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Júlia Figueirêdo – DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE PROBLEMA 1 – ABERTURA: OS TIPOS DE INTOXICAÇÃO: A intoxicação é um processo patológico causado tanto por substâncias endógenas (produzidas pelo próprio corpo) quanto exógenas (compostos externos que são de alguma forma absorvidos pelo indivíduo), caracterizado por desequilíbrios fisiológicos oriundos de alterações bioquímicas no organismo. Esses processos podem ser classificados conforme o tempo de exposição ao xenobiótico da seguinte forma: Intoxicação aguda: desdobramento de um contato único (dose única ou potência elevada) ou múltiplas interações (efeitos cumulativos) com o contaminante em um período de 24 horas. Os efeitos ocorrem de imediato ou após alguns dias, no máximo 2 semanas; Intoxicação sobreaguda ou subcrônica: decorre de exposições repetidas aos compostos químicos. Denomina-se intoxicação sobreaguda quando ocorre exposição durante um período menor ou igual a 1 mês. Enquanto que, para períodos entre 1 a 3 meses, classifica-se como intoxicação subcrônica; Intoxicação crônica: efeito tóxico após exposição prolongada a doses cumulativas do toxicante, num período prolongado, geralmente maior de 3 meses chegando até a anos. A categorização conforme a gravidade das reações se dá entre leve e severa, sendo a primeira facilmente reversível e a última aquela que causa sequelas duradouras ou lesões graves/fatais. A carcinogenicidade do toxicante também implica na sua classificação e nos efeitos advindos de sua interação com o organismo, sendo mensurada pela International Agency for Research on Cancer. As intoxicações se desdobram em quatro fases, a saber: Fase de exposição: momento no qual superfícies internas ou externas do organismo entram em contato com o toxicante, sendo importante observar as vias de introdução, o tempo e frequência de exposição e a concentração do material, além da susceptibilidade individuas; Fase de toxicocinética: período que compreende todos os processos entre a disponibilidade química e a concentração do agente nos diversos tipos de tecidos, contemplando a absorção, distribuição, armazenamento, biotransformação e excreção da substância. Essa etapa é influenciada pelas características físico- químicas do toxicante, que podem alterar o acesso aos órgãos-alvo e a velocidade de eliminação pelo organismo; Fase de toxicodinâmica: corresponde à interação entre as moléculas do agente tóxico e os locais de ação nos órgãos afetados, alterando assim o equilíbrio homeostático; Fase clínica: presença de sinais e sintomas evidentes que caracterizam os efeitos da interação entre o toxicante e o corpo humano. Durante a toxicocinética o organismo age sobre o agente tóxico de modo a reduzir suas ações nocivas, resultando daí a quantidade de toxicante disponível para interação com o local-alvo. O trânsito desse composto desde a entrada no corpo até sua eliminação envolve o transporte de membranas celulares, dividindo-se em absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Absorção: definida pela passagem do toxicante do meio externo para um meio interno com introdução na circulação sanguínea sistêmica. O mecanismo de entrada no organismo depende de fatores intrínsecos ao contaminante e às células, podendo ocorrer pelas vias respiratória, dérmica ou gastrointestinal. o Absorção via dérmica: no estado íntegro, a pele constitui uma barreira efetiva contra a penetração de substâncias químicas exógenas. Alguns compostos, no entanto, podem sofrer absorção cutânea, dependendo de fatores tais como a anatomia e as propriedades fisiológicas da pele e das características físico-químicas dos agentes. O contato entre o organismo e o meio externo pode ser feito pelos folículos pilosos e glândulas sebáceas/sudoríparas. É a principal porta de entrada em intoxicações por agrotóxico, uma vez que a absorção ocorre no couro cabeludo, mãos, braços, pescoço e face pelo respingo do produto, contato com a névoa pulverizada ou pelo uso de roupas contaminadas. Os fatores ligados à absorção via dérmica são o tempo de exposição, hidro e lipossolubilidade, tamanho da molécula, temperatura do corpo e do ambiente e volatilidade. Os efeitos do agente tóxico na pele podem ser tópicos (corrosão, sensibilização e mutação) ou sistêmicos (afetando tecidos distantes); o Absorção pelas vias respiratórias: o fluxo sanguíneo contínuo exerce uma boa ação de dissolução e muitos agentes químicos podem ser absorvidos rapidamente a partir dos pulmões. Os agentes passíveis de sofrerem absorção pulmonar são os gases e vapores e os aerodispersóides. Essas substâncias poderão ser absorvidas, tanto nas vias aéreas superiores, quanto nos alvéolos. Algumas partículas podem ser retidas nas VAS por seu elevado diâmetro e hidrossolubilidade. Nos alvéolos, o gás inalado entra em contato com o sangue circulante, que se comporta de uma entre duas formas: dissolvendo o toxicante ou reagindo quimicamente com ele. As moléculas do agente que não sofrem modificação permanecem no local, causando pneumomicoses; o Absorção via digestiva: a absorção de um tóxico no TGI pode ocorrer desde a boca até o reto. Poucas são as substâncias que sofrem absorção oral, dado o pequeno tempo de contato nessa região. Caso não consiga ser captado nesse momento, o toxicante poderá ser absorvido no TGI nas porções onde se depositam maiores quantidades de material lipossolúvel, captado pelas microvilosidades, que aumentam a superfície de contato. Distribuição: o agente tóxico é transportado para o restante do organismo, deslocando-se para um grande número de células e tecidos. A concentração do toxicante não é a mesma em todo o corpo, nem se distribui proporcionalmente à área afetada. Em sua circulação, tal contaminante pode ser biotransformado, ligar-se aos locais de ação, proteínas de membrana ou eritrócitos, ser eliminado ou armazenado. Os fatores que influem na distribuição e acúmulo são a irrigação do órgão, pois uma maior vascularização facilita o contato do agente tóxico, o conteúdo aquoso ou lipídico e a integridade do órgão. Os principais locais de armazenamento são: proteínas plasmáticas, fígado e rins, tecido ósseo, tecido adiposo, placenta, leite materno, cabelos. o Redistribuição: o término da ação tóxica pode se dar pela mudança de sítio do contaminante para longe de seus alvos, mas ainda há o armazenamento nesses locais numa forma ativa, e que pode causar efeito prolongado em caso de saturação desses pontos numa nova exposição. A saída definitiva desse composto será mediada por biotransformação e excreção. Biotransformação: para reduzir a possibilidade de uma substância desencadear uma resposta tóxica, o organismo apresenta mecanismos de defesa que buscam diminuir essa quantidade que chega de forma ativa ao tecido alvo, assim como reduzir o tempo de permanência em seu sítio de ação. Para isso, é necessário diminuir a difusibilidade do toxicante e aumentar a velocidade de sua excreção. Logo, a biotransformação pode ser compreendida como um conjunto de alterações químicas ou estruturais que as substâncias sofrem no organismo, geralmente, ocasionadas por processos enzimáticos, com o objetivo de diminuir ou cessar a toxicidade e facilitar a excreção. Os locais de desenvolvimento desse processo são o intestino, os rins, pulmões, testículos, a placenta e o fígado, principal ponto de metabolização de substâncias endógenas e exógenas. A biotransformação é efetuada, geralmente por enzimas. A eficiência do processo depende de fatores como dose e frequência de exposição, espécie, idade, gênero, variabilidade genética, estado nutricional,estado patológico e a exposição a outros agentes. Excreção: os toxicantes que penetram no organismo são, posteriormente excretados através da urina, bile, fezes, ar expirado, leite, suor e outras secreções, sob forma inalterada ou modificada quimicamente. A excreção pode ser vista como um processo inverso ao da absorção, pois os fatores que interferem na entrada do contaminante no organismo podem dificultar a sua saída, a saber: o Via de introdução: interfere nas velocidades de absorção, biotransformação e excreção; o Afinidade por elementos orgânicos: dificulta a excreção por estar conjugado a compostos no sangue ou em tecidos; o Facilidade de biotransformação: promove a excreção por via urinária; o Frequência respiratória: seu aumento promove as trocas gasosas por excreção pulmonar; o Função renal: por ser a principal via de eliminação de contaminantes qualquer disfunção dos órgãos afetará a velocidade e a proporção de excreção. A fase toxicodinâmica é caracterizada pela presença, em sítios específicos, do agente tóxico ou dos produtos da biotransformação que ao interagirem com as moléculas orgânicas constituintes das células produzem alterações bioquímicas, morfológicas e funcionais que caracterizam o processo de intoxicação. Nessa etapa podem ocorrer interações de adição, sinergismo, potenciação e antagonismo entre as substâncias, podendo aumentar ou diminuir os efeitos tóxicos do material. Adição: o efeito induzido por dois ou mais compostos é igual à soma dos efeitos de cada agente isolado; Sinergismo: o efeito produzido por dois ou mais toxicantes é maior que a soma de seus impactos isolados; Potenciação: um agente previamente desprovido de ação tóxica aumenta a toxicidade de um composto tóxico; Antagonismo: um agente tem seu efeito reduzido ou eliminado pela combinação com outro agente. A interação de compostos com o organismo pode ser evidenciada pela formação de tumores, uma vez que podem induzir efeitos carcinogênicos a longo prazo, afetando inclusive outras gerações. AGENTES TÓXICOS E SEUS EFEITOS NO SER HUMANO: AGROTÓXICOS: Agrotóxicos são substâncias químicas empregadas pelo homem no controle de pragas orgânicas, sejam elas animais, vegetais, fúngicas ou microbianas, atuando tanto na indústria quanto na agropecuária, além de campanhas sanitárias, uso doméstico e veterinário. Essas substâncias foram desenvolvidas para interferir em processos biológicos naturais, portanto todas têm propriedades tóxicas altamente prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. Legalmente, a Lei Federal nº 7.802 de 11/07/89, define da seguinte forma esses biocidas: “Agrotóxicos e afins são os produtos e os componentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores do crescimento.” Esses compostos podem ser divididos quanto a seus organismos-alvo, a saber: Inseticidas; Fungicidas; Herbicidas: agem no controle de “ervas daninhas”, principalmente empregadas na agropecuária; Desfolhantes: induzem a queda precoce da folhagem das plantas; Fumigantes: agem sobre fauna e flora por meio de gases. Utilizados principalmente no solo, no armazenamento e transporte de grãos; Rodenticidas/raticidas; Moluscicidas; Nematicidas; Acaricidas; Algicidas. Dadas as fases de vida definidas em invertebrados, alguns agrotóxicos também se especializam para agir sobre determinadas faixas etárias dos organismos (ovicidas, larvicidas e adulticidas). As intoxicações por praguicidas podem ocorrer tanto no ambiente rural, como no no ambiente urbano. As circunstâncias mais comuns envolvendo crianças são os acidentes, pela presença desses agentes no ambiente doméstico. Os adultos geralmente se expõem por meio das tentativas de suicídio, das exposições ocupacionais e dos acidentes em decorrência do uso inadequado dos produtos. O grupo químico ao qual o agrotóxico pertence também pode afetar suas interações com o organismo humano, sendo as principais classificações: Organofosforados: são derivados dos ácidos contendo fósforo em sua molécula (ácidos fosfóricos, tiofosfórico e ditiofosfórico). Mais comumente utilizados como inseticidas e acaricidas agrícolas. Atuam sobre a acetilcolina, ou seja, no sistema nervoso central e periférico; Carbamatos: derivados do ácido carbâmico, comumente empregado como inseticida; Piretróides: derivados das piretrinas naturais encontradas em extratos de flores como o crisântemo; Organoclorados: hidrocarbonetos que se caracterizam por conter em sua estrutura um ou mais anéis aromáticos ou cíclicos saturados, com alto poder de persistência no meio ambiente; Glicina substituída - (N- (fosfonometil) glicina): Desenvolvido com a finalidade de herbicida não seletivo, sistêmico e pós-emergente, utilizado comumente em agricultura, associados ou não a sementes transgênicas, e em ambientes domésticos. Seu princípio ativo denominado glifosato; Bipiridilos: são compostos que atuam por meio da formação de radicais livres com o oxigênio; utilizados comumente como herbicidas; Ditiocarbamatos (DTCs): pertencem a um grupo de agrotóxicos organossulfurados de ação fungicida; Dinitrofenóis: Atuam promovendo o déficit energético desacoplando as ligações do ATP, sendo empregados principalmente em herbicidas; Organomercuriais: agrotóxicos à base de mercúrio, proibidos no Brasil, mas ainda são usados em culturas de batata e morango. A toxicidade de um pesticida é avaliada conforme a dose letal (DL50) definida para a substância. Esse parâmetro representa a dose necessária, em mg/kg, para levar a óbito 50% da amostra utilizada em estudo. Com base nessas informações tais produtos são organizados em 4 classes, delimitadas pela cor do rótulo em sua embalagem (varia de verde a vermelho). A classificação de toxicidade refere-se apenas a capacidade de causar distúrbios agudos, não levando em consideração os riscos de desenvolvimento de doenças de evolução prolongada como câncer, neuro e hepatopatias. A persistência de um agrotóxico no ambiente depende da eficiência dos processos físicos e biológicos (evaporação, absorção/degradação por microrganismos, lixiviação e erosão), características do ambiente (temperatura, umidade, conteúdo de matéria orgânica e acidez) e peculiaridades do composto. Esses materiais podem contaminar espécies que não eram alvo do mecanismo de controle inicial, podendo interferir sobre a saúde humana e nos elementos abióticos (água e solo) do local. Essa contaminação abiótica pode ter consequências extensas, uma vez que intensificam a seleção de organismos no solo e na água afetando a variabilidade gênica das espécies locais, acumulando toxicante pelos níveis da cadeia alimentar (biomagnificação) e podendo interferir nos suprimentos hídricos que abastecem cidades. A dispersão pelo ar também apresenta grande risco, pois faz com que moléculas possam ser disseminadas com maior alcance. Certos grupos populacionais são mais vulneráveis à intoxicação por pesticidas, criando uma população exposta caracterizada por: Trabalhadores do setor agropecuário, desde aqueles que preparam a mistura de praguicidas até os que adentram a lavoura após a aplicaçãopara realizar a colheita ou capinar o local; Trabalhadores que realizam manejo florestal ou hídrico; Trabalhadores em madeireiras; Trabalhadores que atuam no controle de endemias e de zoonoses em saúde pública: pulverização de agrotóxicos para eliminação de focos de vetores tem exposição contínua durante longo tempo a diferentes agrotóxicos; Trabalhadores de dedetizadoras; Profissionais de jardinagem; População da área rural; População em geral: afetada principalmente pela contaminação hídrica e pelo abuso de pesticidas domésticos e de jardinagem amadora. Cada classe de agrotóxico apresenta uma forma distinta de interação com o organismo, promovendo diversas formas de manifestação clínica: Carbamatos e Organofosforados: Atuam na inibição da colinesterase, causando um acúmulo de ACh nas sinapses do sistema nervoso central e periférico (somático e autônomo), promovendo aumento na resposta nos receptores pós-sinápticos nicotínicos e muscarínicos. Esse excesso de ação nervosa culmina em convulsões, sudorese, confusão mental, broncoconstricção, náuseas e vômitos. A intoxicação por carbamatos é facilmente reversível, com reação enzimática rápida, ocorrendo em menos de 24h. Quando a contaminação se dá por organofosforados, no entanto, a reversão é processada de forma mais lenta, entre dias e semanas, podendo haver caráter irreversível, onde a reativação depende da síntese de novas moléculas de acetilcolinesterase. A dose letal varia conforme o princípio ativo, mas as intoxicações por esse material devem ser consideradas como potencialmente graves, necessitando de um diagnóstico rápido e intervenção adequada. o Farmacocinética dos carbamatos: São bem absorvidos por ingestão, inalação e através de pele e mucosas, atravessando a barreira hematoencefálica. Seu pico plasmático ocorre em cerca de 30 a 40min após a exposição. Por serem lipossolúveis, os carbamatos apresentam boa distribuição tecidual, incluindo o SNC. Seu metabolismo é realizado no fígado, com 90% do material sendo excretado pela urina dentro de 3 a 4 dias. o Farmacocinética dos organofosforados: A absorção desses compostos é realizada de forma eficaz por todas as vias de exposição, porém deve-se ficar atento às exposições cutâneas maciças, uma vez que essas podem apresentar elevada toxicidade, ainda mais quando há lesões na pele. Os picos de ação variam de minutos a horas. A dificuldade de remoção destes compostos da pele e da roupa pode explicar algumas intoxicações crônicas, assim como o uso inadequado dos EPIs para via respiratória e cutânea. Esses compostos são majoritariamente lipofílicos, levando a um grande acúmulo no tecido adiposo, região protegida do metabolismo e podendo gerar crises recorrentes com a mobilização dessa forma de energia. O processo de biotransformação ocorre no fígado, com a possibilidade de formar compostos ainda mais tóxicos que aqueles inicialmente inseridos no organismo. A excreção é renal. As manifestações clínicas das intoxicações por carbamatos e organofosforados dividem-se em agudas e tardias, a saber: o Agudas: Muscarínicas: salivação, sudorese, lacrimejamento, hipersecreção brônquica, bradicardia, miose, vômitos e diarreia; Nicotínicas: taquicardia, hipertensão, midríase, fasciculações, fraqueza muscular e hiporreflexia, podendo evoluir para paralisia dos músculos respiratórios; Centrais: agitação, labilidade emocional, cefaleia, tontura, confusão mental, ataxia, convulsões e coma. o Tardias: As intoxicações graves por inseticidas inibidores das colinesterases habitualmente estão associadas a distúrbios acidobásicos, metabólicos e hidroeletrolíticos; Síndrome intermediária: aparece de 24 a 96 horas após a exposição, e é caracterizada pela paralisia das musculaturas proximal e respiratória; Polineuropatia tardia: pode ocorrer após 7 a 21 dias da exposição a alguns organofosforados; Desordens neuropsiquiátricas: pode ocorrer em exposições agudas à altos níveis de organofosforados ou nas exposições à baixas doses por períodos prolongados, descrita principalmente em trabalhadores que utilizam esse composto. Estas desordens vão desde manifestações inespecíficas tais como sonolência, ansiedade, alterações da memória, fadiga, até manifestações mais graves como delírio, agressividade e alucinação. Organoclorados: Esses pesticidas foram amplamente utilizados no passado, porém após a década de 1970 passaram a ter seu uso proibido, dado o elevado poder de bioacumulação, biomagnificação e persistência desse composto. O mecanismo tóxico dessa classe de praguicidas envolve interferências com o fluxo normal de sódio e potássio pela membrana dos axônios, causando hiperexcitação do sistema nervoso central, resultando em perturbações dos processos mentais e convulsões. Sua dose tóxica varia conforme o princípio ativo, indo de baixa a alta. o Farmacocinética dos organoclorados: A absorção é amplamente bem- sucedida pela via oral, pouco captada por via respiratória e de variável intensidade pela pele. São altamente lipofílicos, o que permite sua distribuição para todo o organismo, com rápida redistribuição entre sangue e SNC, tendo como local de armazenamento o tecido adiposo. A meia-vida dos compostos varia entre 21 horas a anos, dependendo da velocidade de metabolismo de cada pesticida, sendo sua excreção realizada principalmente pela via biliar. Logo após a ingestão podem ocorrer cefaleia, náuseas, vômitos, parestesias de língua, lábios e face, tremores, confusão mental, convulsões e coma. Como o armazenamento desses produtos ocorre no tecido adiposo, a duração de sua toxicidade pode ser demorada. Piretróides: São um grupo de inseticidas sintéticos derivados das piretrinas naturais, que são extraídas das flores de crisântemo. De acordo com a sua estrutura química, podem ser divididos em 2 grupos: o Tipo I: não possuem o grupo ciano. A maioria produz a síndrome T, caracterizada por tremores em experimentos com ratos; o Tipo II: possuem um grupo ciano, o que aumenta muito a neurotoxicidade em animais e insetos e tende a produzir a síndrome CS em estudos com animais, que cursa com coreoatetose (movimentos aleatórios) e salivação. Esses pesticidas atuam diretamente nos axônios prolongando a despolarização dos canais de sódio, causando hiperexcitação do sistema nervoso. Em concentrações altas, os piretróides do tipo II ligam-se aos receptores do GABA bloqueando os canais de cloro e sua ativação, o que também causa aumento da atividade nervosa. A dose tóxica é variável conforme o produto, mas a quantidade ingerida oralmente é superior a 100 a 1000 mg/kg, com dose potencialmente fatal orbitando entre 10 e 100 g. o Farmacocinética dos piretróides: Absorvido por via oral e inalatória; sendo observados efeitos sistêmicos após exposições maciças. Os piretróides não são compostos voláteis, e a toxicidade pulmonar é devido ao solvente utilizado como veículo. É pouco absorvido pela pele, mas pode afetar as terminações nervosas periféricas. Esses compostos são altamente lipofílicos, rapidamente distribuídos ao SNC, mas também sofrem metabolismo em pouco tempo pela CYP450, não se acumulando no organismo. Os compostos originais e seus metabólitos são eliminados na urina em 12 a 24 horas. As manifestações clínicas de intoxicações por esse contaminante envolvem tontura, salivação, cefaleia, vômitos, irritabilidade, sintomas de sensibilização e fenômenos alérgicos semelhantes a quadros de rinite ou asma, pneumonite e broncoespasmo, com o formigamento sendo uma reação comum a exposições dérmicas ao inseticida. Sintomasneurológicos não são frequentes. Glifosato: Agente em herbicidas amino- fosfonato, pós-emergencial e não seletivo, vendido em misturas com o surfactante polioxietileno amina (PODEA). Não afeta a colinesterase. Seus mecanismos de ação ainda não são totalmente esclarecidos, mas é um potente irritante corrosivo para o TGI. Suspeita-se que o surfactante seja mais tóxico que o próprio glifosato. A ingestão intencional de 30 a 60 mL do produto é suficiente para desencadear o quadro clínico. Casos fatais são descritos com doses entre 100 a 120 mL. o Farmacocinética do glifosato: A ingestão é a principal via de exposição, com boa absorção, o que não ocorre na pele. Seu pico de concentração no plasma se dá cerca de 2 horas após a exposição. O metabolismo desse composto é mínimo, sendo eliminado inalterado pela urina dentro de 24 horas da exposição. A meia-vida de eliminação é de 4 horas. A sintomatologia de uma intoxicação por esse herbicida envolve dor em queimação, náusea, vômitos e diarreia. Em casos graves, o paciente pode evoluir com hipotensão, acidose metabólica, insuficiência respiratória, oligúria e choque. Paraquat: É uma classe de herbicidas não seletivos usados no controle de ervas daninhas e como desfolhante pré- colheita, considerada como um dos pesticidas mais tóxicos disponíveis. Nas exposições agudas possui efeito corrosivo quando em contato com a pele e mucosas, pode causar lesões teciduais em pulmão, fígado e rins. O mecanismo de lesão tecidual não está completamente elucidado, a hipótese mais aceita é que devido à alta afinidade do Paraquat com os processos de oxirredução, ocorre aumento na formação de radicais livres, dentro dos tecidos alvo, sobrecarregando ou esgotando mecanismos fisiológicos de inativação desses radicais. A dose letal desse composto é de 10 a 20mL para adultos e 4 a 5mL para crianças, com a ingestão de 20 mg/kg de herbicida já sendo suficiente para causar sintomas, ainda que reversíveis. o Farmacocinética: É rapidamente absorvido pelo TGI, com pico plasmático em 2 horas. A distribuição para os tecidos é ampla e rápida, afetando principalmente pulmões, rins, fígado e tecido muscular. A eliminação é renal, com mais de 90% do composto sendo eliminado sem alterações em 12 a 24 horas após a exposição, em caso de função renal normal. As manifestações variam conforme o tempo de exposição: o Manifestação clínica inicial após ingestão: dor, edema e ulcerações na boca e garganta, acompanhados de náusea, vômitos, diarreia, hematêmese e disfagia; o Manifestação clínica após 24 horas da ingestão: colestase (impedimento no fluxo biliar), necrose hepática, oligúria, insuficiência renal aguda (derivada da necrose dos túbulos renais), pancreatite, tosse, afonia e mediasrinite; o Manifestações tardias após 1 ou 2 semanas: edema e fibrose pulmonar, hipovolemia, choque, arritmias, coma, convulsões e edema cerebral. RODENTICIDAS/RATICIDAS: Ao longo da história existiram diversos compostos destinados a matar ratos e outros roedores. Dentre os mais conhecidos, podemos citar o arsênico, tálio, carbonato de bário, fluoroacetato de sódio e a estricnina. Devido a alta toxicidade e a baixa especificidade, muitas dessas substâncias tiveram seu uso proibido, porém ainda podem ser encontrados em produtos clandestinos ou em estoques antigos, como é o caso do chumbinho, que teve sua venda proibida em 2012, definido como um combinado de substâncias contendo inibidores de colinesterase e outros compostos, sendo responsável por um enorme número de intoxicações e óbitos. Atualmente são utilizados rodenticidas antagonistas da vitamina K (anticoagulantes) de curto tempo de ação e de longo tempo de ação, que são os que podem levar a uma maior e prolongada toxicidade e incluem o grupo das idandionas, dos 4- hidroxicumarínicos e outros anticoagulantes. Embora a ingestão desses rodenticidas seja a via de exposição mais comum como causa de subsequente toxicidade, pode ocorrer absorção dérmica de preparações líquidas, resultando também em coagulopatia. Chumbinho: O chumbinho tornou-se bastante popular como rodenticida em decorrência de sua ação rápida e alta letalidade. Apesar da ilegalidade, este produto pode ser facilmente adquirido pela população, com baixo custo comercial e tem exposto a população a riscos graves de intoxicação. As circunstâncias de exposição mais frequentes são a tentativa de suicídio e os acidentes com crianças. Esse rodenticida é uma mistura de dois agrotóxicos, um carbamato utilizado no manejo de plantações diversas e um organofosforado, agindo em conjunto na inibição da acetilcolinesterase e, portanto, apresentando os mesmos mecanismos de ação. Antagonistas da vitamina K: Essa classe de raticidas divide-se em dois grupos, diferindo apenas no tempo de ação, que pode ser curto (varfarina e coumatetralil) ou longo (supervarfarina). Agem como antagonistas competitivos da vitamina K, interferindo na síntese dos fatores vitamina K dependentes: fatores II (protrombina), VII, IX e X. A síntese das proteínas C e S também se mostra reduzida. As doses letais são variadas, principalmente devido ao uso do princípio ativo no tratamento de indivíduos com distúrbios de coagulação. o Farmacocinética dos antagonistas de vitamina K: A absorção oral capta 100% do material biodisponível, com pico plasmático ocorrendo entre 2 a 8 horas após a exposição e efeito máximo surgindo entre 2 a 3 dias passados do contato. O metabolismo desses compostos é hepático, com excreção renal de 92% do material absorvido. A meia-vida varia com as substâncias, geralmente oscilando entre dias e semanas. Pacientes geralmente são assintomáticos na exposição aguda, mesmo na ingestão intencional. Sangramentos e hematomas são observados após exposição em pacientes já com alterações de coagulograma ou em uso crônico de medicamentos com ação anticoagulante. Podem surgir efeitos teratogênicos envolvendo a má- formação do SNC (síndrome varfarínica fetal). Além disso, conforme o grau de intoxicação, sintomas distintos podem ser observados, como: o Intoxicação leve: distúrbios de coagulação detectados somente em exames laboratoriais; o Intoxicação moderada: hematomas, hematúria, sangramento intestinal leve, sangramento em gengivas, dor abdominal e epistaxe; o Intoxicação grave: hemorragias graves e choque hemorrágico. SANEANTES DOMÉSTICOS: Saneantes são substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em locais de uso coletivo e no tratamento de água, formando uma categoria bastante heterogênea, na qual cada classe de componente apresenta uma diferente forma de ação. Cáusticos alcalinos e ácidos: As substâncias presentes nessa subdivisão são capazes de causar lesões corrosivas que apresentam potencial para a geração de sequelas. Há várias formas de classificar os produtos cáusticos e corrosivos, sendo a maneira mais habitual é a de dividir os agentes entre ácidos e álcalis: o Ácidos: são doadores de prótons e provocam lesão principalmente quando o pH é inferior a 3. O mecanismo de lesão é por necrose de coagulação, produzindo ressecamento da mucosa e escaras. Resultando em edema, eritema, ulceração e necrose do tecido; o Álcalis: são receptores de prótons e provocam lesão principalmente quando o pH é superior a 11. O mecanismo de lesão é por necrose de liquefação, ocorrendo dissolução de proteínas, destruição de colágeno, saponificação de gorduras e trombose transmural, resultando em lesão extensa por penetração profunda no tecido. Não há uma dose tóxica específica, pois a concentração e a potência dos componentes dessa classeé amplamente variável. As lesões infligidas pelos corrosivos dependem de seu pH, quantidade de material presente na exposição e duração do contato. A ingestão de produtos corrosivos pode causar disfagia, dor em cavidade oral, sialorreia, vômitos, hematêmese ou dor retroesternal. A perfuração esofágica ou gástrica poderá ocorrer, acompanhada por dor abdominal ou torácica intensa, com sinais de irritação peritoneal. A escarificação do esôfago ou do estômago poderá levar a um estreitamento permanente e à disfagia crônica. Além disso, alterações sistêmicas podem estar presentes, como acidose metabólica, distúrbio hidroeletrolítico, insuficiência renal ou hepática. A exposição cutânea e ocular resulta em dor imediata e vermelhidão, podendo ocorrer queimaduras extensas e risco de perda da visão. A inalação de gases corrosivos pode provocar intensa irritação do trato respiratório, com sintomas como rouquidão, estridor, e edema pulmonar. Desinfetantes e antissépticos: Desinfetantes e antissépticos são produtos químicos utilizados como germicidas. O antisséptico é aplicado a um tecido vivo com o intuito de matar ou inibir a proliferação de micro-organismos enquanto o desinfetante é usado em objetos inanimados com o mesmo objetivo. A maioria dos produtos dessa classificação tem risco de toxicidade gastrointestinal devido ao seu efeito sobre a mucosa da região, porém compostos específicos podem apresentar outros mecanismos de ação, como a embolia gasosa após ingeris peróxido de hidrogênio, broncoespasmo induzido pelo cloro e acidose metabólica provocada por formaldeído. As intoxicações geralmente ocorrem por ação direta local, fazendo que quanto maior a concentração presente na exposição, maiores sejam os sintomas. A maioria das intoxicações com soluções de baixa concentração é benigna, com leve irritação local. Quando a ingestão é de grandes quantidades, podem ocorrer náuseas e vômitos. Soluções concentradas podem causar queimaduras sobre a pele e membranas mucosas, além de lesões corrosivas da orofaringe, esôfago ou estômago. Naftaleno e paradiclorobenzeno: São produtos utilizados como repelente de traças, desodorizante de sanitários e mictórios. Possuem odor característico que pode ser facilmente identificado. Atualmente o paradiclorobenzeno vem substituindo o naftaleno na elaboração desses produtos, por se tratar de uma substância menos tóxica. O naftaleno pode causar hemólise e metemoglobinemia por estresse oxidativo, ao passo que o mecanismo de toxicidade do paradiclorobenzeno ainda não é definido. A dose tóxica para o naftaleno é de 1 a 2g (4 a 8 bolinhas), que pode provocar letargia e convulsão, mas quantidades menores já podem ser tóxicas em pacientes com deficiência de G6PD (glicose-6-fosfato desidrogenase). No caso de paradiclorobenzeno ingestões de até 20g são bem toleradas. o Farmacodinâmica do naftaleno e paradiclorobenzeno: Ambos os compostos são bem absorvidos por via oral e inalatória, sendo metabolizados no fígado e eliminados na urina (1-naftol e 2-naftol ou 2,5-diclorfenol). Em caso de ingestão ou inalação o naftaleno pode causar cefaleia, náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, hepatomegalia, esplenomegalia, convulsões (excitação do SNC), hemólise, formação de metemoglobina, acidose metabólica, hemoglobinúria e insuficiência renal. Exposições cutâneas e oculares podem provocar irritação local, como conjuntivites e dermatites de contato. A hemólise ou metemoglobinemia geralmente torna-se clinicamente evidente 24 a 48 horas pós-exposição, mas mais tipicamente no 3º dia após exposição, devido ao tempo necessário para a biotransformação de naftaleno. Sinais e sintomas de hemólise e metemoglobinemia são inespecíficos e incluem: taquicardia, taquipneia, falta de ar, fraqueza generalizada, diminuição da tolerância ao exercício e excitação do sistema nervoso central. A metemoglobinemia pode produzir cianose, enquanto a hemólise pode produzir palidez e icterícia. Os efeitos da intoxicação aguda por paradiclorobenzeno geralmente incluem náuseas, vômitos, cefaleia e irritação de mucosas. Porém, em alguns casos de exposição crônica, alguns efeitos graves podem ser observados, tais como: anemia hemolítica, fraqueza muscular, disfunção cerebelar, leucoenfalopatia e declínio cognitivo. Estes sintomas costumam aparecer meses após a exposição e se revertem por completo após cessar o contato com o agente tóxico. Solventes, ceras e polidores: Solventes são substâncias utilizadas para a dispersão de outra substância em seu meio. A maioria são hidrocarbonetos. As ceras e os polidores de metais são utilizados no processo de abrilhantamento de pisos e objetos. São produtos que causam irritação direta em pele e mucosas. Se inalados, podem produzir pneumonite química ou rebaixamento do sistema nervoso central. A dose tóxica é variável e depende do agente envolvido e da via de contato. o Farmacocinética de solventes e ceras: A farmacocinética dos solventes é pouco conhecida. O início e duração da ação após a inalação costumam ser rápidos. A eliminação se dá pela via pulmonar, hepática ou ambas, dependendo da substância. Os hidrocarbonetos alifáticos são eliminados via pulmonar sem alteração. O contato com a pele ou olhos pode causar irritação local, queimaduras ou lesão da córnea, ao passo que a ingestão pode causar náuseas e vômitos, podendo haver gastroenterite hemorrágica. Em alguns casos, pode ocorrer toxicidade sistêmica, com agitação, confusão mental, ataxia, cefaleia ou rebaixamento do nível de consciência. A exposição significativa a hidrocarbonetos pode causar síncope, arritmias, coma e parada respiratória. A aspiração pulmonar produz o aparecimento imediato de tosse ou asfixia, podendo evoluir para pneumonite química caracterizada por desconforto respiratório, incluindo taquipneia, roncos, hipóxia e hipercapenia. ATENDIMENTO DE PACIENTES INTOXICADOS: O primeiro atendimento em intoxicações é de primordial importância na sobrevida e prevenção de complicações ou sequelas. O Centro de Informações e Assistência Toxicológicas (CIAT) atende através de uma central telefônica, em regime de plantão permanente, sendo guiado por bancos de dados nacionais e internacionais. Serve como fonte de informações aos profissionais de saúde, objetivando prestar o melhor atendimento como órgão de assessoria e consultoria na área de urgência e emergência, a fim de agilizar o tratamento e evitar iatrogenias. A abordagem inicial do paciente intoxicado difere muito pouco da preconizada pelos algoritmos universais para o paciente grave. O paciente intoxicado frequentemente representa uma emergência de início agudo, com comprometimento de múltiplos órgãos, se assemelhando frequentemente a pacientes politraumatizados. Além do tradicional ABCD de reanimação, no paciente intoxicado são necessárias outras medidas gerais de desintoxicação, como a descontaminação e administração de antídotos. O médico deve sempre tentar identificar o agente tóxico, mas sua busca não deve nunca retardar o início das medidas terapêuticas vitais para o paciente. O conhecimento das síndromes toxicológicas, conjuntos de sintomas e sinais associados ao contato com um agente tóxico, é de fundamental importância para a implementação de uma terapêutica adequada, uma vez que esses padrões refletem a área de ação do contaminante e podem direcionar melhor os esforços da equipe de saúde. Mesmo dominando os quadros evidentes, o campo de ação da substância tóxica causadora do envenenamento é amplo, requerendo um grande conhecimento farmacológico e um adequado exame físico focado no nível de consciência e sinaisvitais incluindo a temperatura corporal. O tratamento de um paciente intoxicado deve ter por princípio prevenir, eliminar e tratar todas as consequências advindas da exposição ao agente tóxico. A descontaminação deve ser feita de forma mais breve possível para reduzir a absorção e diminuir a exposição e as lesões dela decorrentes, sendo realizada por meio da lavagem com água e sabão de todas as superfícies expostas. Em caso de contato com os olhos é recomendado irriga-los com água em baixa pressão por 30min, encaminhando o paciente ao oftalmologista. Esse processo é recomendado para intoxicações medicamentosas e por pesticidas, devendo ser evitado em caso de contato com ácidos e bases fortes. Para auxiliar no tratamento desses indivíduos, algumas medidas gerais podem ser aplicadas, possuindo boa taxa de sucesso no controle da intoxicação, a saber: Êmese: é um mecanismo não invasivo e que não necessita de hospitalização, mas apresenta potencial risco de danos teciduais com exposição repetida ao contaminante, e também pode levar à aspiração em pacientes inconscientes ou em meio a um episódio convulsivo; Lavagem gástrica: com poucas exceções, todos os pacientes intoxicados devem ser submetidos a sondagem nasogástrica e lavagem do conteúdo gástrico. O controle das convulsões e a proteção das vias aéreas, nos pacientes comatosos, são as precauções necessárias antes de se proceder à lavagem do conteúdo gástrico. As contraindicações são os casos de ingestão de corrosivos (pela possibilidade de haver perfuração esofagogástrica) ou de compostos hidrocarbonetos (pela possibilidade de pneumonite, se houver aspiração). Deve ser realizada para intoxicações recentes, contando com injeções constantes de soro fisiológico ou água destilada até que o líquido aspirado se torne claro; Carvão ativado (adsorventes): complementa a lavagem gástrica e, portanto, apresenta as mesmas indicações e precauções. Seu mecanismo de ação consiste na absorção de compostos, não somente os presentes na luz intestinal, mas, também aqueles já absorvidos, como no caso de bases fracas ou no caso de substâncias com circulação enteroepática. A primeira injeção deve ser drenada após 30 minutos, com as demais administrações permanecendo o TGI para eliminação junto às fezes. O tempo de utilização depende da gravidade da intoxicação e da evolução do paciente, mas, habitualmente, não ultrapassa 72 horas. Devemos lembrar que o carvão ativado é inefetivo contra alguns compostos, entre eles: álcalis cáusticos, lítio, álcoois e sais de ferro. Tem pouca efetividade contra organoclorados e digoxina; Laxativos: usados em associação ao carvão ativado, auxiliam a reduzir a absorção por diminuir o tempo de interação entre o toxicante e a mucosa do TGI Diurese forçada e alcalinização da urina: eficaz para a eliminação de compostos de excreção renal, ocorre por meio da hiper-hidratação e do uso de diuréticos potentes, podendo ser associada a alcalinização da urina em caso de exposição a barbitúricos; Hemodiálise e hemoperfusão: são indicados após rigorosa avaliação, uma vez que sua má administração intensifica o risco de morbidade. São indicados em casos graves, casos com dosagem sérica em níveis letais, deterioração progressiva do quadro clínico a despeito de terapia adequada e casos de compostos com toxicidade retardada. Podem ser utilizadas em intoxicações por álcoois, barbitúricos, salicilatos, lítio, arsenicais, paraquat, compostos de ferro, mercúrio e chumbo, entre outros. Antídotos e antagonistas: também possuem indicações precisas, sendo importante que se conheçam as recomendações e se pese a necessidade para cada caso. Além disso, devem ser conhecidas e respeitadas as doses para um composto, a fim de não se causar nova intoxicação ao paciente. Devido a maior frequência de intoxicações, alguns contaminantes possuem seu próprio protocolo de atendimento, como: Inibidores de acetilcolinesterase: No tratamento, o uso de atropina é essencial, por ser um antagonista competitivo da acetilcolina, tanto no SNC quanto no sistema nervoso autônomo. A dose inicial para adultos é de 1 a 2 mg para intoxicações por carbamatos e de 2 a 4 mg para intoxicações por fosforados, por via endovenosa ou intramuscular. A posologia a ser usada é empírica e será única para cada paciente. A dose inicial pode ser repetida em 5 a 10 min, ou em infusão contínua, avaliando-se a necessidade de aumentá-la ou reduzí-la a cada administração, de acordo com o controle do quadro clínico, ou seja, o controle das secreções estimuladas pela atividade muscarínica. Uma vez ajustada a dose, esta deve ser mantida por, no mínimo, 24 h. Os sinais de atropinização incluem midríase (o mais precoce), taquicardia e ruborização cutânea (útil no ajuste de dose). A retirada é lenta e gradual, por pelo menos 24 h, devendo ser restituída, se reaparecerem os sintomas. Nos casos de intoxicação por fosforados, deve-se fazer uso de oximas, dosada entre 20 a 40 mg/kg em solução fisiológica, com administração repetida em uma ou duas horas, até que seja atingida uma dose máxima de 12 g diárias, suspensa só após o término de todos os sintomas colinérgicos. Organoclorados: A Colestiramina, resina de troca iônica, não absorvível, deve ser utilizada ao invés de carvão ativado. A dose indicada é de 4 g, por via oral, a cada 6 h. Métodos de controle sintomático podem ser usados em caso de rebaixamento da consciência (Diazepam) e hipertermia (controle físico). Piretróides: Lavagem gástrica e carvão ativado são suficientes para impedir danos teciduais na mucosa do TGI. Paraquat: O sucesso do tratamento depende do tempo de sua instituição. Consiste em lavar copiosamente pele e mucosa, se estas foram expostas. Para ingestão, pode ser empregado carvão ativado ou Terra de Füller em suspensão aquosa a 15% (15g/100ml), na dose de 1 a 2g/kg de peso corporal. Manter hidratação e fluxo renal adequados. A suplementação de oxigênio pode potencializar os efeitos do Paraquat, só devendo ser realizada nos casos em que a hipoxemia é limitante para vida. Hemodiálise e hemoperfusão podem ser utilizadas para aumentar a eliminação. Nenhum antídoto tem se mostrado efetivo. Outra tentativa é a utilização de compostos que previnam a formação de radicais livres, como vitamina E e vitamina C. Cumarínicos: Sempre que se tiver a suspeita de intoxicação por cumarínico e o paciente não apresentar sangramento, iniciar tratamento com Vitamina K 10mg, intramuscular, a cada 6 ou 8 h. Após lavagem gástrica, utilizar Colestiramina, na dose de 4 g diluídos em 200 ml de líquido, a cada 8 h. O tempo de protrombina deve ser solicitado e repetido diariamente. Nos casos onde há sangramento identificado, pode-se recorrer ao uso de plasma fresco congelado, na dose habitual de até 20 ml/kg de peso corporal, a cada 6 h. Como a meia- vida desses compostos é longa, o tratamento só deve ser interrompido após 24 a 48 horas após a normalização do tempo de protrombina. O Ciave, Centro de Informações Antiveneno, é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como modelo para os países em desenvolvimento e referência nacional na área de Toxicologia, atuando na orientação, diagnóstico, terapêutica e assistência presencial de pacientes intoxicados, além de realizar análises toxicológicas de urgência, identificação de animais peçonhentos e plantas venenosas, manutenção e distribuição de antídotos e de soros antipeçonhentos para a rede pública estadual. Criado em agosto de 1980, foi o segundo dos 37 centros implantados pelo então Sistema Nacional de Informações Tóxico- farmacológicas.Único na Bahia, o Centro anualmente atende cerca de 7.500 ocorrências tóxicas e registra, através do SINAN, uma média de 10.000 notificações de acidentes por animais peçonhentos, ocorridos em todos os municípios do Estado. PROCESSO DE NOTIFICAÇÃO E CONTROLE DE INTOXICAÇÕES NA BAHIA: As intoxicações exógenas se enquadram com um item de notificação obrigatória ao Sinan (Sistema de Informação de Agravos e Notificação), o que requer atenção por parte do profissional de saúde responsável pelo preenchimento dos dados de modo a compor um quadro fidedigno da situação epidemiológica local. Devem ser devidamente investigados e encerrados os casos, oportunamente, em até 180 dias da notificação de caso suspeito. A notificação é a principal fonte a partir da qual se desencadeia o processo informação– decisão–ação. A partir da notificação, processamento, análise e interpretação dos dados, é possível promover ações de prevenção e controle relacionadas ao agravo. Segundo a OMS, a subnotificação das intoxicações por agrotóxicos é da ordem de 1:50, para cada caso notificado, existem outros 50 que não foram notificados. Os desafios e dificuldades para a notificação podem estar relacionados ao serviço de saúde e ao indivíduo intoxicado, sendo alguns exemplos: Dificuldade de acesso aos centros de saúde; Falta de procura por atendimento médico; Desconhecimento da equipe de saúde sobre os riscos de seu território de atuação, situação na qual os profissionais da saúde não fazem nexo causal dos sinais/sintomas com a história epidemiológica; Falta de comprometimento da equipe de saúde; Falta de vigilância em saúde ativa; Pouca integração entre setores em saúde; Dificuldades de preenchimento da ficha de notificação. A qualificação das informações engloba desde a atenção em anotar as informações de atendimento e entrevista, até o cuidado ao digitar esses dados. A observação da completitude (evitar deixar campos em branco) e consistência (coerência das informações) também fazem parte da qualificação das informações. As fichas de notificação contêm campos comuns a todos os agravos/doenças e outros campos específicos para alguns agravos/doenças de notificação compulsória, o que pode causar dúvidas no processo de preenchimento, fazendo-se necessário um processo mais detalhado de anamnese e exame físico de modo a conter todos os itens necessários. Em casos de surtos provocados por contaminantes exógenos é necessário, além de preencher as fichas individuais, produzir uma ficha de surto, que contempla o número de indivíduos afetados (casos suspeitos e exposições) e o agravo para o qual recebem tratamento. A maioria das intoxicações que acontecem no ambiente doméstico poderiam ser evitadas tomando-se medidas extremamente simples, tais como: Armazenar os agrotóxicos em locais de acesso difícil para crianças; Evitar trocar embalagens e mantê-las rotuladas; Não reutilizar embalagens, principalmente para guardar água ou alimentos; Não enterrar nem queimar restos de agrotóxicos e embalagens; Buscar orientação profissional e contratar empresa especializada em desinsetização e desratização quando julgar necessário o uso de agrotóxicos; Descartar as embalagens adequadamente; Afastar pessoas e animais (antes e depois) do local de aplicação de agrotóxicos; Seguir as orientações do fabricante quanto à manipulação e dosagem do agrotóxico que tem em mãos. Nos locais de trabalho devem ser adotadas as seguintes medidas preventivas: O trabalhador deverá ser sempre orientado quanto aos riscos envolvidos na manipulação do agrotóxico, e deverá ser esclarecido sobre os cuidados para evitar intoxicação. O trabalhador deve ser esclarecido de que não há uso seguro com relação aos agrotóxicos. Para ele, para o alimento e para o meio ambiente; Trabalhadores expostos a agrotóxicos devem ser submetidos à vigilância médica contínua; Buscar orientação para o descarte de resíduos de agrotóxicos e suas embalagens; Respeitar o período de carência entre a aplicação do agrotóxico e a colheita/consumo; Treinar adequadamente os trabalhadores, para evitar acidentes; Higienizar bem as mãos com água e sabão antes de comer ou beber; Lavar a roupa do trabalho separadamente das demais, e de preferência no próprio local de trabalho, evitando uma fonte de contaminação para a família; Fazer uma boa higiene ao fim da jornada de trabalho, se possível, tomar banho. A notificação dos casos de intoxicação ao Sinan obedece às divisões de regiões de saúde, conjuntos de municípios que por apresentarem índices socioeconômicos e epidemiológicos semelhantes são agrupados para facilitar a produção de informações. Na Bahia, das 28 regiões de saúde as mais relevantes são as de Salvador (abrange os municípios de Candeias, Itaparica, Lauro De Freitas, Madre De Deus, Salvador, Santo Amaro, São Francisco Do Conde, São Sebastião Do Passé, Saubara e Vera Cruz) e Camaçari (formada por Camaçari, Conde, Dias D’ávila, Mata De São João, Pojuca e Simões Filho), contendo respectivamente 22,66% e 4% da população total do estado. Os dados mais recentes sobre intoxicações exógenas nessas regiões datam de 2018, evidenciados pelas tabelas abaixo, sendo um mecanismo fundamental para avaliação e formulação de estratégias específicas para as demandas de cada localidade. Dados referentes às notificações de intoxicação exógena registadas na região de saúde de Salvador em 2017. Os agentes mais frequentes são medicamentos, alimentos/bebidas, drogas de abuso, raticidas e produtos de uso doméstico. Dados referentes às notificações de intoxicação endógena registradas na região de saúde de Camaçari em 2017. Os agentes mais frequentes são medicamentos, raticidas e produtos de uso doméstico. PROBLEMA 1 –INTERMEDIÁRIA: ANIMAIS PEÇONHENTOS: Animais peçonhentos são todos aqueles que possuem glândulas de veneno que se comunicam com dentes ocos, ferrões ou agulhões, estruturas que permitam a passagem ativa das secreções venenosas. Animais venenosos, por sua vez, são aqueles que apresentam produção de substâncias tóxicas, mas não possuem mecanismos inoculadores, realizando envenenamento passivo por contato, compressão ou ingestão. PRINCIPAIS ANIMAIS PEÇONHENTOS DE IMPORTÂNCIA MÉDICA: COBRAS: As serpentes são animais vertebrados, aminiotas e tetrápodos (descendem de animais que possuíam quatro membros locomotores) que apresentam, como características gerais um corpo muito alongado, sem presença de apêndices locomotores e cintura escapular, perda da sínfise mandibular (não há sutura das hemimandíbulas no mento, sendo substituída por um ligamento elástico), fechamento lateral da parede craniana e ausência de pálpebras móveis, dentre outras. Em relação às presas, as serpentes dividem- se em categorias distintas, a saber: Áglifa: maxilar sem dentes sulcados para inoculação de veneno, podendo ou não apresentar glândulas de veneno (glândula de Duvernoy). O maxilar é grande e pouco móvel; Opistóglifa: possuem colmilhos (dentes ocos para inoculação) na parte posterior da boca, com dentes não sulcados na porção anterior. Possuem glândula de Duvernoy e seu maxilar é grande e pouco móvel; Proteróglifa: apresenta colmilho profundamente sulcado na região anterior sem dentes não sulcados na porção anterior da boca, mas possíveis de estar localizados posteriormente aos inoculadores. Seu maxilar é pequeno e móvel, apresentando glândula de veneno; Solenóglifa: colmilhos muito desenvolvidos na porção anterior do maxilar e perfeitamente canaliculados, apresentando glândulas de veneno. O maxilar é extremamente reduzido e móvel, nãoapresentando dentes anteriores ou posteriores aos inoculadores (com exceção das presas de reposição). A maioria das formas viventes e a totalidade das espécies de interesse médico estão presentes na superfamília Colubroidea, que engloba as serpentes de evolução mais recente. Ainda nessa classificação, destacam-se as famílias Elapidae e Viperidae, as duas verdadeiramente peçonhentas, ainda que as cobras pertencentes à família Colubridae possam desencadear reações tóxicas em seres humanos, mesmo desprovidas de glândulas de veneno propriamente ditas. A maioria das formas viventes e a totalidade das espécies de interesse médico estão presentes na superfamília Colubroidea, que engloba as serpentes de evolução mais recente. Ainda nessa classificação, destacam-se as famílias Elapidae e Viperidae, as duas verdadeiramente peçonhentas, ainda que as cobras pertencentes à família Colubridae possam desencadear reações tóxicas em seres humanos, mesmo desprovidas de glândulas de veneno propriamente ditas. 1. Família Viperidae: As serpentes que são incluídas nessa categoria apresentam aparelho inoculador solenóglifo, identificadas facilmente por sua cabeça triangular recoberta por pequenas escamas análogas às do corpo. Dentro desse grande grupo ainda é válido ressaltar, para os animais da subfamília Crotalinae, a presença da fosseta loreal. Quanto ao comportamento reprodutivo são majoritariamente vivíparas, com a única exceção recaindo sobre a surucucu, que é ovípara. Os viperídeos são os principais e mais graves causadores de acidentes com ofídicos no Brasil, sedo observados no país 5 gêneros e 30 espécies desses répteis. Gênero Bothrops: comporta as serpentes responsáveis por 90% dos incidentes com cobras peçonhentas, com espécies distribuindo-se geograficamente das mais diversas formas, desde regiões bem delimitadas até amplas aparições pelo território nacional. Uma característica capaz de identificar os animais pertencentes a esse grupo é a cauda com placas duplas e normais. As principais serpentes pertencentes a esse gênero que habitam a Bahia são: o Bothrops leucurus (jararaca): viperídeos mais comum na Zona da Mata do Nordeste, abrangendo áreas desde a Paraíba até o Espírito Santo. Por habitar as áreas mais densamente povoadas pelo homem (urbanas, periurbanas e rurais) é considerada como a espécie mais importante para o Nordeste. É bastante avantajada, medindo 1,7m de comprimento, e prolífera, com partos de até 42 filhotes, que ocorrem entre fevereiro e maio. Sua coloração tende ao castanho claro entremeado por manchas mais escuras, numa padronagem triangular; o Bothrops neuwiedi (jararaca-pintada, jararaca-de-rabo-branco): complexo de 12 espécies de características semelhantes que são presentes por todo o Brasil (cobrem todo o estado da Bahia, com exceção para o litoral). Possuem pequeno a médio porte, raramente ultrapassando 1m de comprimento. São nervosas e bastante ágeis, causando um grande número de acidentes. O veneno botrópico apresenta três efeitos fisiopatológicos complexos, cuja causa pode ser atribuída a toxinas específicas, mas também podem ser fruto de interações entre elas ou da ampla ação de um de seus princípios ativos. 1. Ação proteolítica ou inflamatória aguda: A atividade inflamatória aguda é causada por um conjunto de frações biologicamente heterogêneas do veneno dessas serpentes, sendo os principais expoentes as aminas pré-formadas tipo histamina, fosfolipases A2, esterases e lectinas. As frações desse veneno agem muitas vezes de forma indireta, liberando potentes autacóides como bradicininas, prostaglandinas, leucotrienos e prostaciclinas, que interagem de maneira complexa e inter-relacionada. Não é raro que uma fração do veneno libere um conjunto de fatores pró-inflamatórios. O envolvimento de citocinas no processo de envenenamento abriu um novo caminho para o esclarecimento das ações flogísticas promovidas pelo veneno ofídico capaz de gerar quadros de inflamação local. Nesse processo há a ação de enzimas coagulantes, contribuindo para a formação de trombos e o consequente agravamento do edema e necrose tecidual, e que a atividade das hemorraginas estimula o avanço inflamatório pelo estímulo ao fator de necrose tumoral (TNF) pré-formado, um potente agente para deflagração dessas reações. 2. Ação coagulante: O veneno botrópico ativa fatores da coagulação, principalmente o fator X e a protrombina, induzindo a conversão de fibrinogênio em fibrina, formando assim coágulos intravasculares disseminados. Ainda por ação desse veneno pode haver a geração de metabólitos de fibrina no leito dos vasos. A trombocitopenia/plaquetopenia pode ocorrer nas primeiras horas após a inoculação de veneno, persistindo por dias. 3. Ação hemorrágica: Atribuída à presença de hemorraginas, metaloproteínas ricas em zinco e capazes de romper a integridade do endotélio vascular, agindo como desentegrinas. Além de degradar colágeno tipo IV e fibronectina, essas substâncias também são potentes inibidoras da agregação plaquetária. Seus possíveis mecanismos de ação são a digestão da membrana basal da microvasculatura e a ruptura completa ou formação de gaps endoteliais. O quadro clínico dos acidentes botrópicos divide-se em local e sistêmico, cada um contendo reações específicas que auxiliam na identificação do envenenamento. Manifestações locais: A picada geralmente inocula veneno nas camadas subcutânea ou intramuscular, sendo possível observar as marcas das presas na pele, que podem ou não apresentar sangramentos. Caracterizadas principalmente pela dor e edema tenso, de intensidade variável e início precoce e progressivo. A equimose (coloração violeta da pele) no local indica a presença de sangramentos abaixo da pele, sendo capaz de se estender amplamente pelo membro. Em poucas horas desenvolvem-se linfadenomegalia regional com gânglios inchados e doloridos, podendo ocorrer equimose no trajeto dos vasos que drenam a região. O aparecimento de bolhas pela região afetada também é possível, sendo sua proporção e intensidade variáveis, mas repletas de líquido seroso, hemorrágico ou necrótico. Manifestações sistêmicas: Em quadros leves a moderados podem ocorrer sangramentos que não afetam a hemodinâmica, seno comum a gengivorragia, hematúria microscópica, púrpura (equimoses em locais distantes do sítio de inoculação) e sangramentos em feridas recentes. Menos comuns, mais ainda passíveis de ocorrência são a hematúria macroscópica, sangramento conjuntival, hematêmese, hemoptise, epistaxe e hipermenorragia. Em casos graves é possível observar hemorragias intensas em áreas vitais, choque e insuficiência renal. Quadros crônicos de insuficiência hipofisária sugerem que a hipófise também sofra com os sangramentos, o que pode ser uma justificativa para a hemorragia do SNC como um dos causadores de óbito em acidentes com jararacas. Ainda que ocorram impactos na atividade de coagulação e na indução de hemorragias esses dois componentes não apresentam relação de causa e consequência, pois muitas vezes os sangramentos ocorrem antes que seja possível perceber alterações nos exames de análise da hemostasia. A demora na reversão do envenenamento, seja por demora no atendimento médico ou pela não administração de tratamentos adequados, pode levar a complicações que, da mesma forma que os sintomas iniciais, dividem-se em locais e sistêmicos. Complicações locais: As principais complicações que afetam o local da picada são abcessos, necrose e síndrome compartimental. A ação proteolítica do veneno botrópico favorece o aparecimento de infecções locais. Os germes patogênicospodem provir da boca do animal, da pele do acidentado ou do uso de contaminantes sobre o ferimento. As bactérias isoladas desses abscessos são bacilos Gram- negativos, anaeróbios e, mais raramente, cocos Gram-positivos. A presença desses contaminantes induz a formação de secreções purulentas que infiltram a pele, formando abaulamentos sensíveis. Esses sinais podem confundir-se com os indícios flogísticos do início do envenenamento, mas se esses sintomas se manifestarem após a estabilização local ou se há picos de febre alta é certa a presença de contaminantes e de uma nova inflamação. A necrose é devida principalmente à atuação inflamatória do veneno, associada à isquemia local decorrente de lesão vascular e de outros fatores como infecção, trombose arterial, síndrome compartimental ou uso indevido de torniquetes, além da demora em buscar atendimento médico. O risco é maior nas picadas em extremidades (dedos) podendo evoluir para gangrena e amputação do membro. A presença de síndrome compartimental: é rara, caracterizando casos graves de difícil manejo. Decorre da compressão (aumento da pressão) do feixe de vasos e nervos consequente ao grande edema que se desenvolve no membro atingido, produzindo isquemia de extremidades. As manifestações mais importantes são a dor intensa, parestesia (perda de sensibilidade), diminuição da temperatura do segmento distal, cianose e déficit motor. As complicações locais podem ser estimuladas pela aplicação de métodos muito difundidos, mas de ação extremamente prejudicial como torniquetes, incisões, sucção e presença de substâncias no local da picada. Complicações sistêmicas: A insuficiência renal aguda é uma complicação que ocorre em 0,5 a 13,8% dos pacientes, possuindo patogênese multifatorial, que pode decorrer da ação direta do veneno sobre os rins, isquemia renal secundária à deposição de microtrombos nos capilares, desidratação ou hipotensão arterial e choque. O choque é uma evolução rara, mas de início precoce, que se relaciona a liberação rápida de fatores inflamatórios e início abrupto da liberação de substâncias vasoativas. Gênero Lachesis: facilmente identificado pelas peculiaridades de sua cauda, que apresenta escamas quilhadas e eriçadas, com um espinho na ponta. o Lachesis muta rhombeata (surucucu, pico-de-jaca, surucutinga): exclusiva do Brasil e presente nas listas nacionais de animais em extinção, habita os espaços remanescentes da Mata Atlântica. É um dos maiores representantes da família Viperidae, com 3,5m de comprimento, mas não apresenta comportamento agressivo como padrão. Essa espécie é bastante ágil, deslocando-se facilmente principalmente nas horas de crepúsculo, e, durante situações de estresse, se aloca numa posição enrodilhada com forma de dois “s”, permitindo assim um maior impulso para dar o bote, alcançando até 50% de seu comprimento e, portanto, conseguindo atingir regiões mais elevadas do corpo de sua presa. Acidentes com essas serpentes não são tão comuns, uma vez que elas residem principalmente em áreas florestais. Essa distância em relação aos centros de tratamento e notificação também dificultam a coleta de dados epidemiológicos. Acidentes com esses animais devem ser sempre considerados graves, mesmo que a inoculação de veneno tenha ocorrido com uma só presa ou por meio de arranhadura, uma vez que os sintomas podem ter efeitos sistêmicos independente do peso do paciente afetado. Os mecanismos de ação dessa peçonha envolvem: 1. Ação proteolítica: A presença de proteases causa efeito semelhante ao do veneno botrópico, com proteases destruindo fatores de coagulação e promovendo repercussão de inflamações locais, essas que ocorrem devido a presença de histaminas, trombinas e fosfolipases A2, estimulando o aumento da permeabilidade vascular e a migração leucocitária. 2. Ação coagulante: Enzimas do tipo thrombin-like (TLE) agem na clivagem de moléculas de fibrinogênio para formação de fibrina, compondo assim microcoágulos capazes de se depositar nos órgãos (principalmente nos rins e pulmões), causando obstrução no fluxo sanguíneo. Essa ação promove coagulopatia de consumo dos fatores com contagem plaquetária normal e incoagulabilidade. 3. Ação hemorrágica: As metaloproteínas e hemorraginas danificam lentamente o endotélio vascular fazendo com que ações hemorrágicas e coagulantes se sobreponham e ocorram não só sangramentos locais, mas sim hemorragias sistêmicas tardias 4. Ação neurotóxica: As fosfolipases A2 podem se ligar a outras articulações enzimáticas antes da junção neuromuscular, criando assim um bloqueio no impulso nervoso e a consequente paralisia, além de reações vagomiméticas como a disfagia, e da ativação do SNA parassimpático. Toda essa interação nervosa resulta na expressão sintomática de bradicardia, hipotensão, diarreia, vômitos e disfagia. As manifestações clínicas de uma picada laquética dividem-se em quadros de acometimento local e sistêmico: Manifestações locais: Semelhantes àquelas descritas para acidentes botrópicos, predominando a dor e edema, que podem progredir para todo o membro. Podem surgir vesículas e bolhas de conteúdo seroso ou sero- hemorrágico nas primeiras horas após o acidente. As manifestações hemorrágicas, no entanto, geralmente se limitam ao local da picada, não excluindo a possibilidade de evento necróticos na pele. Manifestações sistêmicas: São relatados hipotensão arterial, tonturas, escurecimento da visão, bradicardia, cólicas abdominais e diarreia, que se relacionam às ações neurotóxica e a estimulação vagal. As complicações mais evidentes em acidentes botrópicos se repetem para intercorrências com serpentes laquéticas, sendo possível a ocorrência de necrose, síndrome compartimental, infecções secundárias e abcessos, além de déficit funcional. Por apresentarem sintomas muito semelhantes, é necessário que ocorra uma investigação acertada para diferenciação entre acidentes mediados por botrópicos (jararacas) e laquéticos (surucucus), seja ela por meio de ensaios enzimáticos, pela observação clínicas de sintomas da síndrome vagal ou por identificação morfológica da serpente. Gênero Crotalus: apresenta espécies de serpentes terrestres, robustas e pouco ágeis. Esses animais têm por principal característica a presença de um chocalho/guizo no final da cauda, formado por uma modificação da coluna vertebral e recoberto por anéis de pele residuais de mudas passadas. A linha vertebral é bem pronunciada nesse grupo, que também apresenta coloração castanho-claro sobre a qual se destacam manchas marrons em forma de losango que são contornadas por linhas brancas ou amarelas. o Crotalus durissus (cascavel): possui ampla distribuição geográfica, habitando o Cerrado, regiões áridas e semiáridas nordestinas e os campos abertos do Sul, Sudeste e Norte. A subespécie endêmica no Nordeste é a Crotalus durissus cascavella, residente na Caatinga e que possui porte avantajado, com cerca de 1,6m de comprimento. O veneno das cascavéis apresenta três mecanismos de ação distintos, a saber: 1. Ação neurotóxica: Produzida principalmente pela crotoxina, componente responsável pela elevada toxicidade do veneno. Toxina pré- sináptica, age nas terminações nervosas motoras inibindo a liberação de ACh pelos impulsos nervosos, principal causa de bloqueio neuromuscular e, consequentemente, das paralisias motoras e respiratórias observadas nas vítimas. 2. Ação miotóxica: A capacidade de produzir lesões nas fibras de músculos esqueléticos (rabdomiólise) é atribuída a crotoxina e crotamina de forma sistêmica, uma vez que as biópsias para análise dessesfenômenos são realizadas num local afastado do sítio de inoculação. 3. Ação coagulante: Atribuída à presença de componentes tipo trombina, com propriedades semelhantes às encontradas no veneno das serpentes do gênero Bothrops, capazes de prolongar o tempo de coagulação ou causar incoagulabilidade sanguínea. A degradação constante de fibrinogênio em fibrina pode causar o esgotamento das reservas dessa proteína (afibrinogenemia). Geralmente não há redução do número de plaquetas. As manifestações hemorrágicas, quando presentes, são discretas. As manifestações clínicas desses acidentes, assim como é observado em outras serpentes, divide-se em local e sistêmica: Manifestações locais: As marcas das presas podem ser encontradas tanto com edema e eritema discretos como também sem qualquer um desses indícios. Não há dor, ou se existe, manifesta-se em baixa intensidade. Queixas de parestesia (perda de sensibilidade) podem ser observadas, restritas ou não ao local de inoculação. Manifestações sistêmicas: o Gerais: mal-estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos, sonolência ou inquietação e secura da boca podem aparecer precocemente e estar relacionadas a estímulos de origem diversas, nos quais devem atuar o medo e a tensão emocional desencadeados pelo acidente; o Neurológicas: decorrem da ação neurotóxica do veneno, surgem nas primeiras 3 a 6 horas após a picada, e caracterizam o fácies miastênica (fácies neurotóxica de Rosenfeld) evidenciadas por ptose (rebaixamento) palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face, alteração do diâmetro pupilar, incapacidade de movimentação do globo ocular (oftalmoplegia), podendo existir dificuldade de acomodação (visão turva) e/ou visão dupla (diplopia). A manutenção da boca em posição semiaberta e a dificuldade em abrir os olhos deixam a feição do paciente semelhante àquela de um indivíduo alcoolizado, o que pode auxiliar no diagnóstico. Como manifestações menos frequentes, pode-se encontrar dificuldade à deglutição, diminuição do reflexo do vômito, alterações do paladar e olfato. A regressão desses sintomas ocorre de 3 a 4 dias após o tratamento; o Musculares: a ação miotóxica provoca dores musculares generalizadas (mialgias) que podem aparecer precocemente ou serem referidas durante compressão do músculo. A fibra esquelética lesada libera quantidades variáveis de mioglobina que é excretada pela urina (mioglobinúria), conferindo-lhe uma cor avermelhada ou de tonalidade mais escura, até o marrom. A mioglobinúria constitui a manifestação clínica mais evidente da necrose da musculatura esquelética (rabdomiólise); o Distúrbios da Coagulação: pode haver incoagulabilidade sanguínea ou aumento do tempo de coagulação, observando-se raramente sangramentos restritos às gengivas. Manifestações clínicas pouco frequentes: Insuficiência respiratória aguda, fasciculações e paralisia de grupos musculares podem ser relatadas. Tais fenômenos são interpretados como decorrentes da atividade neurotóxica e/ou da ação miotóxica do veneno. Com base nas manifestações clínicas, o envenenamento crotálico pode ser classificado em: Leve: caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas neurotóxicos discretos, de aparecimento tardio, sem mialgia ou alteração da cor da urina ou mialgia discreta; Moderado: caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas neurotóxicos discretos, de instalação precoce, mialgia discreta e a urina pode apresentar coloração alterada; Grave: os sinais e sintomas neurotóxicos são evidentes e intensos (fácies miastênica, fraqueza muscular), a mialgia é intensa e generalizada, a urina é escura, podendo haver oligúria ou anúria. Complicações podem ocorrer em pacientes, sendo mais prevalentes naqueles com casos graves ou que obtiveram ajuda médica tardia. As evoluções mais comuns são a insuficiência renal aguda promovida pela manutenção da rabdomiólise, necessitando de rápida intervenção para manutenção da qualidade de vida, e a insuficiência respiratória aguda, secundária a paralisia muscular e de caráter transitório. 2. Família Elapidae: As serpentes que são englobadas por essa categoria apresentam aparelho inoculador do tipo proteróglifo, e são amplamente dispersas pelo mundo. No Brasil, as principais representantes dessa família são as cobras corais, porém najas e mambas africanas também são expoentes desse grupo. Essas serpentes apresentam cabeça oval, recoberta por grandes placas simétricas (condição que é associada a cobras não venenosas), não possuem fossetas loreais e os olhos são pequenos e pretos, com pupila elíptica e vertical, geralmente inseridos numa listra preta na cabeça. O corpo desses animais é recoberto por escamas lisas e a cauda é curta e roliça, estruturas que, junto ao desenvolvimento de musculatura cervical forte e ao forte arcabouço ósseo da cabeça da cobra, remetem a sua habilidade de escavar tocas na região superficial do solo. A coloração dessa família é característica, marcada por cores vivas e anéis completos de cor vermelha, amarela/branca e preta, com essas últimas porções dispostas de forma isolada ou em tríades. Seu mecanismo de reprodução baseia-se na postura de ovos em formigueiros, buracos no solo ou em troncos em decomposição. A pequena abertura mandibular e o comprimento reduzido das presas inoculadoras tornam difícil e superficial a injeção de veneno, o que é compensado pelo hábito de mordida sem soltar, aumentando o tempo de inoculação. As limitações anatômicas e a baixa agressividade dessas cobras explicam o baixo índice de acidentes com seres humanos, mais frequentes em indivíduos que manipulam constantemente o animal. Além da coloração vívida de caráter aposemático (cor de advertência), as cobras corais apresentam um interessante mecanismo de defesa que consiste em contorcer o corpo e esconder a cabeça, erguendo a cauda enrolada, comportamento mimetizado pela Família Colubridae, compostas pelas corais falsas. Gênero Micurus: o Micurus corallinus: possuem anéis pretos simples entre dois brancos, encontrada principalmente na faixa litorânea, desde Ilhéus até o noroeste do Rio Grande do Sul. Aparecem depois das chuvas, adentrando as casas em busca de locais secos, uma vez que suas tocas no solo se tornam inviáveis. Têm comprimento médio de 50cm para machos, que possuem cauda larga, e 60cm para fêmeas, com cauda mais estreita. O veneno desse gênero de serpentes possui neurotoxinas (NTX) com dois mecanismos de ação: 1. NTX de ação pré-sináptica: Estão presentes em algumas corais (M. coralliunus) e também em alguns viperídeos, como a cascavel sul- americana. Atuam na junção neuromuscular, bloqueando a liberação de ACh pelos impulsos nervosos, impedindo a deflagração do potencial de ação. Esse mecanismo não é antagonizado pelas substâncias anticolinesterásicas. 2. NTX de ação pós-sináptica: Podem ser rapidamente absorvidas para a circulação sistêmica, difundidas para os tecidos, explicando a precocidade dos sintomas de envenenamento. As NTXs competem com a acetilcolina (ACh) pelos receptores colinérgicos da junção neuromuscular, atuando de modo semelhante ao curare. Nos envenenamentos onde predomina essa ação, o uso de substâncias anticolinesterásticas (edrofônio e neostigmina) pode prolongar a vida média do neurotransmissor, levando a uma rápida melhora da sintomatologia. A ação miotóxica pode ser mascarada ou induzida pelo padrão tóxico das frações desse veneno, que induzem a mionecrose por meio do influxo excessivo de cálcio para o citoplasma celular, que promove a hipercontração dos microfilamentos e danos mitocondriais, culminando na degradação
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