pelos oficiais alemaes ate a
aberlura do /rout russo.
OLtlubro, a ausencia de professores. a aglomeracao dos estudanles
parisienses em Poiliers desorganlzam a vida do liceu: a familia coloca
Paul-Michel no colegio Saint-Stanislas, dirigido pelos padres das escolas
cristas.
1942
Juriho, passa mos exames, com uma permissao devido a sua idade,
da primeira parte do bacharelado classico.
Outono, seu professor de filosofia do colegio Saint-Stanislas e depor-
tado por participar da resistencia. Sua mac lhe propicia aulas particu-
lares dadas por urn estudante de filosofia, Louis Girard - mais tarde
conhecido em Poitiers por suas explicac6es do Marti/esto cornLtnista -
Cronologia 3
enquanto faz com que o colegio recrute urn beneditino da abadia de
Liguge. Dom Pierro, para all ensinar filosofia.
1943
0ulubro. bacharel na classe preparat6ria no liceu Henri IV de Poitiers
para a preparacao do concurso de entrada para a Escola Normal
Superior.
1944
Junho. bombardeio allado em Poitiers pouco antes de sua libertacao.
1945
0Lttubro, depois de ter sido reprovado no concurso para entrar na
Escola Normal. entra na classe preparat6ria do liceu Henri IV de Paris.
Jean Hyppolite, tradutor da Fenomenologici do espiri[o. de Hegel
(Aubier,1939-1943). ali ensina filosofia. As notas altas que Hyppolile da
as dissertac6€s de F`oucault inauguram sua reputa¢ao rilos6fica.
Dezembro, casamento de sua irma, Francine, de quem permanecera
muito pr6ximo.
1946
Marco, dia 5, Wiston Churchill declara, no Westminster College. em
F`ulton (Missouri): "Uma cortina de ferro caiu sobre o continente."
Jrulho, Paul-Michel F`oucault a recebido na Escola Normal Superior.
Verdo, vexado por ter tropecado numa citacao durante a prova oral
da Escola Normal, poe-se a estudar o alemao seriamente.
George Bataille funda a revista Crt£.ique.
•Ter vinte anos no dia seguinte a guerra mundial (...) mudar radical-
mente uma sociedade que deixara acontecer o nazismo" (vcr n9 281, vol.
IV da edicao francesa desta obra).
Na Escola Normal. F`oucault far, alguns lac:os de amizade e solidarie-
dade definitivos. com certos condiscipulos seus: Maurice Pinguet` Robert
Mauzi, Pierre Bourdieu. Jean-Claude Passeron. Jean-Pierre Serre. Paul
Veyne etc. Os anos na Bscola Normal conslituem urn periodo inJ.eliz para
Foucault, pouco a vontade com seu fisico e sua inclinacao sexual.
1947
Maurice Merleau-Ponty, professor na faculdade de Lyon, torna-se
professor auxiliar de psicologia na Escola Normal, ou seja. encarregado
4 Michel Foucault - Ditos e Bscritos
de preparar os alunos para o concurso de professores. Seu curso sobre
a uniao da alma e do corpo em Malebranche, Maine de Biran e Bergson
determina o primeiro projeto de tese de F`oucault sobre o nascimento da
psicologia com os p6s-cartesianos.
F`racasso da conferencia de Moscou sobre a Alemanha: inicio da
guerra fria.
1948
Foucault recebe sua licenciatura de filosofia na Sorbonne.
OutL[bro, Louis Althusser, de volta a Bscola Normal em 1945 depois
de passar cinco anos no campo de prisioneiros (suboficiais) na Alema-
nha. torna-se professor auxiliar de filosofia e entra no Partido Comunista
no contexto da convocacao de Estocolmo. Em sua autobiografia (L'ciL)eri{r
dure [origtemps, Paris. Stock, 1992), ele relata que "a vida filos6fica na
Escola nao era particularmente intensa: estava na moda atingir e
desdenhar Sartre".
Dezembro, o caso Lyssenko explode. A relacao entre as coisas ditas e
suas condi¢6es de determinacao externa, doravante. apaixona os fil6so-
fos e os cientistas. Ciencia burguesa e ciencia proletaria se confrontam
no seio da Bscola Normal, principalmente no ensino dos fil6sofos
husserl-marxistas Jean-Toussanti Desanti e Tram Duc Thao. f`il6sofo e
patriola vielnamita, "as duas esperancas de nossa geracao'`. segundo
Allhusser. Tenlaliva de suicidio de Michel F`oucault (relatada por Mau-
rice Pinguet em Le d6bat, n9 41. setembro-novembro de 1986).
1949
Maurice Merleau-Ponty.eleito professor de psicologia na Sorbonne,
da seu famoso curso sobre "Ciencias do homem e fenomenologia", ao
mesmo tempo em que faz conhecer F`erdinand de Saussure aos normalis-
tas, dando a F`oucault o gosto por aquilo que ele chamara de o pensa-
mento formal, opondo-o ao estnituralismo. `.Ble exercia sobre n6s uma
fascinacao" (comentario de F`oucault relatado por Claude Mauriac em If
terrips immobile, Paris, Grasset, 1976, t.Ill, p. 492).
Feueretro, gra¢as aos seus conhecimentos dos testes 6pticos, ele se
l`az ter baixa no exercito pela rna visao.
F`oucault recebe a licenciatura de psicologia, criada em 1947. Periodo
em que se alternam para ele trabalho e angtistia violenta; tentado pelo
alcool, comeca uma psicoterapia: "A leitura de F`reud lhe sugere que
lalvez seja de boa e saudavel moral nao ceder sobre a verdade do desejo"
(Maurice Pinguet. If d6bcif, nQ 41). Ele redige seu diploma de estudos
superiores de filosofia sobre Hegel, sob a orient.a¢ao de Jean Hyppolite.
Cronologia 5
1950
F`oucault adere ao Partido Comunista. Mais tarde confidenciou que a
guerra da Indochina foi determinante em sua decisao. Todavia, ele nao
fara nenhuma alusao a estas circunstancias nas entrevistas em que
comenta esse periodo de sua vida. Em fevereiro-marco de 1950, os
normalistas comunistas estavam efetivamente muito mobilizados contra
a guerra dai Indochina. F`oucault vive muito mal as press6es que o PCF
(Partido Comunista F`rances) exerce, entao, sobre a vida privada de
Althusser para que este rompa com sua futura mulher, Helene Legotien.
Jrunho, dia 17, nova tentativa de suicidio. Bin sua biografia de
Althusser (Paris, Grasset.1992). Yann Moulier-Boutang relata 11 epi-
s6dios de suicidios entre os alunos da Bscola Normal durante 18 meses,
entre 1952 e 1955. Bmbora hesitasse em recorrer a psicanalise. Fou-
cault frequentou por certo tempo urn Dr. Gallot. Em 23 de junho, a urn
amigo que se preocupa ele escreve: "Deixe que eu me cale... deixe que
eu me reabitue a olhar em frente, deixe-me dissipar a noite da qual tomei
o habilo de cercar-me em pleno meio-dia." No dia 24, urn posto de
assistente prometido na Sorbonne lhe e subitamente barrado devido aos
seus engajamentos politicos, assim ele o ere.
0 mtlsico Gilbert Humbert, aluno de Messiaen, testemunho mais
proximo dos anos 1950-1952, se lembra de umjovem inquieto, recitando
de cor Vigny, Musset, Eluard. Nerval e devorando Saint-LJohn-Perse.
Husserl, Jaspers e Bergson. Ele relata tambem a tentacao das "expe-
riencias-limite'. a maneira de Bataille. Bvocando a mesma epoca, Mau-
rice Pinguet escreve: ..Minha primeira imagem de Michel F`oucault, urn
jovem risonho de gestos vivos, urn olhar claro e vigilante por tras das
lentes sem armacao: entendi en passant que se tratava do Dasein, do
ser para a morte: ouvi urn de meus camaradas declarar doutamente:
•F`oucault e inteligente como todos os homossexuais.' Prova de que ele
nao conhecia muitos." (Ire c{6bat. ng 41).
/Ltlho, fracasso no concurso para professores, o que inquieta seus
condiscipulos, entre os quais circula o fantasma de uma caca as bruxas
comunislas. Isto aproxima F`oucault de Althusser. Passa o verao es-
tudando Plotino com G. Humbert. discute as teses entao desenvolvidas
na URSS por Andrei Jdanov. amplamente expostas em La noLtuelle
critiqLie ou. de modo mais matizado. no Jornal de Aragon, Les lettres
/rcin€ciises, segundo as quais toda tecnica pralicada no Oest.e em mtisica.
filosofia. 1iteratura. na arte em geral, e referida a urn formalismo
burgues. Ele gosta de Mozart e Duke Elington.
Agosto, viagem de estudos a G6ttingen.
Oufubro. La nouuelle critique ataca Hyppolite e denuncia o retorno a
Hegel como a dltima palavra do revisionismo universitalio.
Breve tratamento de desintoxicacao; ``retorno de urn lugar urn pouco
distante", escreve ele. Ele discute com seu pal sobre uma eventual
hospitalizaeao em Saint-Anne. Dissuadido por Louis Althusser. que all
fe7, uma primeira experiencia em 1947. Esforca-se para ser urn "born
6 Michel F`oucault - Ditos e Bscritos
comunista", escreve no jornal dos estudantes comunistas e vende
L'h.umantte.
1951
Cogita deixar a F`ranca assim que termine seus estudos. Pensa na
Dinamarca. Le Kafka e Kierkegaard - explicado na Sorbonne por Jean
Wahl, tamb€m urn grande iniciador da filosofia alema -, Heidegger,
Husserl e Nietzsche. Pensa tambem em deixar o PCF`.
/unho, dia 19, visita Georges Duhamel para apresentar sua candida-
tura a fundacao Thiers, dnica possibilidade de obter urn status de pes-
quisador sem cumprir dois anos de ensino. No dia 14, conhece Pierre
Boulez durante uma estada na abadia de Royaumont, onde Boulez afir-
ma que cada compositor foi influenciado por urn escritor, e ele por Joyce.
Agosto, e recebido no concurso para professores de filosofia. Sorteia,
como tema da principal exposicao, "a sexualidade", proposto por Georges
Canguilhem. Ble confidencia a Gilbert Humbert que ha tres anos nao e
mais comunista.
Oufubro, torna-se professor auxiliar de psicologia na Escola Normal,
onde suas aulas da segunda-feira a noite tornam-se rapidamente muito
freqtientadas. Durante anos elas sao assistidas por Paul Veyne, LJacques
Derrida, Jean-Claude Passeron, Gerard Genette e Maurice Pinguel.
Participa como psic6logo dos trabalhos do laborat6rio de eletroence-
ralografia do Dr. Verdeaux e de sua mulher, Jacqueline, conhecida em
Poiliers durante a guerra no servico do Pr. Jean Delay no hospital
psiquiatrico Saint-Anne.
Pensionista na fundacao Thiers. comeca sua tese sobre os p6s-carte-
sianos e o nascimento da psicologia. Apaixona-se por Malebranche e
Maine de Biran. F`reqtienta lgnace Meyerson, diretor do Journal cze
psgchotogie normale et pathotogique.
0 Dr. Morichau-Beauchant. primeiro frances a aderir a Sociedade
Internacional de Psicanalise (carta a F`reud, de 3 de dezembro de 1910),
autor do primeiro artigo de psicanalise publicado na F`ranca ("Ire rapport
affectif clans la cure des psycho-nevIoses", Gazette des h6pitaujc, 14 de
novembro de 1911), amigo da familia F`oucault em Poitiers, lhe envia sua
colec:ao das primeiras revistas de psicanalise.
Leitura de Heidegger. Doravante, nas dobras dos panfletos da celula
comunista da Escola Normal, comeca a acumular notas, organizadas
como planos de conferencia, sobre Heidegger e Husserl.
1952
Exerce as func6es de psic6logo no servico do Pr. Delay, onde Henri
Laborit faz experimentar o primeiro neuroleptico, alvorada de uma
revolucao psiquiatrica.
Cronologia 7
Mdio, lnicio de uma relacao intensa com o compositor Jean Barraque
(1928-1973). -Bstranha personalldade a desse mtislco que nao hesita-
mos em designar como a mals lmportante figura da mdsica contempo-
ranea depois de Debussy (...), a mais dellrante liberdade sob o controle
mais severo de uma pena", escreve sobre ele Andre Hodelr ("A mtisica
ocidental p6s-weberiana", Esprit, ndmero especial. janeiro de 1960).
"Adoravel. feio como urn piolho, loucamente espiritual, sua erudicao em
materia de rrrauuais garcons se aproxlma da enciclopedia. Eis-me intei-
ramente desconcertado ao me sentir convidado por ele para explorar urn
mundo que eu lgnorava ainda. onde vou passear meu sofrimento",
escreve F`oucault a urn amlgo, segundo o qual, aquele. percebido pela
jovem mdsica como o tinico rival possivel de Boulez, produziu "uma
mutacao" sobre o jovem fil6sofo: a saida do tormento.
Junho, recebe seu diploma de psicopatologia no lnstltuto de Psicologia
de Paris.
Oufubro. sai da fundacao Thlers e toma-se assistente de psicologia
na F`aculdade de Letras de Lllle, onde, segundo G. Canguilhem. A.
Ombredane. o tradutor de Rorschach , procurava alguem competente em
psicologia aperlmental. Deixa o Partldo Comunlsta como assentimento
de Althusser. 0 caso das .`blusas brancas", que revela o anti-semitismo
da URSS, no qual os medicos judeus ditos "sionlstas" sao acusados de
compl6 contra Stalin, crlstallza o mal-estar que F`oucault sentia no seio
do PCF`. 0 fato de urn estudo sobre Descartes. encomendado pelo Partldo,
ter sido amplamente podado para ser publicado acabou por exaspera-1o.
Estuda com Maurice Pinguet o surrealismo.
1953
Jraneiro, F`oucault assiste a uma representacao de En attendant Goc{ot,
considerada por ele como uma ruptura. "Depois eu li Blanchot, Ba-
taille..." (vcr ArqueolQgia de uma Paixdo, vol. Ill desta obra). F`oucault
compartilha com BaITaque seu entusiasmo por Nietzsche, o qual desco-
bre, e Barraque compartllha o seu pela mdsica serial. por Beethoven e
pelo vinho. Apresenta no ctrculo dos alunos comunistas da Escola urn
breve ensalo de psicologla materlallsta insplrado em Pavlov, redigido
sobre uma proposlcao de Althusser. Segue em Saint-Anne o seminario
de Jacques Iacan.
Morco., dia 5, morte de Stalin.
Barraque remaneja Sequences, composto em 1950 sobre textos de Rim-
baud, substituindo-os por textos de Ecce homo e poesias de Nietzsche.
0 entusiasmo de Foucault por Char suplanta definitivamente o que
sentia por Saint-John Perse. Leitura intensiva da psiquiatria alema do
entre duas guerras sobre a qual acumula notas e traduc6es, e igual-
mente sobre a teologla (Earth) e a antropologla (Haeberlln). Traduz sem
publica-1os casos e artlgos de Binswanger (1881-1966), dos quais "0
delirio como fen6meno biograftco".
8 Michel Foucault - Ditos e Escritos
/unho, Daniel Lagache, Juliette F`aivez-Boutonnier e F`rancoise Dolto
criam a Sociedade F`rancesa de Psicanalise a qual I.acan se agrega.
Jacqueline Verdeaux e F`oucault visitam Binswanger na Suica; ele, in-
trodutor da Daseincirtakyse de Heidegger na pratica psicanalitica e psiquia-
trica. Ambos empreendem a traducao de seu texto iniciador da psiquiatria
existencial. Troum und Erdsteriz. No hospital de Mtinsterlingen, junto ao
psiquiatra Roland Kuhn, assistem a uma festa de carnaval dos loucos.
Foucault trabalha a interpretacao das pranchas de Rorschach a partir
das conferencias de Kuhn, que serao traduzidas por J. Verdeaux e pre-
l-aciadas por Bachelard. Estuda os manuscritos de Husserl entao confia-
dos por Van Breda a Merleau-Ponty e Tran Duc Thao, na rua do Ulm.
Recebe o diploma de psicologia experimental no lnstituto de Psicologia.
Jrulho, "(Bebe) muit,o, (nao mais esta) infeliz, mas (esta) mais sozinho
que antes. Substitui Althusser (como professor auxiliar de filosofia na
Escola Normal) e nao ten mais tempo de trabalhar para (si)", escreve ele
a urn amigo. Redige urn longo artigo sobre a constituicao da psicologia
cientifica (vcr A Ps{co[ogia c!e ]850 a J950. neste volume). Pensa em
romper com urn modo de vida no qual apenas a inteligencia de Bar-
ranque o impede.
Roland Barthes publica If degte zero de l'6criture.
Agosto, viagem a Italia com Maurice Pinguet, que relata: "Hegel, Marx,
Heidegger, F`reud, tais Cram em 1953 seus eixos de referencia quando
se deu o encontro com Nietzsche (...) vejo Michel lendo ao sol, na praia
de Civitavecchia, as ConsidGrcitioris interripestiues (...). Mas, desde 1953,
o eixo de urn projeto de conjunto se desenhava" (1€ dGbcit, n9 41).
F`oucault freqtlentemente disse que chegara a Nietzsche atraves de
Bataille, e a Bataille atraves de Blanchot,. Mais tarde, ele dira que ele lhe
fora revelado por Heidegger. Em uma passagem nao publicada das
entrevistas de 1978 com Trombadori (vcr n9 281, vol. IV da edicao
francesa dest.a obra), F`oucaull confidenciava: ..o que me fez bascular I.oi
urn artigo que Sartre havia escrito sobre Balaille antes da guerra, que li
ap6s a guerra, e que era urn tal monumento de incompreensao, injustica
e arrogancia, de rancor e de agressividade que, depois deste momenlo,
me tornei irredutivelmente a favor de Batallle e contra Sartre...
Setembro, hacan pronuncia seu famoso discurso de Roma sobre "F`uncao
e campo da palavra e da linguagem em psicanalise... Gilles Deleuze publica
Erxptrisme et sul2/.ecttijif6, seu primeiro livro, dedicado a Jean Hyppolite.
Outubro, Foucault da em Lille urn curso sobre ..Conhecimento do
homem e reflexao transcendental", e algumas aulas sobre Nietzsche. 0
Nietzsche que o apaixona e aquele dos anos 1880. Em seu seminario da
Escola Normal, ele explica F`reud e a ArlthJ-opo{og{e de Kant.
1954
Jraneiro, em Paris. criacao da Arcadia, primeira associacao dita "ho-
m6fila'., cujos modos de acao sao inspirados na franco-maconaria (vcr
0 Verc{ndciro Sexo, vol. V desta obra).
Cronologia 9
Abri{,1ancamento de Mdradie meritale et personnal{t6 (PUF`), pequeno
livro encomendado por Althusser para uma colecao destinada aos
estudantes. "A verdadelra psicologia. escreve F`oucault ao concluir. como
toda ciencia do homem, deve ter por objetivo desaliena-lo." Pinel ainda
liberta os acorrentados de Bicetre. Se a psiquiatria existencial de
Binswanger e comentada, a segunda parte da obra e uma exposicao
apologetica da reflexologia de Pavlov. Em seus T€tulos e traba[hos (vcr n9
71, vol. I da edicao francesa desta obra). F`oucault da sempre como data
desta obra 1953. guase simultaneamente, e publicada sua longa intro-
ducao a Troum unc! Erdsterng, de Binswanger. na colecao de inspiracao
fenomenol6gica `Textos e estudos antropol6gicos". Desclee de Brouwer
(vcr Jntroducdo (in BinsLuanger) , neste volume).
Ainda enquanto assistente de psicologia em Lille e professor auxiliar
na Escola Normal, da urn curso sobre antropologia filos6fica: Stiner.
F`euerbach, Jacques Lagrange, que o assiste na Escola Normal, lembra-
se tambem da importancia dada a psicologia genetica (Janel, Piaget,.
Pieron, F`reud).
Medo do alcoolismo. Deseja romper com Jean Ban-aque, deixar a
Franca e distanciar-se de sua formacao anterior, o que, mais t,arde,
confidenciou a M. Clavel (Ce qLtej.e crois. Paris, Grasset. 1975).
No verso da c6pia datilografada de Malac{te men[a[e et personndrit6,
ele escreve urn texto sobre Nietzsche jamais publicado: "Existem tres
experiencias vizinhas: o sonho, a embriaguez e a insensatez", mais
adiante, ele acrescenta: `Todas as propriedades apolineas definidas em
L'orfg{rie de lci trag6d{e formam o espaco livre e luminoso da existencia
filos6fica." Em 1982. ele diz a Gerard Raulet "ter vindo a Nietzsche em
1953. na perspectiva de uma hist6ria da razao" (vcr Estruturaltsmo e
P6s-estruturci[ismo, vol. 11 desta obra).
Seu amigo. o numismata Raoul Curiel, da seu nome ao historiador
das religi6es Georges Dumezil, que procura urn leitor de frances para a
Suecia.
JrLt[ho, dia 20, os acordos de Genebra poem fim a guerra da Indochina.
Outubro. comeca urn curso sobre Fenomenologici e ps{colog[a. Dia 15
- Dumezil lhe indica por carta a vaga do cargo de leit,or e diretor da
Maison de F`rance em Upsalia, ocupado por ele pr6prio 20 anos antes.
"0 cargo e urn dos tap-j.obs das relac6es culturais. geralmente de futuro.
Ble foi ocupado por lingtiistas, historiadores. ril6sofos e futuros homens
de letras. Nao lhes falo da bibliot.eca, Carolina Rediviva. uma das
melhores da Europah nem da paisagem, a floresta estando a duzentos
metros da cidade."
IVouembro. desencadeamento da insurrei¢ao argelina.
1955
Entusiasmo de F`oucault e Barraque por La mort de Vlrgile, de
Hermann Broch, revelado por Blanchot. sobre o qual o mdsico compora
urn ciclo musical gigantesco em que trabalhafa ate 1968. "A mdsica
10 Michel F`oucault -Ditos e Escritos
representou para mim urn papel tao importante quanto Nietzsche",
confidenciou F`oucault (vcr n9 50, vol. I da edicao francesa desta obra).
Feuereiro, a revista Critique. na pessoa de Roland Caillois. comenta
Mdrcidte inentdre et personncil{t6: "i melhor que uma iniciacao.e urn
ajustamento (...). E surpreendente que o autor creia ter definido urn
materialismo em psicopatologia. Excelente positivismo clentifico, nao
implica em si nenhuma posicao metafisica. A palavra materialismo e
excessiva" (Critique. t. XI, ng 93, ps.189-190).
Agosto, dia 26, F`oucault e destacado por urn ano, pela Bducacao
Nacional. para assuntos estrangeiros.
Outono, ocupa o posto de Upsalia. A Franca reconstr6i entao suas
relac6es culturais. Washington, Moscou e Bstocolmo -devido ao Premio
Nobel ~ sao postos importantes. A administracao das relac6es culturais,
no quinto andar do gual d'Orsay. da muita importancia as advertencias
de F`oucault. que permanecera leitor no departamento de romanistik e
diretor da Maison de F`rance por tres anos. F`oucault se apaixona pelas
quest6es de organizacao e politica culturais, preocupacao que o acompa-
nhou durante toda a sua vida. A Maison de France torna-se muito
freqtientada, notadamente por Jean-Christophe Oberg, que deveria,
mais tarde, ter urn papel na iniciacao das negociac6es americano-viet-
namitas, e por Erie-Michel Nilsson, futuro cineasta da televisao a quem
foi dedicada a primeira edicao de Hist6rfa dci loucura - mas s6 almocava
la quem fosse capaz de recitar Rene Char. 0 bi6logo Jean-F`ran¢ois
Miquel, na epoca em Upsalia, relata que as conferencias de F`oucault a
afluencia era comum: dela parlicipavam T. Suedberg e A. W. K. Tiselins,
dois Premios Nobel em quimica com que contava a universidade.
IVoi;errtoro, Georges Canguilhem, fil6sofo e medico, antigo resistente
da rede de Jean Cavailles, sucede Gaston Bachelard na Sorbonne.
Dezembro, Foucault acolhe, na Suecia, Jean Hyppolite, que faz duas
conferencias: "Hist6ria e existencia" e "Hegel e REerkegaard no pensa-
mento frances contemporaneo".
Em Paris, no Natal. Robert Mauzi faz com que se encontrem Foucault
e Roland Barthes, ele pr6prio antigo funcionario da administra¢ao das
rela€6es culturais. Inicio de uma longa amizade.
1956
Aprendizagem da "longa noite sueca" em sua "amplidao de exilio": `.A
algumas centenas de metros, a floresta imensa onde o mundo recomeca
a genese: em Sigtrina, o sol nao nasce mats. Do fundo desta raridade
eleva-se apenas o essencial que amamos reaprender: o dia e a noite. o
anoitecer protegidos por qualro paredes, frut,os crescidos em parte
alguma e. de tempo em tempo, urn sorriso'. (carla a urn amigo -27 de
janeiro de 1956).
Colette Duhamel lhe encomenda, para as edic6es de La fable ronde,
uma breve hist6ria da psiquiatria, a qual ele pr6prio nao atribuia uma
finalidade universitaria, pretendendo, inclusive, nao mats pensar em
Cronologia 11
uma carreira na F`ranca. Urn Jaguar esporte branco de estofamento em
couro negro com o qual combinava suas roupas. recordes de velocidade
entre Bstocolmo e Paris assinalavam essa ruptura, o que ficara para
seus amigos como lenda de urn periodo dandi.
Toma conhecimento dos fundos medicos da biblioteca universitaria
de Upsalia. Da urn curso sobre o teatro frances; depois. uma serie de
conferencias sobre "0 amor de Sade a Genet" (e a epoca em que, em
Paris, Pauvert e processado por sua reedicao das obras de Sade).
Mcir€o. ..Tenho uma necessidade niet.zscheniaina de sol" (carla a urn
amigo). Em Upsalia, conhece Dumezil a quem estara ligado, durante
t.oda sua vida, por uma amizade filial. F`reqtlenta o laborat6rio cienlifico
de Tiselius e o Cyclotron de Svedberg. Trabalha tambem na traducao de
urn texto de neuropsiquiatria de Weizsacker. Acolhe o erudito dominica+
no A. J. F`estugiere, especialista em filosofia e espiritualidade gregas e
helenisticas. com quem mantefa contato durante toda a sua vida.
1957
Cansado das coac6es impostas aos doutorandos franceses a prop6-
sito da extensao de seus trabalhos, F`oucault decide sustentar uma tese
sueca, mais curta. Seu manuscrito sobre a hist6ria da psiquiatria. que
de fato se tornou a hist6ria da loucura, foi recusado pelo Pr. Lindroth,
que esperava uma abordagem mais positivista.
Aliuncia urn curso dedicado a experiencia religiosa na literatura
francesa de Chateaubriand a Bernanos. Todavia. pensa em partir para
F`rankfurt ou Hamburgo.
iJLt[ho, em Paris, onde todos os ver6es ele trabalha mos arquivos
nacionais e na biblioteca do Arsenal, descobre ha Ljue, de Raymond
Roussel, com o editor Jose Corti. que o aconselha a adquirir o conjunto
da edicao Lemerre que se tornou rara (vcr Arqueolog{a de Ltma Pciix:do,
vol.Ill desta obra).
Dezembro, acolhe Alberl Camus, vindo para receber o Premio Nobel
de literatura. Bin uma conferencia lembrada por Jean-F`rancois Miquel
como fascinante. mas que nao foi conservada, ele apresenta a obra do
grande representante do humanismo do p6s-gueITa ao pdblico de
Upsalia. F`oucault estava convencido de que os suecos queriam home-
nagear a Argelia e fizeram uma falsa analise das posi¢6es politicas de
Camus. Hyppolite le o manuscrito de Fo[ie et d6raisori. Aconselha-o a
converte-lo em tese francesa a ser submetida a Canguilhem.
1958
Feueretro, publicacao da traducao de Cycle de la structure, de Viktor
von Weizsacker, feita por F`oucault e D. Rocher, pelo editor Desclee de
Brouwer (col. "Bibliotheque de neuropsychiatrie'.). a partir da quarta
edicao. de 1948.
1 2 Michel Foucault - Ditos e Bscritos
Maurice Pinguet deixa a F`ranca e parte para o Japao. F`oucault pensa
em instalar-se em Hamburgo.
Mci{o. dia 30. retorna precipitadamente a Paris, com Jean-Christophe
Oberg, para estar presente aos acontecimentos politicos.
JrLtnho. dia 19, posse do general De Gaulle como chefe de governo.
Setembro, dia 28, a Franca adota por referendum a Constituicao da
V Reptiblica.
Outubro, F`oucault deixa Bstocolmo e parte para Vars6via, ainda
enormemente arruinada. E encarregado de reabrir, no seio da universi-
dade, o Centro de Civilizaeao Francesa. Inst2ila-se no hotel Bristol, em
cima do cafe intelectual da epoca. All, reescreve Fo{{e ef derci{son.
0 general De Gaulle. que se preocupa com a abertura politica no lesle`
lrala com toda deferencia a representacao diplomatica francesa na
Pol6nia. onde foi adido militar nos anos 30. Uma equipe muito gaullista
acompanha o novo embaixador, Etienne Burin des Roziers , companheiro
chegado do general. Progressivamente, F`oucault representa junto a M.
Burin de Roziers o papel de conselheiro cultural.
IVouernbro, "Voce sabe que Ubu* se passa na Pol6nia, ou seja. em parte
alguma. Estou na prisao, quer dizer, do outro lado. mas que e o pior. De
fora: impossivel entrar, esfolado contra as grades, a cabeca passada
apenas o suficiente para vcr os outros la dentro, andando em circulos.
Urn sinal, eles ja estao mais longe, nada se pode por eles, a nao ser
espreitar sua pr6xima passagem e preparar urn sorriso. Porem. entre-
mentes, eles receberam urn pontape e nao tern mais a forca ou a coragem
de responder. Esse sorriso nao esta perdido, urn outro o toma para si e,
desta vez. o 1eva com ele. Do rio Vistula sobem nevoas, sem cessar. Nao
se sabe mats o que e a luz. Alojam-me em urn hotel luxuoso socialisla.
Trabalho em minha `F`olie' que, nesse desfiar do delirio, corre o risco de
se tornar urn pouco mais o que eta sempre pretendeu ser" (carta a urn
amigo, 22 de novembro de 1958).
IvaLa!. remete o manuscrilo de Fo[ie et dGraison` tornado muito
espesso. para o lemido a. Canguilhem que delibera: "Ncio faca nenhuma
alleracao, e uma lese."
1959
Em Vars6via, na estima reciproca que se estabelece entre Burin des
Roziers e F`oucault, este constr6i. sobre as relac6es de De Gaulle com as
instituic6es e com a Argelia. convicc6es diferentes daquelas da esquerda
francesa que, entao. escande pelas ruas: "0 fascismo nao passara."
F`amiliar com Husserl e Brentano. F`oucault se liga a T. Kotarbinski,
herdeiro da tradicao semi6tica de Lvov -Vars6via. entao presidente daAcademia das Ciencias.
*(N. T.) Ubu Ref.. comedia burlesca e caricatural de A. LJarry.1896.
Cronologia 13
F`az conferencias sobre Appollinaire em Crac6via e em Gdansk. Pensa
em instalar-se em Berkeley, California, ou no Japao. onde se encontra
Maurice Pinguet. Freqtlenta diferentes ambientes poloneses franc6fo-
nos. Seus espessos manuscritos sobre o encarceramento e seu convivio
social inquietam a policia de Gomulka, que lhe arma uma cilada
utilizando urn jovem interprete, e exige sua partida.
Sefembrio, dia 14, morte de Dr. Paul F`oucault.
Oumbro. dia 19, destacado por tres anos para a Alemanha. Foucaull
deixa Vars6via para dirigir o lnstituto F`rances de Hamburgo.
1960
Escreve sua segunda tese: GenGse et structLtre de l'An[hropolog[e de
Kant. e traLduz Anthropotogie du point de uue pragmatique (estaL segunda
lese, nunca publicada. esta conservada sob a forma de datilograma na
biblioteca da Sorbonne).
FeL)erelro. prefacia Fo[te ef c{6raison. doravante terminado (vcr A
Lingucigem ao Jrt/in{to, vol. Ill desta obra).
Abril, Georges Canguilhem o recomenda a Jules Vuillemin, diretor do
departamento de filosofia da Universidade de Clermont.-F`errand, que lhe
prop6e urn posto de mestre de conferencias de psicologia. Isso pressup6e
a publicacao de Folte et d6rdrsori. Brice Parain, da Gallimard, recusa o
manuscrito. Philippe Aries -cuja H{stoire c{e Z'en/ant et de sa/arutl[e au
XVJJJ€ s{ecle comeca a modificar a historiografia francesa -o acolhe em
sua cole¢ao "Civilisations et mentalites`., nas edic6es Plon, sob o titulo
exato.. Fotie et derctison. Htstotre de lafiotie a L'age classique (zL pub\icaQao
e de maio de 1961) (vcr n9§ 346 e 347, vol. IV da edicao francesa desta
obra). Em Hamburgo. onde freqtlenta o africanista Rolf ltaliaander (vcr
n912. vol. I da edicao francesa desta obra), ele acompanha. as vezes,
Robbe-Grillet, Roland Barthes ou Jean Bruce - entao rei do romance
policial -pelos meandros do bairro dos prazeres de Sankt Pauli. F`az com
que se encene all uma peca de Cocteau.
Jrunho, dia 19, Cocteau lhe escreve em agradecimento.
OLttLtbro, eleit,o na F`aculdade de Clermont-F`errand. reinstala-se em
Paris. na rua Monge, n9 59. Robert Mauzi apresenta-lhe urn estudante
de rilosofia, Daniel Deferl, apenas ingressado na Escola Normal Supenor
de Saint-Cloud. que sera seu companheiro de 1963 ate a sua morte (vcr
nQ 308, vol. IV da edicao francesa desta obra).
F`oucault inicia uma vida muit.o especifica na Universidade F`rancesa:
viver em Paris e ensinar na provincia.
1961
Bin Clermont-F`'errand, alem de Jules Vuillemin. Foucault freqtienta
os fil6sofos Michel Serres, Jean-Claude Pariente e o historiador Bertrand
Gille. Em Paris. Iongas jornadas na Biblioteca Nacional onde, sob a
User
Typewriter
14 Michel Foucault -Ditos e Escritos
ctipula da sacada suspensa sobre a sala de leitura, ele sera visto
trabalhando anos a fio.
Mciio, dia 20. visando ao doutorado, apresenta na Sorbonne suas duas
teses: Kcirit, Anthrapologie, cuja introducao. traducao e nolas sao rela-
tadas por J. Hyppolite; e Fo[ie et c{6raison. Histoir€ de [a/o[te d l'dge
c[asstque, tese principal relatada por G. Canguilhem e D. Lagache.
Hist6rfa da [oucuro e saudado pelos historiadores Robert Mandrou e
F`ernand Braudel como uma contribuicao importante para a hist6ria das
mentalidades. Maurice Blanchot escreve: "Neste rico livro, insistente por
suas necessarias repetic6es. quase insensato, e sendo esse livro uma
tese de doutorado, assistimos com prazer a este choque entre a univer-
sidade e a desrazao" (IAI riouL)elle reLjuejrdncaise, n9106).
E nomeado examinador no concurso de entrada para a Bscola
Normal, da qual J. Hyppolite e o diretor.
No dia 31, inaugura uma serie de emiss6es radiofonicas de FYance-Cul-
ture sobre "Histoire de la folie et litterature", que prosseguirao ate 1963.
/ulho, morte de sua av6 Raynaud-Malaperl, a quem era muito
ape8ado.
No dia 22. entrevista no 1€ moride, na qual e apresentado como "o
inteleclual absoluto ejovem: fora do tempo" (vcr A Loucurci S6 Erdste em
Lirtici Sociec{crde. neste volume).
A heranca paterna lhe permite instalar-se na rua Dr. F`inlay, ng 13,
no dltimo andar de urn im6vel novo, cujos amplos vaos das janelas se
abrem. de urn lado, para o que em breve se tornara o moderno Front de
Seine e, do outro, para o espaco ainda baldio do antigo vel6dromo de
inverno.
IVoL)embro, dia 27, termina a redacao de 0 ricrsc{rrterito c{a clin{ca. que
apresentava como "remates" de Hist6rfa da loucura.
Dezembro, dia 25, comeca a redacao de Raumond Rousse[.
1962
Pressionado pelo editor para reeditar Ma[adie mentdre etpersorinalit6,
F`oucault reescreve inteiramente a segunda parte intitulada "I,es con-
ditions de la maladie". a qual se torna "F`olie et culture.', urn resumo bern
distante da Hist6rfa clci [oucura, da reflexologia parvloviana e da antro-
pologia existencial de 1954. Doravant,e, seu titulo e Malcid{e rneritale et
psgchotogte (Doenga mental e psieotogta).
Feueretro, conhece Gilles Deleuze, que publica IV{etzsche et [a phtloso-
phle (PUF`) .
Mcirco, dia 18, os acordos de Evian poem rim a guerra da Argelia.
Mciio, dia 18. Foucault anota: "Sade e Bichal, contemporaneos es-
trangeiros e gemeos, colocaram no corpo do homem ocidental a morte e
a sexualidade: estas duas experiencias tao pouco naturais, tao
transgressivas, tao carregadas de urn poder de contestacao absoluta e
a partir do que a cultura contempofanea fundou o sonho de urn saber
que permitiria mostrar o Horro nc[tura..."
Cronologia 15
Publicacao da traducao francesa de L'ortg{rie de la g6omGtrie, de
Husserl. com uma apresentacao de Jacques Derrida. Bsse livro torna-se
imediatamente o cerne da reflexao epistemol6gica parisiense. F`oucault.
que muito trabalhou esse texto mos anos 50, fala entao da "importancia
desse texto tao decepcionante''. que o obriga a aprofundar sua nocao de
arqueolo8ia (cartaL).
Bleito professor de psicologia na Universidade de Clermond-F`errand.
onde substitui Jules Vuillemin como chefe do departamento de I`ilosofia.
o qual sucede, no College de France. a Maurice Merleau-Ponty, brusca-
mente falecido em 4 de maio de 1961.
Setembro. submete o manuscrito de 0 nascimento c{ci c[{riica a leit,ura
de Althusser.
A admiracao pela analise estrutural se desenvolve na Bscola Normal.
1963
Jranetro, com Roland Barthes e Michel Deguy, entra no conselho de
redacao da revista Critique. Segundo Jean Piel, cunhado de Georges
Bataille, que dirige a revista, a participacao de F`oucault s6 foi efetiva
depois da publicacao de As palauras e as cotsas (1966), interrompendo-
se em 1973. embora Foucault deixasse figurar seu nome ate 1977.
Marco, dia 4` em uma conferencia no Colegio F`ilos6fico, Jacques
Derrida critica as paginas dedicadas por F`oucault, na Hist6rici da
[oLtcura, a primeira das Mec{{fac6es, de Descartes. Derrida havia convi-
dado F`oucaull, em uma carta de 3 de fevereiro: "Reli seu texto durante
as ferias de Natal com uma alegria incessantemente renovada. Acho que
lentarei mostrar, grosso moc!o, que sua leitura de Descartes e legitima e
iluminant.e em urn nivel de profundidade hist6rica e filos6fica. que nao
me parece poder ser imediatamente signiricado ou assinalado pelo texto
que voce utiliza e que. penso eu, nao o lerei exat.amente como voce." Mas
o "totalitarismo estruturalista" denunciado por Derrida atinge Foucault..
que lrabalha precisamente para diferenciar sua arqueologia do es-
truturalismo. "Por que e preciso que a historicidade seja sempre pensada
como esquecimento?" (carta).
Abril, publicacao de 0 ncisclni.erito czci clinfoci.. urna cinqueologia c!o olhar
medico, na colecao "Histoire et philosophic de la biologic et de la
medicine", dirigida por J. Canguilhem. da PUF.
Mate, publicacao de Rc[urronc{ Roussel pelaGallimard, na colecao de
Georges Lambrichs, saudada por Philippe Sollers na revista Tet qLtel
como ..nascimento da clitica'.. Sua publicacao devia acompanhar uma
reedi¢ao da obra de Roussel.
Jrulho. os acordos de Moscou definem a coexistencia pacifica. Solje-
nitsyne comeca a recolher as lembrancas do gulag.
I. A mencao de ..carta". sem indica¢ao de destinatario. designa uma correspon-
dencia enviada a Daniel Defert.
1 6 Michel Foucault - Ditos e Escritos
F`erias em Tanger e Marrakech com R. Barthes e R. Mauzzi.
Agosto, dia 5, "Cheguei em Vendeuvre. E o tempo das folhas de papel
que enchemos tal qual cestos de macas. das arvores que cortamos, dos
livros que lemos linha por linha com a meticulosidade das criancas (...)
e a sabedoria de cada verao" (carta). Corrige as provas da traducao da
Anthropologie, de Kant. e da homenagem a Bataille, morto no ano
precedente {ver Prejl&cto d Trc[rtsgnessdo, vol. Ill desta obra). I,e RIos-
sowski sobre Nietzsche. Acumula notas sobre as relac6es entre a
antropologla e a filosofia critica.
0 guai d'Orsay lhe prop6e a direcao do Instituto F`rances de T6quio,
o que dese].ava ha muito tempo.
Sefembro, e convidado a participar de uma obra de 10 volumes em
Cerisy-1a-Salle pelo grupo Tel quel. que deseja "determinar as coorde-
nadas sobre a situacao da literatura depois do novo romance". Inicio de
relac6es pessoais com os membros desse grupo (Sollers, Pleynet. Thi-
baudeau, Baudry, 01lier e. tambem. J-i. Hallier, que rompera com
Sollers em 1962); sobre os livros destes Foucault escrevefa urn certo
ndmero de artigos.
Outubro. renuncia instalar-se em T6quio para permanecer junto a
Daniel Defert, que se prepara para o concurso de professor de filosofia.
Abandonando a continuacao prevista da Htst6ria da toucura, que deveria
incidir sobre a hist6ria da pslquiatria penal, comeca a escrever "urn livro
sobre os signos'.. Urn trabalho intenso interrompe o ritmo dos jantares
noturnos com Roland Barthes em Saint-Germain-des-Pres; suas re-
lac6es se distendem.
IVouembro, conferencias em Lisboa. onde vai contemplar o quadro de
Bosch -A teritcxpdo de Santo Arttonto. e em Madri. Dia 9. carta descrevendo
seu encontro, no Prado, com las Meninas, quadro em tomo do qual se
cristaliza seu projeto de "livro sobre os slgnos" (vcr "As Damas c{e Compa-
nhfa". vol. Ill desta obra).
Dezembro, rele Heidegger. Interrompe o plano de As palat)mos e as
cotsas.
1964
Longas jomadas de pesquisas na Biblioteca Nacional. Em pequenos
cadernos de estudante encadelam-se notas de leituras, planos de capitulos
e esbocos de artigos. If a Forruritfon du Concept de iejlexg, de Georges
Canguimem. que se tornou seu "born mestre" desde a Hist6rfu da foucura.
As relac6es com Gilles Deleuze e Pierre Klossowski tomam-se regu-
lares; freqtienta igualmente Jean Beaufet. Em julho, encontram-se com
Karl I.6with, Henri Birault, Gianni Vattimo, Jean Wchal, Colli e Monti-
nari, que estabelecem uma nova edicao de Nietzsche. no col6quio
organizado por Deleuze sobre Nietzsche. em Royaumont (vcr Ivietzsche,
Fteucz, Maur, vol.11 desta obra).
Croiiologia 17
Abrf[, conferencias em Ankara. Istanbul ("Le desenchatement orien-
tal"). Visita Efeso ("nos rastros de Heraclito (...) nunca vi nada tao belo'')
(carta).
Agosto, dia 10. "Tenho a impressao de que me aproximo da reconver-
sao em nao-escrita total. 0 que muito me liberara" (carta). Le apaixona-
damente Au-dessous c{u uo[cari. de M. Lowry.
Setembro, ap6s os bombardeios americanos sobre o Golfo de Tonkin,
Daniel Defert nao ocupa o posto de cooperador no Vietna. que deman-
dara para cumprir suas obrigac6es militares. Defert esta lotado na
Tunisia onde, em breve, F`oucault ira encontra-lo.
hancamento .`nos halts de estacao de trem", como Foucault gostava
de dizer, de uma edicao muito abreviada da Hist6ria dci [oucurci. em uma
colecao de bolso recente. da Plon, "Le monde en 10/18". 0 meio
intelectual esta dividido quanto aos fundamentos dessas colec6es eru-
ditas a preco baixo. F`eliz com essa edicao popular que alcan¢ou grandes
tiragens. F`oucaull se decepciona quando o edit.or recusa-se a republic`ar
a edicao integral. Ele rompe, entao. com a Plon. As lraduc6es es-
lrangeiras de Htsl6ric[ c{a loLicLtra, excelo a edicao italiana da Rizzoli, de
1963, foram est.abelecidas a partir da versao abreviada.
OLtlubro, dia 18, "Refaco meus malditos signos todo o sanlo dia"
(carta). Ele freqtienta os Deleuze, Vuillemin. Desanti, Klossowski. Bin
Clermont-F`errand. da urn curso sobre a sexualidade. Op6e-se, com a
maioria da faculdade, a nomeacao de Roger Garaudy para professor no
departamento de rilosoria; membro do Comite Central do Partido Comu-
nista, que diziam ter sido imposto por seu antigo condiscipulo. Georges
Pompidou (entao primeiro-ministro).
Dezembro, publicacao, por Jean Vrin, da traducao da Anthropolog{e
de Kant. 0 que fora uma tese secundaria foi reduzido a tres paginas de
noticia hist6rica, com esta nota final: "As relac6es do pensamento crit,ico
e da reflexao antropol6gica serao estudadas em uma obra ulterior." E o
andncio de As pcilauras e as coiscrs, ainda designado por F`oucault como
seu ..1ivro sobre os signos".
Titular das aulas ptiblicas nas faculdades universltarias Saint-Louis
em Bruxelas, ele faz uma conferencia sobre .'Linguagem e literatura''.
IVcital. temporada na Tunisia. A primeira redacao do livIo sobre os
signos a concluida.
1965
Jc[rie{ro, dia 5, observando do aviao que decola da ilha de Djurba "o
bascular do solo no limite com o mar", ele rabisca em urn cartao-postal
o que sera a tiltima frase de As pdraurcis e as coiscis.
F`orte desejo de instalar-se na cidade de Sidi-Bou-Said, que domina
o golfo de Cartago.
Participa com Alain Badiou, Georges Canguilhem, Dinhah Dreyfus e
Paul Ricoeur de uma serie de debates de filosofia para a radiotelevisao
18 Michel Foucault - Ditos e Escritos
escolar (vcr nlosQfia e Ps[co[ogia. neste volume, e n9 31, vol. I da edicao
francesa desta obra).
Nomeado para a Comissao de Reforma das Universidades, estabele-
cida por Christian F`ouchet, ministro da Educacao do General De Gaulle.
F`oucault se inquieta quanto ao projeto de multiplicacao de universida-
des locals sem recurso. Prepara urn contraprojeto que artlcula essas fa-
culdades de modo complementar no quadro das regi6es, o qual ele re-
mete ao Ellseu, onde Etienne Burin de Rozlers se tornou secretalio geral.
Corre o rumor de uma nomeacao de F`oucault para subdiretor dos
ensinos superiores para as ciencias humanas.
Feuerieiro, dla 13, "Nao falel dos slgnos, mas da ordem" (carta a
respeito de seu livIo sobre os signos).
Abri[, dia 4. .`Enfim, tare fa cumprida. Trezentas paginas reescritas
desde Sfax com urn equilibrio completamente diferente. Nao e mal nem
enfadonho." Bscreve o prefacio: "Uma teoria geral da arqueologia que me
agrada bastante." Pensa em se apresentar no College de F`rance para
fugir de Clermond-F`errand. Renuncia. ao tomar conhecimento da can-
didatura do historlador Georges Duby.
Maio. dia 2, Canguilhem, entusiasmado com o manuscrito do "livro
sobre os signos". F`oucault e informado de que uma campanha sobre sua
vida privada, conduzlda por alguns universitarios, e a causa de sua
nao-nomeacao para a subdlrecao do ensino superior.
Dia 14, Remete seu manuscrito para G. Lambrlchs na Gallimard.
/unho, Roges Caillois lhe endereca uma carta entusiasta a prop6sito
desse manuscrito e pede urn texto para sua pr6pria revista, DiQgGne (vcr
A Prosa c{o Munc{o. vol.11 desta obra).
Burin des Rozlers lhe confidencia que ten, com Malraux. novos
projetos para ele. Dia 9. abalado pelas intrigas contra sua nomeacao,
Foucault viaja para a Suecia e encaminha sua candidatura para Elisa-
bethville - futura Lubumbashi, logo que este pais toma o none de Zaire
-onde ensina, entao, o 16gico G. G. Granger.0 soci61ogo G. Gurvitch o
estimula a se apresentar para uma cadelra de psicologia na Sorbonne.
F`oucault renuncia, ao descobrir demaslada hostilidade.
Nova temporada em Sfax e Sidl-Bou-Sat.d.
Agosto, visita a retrospectiva Nicolas de Stael em Zurique. Vat vcr os
RIee do museu da Baslleia. Pensa em pedir uma fun¢ao em Abidjan.
Setembno, Althusser envia a F`oucault seu Pour Marx, com a seguinte
dedicat6ria: ..Estas poucas velharias."
Outubro, convidado a faculdade de filosofia de Sao Paulo pelo fil6sofo
Gerard Lebrun. aluno. asslm como Jules Vuillemin e I.ouis Althusser,
de Martial Gueroult. All, ele se junta aos fil6sofos Gianotti, Ruy F`austo,
ao critico Roberto Schwartz. a poetisa Lupe Cotrim Garaude e a psica-
nalista Betty Milan; ele lhes da as primicias de alguns capitulos de As
pa{aL)ras e as coisas. A turne de conferencias prevista e interrompida
pelos golpes de forca que, de uma semana para outra, fortalecem a posse
dos marechais e que, em breve, lrao cacar seus amigos de suas func6es
ou exila-los.
Cronologia 19
1966
Jcmefro, criacao do Circulo de Epistemologia em torno de Jacques-
Alain Miller e FTancois Regnault, sob o duplo apoio de Lacan e de
Canguilhem. Sua publicacao , os Cchters poLtr l'ana[use, que se prevalece
de "todas as ciencias da anallse: a 16glca, a llngtiistica, a psicanalise,
quer contribuir para uma teoria do dlscurso". Esse circulo responde.
demarcando-se, a criacao em torno de Roberto Linhart, da Unlao das
Juventudes Comunistas Marrdstas-Ifninlstas (UJCML) , primeiro movi-
mento de insplracao maoista no melo estudantil.
Enquanto As pa[oura[s e cis coisas estao no prelo, F`oucault retoma os
problemas de metodo colocados por ele nessa arqueologia. "A filosofla e
uma empreitada de diagn6stlco, a arqueologia urn metodo de descricao
do pensar" (carta).
I,e Whorf e Sapir. "Nao, nao e lsso: o problema nao e a lingua, mas os
limltes da enunciabllidade" (carta).
Feuerefro, aceita, com Gilles Deleuze, a responsabilidade da edicao
francesa das obras completas de Nietzsche estabelecidas por Colli e
Montinarl.
Marco. dias 11,12 e 13, o Comite Central do PCF` reunido em
drgenteuil declara, contra Althusser, que "o marrdsmo e o humanismo
de nosso tempo".
Dia 28, conferencias no Theatre Universitaire de Budapeste. A confe-
rencia anunciada sobre o estnituralismo e suposta, pelas autoridades
htingaras, interessar a tao pouca gente que a isolam no gabinete do
reitor. F`oucault descobre entao que, no Leste, devido as suas origens no
pensamento formal de Praga e da Rdssia, o estruturalismo funciona
como urn pensamento alternativo ao marx]smo. F`oucault recusa a visita
ritual a Gy6rgy Lukacs, preferindo o retrato de Jeanne Duval por Manet
no museu Szepmtiveszeti.
Dia 31. seus interlocutores hdngaros confidenciam a F`oucault sen-
tirem urn grande alivio ao descobrirem em Les lettresJran€atses, o diario
de Aragon, sua longa entrevista com Raymond Bellour que anuncia a
saida de As pdrc[uras e as coisas: serao memos suspeitas em seu pats
(vcr nQ 34, vol. I da edicao francesa desta obra). Viagem a Debrecen, na
planicie de Puszta: "FTquel urn pouco emocionado ao vcr que o pensa-
mento do querido velho Alth (Althusser) chegava ao amago do marxismo
das estepes" (carta: vcr nQ 281, vol. IV da edicao francesa desta obra).
Temporada em Bucareste.
Abrd, publlcacao de As pdraL)ras e as coisas, uma arqueologla das
ciencias humanas, na colecao "Bibllotheque des ciences humaines",
recentemente lnaugurada por Pierre Nora na Gallimard. 0 titulo deseja-
do era "L'ordre des choses", ja utilizado por Jacques Brosse em uma
publicacao prefaciada por Bachelard; sua retomada nao foi autorizada.
Tenacidade ou esquecimento. F`oucault, mais tarde, intitularia uma
colecao de "Lcs vies paralleles" (vcr n9 223, vol. Ill da edicao francesa
desta obra), titulo de urn capitulo dessa mesma obra.
20 Michel Foucault - Ditos e Bscritos
Mdio. freqtienta Derrida e Althusser. Dia 16, F`oucault afirma em uma
entrevista: "Nossa tarefaL € a de mos libertarmos definitivamente do
humanismo (...), e neste sentido que meu trabalho e urn trabalho
politico, na medida em que todos os regimes do Leste ou do Oeste fazem
passar suas mercadorias sob a bandeira do humanismo" (vcr n9 37, vol.
I da edicao francesa desta obra). A primeira edicao de As pcilaL)ras e as
cotsas esgota-se em urn mss e meio. Dia 23, L'expriess apresenta este
livro como a maior revolucao em filosofia desde o existencialismo.
Doravante, "a morte do homem" e "o marxismo esta no pensamento do
seculo XIX como peixe dentro d'agua" circulam na impressa como as
f`rases emblematicas da obra.
Dia 26. carta entusiasta de Rene Magritte. Inicio de uma corTespon-
dencia na qual Foucault o interroga sobre sua interpretacao do Ba[con
de Manel. Magritte faz votos de encontrar Foucault no fim do ano.
Juriho, a imprensa comenta. doravante, tanto as vendas quanto o
livro. As primeiras, como sintoma; o segundo, como ruptura. Mil nove-
centos e sessenta e seis e uma das grandes safras das ciencias humanas
francesas: Lacan. Levi-Strauss. Benveniste. Genette, Greimas. Dou-
brovsky, Todorov e Barthes publicam alguns de seus textos mais
importantes. Percebido ate aqui como metodo regional. o estruturalismo
e registrado freqtientemente como movimento.
JrulJro, em Vendeuvre, seis horas de escrita por dia para responder aos
ataques contra "a morte do homem.'. "Ate mesmo Jean Daniel depois
Domenach. Tentar dizer o que pode ser urn discurso filos6fico hoje"
(carta). Ele retrabalha Log{que/orme[le et trariscendeiitdre, de Husserl,
desta vez, porem, na traducao francesa. "Pela primeira vez. pus-me a ler
romances policiais.'`
Sobre As pa[aLjras e as coisas. diz Hyppolite: "E urn livro tragico." "Ble
foi o tinico que o viu," confidencia F`oucault.
Selembro, F`oucault decide instalar-se na Tunisia onde lhe prop6em.
pela primeira vez, uma cadeira de filosofia (e nao de psicologia).
0 sucesso na midia perturbou, segundo ele, a recepcao de seu
trabalho. A aridez do livro seguinte testemunhara sua vontade de romper
com esta forma de sucesso. Dia 15. F`ran¢ois Mauriac consagra uma
parle de seu "Bloc-notes" ao ant.i-humanismo de As patauras e as colsas,
e conclui: "Voce tornaria Sart.re simpalico aos meus olhos." Doravante.
Foucault segue de muito longe e bern seletivamente o que se diz sobre
"a morte do homem".
OutLtbro, dia 19, F`oucault obtem seu desligamento da universidade
para ficar tres anos na Tunisia. Sartre, no fasciculo de L'arc que lhe e
dedicado, ataca o estruturalismo, rejeita a tendencia de F`oucault e de
Althusser a privilegiar as estruturas em detrimento da hist6ria. chama
a arqueologia de uma geologia que substitui as transformac6es pelas
estratificac6es, e conclui: "Foucault e a dltima muralha da burguesia."
As principals revistas intelectuais manterao ate maio de 1968 a polemica
c6ntra As pci[auras e cis coiscLs: Les temps moc[ernes, janeiro de 1967,
Esprit, maio de 1967, Irfu pens6e, fevereiro de 1968 etc.
Cronologia 21
Nouembro, instalado no hotel Dar-Zarouk, F`oucault procura uma
casa sobre a encosta selvagem da colina de Sidi-Bou-Said. "Eu queria
ter com o mar uma relacao imediata, absoluta, sem civiliza¢ao" (carta).
Dla 12, e a primeira vez, desde 1955, que ele ensina filosofia: o curso
dedicado ao "Discurso filos6fico" prolonga As palauras e as coisas. Ele
da urn curso pdblico sobre a cultura ocidental. "A teoria do discurso
permanece urn terreno baldio, 396 paginas a refazer" (carta). Dia 16:"Encontrei ontem. nesta manha. neste momento, esta definicao do
discurso da qual precisava ha anos" (carta) .
Dezembro, prefacia uma reedicao da Grammaire de Port-Royal inicial-
mente prevista pela Seuil (vcr Jntroc{ucdo (in Arnaulc{ e lancelot) , vol.11
desta obra).
Surpreende-se com a penetracao de Althusser junto aos estudantes
tunisianos:"b curioso vcr o que para n6s e puro discurso te6rico
vertlcalizar-se de repente aqui em imperativo quase imediato" (carta).
Dia 9, instala-se sob as longas ab6badas brancas -descritas por Jean
Daniel, que acaba de conhecer - das antigas cavalaricas do bei em
Sidi-Bou-Sai.d. Bsforcando-se, segundo o voto de Nietzsche, para tornar-
se cada dia urn pouco mais grego, esportivo. bronzeado, ascetico, ele
lnaugura uma nova estllizacao de sua erdstencia.
IVcital, acampamento` com burros e camelos no planalto de Tassili de
Ajjer, no Grande Sul argelino.
1967
Jraneiro, Les temps modernes (rf 22) passa ao ataque. Foucault se
contenta em responder por carta privada as quest6es embaracosas de
Michel Amlot, em seu artigo "Relativismo cultural de Michel F`oucault.':
-Renunciei dar ao livro urn prefaclo metodol6gico que teria servido de
modo de uso. Nao e de modo algum para lhe dar essa explicacao que lhe
escrevo. mas por gosto pelo serio da discussao e por simpatia real por
seu texto." Elc conclui: "guerendo libertar a hist6ria -pelo menos a das
ideias - de urn esquema bastante desgastado no qual se trata de
lnfluencia, de avancos, de atrasos, de descoberta, de tomada de cons-
ciencia, procurei deflnir o conjunto das transforma¢6es que servem de
regras para uma descontlnuidade empirica."
Encontra, as vezes. Chadli Klibi, entao ministro da Cultura tunisiano,
futuro representante da Llga Arabe.
Dia 31: WEstou muito arrebatado pelo que se passa na China. A
esperan¢a de terminar A arqueo[og{a do saber na primavera foi transfe-
rlda para o ano que vein" (carta).
FeL)ereiro, ``A hist6rla, apesar de tudo. e prodigiosamente divertida.
Estamos memos solifarios e inteiramente livres" (carta). Projeto para
escrever urn texto referente a reedi¢ao do livro de F`ernand Braudel sobre
o MediteITineo, e talvez mesmo. para rediglr urn llvro sobre a his-
toriografia, que seria a ocasiao de uma outra arqueologia das ciencias
humanas, manifestando assim que as "epistemes" nao periodizam vis6es
22 Michel Foucault - Dltos e Bscritos
do mundo. 1£ Dumezil. Ieltura que o acompanhou durante toda sua
vida. e la r6L)o[utton permanente, de Trotski, entuslasmando-se a tal
ponto que lhe ocorrera qualificar a si mesmo de trotskista em 1968. As
leituras de seus estudantes tunisianos. de fato, alimentam F`oucault.
Marco. dia 14, no circulo de estudos arquitet6nicos, em Paris, Fou-
cault faz uma conferencia sobre as "heterotopias.' e faz uma emissao
radiofonica sobre o mesmo assunto (vcr nQ 359, vol. IV da edicao francesa
desta obra) . Dia 17. na Sorbonne, exp6e no seminalio de Raymond Aaron
os criterios segundo os quais se pode identificar historicamente uma
formapao cultural como a economla politlca atraves de diferentes epis~
temes. Raymond Aaron quer absolutamente assimilar episteme a Wet
tanschciuung. Debate que contribuifa para o abandono do conceito em
A arqueo!ogha do saber. Por tras dessa discussao epistemol6gica, se
afinam as taticas dos dois protagonlstas para o College de F`rance. Os
argumentos apresentados no seminario de Raymond Aaron serao desen-
volvidos na segunda entrevista com Raymond Bellour (vcr Sabre as
Maneiras de Escreuer a Hist6rici, vol.11 desta obra).
Assiste a pr€mtGre de I,a terifatton c{e Saint Antoine, no teatro Odeon.
bale de Bejart que utiliza a lconografla recolhida por F`oucault em seu
estudo sobre F`laubert (vcr Posjlficto a Ftaubert (A Tentacdo c!e Scinto
An[6rifo), vol.Ill desta obra).
Abri[, "Suspendi toda a escrita para vcr urn pouco mais de perto
Wittgenstein e os analistas ingleses" (carta). Sobre os analistas ingleses,
ele escreve: "Estilo e nivel de analise que eu buscava neste inverno
patinhando. A angdstia ben pouco suporfavel deste inverno." F`oucault
utiliza, entao, a biblioteca de seu colega Gerard Deledalle, raro ou dnico
especialista frances em John Dewey e em filosofia americana. Dia 12.
LQ presse de Tunis relata: `Todas as sextas-feiras a tarde, a maior sala
da faculdade da Tunisia e muito pequena para receber as centenas de
estudantes e ouvintes que vein seguir as aulas de Michel F`oucault."
Ma{o. a revlsta Esprit consagra urn ntlmero especial a "Bs-
truturalismo. ideologia e metodo". "Contra o pensamento frio do sistema
que se edifica em relacao a todo sujelto individual ou coletivo'., Jean-Ma-
rie Domenach. diretor da revista, coloca 10 quest6es a F`oucault, das
quais ele nao retera senao a questao sobre a "possibilidade de uma
intervencao politica, a partir de urn pensamento da descontinuidade e
da coacao". Ironia do destino, a longa resposta sera publicada em maio
de 1968 (vcr n9 57, vol. I da edi¢ao francesa desta obra).
"Os analistas ingleses me alegram bastante: eles permitem vcr bern
como se pode fazer analise nao lingtiistica de enunciados. Tratar dos
enunciados em seu funcionamento. Mas no que e em relacao a que isso
funciona, eles nunca o tornam evidente. Sera preciso. talvez, avancar
nessa direcao" (carta).
Publica¢ao na Gra-Bretanha da traducao de Hist6rfa c{a loucura,
prefaciada por David Cooper, em "Studies in existentialism and pheno-
menology.`, colecao de R. D. Laing, que outrora dedicara The dit;id€cZ seor
a Binswanger. Esta publicacao foi seguida de urn artigo de Lalng, "Sanity
Cronologia 23
and madness -the invention of madness" (The rieLu statesrrmrl, 16 de
junho de 1967). Hist6ria c{a toucuro circula. doravante, sob o estandarte
da antipsiquiatria mos paises de lingua inglesa.
Sempre solicitado e sofrendo oposl¢ao na Sorbonne, F`oucault renun-
cia definitivamente e apresenta sua candidatura a jovem Universidade
de Nanterre. onde e eleito em junho para uma cadeira de psicologia. i
tambem nomeado examinador no concurso da Escola Nacional de
Administra¢ao.
Jruriho, dia 19, entrevista com o presidente Bourguiba. Ireitura de
Panofsky: artigo no 1€ rrouue[ obseruateur, para o qual comeca a escrever
mais freqtlentemente (vcr As Pa[auras e as Jmagens, vol.11 desta obra).
Do dia 5 ao dia 10, manifestac6es antiimperlalistas explodem contra
a embaixada dos Estados Unidos na Tunisia, por ocasiao da GuerTa dos
Seis Dias. asslm como prQgroms contra os comerciantes judeus, prova-
velmente suscitados pelo poder para facilitar a detencao dos oponentes.
Os estudantes politlzados abrigam cada vez mais suas reuni6es junto a
F`oucault. que observa: `.Eles sao sinocastristas." "Em nome da grande
solicitude" do presidente Bourguiba para com ele. as autoridades tuni-
sianas instalam bruscamente uma linha telefonica na casa de F`oucault.
Jrulho. retorno a Vendeuvre: "E preciso que haja para mim muitos
poderes nesse canto de terra, para que eu me sinta nele mais ou memos
a vontade" (carta). Dia 16. "Eu escavo Nietzsche; creio comecar a
perceber por que isso sempre me fascinou. Uma morfologia da vontade
de saber na civilizacao europeia que se deixou de lado em favor de uma
analise da vontade de poder" (carta).
Agos[o. dia 15, morte de Magritte. Dia 25, termina A ariqueotogta c{o
sciber "Restam-me dois ou tres meses de releitura neste inverno."
Outubro, Foucault. achando que o ministro frances da Educa¢ao tardava
a ratlficar sua eleicao em NanteITe, parte por urn ano para a Tunisia.
IVouembro. "Recebi urn born questionario dos Cchiers pour ['ana{use'..
destinado a urn ndmero dedicado a "Genealogla das ciencias" (vcr Sobre
a Arqueotogia das Ciencias. Resposta ao CircuLo de Eptstemotogia, vg\.11
desta obra). Termina "urn trequinho sobre Magritte" (vcr Jsto Jvdo E Ltm
Ccndmbo. vol. Ill desta obra). Promete as Edie6es de Minuit urn ensaio
sobre Manet. intitulado 1€ noir ct !a couleur. Do dia 14 ao dia 19, breve
estada na ltilia para o lancamento da traducao de As pdrauras e as
coisas pela RIzzoli, seguida de urn posfaclo de Canguilhem. "Morte do
homem ou esgotamento do Cogito". Conhece Umberto Eco em Milao. F`az
uma conferencia sobre