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revista Fronteiras – estudos midiáticos VII(3): 165-174, setembro/dezembro 2005 © 2005 by Unisinos Multiculturalismo na América Latina. Confluências e conflitos no espaço televisivo regional A problemática comunicacional é tratada mediante a confluência de reflexão epistêmica e análise de processos empíricos sistematiza- dos em pesquisas que abordam a América Latina midiatizada na tecnosfera televisiva brasileira. As produções das redes Bandeirantes, SBT e Globo são apresentadas numa ordem que exprime aspectos substanciais de suas estruturações simbólicas e as estratégias de construção midiática que as organizam. O ethos midiático é situado nos contextos socioculturais e históricos que definem o subcontinente na sua precariedade política e social, salientando paralelamente a riqueza cultural, teórica e histórica que oferece nossa complexidade paradoxal de arte, miséria, alegria, exploração e futuro. Palavras-chave: midiatização, América Latina, televisão, cultura, realidade. Alberto Efendy Maldonado1 Multiculturalism in Latin America. Confluences and conflicts in regional televised space. The problem of communication is approached through the confluence of epistemic reflection and analysis of empirical processes systematized in research that is concerned with mediatized Latin America in the Brazilian televised technosphere. The production of Bandeirantes, SBT and Globo television networks is presented in an order that expresses substantial aspects of its symbolic structuring, as well as the strategies of mediatic construction that organize it. The mediatic ethos is situated in the socio-cultural and historical contexts that define Latin America in its socio-political precariousness. At the same time the article highlights the cultural, theoretical and historical wealth offered by our paradoxical complexity of art, misery, joy, exploitation and future. Key words: mediatization, Latin America, television, culture, reality. La problemática comunicacional es abordada en la articulación entre reflexión epistémica y análisis de procesos empíricos, sistematizados en investigaciones que versan sobre América Latina mediatizada en la tecnosfera televisiva brasileña. Las producciones de las redes Bandeirantes, SBT y Globo son mostradas en un orden que profundiza aspectos esenciales de sus estructuraciones simbólicas y las estrategias de construcción mediática que las organizan. El ethos mediático es situado en los contextos socioculturales e históricos que definen a la región en su precariedad política y social, distinguiendo paralelamente la riqueza cultural, teórica e histórica que ofrece nuestra complejidad paradójica de arte, miseria, alegría, explotación y futuro. Palabras-clave: mediatización, América Latina, televisión, cultura, realidad. 1 Professor Doutor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14165 Alberto Efendy Maldonado 166 Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos A América Latina tem uma história secular de flu- xos migratórios que a configuram e definem na sua diversi- dade e contradições. Uma visualização geral de aspectos relevantes desse processo de constituição nos leva à constatação e ao reconhecimento de formas de vida socioculturais sofisticadas (Gortari, 1963)2. As referências às culturas maia, inca e asteca são numerosas nos textos sobre Nossa América; apesar disso, a compreensão do seu significado para a configuração das complexas configura- ções culturais que nos definem ainda é precária no pensa- mento acadêmico, escolar e comum. Os exercícios interdisciplinares das últimas décadas e os experimentos e tentativas de construção transdisciplinar contemporâneos não conseguiram ainda configurar suficientemente sua di- mensão histórica de longa diacronia: a cultura. A cultura latino-americana na sua multidimensionalidade, diversidade e centralidade socioistórica continua sendo problematizada de modo setorial, sem reconhecer-se o lugar epistemológico fundamentador, crucial, que o cultural tem para a produção de conhecimentos nas ciências humanas e sociais. A produção teórica em comunicação na América Latina, de modo paradoxal, é um pólo que tem estruturado fundamentações fortes, basilares, precursoras sobre a pro- blemática da cultura, constituindo-a em dimensão central das pesquisas teóricas e empíricas na área3. O impasse, não obstante, surge quando a perspectiva cultural é restrita a contextos microssociais de curta história, produzindo resul- tados fracos numa linha científica estratégica4. A perspecti- va epistêmica histórica, simultaneamente, tem fortalecido as produções teóricas fundamentadoras que constituem o conjunto teórico de referência do pensamento comunicacional latino-americano; este, contudo, ainda ca- minha nos seus primórdios de configuração, observando- se, ao mesmo tempo, indícios de mudança para modos de práxis de investigação teórica e empírica que, construindo condições institucionais de geração de pesquisa em grupos, avance na exploração, fundamentação e organização de saberes em comunicação (Maldonado, 2003; 2001). Na conjuntura atual, início do século XXI, constata- se o unilateralismo hegemônico da democracia imperial estadunidense (Chomsky, 2005) e seu poder tecnocultural que dá continuidade às estratégias geopolíticas e econômicas que estruturaram sua hegemonia na região no século XX (Mattelart, 2002). No último quarto desse sécu- lo, as estratégias capitalistas de fundamentalismo de merca- do (Soros, 2001) desenvolvidas pelo complexo transnacional, e iniciadas pelas administrações Reagan e Thatcher a partir dos Estados Unidos e da Grã Bretanha, foram aplicadas de forma ampla e sistemática desde 1980 na América Latina. Essas diretrizes econômico-políticas convergiram com pro- cessos de institucionalização (designados como “retorno à democracia”) que se organizaram em formatos de democra- cias restritas5. A ilusão democratizante teve como contraponto real a geração de processos de involução das condições socioeconômicas de vida (Bauman, 2005) do con- junto das formações sociais da região, estruturando regimes políticos adequados ao autoritarismo secular, à corrupção sistêmica, ao desrespeito dos direitos humanos, à exclusão 2 É importante referir-se, nesse sentido, à revolução urbana no México entre os anos 900 a.n.e e 400 de nossa era [1.300 anos de história], que foi possível pela existência de conhecimentos de engenharia, arquitetura, economia, astronomia, política e saberes culturais que tornaram realidade essas formas de vida social.Informações sistematizadas sobre a ciência no México antigo podem estudar-se em Eli de Gortari, 1963 (sobre a mudança mencionada, ver p. 25-33). A existência de cidades e grandes urbes deu-se na convergência de várias culturas e conhecimentos que possibilitaram essas formações. 3 São relevantes os conjuntos teóricos produzidos por Dias Gomes, Paulo Freire, Muniz Sodré, Milton Santos, Cantor Magnani, Roberto da Matta, Renata Pallotini, Octavio Ianni, Alfredo Bosi, Marlyse Meyer, Ecléa Bosi, Oscar Landi, Tomás Gutiérrez Alea, Fernando Ortiz, José Luiz Romero, Héctor Schmucler, María Cristina Mata, Carlos Monsiváis, Néstor García, Beatriz Sarlo, J. B. Rivera, Aníbal Ford, Armando Silva, Raúl Fuentes Navarro, Rossana Reguillo e Jesús Martín Barbero, entre os principais das dezenas de importantes pesquisadores que têm trabalhando a problemática da cultura em comunicação. 4 Constatam-se essas limitações nas pesquisas influenciadas pelo culturalismo estadunidense atual e pelo semioticismo formal. 5 O formato ditatorial modelado pelos estrategistas estadunidenses para a América Latina nas décadas de 1960 e 1970 vai sendo substituído, paulatinamente, nos diferentes países, na década de 1980. Lamentavelmente, essa transformação não incluiu a desestruturação das formas autoritárias, corruptas e atrasadas de governo; a fachada democrática tentou esconder o caráter profun- damente repressivo, limitado e delinqüente das eliteslatino-americanas no poder. Hoje são reconhecidos como paradigmas de latrocínio e morte Fujimori, Menem, Carlos Andrés Pérez (para citar os principais); durante mais de uma década, eles foram exemplo de democracia com o apóio de Washington. Os sistemas políticos na região têm uma precária estruturação, reproduzindo formas de poder autoritário ancestral; os esquemas oligárquico/familiares continuam vigentes na maioria dos países com o auxílio e estímulo dos grupos hegemônicos dos Estados Unidos. Não existem políticas de cooperação e verdadeiro desenvolvimento econômico- social como as que se constatam na inter-relação União Européia: Portugal, Espanha. 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14166 Multiculturalismo na América Latina. Confluências e conflitos no espaço televisivo regional Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos 167 social e ao atraso político participativo das grandes maiorias cidadãs do continente (Maldonado, 2005, 2004). Temos sido um continente de intensos fluxos cultu- rais (Santos, 2002) muito antes da chegada de Colombo e Cabral faz 500 anos, aproximadamente. As formações soci- ais indígenas foram constituídas de uma multiplicidade cul- tural, étnica e lingüística que os historiadores oficiais tenta- ram ocultar por séculos6. Essa diversidade atravessa as cosmovisões, as estruturas genéticas, as configurações esté- ticas, os modos e sistemas de vida social, as culturas e os processos comunicacionais. Não é possível realizar imersões frutíferas nas problemáticas comunicacionais contemporâ- neas sem considerar as formas e modos de vida ancestrais misturados com as formas e modos tecnomidiáticos de vida atual (Sartori, 2005). O ethos simbólico contemporâneo na América Latina articula uma tradição milenar de diversi- dade, que tem experimentado reiterados etnocídios desde as épocas de expansão e crise das antigas formações sociais indígenas, mais tarde com o colonialismo europeu e a conti- nuação com o modelo neocolonial de “repúblicas de banana”. Essas estruturações político-sociais foram desenvolvidas pelo complexo político/militar/industrial/financeiro estadunidense e atualmente têm continuidade com o seu modelo de globalismo explorador que tem levado as formações sociais latino-americanas a um estado de crise profunda (Ianni, 2000)7. A riqueza multicultural na América Latina se ex- pressa e sobrevive em contextos políticos e econômicos de extrema pobreza e autoritarismo. A crise das ditaduras mi- litares nos anos 1980 não significou o fim das estruturas e modelos de governo ineficientes, concentradores de poder, corruptos e delinqüentes. Passadas duas décadas de expe- rimentos “democráticos”, realizando uma observação cui- dadosa do México até a Argentina, constatam-se poucos países que conseguiram institucionalizar formas de vida minimamente democráticas. Institucionalização política: fraca e restrita Os ensaios de institucionalização política liberal na América Latina mostraram-se, na grande maioria dos ca- sos, um fracasso. Situações como a destituição de vários presidentes (Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Haiti, Venezuela e Paraguai) são paradigmáticas da crise da de- mocracia representativa na região. Na década de 1990, in- tensificaram-se os processos políticos de reestruturação, buscando institucionalizar “versões tropicais” do modelo li- beral de democracia representativa sem transformar subs- tancialmente as culturas do autoritarismo, a corrupção, a ex- clusão social e a perversidade sistêmica. Essas estratégias dão continuidade, em alguns aspectos, ao que aconteceu du- rante o século XX no seu conjunto e a modelos e formas de poder presentes desde a época colonial e, posteriormente, no período neocolonial de hegemonia estadunidense (Maldonado, 2001). É importante, contudo, salientar que o modelo de ditaduras militares e civis, auspiciado por Washington du- rante as décadas de 1960, 1970 e 1980, foi deixado de lado como alternativa de governo das elites locais. As tentativas de impor esse caminho, nos últimos cinco anos, na Venezuela, Paraguai e Equador foram bloqueadas pela pressão do conjunto de países da região e pela cautela dos Estados Unidos em apoiar abertamente esses jogos de po- 6 Não obstante o genocídio executado pelos portugueses nos territórios do que hoje é o Brasil, ainda em 2004 temos 180 línguas no país, e as minorias indígenas demonstram significativas competências de organização, conhecimento e revalorização cultural. 7 Os índices de desenvolvimento humano na América Latina nas duas últimas décadas experimentaram uma queda significativa; é ilustrativo disso o caso da Argentina, um dos países com maior desenvolvimento relativo até a aplicação do modelo neoliberal, que a partir de 2001 levou mais da metade de sua população para abaixo da linha de pobreza. O caso argentino não é isolado e constata- se uma degradação generalizada das condições de vida na Comunidade Andina: Equador, Colômbia, Venezuela, Bolívia e Peru; na América Central: Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá. Na região do Caribe, a situação é similar no Haiti, na República Dominicana e em Cuba [apesar de sua crise não corresponder a esse modelo e ter relação com o bloqueio econômico dos EUA e a desaparição da Comunidade Socialista de Nações]. Paraguai, Uruguai [demonstrativo de como os índices escondem o êxodo, a pobreza e a falta de expectativas de trabalho] e Guiana completam o círculo da pobreza. Entre 1999 e 2003, 23 milhões de latino-americanos desceram das classes médias para níveis de pobreza; temos 102 milhões de indigentes e 226 milhões de pobres (BM; PNUD; CEPAL: jornal El Comercio-Quito 1/6/2004). O México, na sua integração ao NAFTA, não tem apresentado mudanças significativas de progresso e melhoria nas condições de vida de sua população, favorecendo, isso sim, o funcionamento das transnacionais estadunidenses na sua exploração de mão-de-obra barata. O Chile, equilibrado na sua tradição corporativista e conservadora, também não tem conseguido avanços significativos nas suas tentativas de melhorar as condições de vida das classes subalternas. 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14167 Alberto Efendy Maldonado 168 Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos der. Na dimensão política, constatamos um avanço interes- sante em relação ao passado neocolonial; pela primeira vez, a OEA (Organização de Estados Americanos) deixou de ser “escritório de recados de Washington” para quebrar o golpe na Venezuela em 2002. Argentina e Brasil pressionaram, no contexto do Mercosul, para controlar as tentativas de golpe no Paraguai. A pressão sobre o governo Fujimori no Peru foi significativa, e esse regime de terror, roubo e assassinato apoiado pelo EUA8 se desestruturou. As saídas pacíficas, democráticas, participativas e populares apresentam indí- cios de fortalecimento, como o demonstram o Brasil, a Ar- gentina, a Venezuela e o Uruguai; de todos os modos, esta situação ainda é inicial e os desenlaces são imprevisíveis. Não obstante, constata-se que a dinâmica dos aconteci- mentos adquiriu uma intensidade e um espírito de mudan- ça inexistente dez anos atrás, época em que o credo neoliberal e o niilismo pós-moderno eram fortes. A agudização da crise, o aumento da pobreza, o êxodo de dezenas de milhões de latino-americanos, a fraqueza dos formatos políticos e o fra- casso das receitas fundamentalistas de mercado configura- ram um conjunto de fatores dinamizadores de mudanças. O tipo, a tendência e os arranjos que esta conjuntura gera ainda estão num processo de desenho e reconfiguração ini- ciais; é um fato que, se os governos não iniciam uma cami- nhada de resolução dos gravíssimos problemas sociais, as formações que governam terão um futuro explosivo. As re- tóricas da democracia e do mercado estão profundamente deslegitimadas em amplos setores das sociedades latino- americanas (Pnud, 2004)9. A esperança apresenta-se na construção de uma união latino-americanaque, partindo da cooperação políti- ca, social e cultural, situe o mercado a serviço das sociedades e não das transnacionais; pela primeira vez, os governos de Brasil, Argentina e Venezuela reconhecem a diversidade e o desenvolvimento desigual, oferecendo benefícios para a integração dos países mais pobres (Bolívia, Paraguai, Equa- dor, Guiana e Uruguai) e reconhecendo em geral as dife- renças de interesses para potencializar a integração. O campo político inicia assim, de modo mais expan- dido, o reconhecimento e o caráter multicultural de nossas sociedades, apoiando uma participação mais justa dos dis- tintos. São expressivas, nesse sentido, as tentativas de in- clusão na governabilidade de governos locais, comunidades indígenas, classes subalternas, movimentos socioecológicos e grupos de oposição ao modelo fundamentalista capitalista de mercado. Embora sejam incipientes, essas vertentes são significativamente muito relevantes e têm força de futuro. A cultura da violência A expectativa não deve esconder a gravidade da situação; são quase dois séculos de existência das repúbli- cas latino-americanas e, apesar da tecnicidade e da instala- ção de sistemas urbanos de vida, os benefícios são limita- dos. Boa parte da população sobrevive em condições de po- breza ou mendicidade; existe uma altíssima concentração de bens e poder nas mãos de poucas famílias; o respeito aos direitos humanos básicos é uma exceção; as saídas para os jovens no quadro da legalidade e o funcionamento sistêmico são restritas; a governabilidade é constantemente questio- nada, e as incompetências dos quadros políticos, dos especi- alistas e dos responsáveis pelas instituições são muitas. A corrupção está presente em todos os níveis da sociedade. A cultura da violência é uma constante que articula, de modo físico (invasões, ocupações e torturas) e simbólico (cinema, TV, disco e rádio), os velhos vícios das elites locais e a forte influência da violência sistêmica estadunidense10. Temos uma longa história de ocupações, invasões, inter- venções, derrocamentos, golpes de Estado e guerras inter- nas. A América Central e o Caribe têm sido os lugares prediletos das invasões estadunidenses; centenas de mi- lhares de mortos, feridos, desaparecidos e torturados são a marca das políticas do “destino manifesto” (Chomsky, 2005); o Iraque por várias décadas foi aqui. A América do Sul foi campo de ensaio dos regimes genocidas no Cone Sul e de fortes ditaduras que destruíram as comu- nidades de cientistas, artistas, filósofos e lutadores polí- ticos. As classes subalternas têm sido as mais afetadas, e, junto com elas, os povos indígenas, os negros, os migrantes 8 Lembremos que, entre 1992-2000, foi Bill Clinton e seu governo democrata que deu sustentação e apoio internacional aos regimes corruptos, autoritários e criminosos de Fujimori e Menem. Por conseguinte, não é exclusividade da direita republicana estadunidense a definição de táticas políticas de exclusão, desrespeito e manutenção de modelos de governo autoritários. 9 A publicação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre a Democracia na América Latina reúne o pensamento de importantes cientistas sociais, políticos e ex-governantes refletindo sobre a realidade política da América Latina; apesar de uma marcada linha de centro, contribui para o conhecimento político da região. 1 0 É ilustrativa a denúncia da Anistia Internacional contra o governo estadunidense por prender, em média, 5 mil crianças por ano pelo fato de migrarem sozinhas da América Latina, da África e da Ásia para os Estados Unidos (cnnenespanol.com: 18/06/2003). 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14168 Multiculturalismo na América Latina. Confluências e conflitos no espaço televisivo regional Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos 169 e o conjunto dos excluídos. As manifestações de delinqüência, desordem, protesto, boicote, greve e vio- lência armada de oposição só podem ser pesquisadas nesses contextos e nessa complexidade. A cultura da violência é sistêmica e ela abrange o conjunto dos contextos; temos um problema gravíssimo de violência doméstica, por exemplo, que não se explica só pela pobreza material; existem velhas matrizes culturais que potenciam o machismo, o autoritarismo patriarcal e o abuso sexual11. Preconceitos, cosmovisões fundamentalistas e mar- cas familiares repressivas contribuem para esses processos violentos. Mudar a cultura da violência requer políticas de transformação cultural que, considerando a complexidade da presença dessas matrizes seculares no comportamento das pessoas, desenhem projetos e planos operativos que possibilitem a criação de novas condições de existência so- cial e cultural. A mudança de legislação é imprescindível, terminando com regras e leis que são produto de épocas ditatoriais ou autoritárias e que servem unicamente para aprofundar o problema e gerar mais violência. As mídias na América Latina Na área da comunicação social, as mídias continu- am sendo concebidas e as freqüências públicas continuam sendo outorgadas como o foram, 500 anos atrás, as capita- nias gerais. No século XXI deve terminar o modelo coronelista12 de institucionalização midiática; nessa pers- pectiva, a contribuição do Fórum Nacional pela Democrati- zação da Comunicação, no Brasil, vem trabalhando com pro- postas alternativas ao atual formato, que em muito é her- deiro da época ditatorial. A estrutura das mídias na América Latina corresponde em muito à concepção mercadológica estadunidense; os sistemas de comunicação são reduzidos a empresas produtoras de lucro, as mensagens a mercado- rias, e a sua legislação ao direito privado (das elites). O caráter de serviço público, educativo, cultural, social e artís- tico fica restrito a pequenos espaços na programação ou a emissoras públicas em estado de calamidade financeira13. O padrão estadunidense, eficiente e produtivo no contexto dessa formação social hegemônica, apresenta graves proble- mas de adequação na América Latina; em geral, as empre- sas têm esquemas familiares e patriarcais de organização, têm pouco interesse no desenvolvimento de competências estéticas, profissionais, artísticas, tecnológicas e comunicacionais porque os vínculos com o poder político facilitam seu funcionamento econômico (propaganda e pu- blicidade estatais [grandes clientes “cativos”]; emprésti- mos com juros insignificantes e, às vezes, sem garantia de pagamento)14. A maioria de nossos países são importadores de pro- gramação televisiva, informação e programas de computa- dores, que reproduzem o formato simbólico de violência cultural gerado a partir do modelo estadunidense. As progra- mações locais mesclam essa matriz com os esquemas de violência ancestral para produzir telejornais, programas de auditório, telenovelas, propaganda política, séries e publicida- de intensamente marcados pela cultura da violência. Longe de caracterizar a mídia como “fonte dos males com poder ab- soluto”, constatamos que ela participa de modo significativo no funcionamento dos sistemas simbólicos contemporâne- os, propondo agendas cotidianas de consumo simbólico, te- 1 1 Os sistemas de controle e tabus que têm como origem mecanismos inquisitoriais ibéricos e de algumas sociedades indígenas têm permitido a existência de formas de vida violentas no contexto doméstico. Em relação a formas de institucionalização religiosa, o filme mexicano O crime do padre Amaro sintetiza um problema presente nas sociedades latino-americanas durante vários séculos. 1 2 Coronelista corresponde no Brasil a formas de poder do caudilhismo, fortemente vinculadas à propriedade da terra (latifundiários), que, com o desenvolvimento do capitalismo selvagem, beneficiaram a um pequeno grupo de famílias nas diferentes regiões de tal forma que controlam o poder político (mecanismos autoritários, clientelistas [voto de cabresto], corruptos e midiáticos [donos e administradores das redes locais de TV, rádio e imprensa), o poder financeiro e opoder de repressão, controle e espionagem. O caso mais conhecido pelo contexto internacional é o de Fernando Collor de Mello. A ficção televisiva tem construído exemplos signifi- cativos desse modelo; talvez o mais representativo seja o Sinhozinho Malta, de Dias Gomes, na telenovela Roque Santeiro (Dicio- nário da Rede Globo, 2003. Volume 1: Programas de auditório e entretenimento). 1 3 Nos meios de comunicação públicos apresentam-se os problemas de interferência dos governos locais, regionais e nacionais; a arcaica concepção de cultura que os dirigentes desses meios possuem, e o bloqueio econômico que os grupos de poder empresarial impõem junto com os governos para essas mídias. 1 4 É ilustrativo desse comportamento o escândalo da Rede Globo Cabo (filial da Rede Globo) no Brasil, que tinha quase garantido, antes do término do governo FHC, uma quota de 500 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para capitalização no segundo semestre de 2002. 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14169 Alberto Efendy Maldonado 170 Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos mas centrais de legitimação social, vivências catárticas de tipo espiritual, ilusões de experiências vitais de paixão, saí- das para problemas legais, jogos de azar e memória e humor fácil (preconceituoso e pouco inteligente). América Latina midiatizada A nossa análise a seguir vai refletir sobre alguns resultados de pesquisa que apóiam os argumentos expos- tos a respeito da produção televisiva das grandes redes que têm operado no Brasil e na América Latina: Rede Globo, Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e Rede Bandeirantes são os referentes empíricos midiáticos para visualizar as construções audiovisuais que se realizaram sobre América Latina, os latino-americanos e seu contexto. Os dados fo- ram construídos em duas pesquisas15 realizadas no Progra- ma de Pós-Graduação, Doutorado e Mestrado, em Ciênci- as da Comunicação da UNISINOS, entre os anos 2000 e 2004; as pesquisas incluíram conjuntos qualitativos de pro- gramação nesse período, definindo os seguintes critérios de seleção e sistematização: os ciclos de programação semanais (considerando a grade e os horários diários); fases significa- tivas (transferências de poder; mudança de programação; situações inusitadas) e períodos normais (semanas sem acon- tecimentos, eventos ou situações extraordinários); as dis- tintas emissoras de TV (consideradas com espaços/tempos/ instituições de produção e conflito com características parti- culares); os programas (pensados como estruturação/ materialização das mensagens), incluindo aqueles que as pesquisas16 indicam como geradores de significações sobre a América Latina (informação, ficção seriada, auditório); os horários (os que, segundo os questionários exploratórios e as pesquisas de mercado na área, são de preferência dos te- lespectadores, em especial o horário nobre (Priolli e Borelli, 2000), 19h-22h (Maldonado et al., 2004). As vivências cotidianas televisivas durante 14 anos no Brasil e a simultânea participação em grupos de pesqui- sa na USP17 e na UNISINOS18 tornaram possível desen- volver competências de observação sistemática de produ- tos midiáticos as quais permitiram formular hipóteses orientadoras sobre a midiatização televisiva produzida no ethos midiático brasileiro. As informações, vivências e expe- riências de pesquisa indicam a insuficiência de produção televisiva sobre a América Latina. Os dados produzidos na investigação que terminamos em fevereiro 200419 mostram que só 2,6% das mensagens televisivas das redes Globo, Bandeirantes e SBT abordaram a América Latina, um indi- cador sintomático da ausência de referências simbólicas sobre a região no contexto industrial de TV brasileiro. Essa situação agrava-se quando analisamos as estruturações con- cretas produzidas pelas redes; nosso modelo de análise ge- rou uma matriz que inclui os seguintes aspectos de problematização e sistematização: emissora/ programa/ país/ tema/ subtema/ formato/ gênero/horário/tempo/descrição. Constatou-se que o tratamento dado pela Band, pelo SBT e pela Globo aos países latino-americanos apre- senta uma forte concentração na bipolaridade Brasil/Ar- gentina (51,19%), produzindo uma redução a respeito da diversidade cultural e nacional latino-americana; observa- se, nesse aspecto, uma relação direta com os interesses econômicos empresariais que têm desenvolvido na última década uma importante inter-relação econômica no con- texto do Mercosul, embora esse rótulo não tenha significati- 1 5 A primeira pesquisa Transnacionais da televisão latino-americana [...] foi realizada entre março de 2000 e fevereiro de 2002 (o relatório final de 1.730 páginas inclui análises interpretativas, histórias de vida televisivas; videoconversas; videofórum e quadros de análise de recepção midiática); a segunda pesquisa As estruturações televisuais da América Latina nas redes Bandeirantes, SBT e Globo [...], 2003-2004 (o relatório final de 2.442 páginas inclui quadros de análise das mensagens, videofórum, videoconversas, questioná- rios exploratórios e análises interpretativas). 1 6 Nossas pesquisas na UNISINOS e pesquisas relevantes na área: Ficção e realidade: o Brasil na telenovela, a telenovela no Brasil, São Paulo: ECA-USP, 1995-1999; Recepção de telenovela uma exploração metodológica, São Paulo, ECA-USP, 1996-1999; Gabriel Priolli, Silvia Borelli et al. (2000) e Armand e Michèle Mattelart (1989). 1 7 Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, entre 1991-1999. Nos núcleos de pesquisa: Epistemologia da comunicação e Telenovela. 1 8 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, instituição de caráter privado comunitário que coloca a pesquisa como ramo e marca distintiva de suas atividades e estrutura (referência de qualidade no contexto brasileiro de comunicação). Temos desenvolvido investigações no seu PPGCC entre 2000 e 2004. 1 9 As estruturações televisuais sobre América Latina: produtos midiáticos, estratégias e recepção: a amostra televisiva somou 283 horas de gravações entre setembro de 2002 e fevereiro de 2003, América Latina alcançou 7 horas, 35 minutos e 54 segundos de cobertura nesse conjunto. 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14170 Multiculturalismo na América Latina. Confluências e conflitos no espaço televisivo regional Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos 171 va divulgação nas mídias estudadas, o elo Brasil/Argentina é fabricado com intensidade cobrindo mais da metade das mensagens televisivas produzidas sobre a região. Nas três redes a Argentina obteve uma média de cobertura de 21,76%, seguida de um segundo grupo de países/região com índices básicos de cobertura: Venezuela, com 7,16%; México; 5,91%; América Latina, 5,4% (não como país, mas como referência de conjunto); Cuba; 4,9%, e Uruguai, 4,65%. A fragmentação das mensagens produzidas pela Band, pelo SBT e pela Globo configurou um terceiro grupo de tratamento, formado por Colômbia, 3,64%; Peru, 3,14%; Paraguai, 2,66%, e Chile, 2,38%, que estão presentes na produção televisiva estudada de modo minoritário, mas não ínfimo. Desse modo, são contemplados oito dos dez países hispano-americanos da América do Sul, ficando em situa- ção de exclusão televisiva Bolívia e Equador, com índices inferiores a 2% de cobertura e mostrando novamente uma relação direta entre a presença econômica e a midiática, já que formam com o Paraguai o conjunto com maior atraso socioeconômico do sul do continente. Nesse sentido, en- contramos uma linha de continuidade com o tratamento dado aos países da América Central (perfil similar ao dos mais pobres da América do Sul), que obtiveram referências ínfimas na produção televisivas das redes; ao contrário do México, que, apesar de estar mais distante do Brasil, em termos de geografia física, ocupa o quarto lugar em número de mensagens emitidas pelas emissoras. Numa perspectiva comparativa, a rede mais endógena é a Globo: 36% de suasmensagens são sobre o próprio Brasil quando fala da América Latina; na Band, este aspecto alcança 27%, e no SBT, 23%, mostrando dis- tinções na quantidade de produção auto-referencial e simi- laridade no fato de colocar o Brasil como a referência mais tratada. Nas identidades de produção, a Argentina é tam- bém consenso, ocupando o segundo lugar, depois do Brasil; na Globo, 18,21%; na Band, 25%, e no SBT, 20%; observa- se, portanto, que, apesar das continuidades, o comporta- mento do SBT e da Bandeirantes é muito diferente ao pro- duzir quase o mesmo número de referências à Argentina que ao Brasil. As emissões com mais de 5% mostram afinidades entre as três redes,;a Band cita seis países/regiões (Brasil, Argentina, Venezuela, Colômbia, Uruguai e América Lati- na); o SBT cita quatro países/regiões com 5% ou mais (Bra- sil, Argentina, México e América Latina), e a Globo cita seis países (Brasil, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai e México). Verifica-se, assim, o foco da Rede Globo nas forma- ções sociais em separado; nas suas emissões preferenciais, temos mensagens sobre países, à diferença do SBT e da Band, que incluem a América Latina; constata-se também que, para o SBT, a América Latina é um bloco que está centrado em três países, Argentina, México e Brasil, coinci- dentemente os três produtores televisivos com que ela tra- balha mediante a importação e produção conjunta, mas que uma preocupação pela integração é uma política midiática auto-referente: o que interessa e existe são os negócios de compra e co-produção; lembremos que o SBT é o sistema televisivo que maior quantidade de produtos mexicanos veicula na sua programação diária, em especial telenovelas e os programas Chaves e Chapolin Colorado, com várias dé- cadas de presença na grade dessa rede. O SBT é a empresa que tem estabelecido maiores projetos de colaboração com as redes argentinas, produzindo telenovelas e programas infantis vinculados à indústria cultural desse país. Um olhar relacional entre Band e Globo mostra que as duas coincidem na produção de mensagens sobre quatro países, Brasil, Argentina, Venezuela e Uruguai, distinguin- do-se pela inclusão da Colômbia e América Latina, no caso da Band, e de Cuba e do México, na Rede Globo. No primei- ro grupo de concordância, observamos uma preocupação com a América do Sul e as potencialidades de construção de uma força econômico-política latino-americana a partir das economias (potencialmente as mais fortes) da Argenti- na, do Brasil e da Venezuela. O Uruguai é sócio do Mercosul, e, apesar de ser uma economia com pouco peso no contexto latino-americano, reúne potencialidades singulares nos as- pectos educativos e sociais, distinguindo-o do caso paraguaio (sócio do Mercosul), que apresenta características preocupantes de configuração: comparte com o Equador os maiores indicadores de corrupção da América do Sul; sua institucionalização é fraca, e os níveis de injustiça social são extremos, exibindo-se como o país do contrabando, a pirata- ria, o roubo sistemático e o assassinato de dirigentes políticos. Cabe salientar que a Venezuela constitui um refe- rente constante de produção televisiva pelos processos de crise e transformação que vem experimentando nos últi- mos anos. O modelo de “revolução bolivariana” estabeleci- do nesse país evidencia a profunda crise da democracia res- trita que funcionou durante várias décadas como esquema de dominação eficiente, sem precisar dos formatos ditatori- ais, que, na maioria dos países sul-americanos, as elites implementaram nas décadas de 1960 e 1970. O “ouro ne- gro” escondia as profundas incompetências e corrupções do bipartidarismo venezuelano (social-democracia/democra- cia-cristã) que usufruiu do fato de ser um dos maiores ex- portadores de petróleo do mundo, sem construir uma infra- estrutura produtiva básica de auto-sustentação para a eco- nomia nacional. Misturaram-se novamente (como na mai- oria dos países latino-americanos) os interesses hegemônicos estadunidenses (obtendo petróleo barato) com a 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14171 Alberto Efendy Maldonado 172 Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos inconseqüência cívica e cidadã dos grupos de poder locais. Nos primeiros anos da década de 1990, ocorreram explo- sões sociais que foram reprimidas com dureza, provocando a morte de milhares de cidadãos que cometeram o “crime” de manifestar-se contra a incompetência e a corrupção. A história marca o regime corrupto de Carlos Andrés Pérez, um dos máximos dirigentes da social-democracia latino- americana, como o executor dessa política criminal nos pla- nos econômicos e políticos; as falsas alternativas oferecidas pela democracia cristã aprofundaram essa crise, levando ao surgimento da tendência bolivariana, representada por Hugo Chávez, que procura insistentemente reorganizar a formação social venezuelana depois do desastre dos experi- mentos neoliberais. As temáticas apresentadas e a negação da diversidade A principal rede de televisão brasileira, a Globo, estrutura os programas que contêm mensagens sobre a América Latina concentrando quase 40% das referên- cias no tema política; essa opção, num olhar quantitati- vo superficial, expressaria uma preocupação significati- va e representativa com um aspecto crucial da realida- de lat ino-americana; não obstante, um olhar aprofundado e detalhado desse tratamento mostra que os processos políticos de integração têm só 1,81% de par- ticipação, o que é preocupante se se considera a im- portância que tanto o governo brasileiro quanto os gran- des empresários do país têm na região. O problema é ainda maior se consideramos a importância estratégica que a sua integração tem para a sobrevivência sobera- na do Brasil e dos países da região. Constata-se que, ao tratar da América Latina em termos políticos, a Globo reduz a problemática aos temas eleições e transição no Brasil, que ocupam quase 90% das mensagens veiculadas. Desse modo, restringe-se a política e se exclui a complexidade, a diversidade e a seriedade da realidade política da região; a auto-referência e os centralismos expressam um velho vício do autoritarismo midiático no continente. A agenda latino-americana fica reduzida ao imediatismo do ciclo eleitoral. Não se observa um tratamento da política inserido no contexto histórico latino-americano, nem mundial, deixando fora o crucial as- pecto de situar o Brasil no mundo, principalmente em rela- ção com os seus vizinhos e parceiros. Na Band, o tema política ocupa o segundo lugar em quantidade de mensagens emitidas (19,24%); ela é abor- dada mediante os subtemas crise (30%), eleições (22%), integração (13%), acordos de paz (Venezuela) (13%). No SBT, a política se situa no terceiro lugar com 17,14% das mensagens veiculadas; seu tratamento é feito com os subtemas eleições (39%), transição (28%), integração (11%), crise, conflitos, governos e personagens (5% cada um). Cons- tata-se, assim, uma similaridade interessante nas duas emis- soras: a relativa importância que dão à temática da integração; a Band dá 7 vezes mais tratamento e o SBT 6 vezes mais cobertura à integração que a Rede Globo. Isto é coerente com o tratamento por países, no qual a Band e o SBT incluíram América Latina como referente importante, e a Rede Globo o reduziu. O segundo tema apresentado na Rede Globo, em ordem quantitativa, é esporte, que alcança 23% das referên- cias que incluem a América Latina. O esporte está restrito a tênis, futebol e vôlei (98%); chama a atenção o fato de que um esporte de elites ocupe lugar central na programação; na mídia brasileira, esta estratégia midiática é histórica, dada a necessidade de fabricar figuras emblemáticas que sinteti- zem “heróis nacionais”: Airton Senna (automobilismo) e Guga (tênis) são exemplos paradigmáticos desse modelo. Nos programas investigados, é o Guga midiatizado que interessa, aproveitando suas virtudes humanas (solidarie- dade, humanismo, autenticidade, inteligência, rebeldia, co- ragem, alegria, sinceridade,informalidade e trabalho esfor- çado) que condensam a possibilidade de fabricar o midiático “Davi brasileiro lutando contra os Golias poderosos do Pri- meiro Mundo”. Ao contrário do futebol, o fraco desempe- nho esportivo do protagonista durante vários períodos não levou à sua exclusão da programação. É um ritual insis- tentemente repetido apresentá-lo na programação sobre a América Latina, na qual tem uma considerável participação, ocupando o mesmo número de referências que um esporte histórico de massas como é o futebol (símbolo mundial de apresentação do país) e um pouco mais que o vôlei, o esporte com maior número de praticantes no Brasil. É um fato que o esporte ocupa um lugar central na realidade latino-americana, mais como espetáculo midiatizado do que como cultura prática das pessoas. O negócio esportivo sustenta importantes empresas comer- ciais, indústrias e principalmente mídias; por isso, a sua inclusão na programação corresponde a uma lógica pro- dutiva, que, com todas as limitações das empresas latino- americanas, gera um importante conjunto de recursos econômicos. Este fator trabalhado em combinação com uma intensa história de competições no contexto latino- americano, principalmente no futebol, explicaria o porquê 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14172 Multiculturalismo na América Latina. Confluências e conflitos no espaço televisivo regional Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos 173 dessa importante presença na programação da Rede Globo sobre a América Latina. O tema esporte se situa em primeiro lugar na Band com 31,79%; os esportes veiculados pela emissora preferentemente são tênis (46%) e futebol (33%;) de fato, o perfil desta rede tem uma forte marca esportiva, o que ex- plica por que este tema serve para apresentar a América Latina. No SBT, o esporte ocupa o quarto lugar, com 9,52% das emissões sobre a região; à diferença da Rede Globo e da Band, a fórmula é futebol 50% e vôlei 40%, deixando o tênis num lugar secundário. Nas três emissoras a informação so- bre a vida esportiva na América Latina é pouco detalhada, ignorando-se à realidade inclusive nos esportes mais veicu- lados. O tratamento não alcança nem os níveis básicos in- formativos, pior análises ou reportagens de qualidade sobre a realidade esportiva. Cuba, por exemplo, aparece nos qua- dros de medalhas, quando tem eventos internacionais sem estabelecer referencias sobre o eficiente sistema esportivo desse país. A realidade paradoxal, similar no Brasil e no resto da América Latina de ter centenas de milhares de pessoas praticando esporte de maneira esforçada, sem apoio institucional ou empresarial é abordada superficialmente, em termos “heróicos”, nos momentos de triunfo e logo ignorados no planejamento do que seria a formulação de estratégias de enunciação que contribuam à mudança dessa situação. A cultura da violência com quase 11% das referên- cias (narcotráfico e delinqüência, 60%; violência política, 20%) mostra a necessidade da Rede Globo de abordar pro- blemas que sejam parte da constituição sistêmica das for- mações sociais latino-americanas nas suas estruturações como sociedades de capitalismo periférico dependente. O desvio de sentido que é produzido midiaticamente na rede é configurado na ínfima apresentação de informações, re- flexões, opiniões, estudos e investigações que tratam a pro- blemática da violência numa perspectiva aprofundada, sis- temática, séria e ética, privilegiando o descritivo circunstan- cial e o abuso de formas espetaculares que escondem os fatores centrais que possibilitam a existência e realização de formas de vida violentas. Delinqüência, narcotráfico e política são apresentados de modo superficial, deixando a percepção de que isso acontece por uma fatalidade idiossincrática dos latino-americanos. O tema cultura da violência situa-se em terceiro lu- gar na produção da Band sobre a América Latina, com 13,38% das mensagens; sua estruturação contempla vio- lência política, 37%; narcotráfico, 25%; terrorismo, 13%; pro- testo, 6%, e delinqüência, 6%. É interessante o peso que tem a violência política na sua cobertura, alcançando 43% das referências diretas. Para o SBT, esta temática não tem maior importância na amostra estudada, deixando-a em quinto lugar, com 6,66%; o tratamento do SBT mostra uma con- centração na violência política, com 43% das mensagens, no narcotráfico, com 29%, no tráfico de armas, com 14%, e no terrorismo, com 14%. Esta estrutura de mensagens consta- ta uma afinidade da cobertura da Band e do SBT, já que privilegiam o tema violência política, à diferença da Rede Globo que fabrica seu enfoque nas expressões de delinqüência. A análise midiática nos leva à constatação de uma diferença de perfil importante entre o SBT e as outras redes no aspecto temas. Para esse sistema, o tema de maior divul- gação é sociocultural, que ocupa o primeiro lugar, com 36% das emissões; sua configuração mostra que o subtema que concentra sua produção é programa de TV, com 82% das mensagens, ou seja, o SBT fala de TV na TV, que é o assun- to de maior divulgação e importância, mostrando uma es- pécie de “autismo midiático”. Esta característica da emissora é confirmada ao se observar que o segundo tema (no mes- mo nível de emissões que política) é mídia, que obtém 17% de presença, e nele o subtema mais veiculado é programa de TV, com 89% das emissões sobre a América Latina. Pode- se inferir, portanto, que para o SBT a América Latina é um programa de TV, ou melhor, são seus programas de TV. Confluências de formatos e diversidade cultural na esfera televisiva Parece que os contextos de crise são prolíficos na geração de formas culturais significativas; se pensamos, por exemplo, no melodrama20 como matriz cultural na produção midiática e nas narrativas sociais populares, só é possível compreender sua potencialidade sociossimbólica vinculan- do-a às formas históricas e às formas de vida contemporâ- neas. O crítico panorama apresentado neste texto não deve limitar nossa visão sobre o que acontece no campo midiático; ele é configurado a partir da confluência de várias lógicas, 2 0 Na construção desse conceito é basilar a proposta de Jesús Martín Barbero (1997, p. 96-162) em “Matrices históricas de la massmediación”, segunda parte de De los medios a las mediaciones/Comunicación, cultura y hegemonía. 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14173 Alberto Efendy Maldonado 174 Vol. VII Nº 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos midiáticos superando significativamente a restrição à lógica do mercado e do lucro. As grandes redes de televisão, por exemplo, não conseguiriam inserir-se nos contextos latino-americanos se não considerarem a diversidade cultural dos telespectado- res da região; as identidades múltiplas são trabalhadas com sistematização e arte pelas produções mais relevantes. As culturas populares, tragicômicas, grotescas, melodramáticas, comunitárias, sincréticas, solidárias, violentas, festivas, astu- tas, emotivas e espirituosas, estão presentes na programação midiática, adaptando-as aos formatos tecnoculturais e pro- fissionais desenvolvidos na produção televisiva. Os pactos de audiência programados pelas redes incluem nos seus for- matos os segmentos de telespectadores nas suas característi- cas socioculturais21. Os produtores midiáticos vão conside- rando, cada vez mais, elementos das configurações cultu- rais para planejar e estruturar os seus produtos. A dialética fragmentação/redução/desvio combina os problemas apon- tados com cultura/informação/comunicação sobre os nossos outros latino-americanos. Referências BAUMAN, Z. 2005. Vidas desperdiciadas, la modernidad y sus parias. Barcelona, Paidós. FUENTES, R. 2003. 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Rio de Janeiro, Campus. 2 1 A velha idéia de telespectadores genéricos com preferências e gostos homogêneos perdeu força graças ao desenvolvimento da pesquisa de recepção e à inclusão da pesquisa qualitativa no mercado. 04_Art02_Efendy.pmd 27/01/2006, 14:14174 << /ASCII85EncodePages false /AllowTransparency false /AutoPositionEPSFiles true /AutoRotatePages /None /Binding /Left /CalGrayProfile (Gray Gamma 2.2) /CalRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CalCMYKProfile (U.S. Web Coated \050SWOP\051 v2) /sRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CannotEmbedFontPolicy /Warning /CompatibilityLevel 1.3 /CompressObjects /Tags /CompressPages true /ConvertImagesToIndexed true /PassThroughJPEGImages true /CreateJDFFile false /CreateJobTicket false /DefaultRenderingIntent /Default /DetectBlends true /DetectCurves 0.0000 /ColorConversionStrategy /LeaveColorUnchanged /DoThumbnails false /EmbedAllFonts true /EmbedOpenType false /ParseICCProfilesInComments true /EmbedJobOptions true /DSCReportingLevel 0 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