Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Política Social de Assistência Social ?????. ?? Autora: Cristiane Gonçalves de Oliveira Colaboradores: Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Política Social de Assistência Social Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Professora conteudista: Cristiane Gonçalves de Oliveira Cristiane Gonçalves de Oliveira é natural de São Paulo – SP, assistente social graduada pela Universidade Estadual de São Paulo, no ano de 1996; pedagoga graduada pela Universidade Estadual de Campinas, em 2003. Atuante na área de Serviço Social, na Política de Assistência Social, na qual atua desde sua formação. É pós‑graduada em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo. Atua como assistente social, desde 1997, na Prefeitura Municipal de Campinas; e desde 2010, na Coordenadoria Setorial de Avaliação e Controle, desenvolvendo ações de monitoramento da rede de execução da Proteção Social Especial – Média Complexidade, serviços PAEFI, medidas socioeducativas em meio aberto e abordagem social de crianças e adolescentes. É professora do curso de Serviço Social no Centro Universitário Amparense e na Universidade Paulista – UNIP. Para mais informações, consulte a Plataforma Lattes, disponível em <http://lattes.cnpq.br/0929201567754726>. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Z13 Zacariotto, William Antonio Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William Antonio Zacariotto ‑ São Paulo: Editora Sol. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2‑006/11, ISSN 1517‑9230. 1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título 681.3 ? Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Virgínia Bilatto Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Sumário Política Social de Assistência Social INTRODUçãO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 A PROTEçãO SOCIAL DA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, NA LÓGICA DA GARANTIA E DEFESA DE DIREITOS ..................................................................................................................9 1.1 Histórico da política ...............................................................................................................................9 1.2 A Política de assistência social nos dias atuais ........................................................................ 17 1.3 Seguranças, vigilâncias e controle social .................................................................................... 27 Unidade II 2 PROTEçõES AFIANçADAS PELA PNAS .................................................................................................... 67 2.1 Eixos estruturantes do Suas ............................................................................................................. 67 2.2 Níveis de proteção ............................................................................................................................... 71 Unidade III 3 INSTRUMENTOS DE GESTãO ....................................................................................................................... 91 3.1 Gestão ....................................................................................................................................................... 91 3.2 Gestão do trabalho .............................................................................................................................. 92 3.3 Vigilância socioassistencial .............................................................................................................. 98 3.4 Instrumentos de gestão ...................................................................................................................111 3.5 Considerações finais ..........................................................................................................................122 7 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 IntrOduçãO Neste livro, veremos que a política de assistência social, existente desde a primeira metade do século passado, teve um viés atrelado à benesse e à caridade, voltada aos “pobres e desajustados”. Na segunda metade do século, iniciou‑se um movimento de ruptura com o caráter benemerente; até que, em 1988, foi reconhecida como uma política pública pela Constituição Federal, inserindo‑a no tripé da seguridade social, juntamente com as políticas de saúde e previdência social. Desde então, a assistência social vem trilhando uma trajetória de luta pela afirmação como uma política social direito de todos e dever do Estado, embora no texto constitucional ainda esteja direcionada “para quem dela necessitar”. Em 1993, temos a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, por meio da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da política, firmando‑a como um direito do cidadão e dever do Estado, como política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (Lei nº 8.742, art. 1º). A Loas inicia um processo de inovação da assistência social ao propor que a política seja descentralizada e participativa. Descentralizada, porque divide com estados e municípios a responsabilidade do planejamento e execução das ações mais voltadas à realidade de cada local; e demanda e participativa, porque envolve a participação da população nas esferas do planejamento e controle. A partir da efetivação da prática de participação, iniciaram‑se as conferências da assistência social, que têm como objetivo principal debater e avaliar a política, propondo novas diretrizes que ampliem “os direitos os direitos socioassistenciais dos seus usuários. Os debates são coletivos com participação social mais representativa, assegurando momentos para discussão e avaliação das ações governamentais e também para a eleição de prioridades políticas que representam os usuários, trabalhadores e as entidades de assistência social” (BRASIL, 2014)1. Como fruto das discussões e deliberações das conferências, chegou em 2004 a Política Nacional de Assistência Social, que regula a política até o tempo presente. A política nacional prevê sua organização de forma intersetorial, considerando “as desigualdades socioterritoriais, visando ao seu enfrentamento,à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender à sociedade e à universalização dos direitos sociais” (BRASIL, 2014). A Política Nacional prevê a organização do Sistema Único de Assistência Social, o Suas, que atribui ao Estado, de forma descentralizada, a responsabilidade por organizar os serviços socioassistenciais no Brasil, tendo como parâmetro as diretrizes nacionais e as realidades socioterritoriais de cada região. 1 Informações encontradas no site do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, que regula a política de assistência social na esfera federal. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/ sou‑conselheiro‑da‑assistencia‑social/conferencias‑de‑assistencia‑social>. Acesso em: 25 mar. 2014 8 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 O Suas, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), prevê um modelo de gestão participativa, com responsabilidades dos três níveis de governo. Para integrar o sistema, estados e municípios precisam cumprir determinados requisitos e responsabilidades, estando assim habilitados ao Suas. A habilitação ao Suas prevê níveis de gestão e classificação por porte populacional para os municípios, dependendo da realidade de cada um. Essas classificações estão normatizadas nas Normas Operacionais Básicas – NOB/Suas de 2005 e 2012, bem como as regras para o controle social, financiamento, vigilância socioassistencial, entre outras necessárias para a organização do sistema. Seguindo as diretrizes da política nacional, as ações da assistência são organizadas por tipos de proteção e níveis de complexidade, denominados proteção social básica e proteção social especial, sendo esta de média complexidade e alta complexidade. Para que as ações possam ocorrer seguindo as diretrizes do Ministério, respeitando a diretriz de comando único das ações, foram atribuídos mecanismos de gestão que devem ser apropriados em todas as esferas de governo, além de analisados e deliberados pelos Conselhos de Assistência Social; respeitando, assim, a realidade socioterritorial de cada ente, cumprindo a diretriz de descentralização e participação. Em 6 de julho de 2011, foi promulgada a Lei nº 12.435, que implanta o Sistema Único da Assistência Social, conforme artigo 6º da referida lei. Baseando‑nos nesta trajetória que ora vamos nos aprofundar nos conceitos e diretrizes da Política de Assistência Social. 9 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social Unidade I 1 A PrOtEçãO SOCIAL dA POLÍtICA PÚBLICA dE ASSIStÊnCIA SOCIAL, nA LÓGICA dA GArAntIA E dEFESA dE dIrEItOS 1.1 Histórico da política A Constituição brasileira de 1988 instituiu no Brasil um relevante marco no processo histórico de construção de um sistema afiançado de direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal. Conforme seu artigo 3º, constituem‑se objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988, p. 1). No artigo 6º, esta apresenta como direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. (BRASIL, 1988, Emenda de 2010). Com a incorporação desses artigos e o reconhecimento do compromisso do Estado com o bem‑estar da população, a Constituição Federal instaurou um novo paradigma para sociedade brasileira, introduzindo o conceito de seguridade social, promovendo e garantindo uma vida digna a todos os cidadãos. Segundo o artigo 194, a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade que, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, traz para responsabilidade do Estado, ainda, a competência de organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; 10 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (BRASIL, 1988). A seguridade social preconizada na Constituição configura, assim, um sistema de proteção social [...] por meio do qual a sociedade proporcionaria a seus membros uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais. Sejam decorrentes de riscos sociais – enfermidade, maternidade, acidente de trabalho, invalidez, velhice, morte, sejam decorrentes das situações socioeconômicas como desemprego, pobreza ou vulnerabilidade, as privações econômicas e sociais devem ser enfrentadas, pela via da política da seguridade social, pela oferta pública de serviços e benefícios que permitam em um conjunto de circunstâncias a manutenção de renda, assim como o acesso universal à atenção médica e socioassistencial (JACCOUD, 2009, p. 62). Composto pelo tripé da seguridade social, o sistema de proteção social proposto pela Constituição é formado pela articulação das políticas sociais de saúde, previdência social e assistência social. Cabe à política de saúde, conforme artigo 196, a garantia da universalidade, constituindo‑se em direito de todos e dever do Estado, devendo ser ofertada por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). A política de previdência social está organizada nos parâmetros do sistema de proteção social contributiva, ou seja, são segurados somente os trabalhadores formais, que contribuem mensalmente com valores incidentes sobre a remuneração. Atualmente, há também as categorias de “contribuinte individual”, destinada aos trabalhadores autônomos ou de caráter eventual, ou seja, que exercem atividades de forma não contínua e esporádica, sem subordinação e horário e o “contribuinte facultativo”, destinada as pessoas maiores de dezesseis anos de idade que não exerçam atividades remuneradas que as enquadre como segurado obrigatório da previdência social. O direito ao benefício vincula‑se ao provimento de subsistência do beneficiário em caso de perda de sua capacidade laborativa, como doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário‑família e auxílio‑reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda, pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes (BRASIL, 1988, art. 201, incisos I‑V). Já a assistência social se insere na qualidade de proteção social não contributiva, ou seja, independe de contribuição prévia à seguridade social e, segundo artigo 203 da Constituição, será prestada a quem dela necessitar, tendo como objetivos: 11 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Socialde aSSiStência Social I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê‑la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988, art. 203). No entanto, cabe ressaltar que a introdução da política de assistência social no eixo da seguridade social, na Constituição Federal, em 1988, ocorreu “mais pela decisão política do grupo de ‘transição democrática’ da denominada Nova República, período que marcou a passagem do final da ditadura militar ao processo constituinte e reconstrução institucional do Estado de Direito”, que “analisou e propôs a gestão da previdência social expurgada do que não era, stricto sensu, seguro social”; ou seja, a “constituição político‑institucional da assistência social na seguridade social se deu pela negativa, isto é, passou a ser campo de assistência social, o que não era da previdência social por não ser benefício decorrente de contribuições prévias”. Desta forma, a “introdução da função assistência social como política de seguridade social não resultou de um processo político pela ampliação do pacto social brasileiro” (SPOSATTI, 2007, p. 445‑446). No entanto, não se pode negar que o rebatimento dessa questão repercute na introdução de uma nova concepção para esta política, que implica uma mudança de postura dos órgãos executores públicos, principalmente após a implantação do Suas. Embora, no início, ela tenha sido definida genericamente como “proteção à vida e à cidadania”, isso já trouxe à tona a questão da discussão sobre o direito social e a universalidade de acesso. Porém, muitas vezes, sua atuação tenha tomado o caráter de política complementar, e a redação do artigo 203 da Constituição Federal de 1988, “a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” possibilite uma interpretação reducionista voltada às pessoas sem poder econômico, embora pudéssemos analisar também que, “independente da contribuição”, nos remete à discussão sobre a universalidade de acesso e direito social (ARAÚJO, 2009). Dado o histórico conceitual da assistência social em nosso país, a tendência é a interpretação baseada na primeira alternativa. Como analisa Araújo (2009, p. 51): a imediata relação dessa expressão com a pobreza possibilitou que o entendimento do campo da política de assistência social permanecesse o mesmo. “[...] Aliás, a lei havia escrito exatamente o que a assistência social representava: uma política pobre para atender o pobre e a pobreza.” (NOZABIELLI, 2008, p. 55). 12 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I Entretanto, para efeito deste estudo, nos orientaremos quanto à segunda interpretação descrita anteriormente, ou seja, aquela relacionada à universalidade de acesso e direito social. Nesse sentido, o reconhecimento da assistência social como política pública e dever do Estado propõe a ruptura dos paradigmas e concepções conservadoras de caráter benevolente e assistencialista, prevendo a garantia de financiamento com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, a descentralização político‑administrativa para estados e municípios no que tange à coordenação e execução dos programas, cabendo à esfera federal a coordenação e as normas gerais (BRASIL, 1988, art. 204, I) e a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL, 1988, art. 204, II). Portanto, referir‑se à Assistência Social como um sistema de proteção social supõe compreender que sua organização e desenvolvimento são configurados historicamente, dadas as condições sociais, políticas e econômicas de uma sociedade onde as relações sociais determinam em última instância sua abrangência, complexidade e cobertura (ARAÚJO, 2009, p. 40). Como afirmam Silva, Yazbek e Giovanni, os modernos sistemas de proteção social não são apenas respostas automáticas e mecânicas às necessidades e carências apresentadas e vivenciadas pelas diferentes sociedades. Muito mais do que isso, eles representam formas históricas de consenso político, de sucessivas e intermináveis pactuações que, considerando as diferenças existentes no interior das sociedades, buscam, incessantemente, responder a, pelo menos, três questões: quem será protegido? Como será protegido? Quanto de proteção? (DI GIOVANNI; SILVA; YAZBEK, 2008, p. 18). A Política Nacional de Assistência Social de 2004, utilizando‑se do conceito de Di Giovanni (1998, p. 10), apresenta o significado da proteção social como sendo as formas institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio, as privações. [...] Neste conceito, também, tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social. Ainda, os princípios reguladores e as normas que, com intuito de proteção, fazem parte da vida das coletividades (BRASIL, 2004, p. 31). Segundo o texto da PNAS, a assistência social “configura‑se como possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo” (BRASIL, 2004, p. 31). 13 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social Deste modo, vai se delimitando o conceito de proteção social no âmbito da assistência social, como consequência da Política Pública de alcance mais amplo, podendo organizar‑se não apenas para a cobertura de riscos sociais, mas também para a equalização de oportunidades, o enfrentamento das situações de destituição e pobreza, o combate às desigualdades sociais e a melhoria das condições sociais da população (JACCOUD, 2007, p. 3). Desse modo, “a política de assistência social, enquanto mediação entre Estado e sociedade, é determinada pela relação entre as forças sociais e políticas na qual se funda e que repercute na legitimidade do seu estatuto de política pública” (ARAÚJO, 2009, p. 41), principalmente por se tratar de uma política não contributiva. Segundo Sposati (2007, p. 437) O âmbito de uma política social é resultante de um processo social, econômico, histórico e político e, por consequência, flui das orientações que uma sociedade estabelece quanto ao âmbito das responsabilidades — se públicas ou privadas — para prover as necessidades de reprodução social. A política social refere como dever de Estado e direito do cidadão as provisões que têm provisão pública, isto é, aquelas que transitam da responsabilidade individual e privada para a responsabilidade social e pública. É bom sempre relembrar que o processo de reprodução social não é autônomo do processo de produção social, assim, as demandas por proteção social têm relação intrínseca com o modo de inserção do cidadão no processo produtivo e o modo de produção da sociedade de mercado. Importante não esquecer que a assistência social se instala em um campo social constituído por iniciativas históricas advindas da compaixão, do altruísmo e de práticas religiosas voltadas ao exercício do amor ao próximo e à caridade. Portanto, o primeiro desafio que é colocado para esta política situa‑se na separação do campo público e as práticas privadas, para depois reconstruir novas formas de relaçãoentre um e outro (ARAÚJO, 2009). Nesse sentido, a assistência social não se desvinculou totalmente do antigo caráter de benemerência. É na correlação de forças sociais e políticas que são estabelecidos os padrões de acesso a bens e serviços a serem viabilizados através das políticas sociais, cuja densidade político‑emancipatória possibilita configurar‑se como mecanismo de distribuição de riquezas (PAIVA, 2006, p. 6‑7, apud ARAÚJO, 2009, p. 41). A perspectiva conservadora de nossa sociedade ainda confere à assistência social a concepção de ajuda, atribuindo individualmente a responsabilidade pela situação vivenciada, destituindo, assim, a 14 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I dimensão econômica e política, dificultando o seu reconhecimento como política pública. [...] Associada à benevolência configurou‑se como uma prática “natural” inerente à solidariedade entre indivíduos, com presença subsidiária do Estado e reiterada pelo ideário neoliberal predominante na sociedade brasileira que considera a proteção social do âmbito privado e não público. Agrega ainda Mestriner (2001), que o reconhecimento das necessidades sociais pelo Estado tem sido mediado por organizações privadas, “truncando a possibilidade de efetivação da cidadania dos segmentos fragilizados” (MESTRINER, 200, p. 17 apud ARAÚJO, 2009, p. 42). As práticas privadas são, por natureza, individualizadas, já que se vinculam às missões estatutárias de suas organizações e são dirigidas a algumas pessoas ou grupos. A ação pública, por seus princípios, é destinada a todos e tem a responsabilidade de resolver, suprir e prover determinadas necessidades sociais da população. A introdução da assistência social no campo da seguridade social, na Constituição Federal de 1988, atribui sua responsabilidade à primazia do Estado, por meio da “descentralização político‑administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal; e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social” (art. 204, inciso I); e prevendo a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (art. 204, inciso II), impetrou uma redefinição da relação entre Estado e sociedade. Essa redefinição vem sendo reiterada, desde então, nas legislações que norteiam as diretrizes da política (Loas – Lei nº 8.742 de 1993, PNAS de 2004, Lei nº 1.2435 de 2011, que altera a Lei nº 8.742). Afirmar a existência de um campo de proteção social não contributiva e incluí‑lo sob a égide da responsabilidade estatal significa aceitá‑lo como domínio da gestão pública, ou seja, uma área da ação estatal de responsabilidade dos três entes federativos. Desta forma, o rompimento com as ações de caridade e da solidariedade em torno da assistência social, previsto no âmbito da legislação, vislumbra um novo caminho de construções coletivas e de responsabilidades atribuídas a cada segmento. A inclusão da assistência social na seguridade social foi uma decisão plenamente inovadora. Primeiro, por tratar esse campo como de conteúdo da política pública, de responsabilidade estatal, e não como uma nova ação, com atividades e atendimentos eventuais. Segundo, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade, pelo qual a ação da família e da sociedade antecedia a do Estado. O apoio a entidades sociais foi sempre o biombo relacional adotado pelo Estado para não quebrar a mediação da religiosidade posta pelo pacto Igreja‑Estado. Terceiro, por introduzir um novo campo em que se efetivam os direitos sociais (SPOSATI, 2009, p. 14). 15 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social A promulgação da Loas – Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742), em 1993 – formaliza a assistência social como política pública, reitera as diretrizes propostas em 1988, pela Constituição Federal, como a descentralização político‑administrativa para os estados, o Distrito Federal e os municípios; comando único das ações em cada esfera de governo; a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; e a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo (Lei nº 8.742, art. 5, I‑III, 1993). O comando único, previsto no inciso I do artigo citado, caracteriza‑se por um núcleo coordenador da política de assistência social em cada uma das instâncias de governo, vai pressupor a estruturação de um órgão executivo próprio, articulado ao cumprimento das suas competências específicas – nos níveis de normatização, regulamentação, planejamento, execução e avaliação – devendo ser desenvolvidas em um processo integrado de cooperação e complementaridade intergovernamental, que evite paralelismos e garanta unidade e continuidade das ações (BRASIL, 2008, p. 18). Em relação ao financiamento, previsto no artigo 28 da Loas, se constituirá com recursos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, das demais contribuições sociais previstas no artigo 195 da Constituição Federal, além daqueles que compõem o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). As organizações representativas, denominadas conselhos de assistência social, constituem‑se enquanto instâncias deliberativas, de caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil, apontam para a democratização da gestão, confrontando o modelo centralizado e tecnocrático existente, introduzindo a possibilidade de ampliar os espaços decisórios e o controle social, através de um sistema aberto à participação da sociedade civil (BRASIL, 2008, p. 18). Vimos até aqui que o gestor público deve deslocar sua preocupação da ação dos processos de ajuda às entidades sociais e se responsabilizar diretamente por criar soluções e respostas às necessidades de proteção social da população. Sendo assim, cabe definir no que se constitui afinal a proteção social. O sentido da palavra proteção (protectione, do latim) supõe defesa de algo, amparo, socorro, apoio, guarda. Remete a ideia de preservação, de impedimento e de segurança. A partir deste conceito, a política de assistência social preconiza e afiança seu sistema de proteção social, na garantia das seguranças necessárias à sobrevivência, rendimento, autonomia, acolhida, convívio e vivência familiar e comunitária. 16 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I Sposati complementa: A ideia de proteção social exige forte mudança na organização das atenções, pois implica superar a concepção de que se atua nas situações só depois de instaladas, isto é, depois que ocorre uma desproteção. A aplicação ao termo “desproteção” destaca o usual sentido de ações emergenciais, historicamente atribuído e operado no campo da assistência social. A proteção exige que se desenvolvam ações preventivas (SPOSATI, 2009, p. 21). O resultado desse processo foi a materialização da construção coletiva do redesenho desta política, proposto pela Política Nacional de Assistência Social de 2004, na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social – Suas, fruto do cumprimento das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília, em dezembro de 2003. Em 23 de junho de 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS, apresentou a versão preliminar do texto, que foi amplamente divulgada e discutida em todos os estados brasileiros nos diversos encontros, seminários, reuniões, oficinas e palestras quegarantiram o caráter democrático e descentralizado do debate envolvendo um grande contingente de pessoas em cada estado deste País. Este processo culminou com um amplo debate na Reunião Descentralizada e Participativa do CNAS realizada entre os dias 20 e 22 de setembro de 2004, em que foi aprovada, por unanimidade, por aquele colegiado (BRASIL, 2004, p. 11). A partir de então, esforços foram conjugados no sentido de avançar progressivamente na construção um Sistema Único de Assistência Social, integrado pelos entes federativos, pelos respectivos conselhos de assistência social e pelas entidades e organizações de assistência social, sendo que a instância coordenadora da Política Nacional de Assistência Social é o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (BRASIL, Lei nº 12.435/2011, art. 6, § 2 e 3). Apesar de a política de assistência social estar direcionada à proteção em situações em que a ausência de renda e o acesso a bens e serviços podem agravar as situações de riscos e vulnerabilidades, o seu caráter relacional, ou seja, o fato de proteger também as violações oriundas das relações familiares e comunitárias, faz com que tenha uma amplitude para além do corte de renda das populações que poderão utilizar seus serviços. Por isso, adquire um caráter de política pública e tem como um de seus princípios a universalidade de acesso. Nesse sentido, podemos dizer que o termo “para quem dela necessitar” não se refere à parcela da população pobre ou excluída socialmente. Um dos requisitos da proteção social a que ela está relacionada faz menção aos conceitos de prevenção, base da sua atuação nos territórios de vulnerabilidade; portanto, podemos entender que prevenir significa dar condições para o enfrentamento de uma situação que pode prejudicar algo ou alguém, antes que ela se instale, demonstrando a possibilidade de deslocamento da condição mais frágil, vulnerável, para a condição mais forte, protegido (ARAÚJO, 2009, p. 54). 17 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social A condição de estar protegido significa, segundo Sposati (2007), ter uma capacidade de enfrentamento e resistência para impedir que as agressões, precarizações ou privações da vida e das relações estabelecidas entre os pares deteriorem nossa condição de cidadão, sujeito de direitos, ser humano, porém, “estar protegido não é uma condição inata, ela é adquirida não como mera mercadoria, mas pelo desenvolvimento de capacidades e possibilidades” (SPOSATI, 2007, p. 17). A Política Nacional de Assistência Social – PNAS define como público usuário da assistência social, cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social (BRASIL, 2004, p. 33). “O conceito de vulnerabilidade social adotado pela PNAS é multidimensional, abrangendo não somente a ausência ou insuficiência de renda, mas situações excludentes e discriminatórias processadas nas relações sociais” (ARAÚJO, 2009, p. 55). Esta autora analisa, a partir dos estudos de Oliveira (1995, apud ARAÚJO, 2009), que a vulnerabilidade, ainda que deva ser a base material para seu mais amplo enquadramento, é insuficiente e incompleta, porque não especifica as condições pelas quais se ingressa no campo dos vulneráveis, existindo outras situações para além da ausência de renda, que atingem os grupos étnico‑raciais, as mulheres, os grupos indígenas, os trabalhadores rurais, os nordestinos, entre outros. Desta forma, os autores citados situam as vulnerabilidades sociais no campo das relações sociais, e suas compreensões devem perpassar “pela ação de outros agentes sociais e que devem ser enfrentadas por meio das políticas públicas, sendo fundamental situá‑las no campo dos direitos, como diz Oliveira, ‘retirando‑as da conceituação de carências’” (ARAÚJO, 2009, 55). Para concluir, Araújo (2009) ressalta que as respostas à totalidade das demandas não são de exclusiva atribuição da assistência social. 1.2 A Política de assistência social nos dias atuais Em 6 de julho de 2011, o Suas se materializa efetivamente, por meio da Lei nº 12.435, que altera a Loas, Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, dispondo sobre a organização da assistência social a partir de então. Passa a ser objetivo da assistência social, conforme artigo 2, desta Lei, 18 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I I – a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) e) a garantia de 1 (um) salário‑mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê‑la provida por sua família; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) (BRASIL, Lei nº 8.742/93, art. 2, inciso I, 2011). A Política Nacional de Assistência Social, publicada em 2004, e a Norma de Operações Básicas do Sistema Único da Assistência Social, de 2005, afirmam que a proteção social a ser assegurada pela política de assistência social Ocupa‑se de prover proteção à vida, reduzir danos, monitorar populações em risco e prevenir a incidência de agravos à vida em face das situações de vulnerabilidade. A proteção social de assistência social se ocupa das vitimizações, fragilidades, contingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão, a cidadã e suas famílias enfrentam na trajetória de seu ciclo de vida, por decorrência de imposições sociais, econômicas, políticas e de ofensas à dignidade humana (BRASIL, 2005, p. 89). Dizemos sobre os riscos no âmbito da assistência social, pois se faz importante delimitar o que é entendido como situação de risco social no âmbito da assistência social, bem como as situações em que se dão suas ocorrências, uma vez que em nossa sociedade, capitalista, pós‑moderna, estamos vulneráveis às consequências das ações humanas e ambientais e, portanto, a aproximação com o conceito de risco é próxima e permanente. Aldaiza Sposatti, em seu texto “Modelo Brasileiro de Proteção Social não Contributiva: concepções fundantes”, analisa que temos que considerar as expressões de risco e vulnerabilidade social a partir de seguranças sociais afetas à proteção social não contributiva, pois “ não são todas as necessidades 19 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social humanas de proteção que estão para a resolutividade da assistência social, como também não são as necessidades de proteção social dos pobres que aqui são consideradas como específicas da assistência social” (SPOSATTI, 2009, p. 33). Para efeito de delimitação da abrangência da política de assistência social, a autora caracteriza“os riscos sociais a serem enfrentados pela política de assistência social conforme a natureza do ciclo de vida, a dignidade humana, e a equidade” e afirma que “aprofundar essas dimensões permite a oferta de serviços apropriados para responder a tais situações reduzindo danos e restaurando vidas” (SPOSATTI, 2009, p. 33). Destaca ainda que, embora riscos e contingências sociais afetem, ou possam afetar todos os cidadãos, as condições que caracterizam o padrão de vulnerabilidade social para enfrentá‑los e superá‑los são diferenciadas entre esses cidadãos, por decorrência da sua condição de vida e da ocorrência da cidadania precária, que lhes retira condições de enfrentamento a tais riscos com seus próprios recursos. Assim, as sequelas da vivência desses riscos e as vulnerabilidades em enfrentá‑los e superá‑los podem ser mais ampliadas para uns do que para outros (SPOSATTI, 2009, p. 32). Nesse sentido, a noção de risco apresenta um conteúdo substantivo, um adjetivo e outro temporal. O conteúdo substantivo diz explicitamente o que é o risco. Essa noção imediatamente leva à sua abordagem temporal: o antes, que se ocupa das causas do risco, e o depois, que se ocupa dos danos, sequelas, perdas que provoca. Há, porém, uma questão adjetiva, que vai se tornar fundamental para o desenho da política e diz respeito à graduação do risco. A vivência do risco pode proporcionar sequelas mais ou menos intensas, por decorrência da vulnerabilidade/resistência dos que sofrem o risco, como também do grau de agressão vital do próprio risco (SPOSATI, 2009, p.29). Por conseguinte, conjuntamente com a noção de riscos sociais, aparece a noção de vulnerabilidade social, a qual se entende como sendo a materialização das situações decorrentes da situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras) (BRASIL, 2004, p. 33). Porém, a “vulnerabilidade social não é só econômica, ainda que os de menor renda sejam mais vulneráveis pelas dificuldades de acesso aos fatores e condições de enfrentamento a riscos e agressões sociais” (SPOSATI, 2009, p. 34). 20 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I Sposatti (2009, p. 35) afirma que a vulnerabilidade, assim como o risco, também tem graduação e que pensar a política de assistência social abrangendo os mais e os menos vulneráveis significa pensar nas pessoas e/ou grupos mais e menos sujeitos a um risco, ou naqueles a serem mais, ou menos, afetados quando a ele expostos. Nesse sentido, cabe identificar dois planos: o das fragilidades e o da incapacidade em operar potencialidades. Sendo assim, atuar com vulnerabilidades significa reduzir fragilidades e capacitar as potencialidades. Esse é o sentido educativo da proteção social, que faz parte das aquisições sociais dos serviços de proteção. O olhar da vulnerabilidade não pode ser só da precariedade, mas também o dimensionamento da capacidade ou, como tenho proferido, da resiliência, isto é, da capacidade de resistência a confrontos e conflitos (SPOSATI, 2009, p. 35). Partindo desses pressupostos, a política de assistência social foi pensada em relação ao trabalho preventivo das situações de riscos e vulnerabilidades e também na gradualidade e hierarquização da ocorrência dessas situações, constituindo assim níveis protetivos a serem afiançados pela política, conforme a escala do agravamento e o grau do vínculo de pertencimento ao convívio familiar que vão definir se o trabalho com a família partirá do seu domicílio ou se serão adotados espaços substitutos, permanentes ou temporários, desse convívio, quando irremediavelmente precário (SPOSATI, 2009, p. 36). Para o planejamento desta proteção, levou‑se em consideração a conjugação de alguns dados de precarização e potencialidade das famílias, o exame territorial onde se dão essas incidências, a oferta de serviços disponíveis, entre outros indicadores, pensando em uma oferta de trabalho que previne e reduz “os danos provocados por riscos, isto é, diminui o possível efeito de deterioração que poderá causar uma futura vivência de risco (SPOSATI, 2009, p. 36). Continuando o desafio de delimitar a abrangência da política de assistência social, Sposati (2009) infere que a assistência social se coloca no campo da defesa da vida relacional, se alinhando “como política de defesa de direitos humanos” (2009, p. 24). Segundo a autora, “defender a vida, independentemente de quaisquer características do sujeito, como é o caso da saúde, é também um preceito que a orienta” (2009, p. 24‑25). Sua principal atuação deve estar relacionada ao enfrentamento e prevenção das formas de agressão à vida, no sentido social e ético. A assistência social coloca‑se, portanto, no campo da defesa da vida relacional. As principais agressões à vida relacional relacionam‑se aos campos: • Do isolamento, em suas expressões de ruptura de vínculos, desfiliação, solidão, apartação, exclusão, abandono. Todas essas expressões reduzem em qualquer momento do ciclo de vida as possibilidades do sujeito, e sua presença agrava a sobrevivência e a existência nos momentos em que ocorrem maiores fragilidades no ciclo de vida: a infância, a adolescência e a velhice [...]. 21 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social • Da resistência à subordinação, em suas expressões de coerção, medo, violência, ausência de liberdade, ausência de autonomia, restrições à dignidade [...]. • Da resistência à exclusão social, em todas as suas expressões de apartação, discriminação, estigma, todos distintos modos ofensivos à dignidade humana, aos princípios da igualdade e da equidade [...] (SPOSATTI, 2009, p. 25). Com base nos preceitos aqui descritos, a violação de direitos pode se expressar por meio de situações que representem fragilidade, vulnerabilidade ou iminência, ou ocorrência de situações que abalam as condições de autonomia e protagonismo das pessoas, o convívio familiar e comunitário, bem como o exercício da cidadania. Podem exemplificar essas situações as ocorrências de violência intrafamiliar física, psicológica, abandono, negligência, abuso e exploração sexual; situação de rua; atos infracionais; trabalho infantil; afastamento do convívio familiar e comunitário; situações de isolamento social. Essas situações podem se configurar para todas as pessoas, mas alguns segmentos da população, dado seu momento e condições de vida, podem estar mais vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com deficiência. Portanto, segundo a autora, trabalhar situações de risco supõe “conhecer as incidências, as causalidades, as dimensões dos danos para estimar a possibilidade de reparação e superação, o grau de agressão do risco, o grau de vulnerabilidade/resistência ao risco” (SPOSATI, 2009, p. 29). Entender a assistência social como um sistema de proteção social supõe compreender que sua organização e dinamicidade são configuradas historicamente, dadas as condições sociais, culturais, políticas e econômicas de uma sociedade, em que as relações sociais determinam sua abrangência, complexidade e cobertura. Os modernos sistemas de proteção social não são apenas respostas automáticas e mecânicas às necessidades e carências apresentadas e vivenciadas pelas diferentes sociedades. Muito mais do que isso, eles representam formas históricas de consenso político, de sucessivas e intermináveis pactuações que, considerando as diferenças existentes no interior das sociedades, buscam, incessantemente, responder a, pelo menos, três questões: quem será protegido? Como será protegido? Quanto de proteção? (SILVA,YAZBEK; GIOVANNI, 2004, p. 16). Definir o campo de atuação da assistência social envolve traçar um perfil das mazelas e das desigualdades produzidas na sociedade brasileira; portanto, a proteção social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo Suas para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional (BRASIL, 2005, p. 90). 22 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I Tal definição delimita o campo de ação dessa política e aponta para a compreensão das determinações sócio‑históricas das vulnerabilidades sociais e seu enfrentamento na condição de direito social. Dado o cenário social brasileiro, de grande desigualdade social, pode configurar‑se como uma política social de amplo alcance, podendo organizar‑se não apenas para a cobertura de riscos sociais, mas também para a equalização de oportunidades, o enfrentamento das situações de destituição e pobreza, o combate às desigualdades sociais e a melhoria das condições sociais da população (JACCOUD, 2009, p. 60). O entendimento dos conceitos expostos não pode ser limitado em sua leitura como algo estático e único, pelo contrário, as variações de cada território, cultura, política, economia e, principalmente, dos contextos históricos de cada pessoa, família e comunidade são fundamentais para planejamento das ações. Cabe destacar, também, que a política de assistência social sozinha não é capaz de tecer essa trama complexa que visa à proteção, garantia e a preservação dos direitos sociais. Para tanto, a completude e a construção em conjunto com as outras políticas sociais e públicas definem caminhos que devem ser percorridos pelo Estado e pela sociedade. Assim, Uma política efetivamente redistributiva, visando a que as pessoas não sejam discriminadas em função do lugar onde vivem, não pode, pois, prescindir do componente territorial. É a partir dessa constatação que se deveria estabelecer como dever legal – e mesmo constitucional – uma autêntica instrumentação do território que a todos atribua, como direito indiscutível, todas aquelas prestações sociais indispensáveis a uma vida decente e que não podem ser objeto de compra e venda no mercado, mas constituem um dever impostergável da sociedade como um todo e, neste caso, do Estado (SANTOS, 2007, p. 141). A leitura do complexo cenário social exige, sobretudo dos gestores da política, dinamicidade e diagnóstico das variações de cada território, incluindo suas relações culturais, política, economia e, principalmente, seus contextos históricos individual, familiar e comunitário. A questão do território onde as relações sociais e humanas acontecem necessita de atenção e não deve ser visto apenas como o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi. Quando se fala de território, deve‑se, pois, logo entender que está se falando de território usado, utilizado por uma população (SANTOS, 2000, p. 96, apud PAPALI, 2008, p. 54). 23 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social Nesse sentido, cabe ao Estado, ao propor as políticas públicas, principalmente a de assistência social, não apenas considerar as metas setoriais a partir de demandas ou necessidades genéricas, mas identificar os problemas concretos, as potencialidades e as soluções, a partir de recortes territoriais que identifiquem conjuntos populacionais em situações similares, e intervir através das políticas públicas, com o objetivo de alcançar resultados integrados e promover impacto positivo nas condições de vida (BRASIL, 2004, p. 44). A definição do território, segundo o autor, não perpassa simplesmente pela delimitação geográfica, mas deve considerar o modo de vida das pessoas que habitam aquele lugar, suas potencialidades e necessidades. Por consequência, a perspectiva territorial exige a construção integrada de conhecimentos, diagnósticos, ações e responsabilidades, não como somatório, mas na perspectiva da produção de novas sinergias que potencializem o desempenho de programas e serviços públicos, retirando cada ação específica do seu isolamento, para conectá‑la a totalidades dinâmicas e interdependentes (RAICHELIS, 2008, p. 212, apud SILVA, 2012, p. 39). Na NOB/Suas, quando se aplica o princípio da territorialização, atribui‑se o “reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais e econômicos, que levam o indivíduo e a família a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social” (BRASIL, 2005, p. 91). Como consequência, este princípio possibilita orientar a proteção social de assistência social: • na perspectiva do alcance de universalidade de cobertura entre indivíduos e famílias, sob situações similares de risco e vulnerabilidade; • na aplicação do princípio de prevenção e proteção proativa, nas ações de assistência social; • no planejamento da localização da rede de serviços, a partir dos territórios de maior incidência de vulnerabilidade e riscos (BRASIL, 2005, p. 91). Podemos atribuir, então, uma conexão entre a questão do território e a articulação dos serviços ofertados, o que se constitui em um dos desafios da gestão das políticas sociais, que veremos mais adiante. Por enquanto, vamos nos atentar à perspectiva que a Política Nacional de Assistência Social quer implementar, ou seja, a concepção da assistência social como política pública que tem como principais pressupostos a territorialização, a descentralização e a intersetorialidade (BRASIL, 2004, p. 44). Assim, a operacionalização da política de assistência social em rede, com base no território, constitui um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política. 24 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I Trabalhar em rede, nessa concepção territorial significa ir além da simples adesão, pois há necessidade de se romper com velhos paradigmas, em que as práticas se construíram historicamente pautadas na segmentação, na fragmentação e na focalização, e olhar para a realidade, considerando os novos desafios colocados pela dimensão do cotidiano, que se apresenta sob múltiplas formatações, exigindo enfrentamento de forma integrada e articulada (BRASIL, 2004, p. 44‑45). A partir dessa perspectiva de atendimento, pensando também no número potencial de usuários e na questão do financiamento, a Política Nacional caracterizou os municípios brasileiros de acordo com seu porte demográfico associado aos indicadores socioterritoriais disponíveis a partir dos dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, com maior grau de desagregação territorial quanto maior a taxa de densidade populacional, isto é, quanto maior concentração populacional, maior será a necessidade de considerar as diferenças e desigualdades existentes entre os vários territórios de um município ou região. [...] Porém, faz‑se necessária a definição de uma metodologia unificada de construção de alguns índices (exclusão/inclusão social, vulnerabilidade social) para efeitos de comparação e definição de prioridades da Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004, p. 45). Caracterizaram‑se os grupos territoriais da Política Nacional de Assistência Social, utilizando como referência a definição de municípios de pequeno, médio e grande porte, sobre desigualdades intraurbanas e o contextoespecífico das metrópoles. Essa referências basearam‑se no formato utilizado no “Plano Estadual de Assistência Social – 2004 a 2007, do Estado do Paraná, tomando por base a divisão adotada pelo IBGE” (BRASIL, 2004, p. 45), “agregando‑se outras referências de análise realizadas pelo Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais, coordenado pela PUC/SP em parceria com o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no desenvolvimento da pesquisa mapa da exclusão/ inclusão social”, e pelo Centro de Estudos da Metrópole, “vinculado ao Cebrap, que realiza pesquisas de regiões metropolitanas, desenvolvendo mapas de vulnerabilidade social” (BRASIL, 2004, p. 45). A divisão territorial adotada pela PNAS foi a seguinte: • Municípios de pequeno porte 1 – entende‑se por município de pequeno porte 1 aquele cuja população chega a 20.000 habitantes (até 5.000 famílias em média). Possuem forte presença de população em zona rural, correspondendo a 45% da população total. Na maioria das vezes, possuem como referência municípios de maior porte, pertencentes à mesma região em que estão localizados. Necessitam de uma rede simplificada e reduzida de serviços de proteção social básica, pois os níveis de coesão social, as demandas potenciais e redes socioassistenciais não justificam serviços de natureza complexa. Em geral, esses municípios não apresentam demanda significativa de 25 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social proteção social especial, o que aponta para a necessidade de contarem com a referência de serviços dessa natureza na região, mediante prestação direta pela esfera estadual, organização de consórcios intermunicipais, ou prestação por municípios de maior porte, com cofinanciamento das esferas estaduais e federal. • Municípios de pequeno porte 2 – entende‑se por município de pequeno porte 2 aquele cuja população varia de 20.001 a 50.000 habitantes (cerca de 5.000 a 10.000 famílias em média). Diferenciam‑se dos pequenos porte 1 especialmente no que se refere à concentração da população rural que corresponde a 30% da população total. Quanto às suas características relacionais mantém‑se as mesmas dos municípios pequenos 1. • Municípios de médio porte – entendem‑se por municípios de médio porte aqueles cuja população está entre 50.001 a 100.000 habitantes (cerca de 10.000 a 25.000 famílias). Mesmo ainda precisando contar com a referência de municípios de grande porte para questões de maior complexidade, já possuem mais autonomia na estruturação de sua economia, sediam algumas indústrias de transformação, além de contarem com maior oferta de comércio e serviços. A oferta de empregos formais, portanto, aumenta tanto no setor secundário como no de serviços. Esses municípios necessitam de uma rede mais ampla de serviços de assistência social, particularmente na rede de proteção social básica. Quanto à proteção especial, a realidade de tais municípios se assemelha à dos municípios de pequeno porte, no entanto, a probabilidade de ocorrerem demandas nessa área é maior, o que leva a se considerar a possibilidade de sediarem serviços próprios dessa natureza ou de referência regional, agregando municípios de pequeno porte no seu entorno. • Municípios de grande porte – entendem‑se por municípios de grande porte aqueles cuja população é de 101.000 habitantes até 900.000 habitantes (cerca de 25.000 a 250.000 famílias). São os mais complexos na sua estruturação econômica, polos de regiões e sedes de serviços mais especializados. Concentram mais oportunidades de emprego e oferecem maior número de serviços públicos, contendo também mais infraestrutura. No entanto, são os municípios que por congregarem o grande número de habitantes e, pelas suas características em atraírem grande parte da população que migra das regiões onde as oportunidades são consideradas mais escassas, apresentam grande demanda por serviços das várias áreas de políticas públicas. Em razão dessas características, a rede socioassistencial deve ser mais complexa e diversificada, envolvendo serviços de proteção social básica, bem como uma ampla rede de proteção especial (nos níveis de média e alta complexidade). 26 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I • Metrópoles – entendem‑se por metrópole os municípios com mais de 900.000 habitantes (atingindo uma média superior a 250.000 famílias cada). Para além das características dos grandes municípios, as metrópoles apresentam o agravante dos chamados territórios de fronteira, que significam zonas de limites que configuram a região metropolitana e normalmente com forte ausência de serviços do Estado (BRASIL, 2004, p. 45‑46). Essa classificação identifica as ações essenciais de proteção básica que devem ser prestadas na totalidade dos municípios, instituindo, assim, o Sistema Único da Assistência Social, o Suas. Os serviços da proteção especial, de média e alta complexidade, deverão ser estruturados prioritariamente pelos municípios de médio, grande porte e metrópoles. Cabendo à esfera estadual a “prestação direta como referência regional ou pelo assessoramento técnico e financeiro na constituição de consórcios intermunicipais” (BRASIL, 2004, p. 46). A concepção de território, vista anteriormente, deverá ser levada em consideração na hora de analisar a necessidade de oferta de serviços, bem como o porte, a capacidade e a arrecadação dos municípios. Neste aspecto, pode ser introduzido o geoprocessamento como ferramenta da política de assistência social, conforme preconizado no texto da própria PNAS. A ferramenta do geoprocessamento e a análise socioterritorial se constituirão em um poderoso instrumento de gestão, para aprimoramento da política, conforme veremos mais adiante. As desigualdades produzidas na sociedade brasileira agravam as situações de vulnerabilidade tornando a realidade um tecido social de alta complexidade e de difícil ação, o que aumenta ainda mais o desafio da articulação entre territorialidade e intersetorialidade, tendo em vista que uma política social isoladamente não conta com elementos suficientes para desvendar a problemática que se apresenta nos contextos em que elas acontecem. Considerando as desigualdades socioterritoriais, tendo em vista seu enfrentamento, a garantia dos mínimos sociais e o provimento de condições de atender a contingências sociais que se apresentam, numa perspectiva de universalização dos direitos sociais (BRASIL, 2004, p. 33), é que a Política Nacional de Assistência Social – PNAS preconiza sua integração às demais políticas setoriais, propondo para o enfrentamento desta questão ações afiançadas por níveis de proteção e complexidade distintos, que, por sua vez, têm como objetivos: • Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem. • Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural. • Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004, p. 33). 27 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social A política de assistência social anseia salvaguardar o respeito às diferenças e desigualdades regionais e o potencial de produzir uma política “de direção universal e direito de cidadania, capaz de alargar a agenda dos direitos sociais a serem assegurados a todos os brasileiros, de acordo com suas necessidades e independentemente de sua renda, a partir de sua condição inerentede ser de direitos” (NOB/Suas, 2005, p. 89). Nesse sentido, propõe a normatização dos padrões dos serviços ofertados em território nacional, por meio de eixos estruturantes da PNAS que reiteram a descentralização político‑administrativa, participação social e a articulação com as outras políticas públicas setoriais. Demarcando, ainda, suas particularidades e especificidades do campo de ação, dos objetivos, dos usuários e as formas de operacionalização da Assistência Social, como política de proteção social. Para organizar e normatizar a operacionalização da política, foi aprovada em 2005 a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas), dispondo sobre os níveis e instrumentos de gestão, responsabilidades dos entes, as competências das instâncias de pactuação e deliberação, atualização e aprimoramento do cofinanciamento e critérios de partilha já na lógica do Suas. Em 2012, houve o reconhecimento de que esta já não expressava os avanços obtidos a partir da sua implantação, sendo elaborado um novo texto, que incorporou os avanços normativos, como a Lei 2.435/2011, que dispõe sobre a organização da assistência social, na lógica do Suas. Diante desses eixos estruturantes, a Política Nacional garante que o acesso à proteção social está aberto a todos os cidadãos que dela necessitar, independentemente do território, etnia, raça, cor ou orientação sexual. Para tanto, a compreensão dos conceitos de proteção social constitui‑se em condição sine qua non para o planejamento e gestão das ações propostas pelo Suas. 1.3 Seguranças, vigilâncias e controle social A ressignificação e materialização da política de assistência social substituem, sobretudo, o paradigma do assistencialismo pelo da proteção social, por meio da proposição de um sistema único, que propõe acesso universal aos [...] benefícios, serviços e programas voltados aos usuários, na perspectiva de desenvolvimento de capacidades, de convívio e socialização, de acordo com potencialidades e projetos pessoais e coletivos, ampliando, inclusive, sua participação, quer como representação nos conselhos de assistência social, quer incentivando‑os à inserção em organizações e movimentos sociais e comunitários (BRASIL, 2008, p. 19). Na lógica da descentralização político‑administrativa e territorialização, tal sistema propõe, além do respeito às diferenças e autonomias regionais, também a proximidade do cidadão, a possibilidade da articulação intersetorial e a integração público‑privado, ampliando as possibilidades de alcance de suas ações e a cobertura às várias seguranças previstas em sua concepção de proteção social (BRASIL, 2008). 28 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I Os serviços socioassistenciais no Suas são organizados segundo as referências propostas na PNAS e seguem as seguintes referências: • Vigilância social: refere‑se à produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/ pessoas nos diferentes ciclos da vida (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução da capacidade pessoal, com deficiência ou em abandono; crianças e adultos vítimas de formas de exploração, de violência e de ameaças; vítimas de preconceito por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e integridade, fragilizando sua existência; vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências, semirresidências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários. Os indicadores a serem construídos devem mensurar no território as situações de riscos sociais e violação de direitos. • Proteção social: — Segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia: através de benefícios continuados e eventuais que assegurem: proteção social básica a idosos e pessoas com deficiência sem fonte de renda e sustento; pessoas e famílias vítimas de calamidades e emergências; situações de forte fragilidade pessoal e familiar, em especial às mulheres chefes de família e seus filhos. — Segurança de convívio ou vivência familiar: através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais, familiares, de vizinhança, de segmento social, mediante a oferta de experiências socioeducativas, lúdicas, socioculturais, desenvolvidas em rede de núcleos socioeducativos e de convivência para os diversos ciclos de vida, suas características e necessidades. — Segurança de acolhida: através de ações, cuidados, serviços e projetos operados em rede com unidade de porta de entrada destinada a proteger e recuperar as situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, restaurando sua autonomia, capacidade de convívio e protagonismo mediante a oferta de condições materiais de abrigo, repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições pessoais desenvolvidas através de acesso às ações socioeducativas. 29 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social • Defesa social e institucional: a proteção básica e a especial devem ser organizadas de forma a garantir aos seus usuários o acesso ao conhecimento dos direitos socioassistenciais e sua defesa. São direitos socioassistenciais a serem assegurados na operação do Suas a seus usuários: — Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatórios e coercitivos. — Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviço com reduzida espera e de acordo com a necessidade. — Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão, sobretudo àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de limitações físicas. — Direito do usuário ao protagonismo e manifestação de seus interesses. — Direito do usuário à oferta qualificada de serviço. — Direito de convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004, p. 40). A NOB/Suas (2005) introduz ainda a garantia de segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais que, por meio da oferta de “apoio e auxílio, quando sob riscos circunstanciais exige a oferta de auxílios em bens materiais e em pecúnia em caráter transitório, denominados de benefícios eventuais para as famílias, seus membros e indivíduos (BRASIL, 2005, p. 92). Os serviços socioassistenciais propostos deverão ter sua atuação destinada a situações de riscos e vulnerabilidades voltadas a três eixos organizativos, cujo [...] primeiro eixo protetivo relaciona‑se ao ciclo da vida, com apoio aos cidadãos em todas as fases da vida, principalmente diante dos impactos que provocam situações de vulnerabilidade sociais e rupturas. O segundo eixo protetivo da assistência social decorre do direito à dignidade humana expresso pela conquista da equidade, isto é, o respeito à heterogeneidade e à diferença, sem discriminação e apartações. A ruptura com as discriminações contra as mulheres, os índios, os afrodescendentes, entre outros, são centrais na dinâmica dessa política. Inclui, ainda, a proteção especial contra as formas predatórias da dignidade e cidadania, em qualquer momento da vida, as quais causam privação, violência, vitimização e, até mesmo, o extermínio. As pessoas em desvantagem pessoal, em abandono, ou com deficiência, são as possíveis vítimas dessa predação, assim como as crianças, os jovens vítimas da violência sexual, da drogadição, de ameaças de morte. 30 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I O terceiro eixo protetivo está no enfrentamento às fragilidades na convivência familiar como núcleo afetivo e de proteção básica de todo cidadão. Aqui, a ampliação das condições deequilíbrio e resiliência do arranjo familiar são fundamentais na reconstituição do tecido social e no reforço do núcleo afetivo de referência de cada pessoa (SPOSATI, p. 44, 2009). A vigilância socioassistencial está fundamentada no artigo 2º, inciso II, que a apresenta como responsável por “analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos”; e no artigo 6º, inciso VII, quando trata da gestão das ações de assistência social, como forma de sistema descentralizado e participativo e, entre seus objetivos, propõe o de “afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos” (BRASIL, Lei 12.435/2011). A Norma Operacional Básica do Suas, aprovada em 2012 – NOB/Suas 2012, reitera os artigos e incisos mencionados anteriormente e acrescenta que vigilância juntamente com as funções de proteção social e a defesa de direitos “possuem fortes relações entre si, e, em certo sentido, podemos afirmar que cada uma delas só se realiza em sua plenitude por meio da interação e complementariedade com as demais” (BRASIL, 2012, p. 11). A vigilância objetiva conhecer os territórios onde estão instaurados os riscos e vulnerabilidade que serão prevenidos ou enfrentados no âmbito da política de assistência social, como: • situações de violência intrafamiliar; negligência; maus tratos; violência, abuso ou exploração sexual; trabalho infantil; discriminação por gênero, etnia ou qualquer outra condição ou identidade; • situações que denotam a fragilização ou rompimento de vínculos familiares ou comunitários, tais como: vivência em situação de rua; afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar em decorrência de medidas protetivas; atos infracionais de adolescentes com consequente aplicação de medidas socioeducativas; privação do convívio familiar ou comunitário de idosos, crianças ou pessoas com deficiência em instituições de acolhimento; qualquer outra privação do convívio comunitário vivenciada por pessoas dependentes (crianças, idosos, pessoas com deficiência), ainda que residindo com a própria família (BRASIL, 2013, p. 13). Relembrando que o foco das ações da política de assistência social estará sempre relacionado à incidência de eventos que coloquem em risco as condições de sobrevivência, dignidade, autonomia e socialização das pessoas ou coletividades. Por isso, é importante “conhecer a realidade específica das famílias e as condições concretas do lugar onde elas vivem”, sendo para isso “fundamental conjugar a utilização de dados e informações estatísticas e a criação de formas de apropriação dos conhecimentos produzidos pelas equipes dos serviços socioassistenciais, que estabelecem a relação viva e cotidiana com os sujeitos nos territórios” (BRASIL, 2013, p. 11). 31 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Política Social de aSSiStência Social Assim, a vigilância socioassistencial relaciona‑se ao [...] planejamento, organização e execução de ações desenvolvidas pela gestão e pelos serviços, produzindo, sistematizando e analisando informações territorializadas: a) sobre as situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos; b) sobre os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, considerando questões afetas ao padrão de financiamento, ao tipo, volume, localização e qualidade das ofertas e das respectivas condições de acesso (BRASIL, 2013, p. 11). Para que a vigilância sobre as situações de vulnerabilidade e risco ocorra, é muito importante o conhecimento ampliado do território pelas equipes que nele atuam, “especificando sempre que possível os fatores de vulnerabilidade e os grupos, famílias ou indivíduos afetados por tais fatores” (BRASIL, 2013, p. 16), bem como as características das famílias (culturais, educacionais, físicas etc.), a oferta ou inexistência/necessidade de serviços e quantificação da população afetada para estimar a demanda potencial para o serviço ou benefício que deverá prover a ação protetiva (BRASIL, 2013, p. 16). Por exemplo, se considerarmos [...] o trabalho infantil (fator de vulnerabilidade), a quantidade de crianças afetadas integra a demanda potencial para o serviço de convivência dirigido a essa faixa etária. Da mesma forma, pode‑se considerar que crianças de famílias em situação de pobreza (fator de vulnerabilidade) não incluídas em escolas de tempo integral (fator de vulnerabilidade), que residem em territórios com altos índices de violência (fator de vulnerabilidade) e que permanecem parte do dia sem a companhia de um adulto (fator de vulnerabilidade), igualmente compõem a demanda potencial para o serviço de convivência (BRASIL, 2013, p. 16). Outro eixo da vigilância que deve estar articulado ao primeiro refere‑se à vigilância sobre os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, por meio do qual é possível conhecer “as características e distribuição da rede de proteção social instalada para a oferta de serviços e benefícios” (BRASIL, 2013, p.16). O eixo da vigilância dos padrões dos serviços busca produzir e sistematizar informações referentes à oferta dos serviços e benefícios, de forma a contribuir com o aprimoramento da qualidade destes e com sua necessária adequação ao perfil de demandas do território. [...] deve desenvolver estratégias para coletar informações sobre todas as unidades públicas e privadas que ofertam os serviços, benefícios, programas e projetos da assistência social, e especialmente dos Cras, dos Creas e das unidades de 32 Re vi sã o: V irg ín ia B ila tt o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - d at a 29 -0 4- 20 14 Unidade I acolhimento. É desejável que os dados coletados junto aos serviços/unidades sejam capazes de aferir: a) a quantidade e perfil dos recursos humanos; b) o tipo e volume dos serviços prestados; c) a observância dos procedimentos essenciais vinculados ao conteúdo do serviço e necessários à sua qualidade; d) o perfil dos usuários atendidos; e) as condições de acesso ao serviço; f) a infraestrutura, equipamentos e materiais existentes (BRASIL, 2013, p. 17). Além do conhecimento do território sobre as situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos e sobre os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, a vigilância socioassistencial deve ocupar‑se também do [...] monitoramento da incidência das situações de violência e violação de direitos. Esse monitoramento é importante não apenas pelo fato de que esses eventos repercutem sobre a demanda por serviços, mas, sobretudo, pelo fato de que manifestam graves situações que necessitam ser prevenidas e combatidas. Identificar os territórios com maior incidência, as variações no volume de ocorrências e o perfil das pessoas vitimadas permite aprimorar as ações de prevenção e de combate às situações, além de ações de aprimoramento dos próprios serviços responsáveis pelo atendimento das vítimas (BRASIL, 2013, p. 17). O conhecimento sobre a demanda dos serviços e padrões de atendimento deve estar conjugado e compartilhado com a gestão e o controle social para que as ações sejam previstas no sentido de atender às necessidades de cada local. Esta é a importância da vigilância socioassistencial, conforme as referências da política nacional e da NOB 2012. A importância da conjugação de esforços com o gestor e o controle social está relacionada ao compromisso de realmente atender às necessidades da população e dos territórios onde elas vivem, mas também no cumprimento da diretriz de comando único das ações e participação popular, já mencionado anteriormente. A questão da participação popular constitui‑se em um desafio para a política de assistência social, tentaremos compreender um pouco mais sobre isso. A possibilidade de participação política aparece no artigo XXI
Compartilhar