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Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 PROBLEMA 1 – ABERTURA A HISTÓRIA DA SAÚDE NO BRASIL: DA COLONIZAÇÃO AO INÍCIO DA REPÚBLICA: O Brasil foi “descoberto” ao final do século XV, sendo inicialmente ignorado por não apresentar riquezas minerais evidentes, situação que foi drasticamente alterada em 1534 devido à presença abundante de Pau- Brasil, árvore de madeira valiosa para a produção de pigmentos. Visando atender às demandas da população crescente de colonizadores portugueses, o Conselho Ultramarino (órgão da Coroa Portuguesa que regia a organização colonial) instituiu, no século XVI, os cargos de físico e cirurgião- mor, cujas funções englobavam o zelo a saúde dos lusitanos. Essas posições, no entanto, não foram preenchidas satisfatoriamente, pois poucos profissionais desejavam abandonar as condições de vida da Europa para enfrentar os riscos de um local inexplorado, sendo ainda mais desestimulados pelos baixos salários oferecidos. A população da época era, em sua maioria, pobre, buscando na colônia uma chance de ascender socialmente, e graças a essa condição econômica não conseguia arcar com os custos de um médico estrangeiro, recorrendo a curandeiros negros e indígenas (a confiança popular pelo tratamento ofertado também não era elevada, pois as sangrias acabavam por enfraquecer o doente, criando um estigma negativo). Os remédios feitos de raízes e ervas preparados por esses indivíduos eram bem quistos, pois eram acessíveis para a população, uma vez que os boticários (profissionais não instruídos formalmente) recusavam-se a atender pessoas pobres e médicos se faziam inacessíveis. O fluxo constante de escravos e mercadorias pelos portos da colônia fez com que diversas epidemias ocorressem em solo brasileiro, como a varíola (doença das bexigas), que afetou não só os núcleos urbanos como também os sertões, sem que fosse possível haver uma interferência concreta por parte de médicos e práticos, já que não existia conhecimento suficiente sobre doenças infectocontagiosas, levando o “tratamento” a abordar somente o isolamento dos doentes em benefício dos sadios, culminando na morte dos infectados em matas remotas. Essa medida extrema era bem aceita, porém tentativas mais cientificas de controle da doença eram temidas pela comunidade graças à influência da religião, pois os profissionais eram expulsos das localidades ao tentar aplicar pus de pessoas contaminadas em corpos sadios (intentava- se induzir o corpo a aceitar as células de defesa do doador presentes no conteúdo purulento, gerando um mecanismo de imunização). Em 1808, a vinda da família real para o Brasil fez com que fosse necessário criar uma nova imagem para a colônia, aproximando-a do ideal de prosperidade europeu, de modo que as primeiras escolas de medicina foram criadas no Rio de Janeiro (1813) e na Bahia (1815) para atender de maneira constante e organizada a demanda sanitária local. Em 1828, devido as suspeitas de que doenças infecciosas que assolavam o Brasil eram trazidas ao continente por navios mercantes, foi instaurada a Inspetoria de Saúde dos Portos, que tinha autoridade para colocar em quarentena qualquer embarcação suspeita de infecções. Ainda com o propósito de manter o Rio de Janeiro livre de moléstias, a Junta de Higiene e Saúde move seus esforços para a população local, exigindo que todos os membros da Corte se vacinassem contra a varíola (a Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 vacina foi criada em 1796 por um médico inglês, sendo fabricada com o pus de bovinos doentes, com grande aceitação no mundo ocidental). A presença de miasmas (“ar corrompido”) oriundos do mar fez com que diversos médicos solicitassem aos mais abastado que deixassem a cidade em direção às serras durante períodos de crise, recomendando para aqueles impossibilitados de realizar tais viagens que deixassem de consumir bebidas e frutas geladas por facilitarem a ocorrência de infecções. Tiros de canhão eram disparados por milicianos para movimentar o ar carioca com o objetivo de dissipar agentes patogênicos. Já em 1829, D. Pedro I solicitou a criação da Imperial Academia de Medicina, instituição que passou a ser o órgão de confiança do Imperador para a resolução de questões ligadas à saúde coletiva, contando com a participação temporária da Junta de Higiene e Saúde, que não obteve êxito em seu propósito. As medidas sanitárias ineficazes fizeram com que muitos dos indivíduos mais ricos procurassem auxílio médico na Europa ou em clínicas recentemente construídas nas serras fluminenses, deixando a população carente aos cuidados de curandeiros negros. Os escassos hospitais públicos e Santas Casas eram temidos pelos doentes, pois a superlotação desses espaços (muitos leitos comportavam mais de dois pacientes) somada à falta de higiene causava a morte da maioria dos pacientes. Sobre as Santas Casas: Em 1543 foi fundada a primeira Santa Casa de Misericórdia na vila de Santos, seguida pelas do ES, da BA, do RJ e da vila de São Paulo, todas ainda no século XVI. A origem dessa instituição remonta a 1488, ano no qual a regente portuguesa D. Leonor fundou o primeiro hospital da categoria para atender a missão cristã de atender os enfermos. O fim do império no Brasil veio sem que fossem solucionados os impasses em relação à saúde pública, o que trouxe ao país a fama da insalubridade, que afastava visitantes estrangeiros dos portos nacionais. D. Pedro II, lembrado como um governante que incentivava as ciências e a produção intelectual, doou quantias significativas para a construção de um laboratório na França para pesquisar e analisar as patologias que afligiam o país, recebendo assim elogios da mídia, mas longe de atingir o mesmo grau de apoio de seus súditos. Em 1889, a proclamação da República fomentou a ideia de modernizar o Brasil, de modo a encaixar o país nos moldes do desenvolvimento. Assim, o trabalho passou a ser interpretado como capital humano, surgindo a necessidade de capacitar a mão- de-obra e mantê-la apta para o exercício laboral. Nesse contexto, a Medicina passa a ser o pilar de consulta para assuntos sanitários, comprometida a promover a saúde individual e da comunidade, agindo como uma linha de defesa para proteger o processo de “civilização” nacional. A saúde pública surge como um novo ramo do conhecimento médico, lentamente instituída sobre os pilares científicos da medicina moderna, com o intuito de conhecer as doenças que assolavam o país, compreendendo seus mecanismos de ação, profilaxia e tratamento, o que foi fortemente amparado pela epidemiologia. Serviços estaduais de saúde substituíram os órgãos provinciais, sendo deficientes e desorganizados nos primeiros anos de sua criação, o que favoreceu a ocorrência de epidemias nas principais cidades do Brasil entre 1890 e 1900, com um grande número de óbitos. Políticos forneceram cargos de Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 alto escalão para médicos, que firmaram o compromisso de formar estratégias de manutenção e prevenção em saúde nas áreas delimitadas pelo governo. Os primeiros objetivos desse programa eram fiscalizar as condições sanitárias da população urbana e retificar pontos de enchentes e criadouros de ratos e insetos, contribuindo para o processo de reforma estrutural nas grandes cidades. Esse momento foi o marco inicial da internação compulsória de indivíduos afetados por doenças mentais e infectocontagiosas. Com a valorização republicana da força de trabalho, pela primeira vez a atuação do Estado em questões de saúde passou a ser global, indicando a criação das primeiras políticaspúblicas de saúde, inseridas no contexto das políticas sociais, ainda incipientes no início do período republicano. A REPÚBLICA VELHA: Com a presença do café como principal produto de exportação nacional e sua elevada rentabilidade uma grande quantidade de capital foi revertida para as cidades, financiando processos de industrialização e expansão urbana, essa última necessária devido ao fluxo de imigrantes desde o século XIX. Melhorar as condições de saneamento básico não era um objetivo endereçado para o bem-estar da população, mas sim para proteger áreas vitais para a economia, atuação que resultou na negligência do espaço rural, visível somente quando seus problemas afetavam a produção agrícola. O Serviço Sanitário paulista, criado em 1892, foi uma instituição- modelo organizada e sofisticada atuante no controle e prevenção de doenças, financiada pela lucratividade do mercado cafeeiro. Esse órgão expandiu seus serviços de vigilância por todos os espaços do estado, tornando obrigatória a notificação de casos de doenças infecciosas em residentes ou visitantes e tornou obrigatória a formação médica (seja no Brasil ou no exterior) para habilitar um indivíduo a prestar atendimento para a população, punindo os curandeiros que atendiam a população menos abastada. O governo do estado de São Paulo criou, em 1892, os primeiros laboratórios bacteriológicos, vacinogênicos e de análises clínicas e farmacêuticas, que viriam a se transformar logo depois nos institutos Butantã, Biológico e Bacteriológico. Profissionais estrangeiros trazidos para o Brasil fizeram com que fosse possível inaugurar o Instituto Pasteur, importante fabricante de insumos médico-veterinários. Em 1902, um surto de febre amarela provou a importância dos institutos em fornecer pareceres baseados em tendências científicas da época, pois para desbancar a conduta dos “Miasmáticos”, que isolavam os doentes e culpavam a poluição e os vômitos dos infectados pela propagação da doença, um grupo de voluntários contendo dois biólogos das instituições foram picados por mosquitos Aedes aegypti encontrados em locais próximos às vítimas, contraindo a infecção e comprovando as teorias que envolviam o vetor da doença. O Rio de Janeiro, em sua posição de elevada importância para o país também contava com um centro de pesquisas, o Instituto Sorológico de Manguinhos, em funcionamento desde 1889. Além de produzir inicialmente soros e vacinas, foi o local de atuação de Oswaldo Cruz, que diversificou a atuação do instituto, o qual passou a ser reconhecido como um dos laboratórios mais respeitados do mundo, reunindo pesquisadores e cientistas renomados, como Carlos Chagas. Em 1908, graças a relevância de Oswaldo Cruz para a saúde e os movimentos sanitários no Brasil, os laboratórios de Manguinhos foram renomeados em sua homenagem Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 É notório, entretanto, que fora das áreas periféricas aos centros, nada mudou para a saúde da população, uma vez que os avanços não conseguiam atingir as localidades mais remotas, reduzindo o número de doentes nos grandes centros urbanos, mas mantendo elevados os índices nacionais das mesmas patologias. Carlos Chagas foi um biólogo de fundamental importância para a medicina sanitarista brasileira, pois foi o responsável por descobrir em 1909 o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas. Ao visitar a cidade mineira de Lassance o cientista observou um grande número de insetos hematófagos, conhecidos localmente por barbeiros, e buscou compreender suas características, encontrando em seu intestino amostras do protozoário, que também foi visto ao estudar amostras de sangue colhidas entre a população do lugarejo. Assim, Cruz decifrou o papel do Trypanosoma cruzi no desenvolvimento de sintomas como aumento do fígado, febre e problemas cardíacos, frequentes na região, criando um quadro clinico detalhado para descrever a moléstia descoberta. Ao final da primeira década do século XX, a população rural brasileira se encontrava fragilizada social e economicamente, afetada pela subnutrição, alcoolismo, malária, doença de Chagas e demais outras patologias, de modo que os doentes, afastados de locais que forneciam atendimento médico qualificado, recorriam a tônicos fortificantes ou se colocavam à mercê dos coronéis, que forneciam remédios extraídos de raízes e ervas naturais no Brasil em troca de apoio político. É nesse contexto de vulnerabilidade que surge o Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato que evidencia a imagem frágil e debilitada do homem campesino. Nas cidades a situação não mudava de figura, pois o crescimento populacional oriundo da vinda de imigrantes pirou ainda mais as condições de vida locais, aumentando o número de cortiços e moradias precárias. Era nesse cenário que duas teorias se chocavam em meio a elite intelectual do Brasil: a eugenia, que culpava a miscigenação pelas epidemias, alegando que só seria possível erradicar tais complicações esperando a extinção desse “híbrido brasileiro”, e uma argumentação de cunho social, que caracterizava o território nacional como um grande hospital que necessitava de intervenção emergencial, pois o fator sanitário é tão importante para o crescimento nacional quanto a produção econômica. Medidas de cunho sanitarista atingiram principalmente os grandes polos urbanos nos primeiros anos do século XX, sendo a Amazônia uma exceção devido ao surto da borracha em 1913, momento no qual o próprio Oswaldo Cruz se embrenhou na região para compor um plano de erradicação de doenças que ameaçavam os seringueiros. O Rio de Janeiro também foi marcado pelas intervenções de Oswaldo Cruz, culminando na Revolta da Vacina, em 1904. A ação de brigadas sanitaristas na cidade carioca envolveu a eliminação de criadouros de ratos e insetos, e a destruição de cortiços e favelas, com seus morros totalmente derrubados, mas resultou numa completa mudança estrutural na cidade, reduzindo o número de óbitos e epidemias naquela região. Tal modelo de controle epidemiológico foi aplicado em outras capitais em maior ou menor escala, mas contribuindo para diminuir os valores encontrados para morbidade de doenças que assolaram por séculos a população urbana. A Revolta da Vacina: a intervenção estatal constante nos centros urbanos foi vista com desconfiança pelo povo principalmente devido a desapropriação Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 truculenta nos cortiços e favelas, muitas vezes apoiada por policiais ainda mais violentos. Essa situação atingiu seu clímax em novembro de 1904, período no qual Oswaldo Cruz conseguiu convencer o Congresso Nacional a autorizar campanhas compulsórias de vacinação contra a varíola, o que ocorreu sem antes informar a população sobre os objetivos e funcionamento daquela medida, levando a uma reação em massa por parte dos cariocas, insuflando o discurso de políticos de oposição e transformando o caráter do movimento, direcionando a revolta para o presidente da época, Rodrigues Alves. Patrimônios públicos foram depredados e manifestantes morreram num espaço de seis dias finalizados com a prisão dos líderes do movimento e a revogação do caráter obrigatório da vacinação. A lição governamental aprendida com essa insurreição foi a necessidade de comunicação com as camadas populares de modo a organizar campanhas e programas junto ao povo, evitando assim seu descontentamento. Essas medidas de reformulação do espaço nas grandes cidades mantiveram como privilegiados os membros da elite, pois garantiram a presença de saneamento básico em seus bairros e nos locais de atuação comercial,enquanto os pobres permaneceram marginalizados, habitando locais não contemplados com os avanços supracitados. Esse constante descaso ficou evidente na epidemia de gripe espanhola ocorrida em 1918, na qual médicos e a população de classe alta fugiram dos centros urbanos, abandonando os demais habitantes em situação de miséria, contornada somente graças a solidarização do povo, que se esforçou para tratar os doentes em hospitais improvisados. Esse surto matou cerca de 500 mil pessoas ERA VARGAS: A ascensão de Getúlio Vargas ao poder após a Revolução de 1930 fez com que fosse necessário remodelar o governo, removendo quaisquer indícios do período oligárquico, modificando inclusive a Constituição, aprovada em 1934.Seu governo se estende até 1945, passando por uma fase ditatorial denominada Estado novo (1937-1945), momento no qual uma nova Cata Magna foi escrita, apoiando-se num viés populista capaz de conter as revoltas do povo. A unificação dos ministérios de saúde e educação em outubro de 1930 fomentou uma remodelagem nas políticas sanitárias com a finalidade de instaurar a burocracia federal como regente dos serviços, contribuindo para o caráter centralizador da Era Vargas. O Estado assegurou a população a responsabilidade por zelar pela saúde coletiva, e esse posicionamento foi mais bem aceito em áreas rurais, antes desprezadas pelo governo, enquanto grandes centros urbanos já bem equipados desaprovavam a modificação de um sistema de saúde adequado e independente em troca do controle estatal. Passaram a ser tratadas apenas doenças presentes numa lista prioritária, sem que as demais demandas populares fossem atendidas, menosprezando inclusive o acompanhamento de gestantes. Os médicos foram exonerados de seus cargos nas comissões sanitárias, sendo substituídos por burocratas e políticos que nada sabiam sobre saúde pública. Reclamações eram malvistas e notificadas pelas autoridades como forma de concentrar o poder. Para se protegerem em meio a um governo autoritário, a classe médica se organizou para defender e ampliar determinados privilégios, escrevendo um código moral muito distinto do que temos hoje como o Código de Ética Médica. Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 Após o golpe que instaurou o Estado Novo, Vargas direcionou os esforços em saúde novamente para as capitais, principalmente atendendo trabalhadores da indústria e do comércio, medida implementada de modo a obter apoio popular. Durante a República Velha os trabalhadores e operários não eram assegurados de forma eficaz em caso de acidentes em serviço devido às contradições presentes nas diversas leis que abrangiam tal assunto, sendo a única exceção a Lei Elói Chaves, criada em 1923, responsável pelas Caixas de Aposentadorias e Pensões, fundos de garantia classistas (ferroviários e portuários) que, em resposta a retenção de uma porcentagem salarial assegurava o direito a aposentadoria, a atendimento médico e a cobertura de despesas funerárias, concedendo inclusive pensões aos herdeiros do segurado. O governo varguista fez uso dos moldes originados dessa lei e expandiu-os para outras categorias profissionais, criando os IAPS (Institutos de Aposentadorias e Pensões), permitindo que uma grande parcela da população fosse atendida por médicos sem exigir novos gastos públicos. Apesar disso, o amparo fornecido por esses órgãos era irregular, não atendendo as necessidades de doentes em situação mais grave, que sofriam com o isolamento sanatorial como forma ineficaz de tratamento. Trabalhadores sem carteira assinada encontravam-se em situação ainda pior, pois eram desprovidos de qualquer auxilio de classe por não contribuírem oficialmente para os fundos de sua categoria, recorrendo aos hospitais filantrópicos em caso de adoecimento, tratados nesses locais como indigentes. Com medidas como essa, Getúlio Vargas ganhou imenso apoio popular, mesmo que muitas pessoas ainda não tivessem garantias legais de atendimento à saúde, como trabalhadores rurais e urbanos sem carteira assinada. A Constituição de 1934 passou a incorporar lentamente diversos direitos para o proletariado, culminando com a edição da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, que obriga o pagamento de um salário mínimo, indenização para acidentes laborais, atendimento médico para os doentes e férias remuneradas para todos aqueles portadores da carteira de trabalho, momento marcante como o início de um fundo previdenciário que aumentou a segurança do trabalhador, expandindo-se com o passar do tempo. Já existiam desde o início da República brasileira campanhas de educação em saúde, voltadas para a quebra de hábitos anti-higiênicos que podiam causar doenças, mas a maior parte da população não pudera usufruir adequadamente desse material por ser analfabeta. No Estado Novo, a partir de 1938, mensagens de cunho higienista e sanitarista passaram a ser veiculadas nas rádios de todos os estados, devido a popularização desse meio de comunicação. Cursos de formação de enfermeiras sanitaristas também entraram em voga, com a missão de ensinar a população carente noções básicas de higiene e fazer o encaminhamento de doentes para os hospitais públicos/filantrópicos. Medidas pedagógicas atualizadas eram empregadas na produção de cartazes e panfletos informativos, tão ilustrados e coloridos que qualquer pessoa, alfabetizada ou não, era capaz de compreender a mensagem prevista. A influência da eugenia desde a República Velha ainda tinha reflexos na produção de materiais educativos, pois diversos dos conselhos transmitidos ao público se orientavam em pilares fascistas e racistas, mesclando princípios sanitários com textos que exaltavam o grau de desenvolvimento alemão, atribuindo-o a presença de uma “raça pura” ariana e comparando-o ao atraso brasileiro e a existência de uma população Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 “biologicamente fraca” e contaminada por imigrantes indesejáveis do Oriente. Esse posicionamento era adotado por alguns profissionais da saúde até o ano de 1942, quando o Brasil tomou parte na 2ª GM ao lado dos EUA por pressão desse último, contexto geopolítico que alterou drasticamente as campanhas em curso, que passaram a exaltar o povo norte-americano, descrevendo propriedades nutritivas dos produtos alimentícios oriundos de empresas americanas. No contexto do Estado Novo, o número de mortes por doenças epidêmicas caiu drasticamente, principalmente nos centros urbanos do Sul e Sudeste, porém doenças endêmicas se fizeram presentes, como ISTs, tuberculose, Doença de Chagas e patologias gastrointestinais. Mesmo com novas formas de conter endemias rurais e com o aumento do acesso do operariado a atendimento médico, o brasileiro se mantinha doente. O estado de saúde da população foi ressignificado em dois momentos, atraindo visibilidade internacional. O primeiro foi quando um pesquisador americano observou que na América Latina os principais óbitos eram causados por doenças parasitárias e infectocontagiosas já controladas nos EUA, ao passo que lá as doenças da modernidade (cardiopatias e câncer) eram responsáveis pelo maior número de mortos. O segundo período de choque foi em 1942, quando fez-se necessário compor um grupo de 100 mil soldados brasileiros em estado físico e mental impecavelmente avaliado para integrar a FEB (Força Expedicionária Brasileira), entretanto observou-se que a maior parte estava com a saúde comprometida de algum modo, tornando-a inapta para os afazeres da guerra. Essas notícias correram o Brasil, fazendo com que o governo fizesse a única coisa a seu alcance para se proteger das ameaças populares,culpar os enfermos, classificando-os como párias, incapazes de gerar riquezas para o Brasil e ainda queixosos de não receber atenção médica. A responsabilidade estatal de proteger a saúde do povo não era cumprida integralmente e por isso diversos brasileiros ainda morriam por não receberem o atendimento devido. O PERÍODO DEMOCRÁTICO (1945-1964): Após o fim da 2 Guerra Mundial e a vitória do Aliados sobre o Eixo, manifestações contra a ditadura passaram a toar o Brasil, culminando na deposição de Getúlio Vargas e na formulação de uma nova Constituição em 1946, em vigor até o início da ditadura militar. Esse período foi marcado pela redemocratização, com o voto secreto sendo meio de eleição para os principais cargos políticos do país. Medidas populistas se mantiveram como a principal estratégia dos governantes para manutenção de boa imagem pessoal, sendo a resolução dos reais problemas sociais relegada a segundo plano, visível apenas quando a população se aglutinava em movimentos revoltosos. Os anos 50 no Brasil marcaram o desejo de independência econômica nacional, buscando distanciar o país de políticas imperialistas, mas a entrada de capital estrangeiro ainda era constante, empregado principalmente na modernização da produção econômica brasileira, tendência bastante evidente durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Eurico Gaspar Dutra foi o sucessor direto de Getúlio Vargas, assumindo o governo em 1946. A prioridade de sua gestão era organizar os serviços públicos, mas as tensões políticas internas e a forte burocracia da era varguista entravaram os projetos propostos pela presidência. Em 1948 foi desenvolvido o plano Salte, uma Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 tentativa de melhorar os sistemas de saúde, alimentação, transporte e energia nacionais que não foi totalmente implementada, atraindo críticas negativas nos veículos de comunicação. Em 1953, no segundo momento do governo de Vargas, foi criado o Ministério da Saúde, mas a nova pasta recebia contribuições financeiras mínimas, explicitando o descaso das autoridades com a saúde da população. Com as limitações de caixa, o Estado pouco podia fazer para melhorar a saúde coletiva, pois faltavam profissionais especializados, equipamentos, infraestrutura adequada e estímulos para garantir a proatividade dos servidores. As falhas ministeriais são explicadas pela ausência de reformas sanitárias de peso e de políticas fundamentadas em saúde, muitas vezes sobrepondo órgãos e instituições, atolando ainda mais em burocracia a saúde popular. As primeiras ações do Ministério tiveram como foco o interior, visando combater as doenças que mais assolavam os habitantes daquela região, criando em 1956 o Departamento Nacional de Endemias Rurais, que também buscou promover a educação sanitária em meio rural. As medidas adotadas por esse órgão não foram tão eficazes como era exposto pelas propagandas do governo. O clientelismo também afetava negativamente a ação do Ministério da Saúde, pois diversos recursos eram desviados por políticos para atender a sua área de abrangência eleitoral em troca de apoio popular, privando outras localidades de receber tais insumos, o que também implicou na paralização de importantes projetos conduzidos pela esfera federal. A atenção à saúde no meio rural era de responsabilidade quase exclusiva das ações do Ministério, enquanto que em meio urbano os trabalhadores eram amparados por centros próprios ou financiados com o IAPS, mantidos pela contribuição de patrões e empregados. Revisões das leis trabalhistas foram realizadas, culminando em aumento dos benefícios recebidos em caso de afastamento por doença. Com o aumento no número de segurados por esses fundos de previdência o valor revertido ao médico por atendimento teve de ser elevado, atingindo 50% das arrecadações anuais, o que causou redução na qualidade dos serviços prestados como forma de controlar o orçamento previdenciário. O setor privado passa a observar a ineficácia da máquina pública em assegurar serviços em saúde para a população, e começa a pressionar o governo para que os projetos de construção de centros estatais fossem interrompidos em troca de financiamentos e empréstimos a juros reduzidos para que fossem instaladas grandes redes de clínicas e hospitais que venderiam seus serviços para a população, aos IAPS e ao próprio Estado. Medidas foram aprovadas para privilegiar tais grupos, com boa parte das verbas destinadas para o crescimento de hospitais privados sendo embolsada por políticos sócios de clínicas, evidenciando os reais beneficiados por esses investimentos. Em 1960, devido as insatisfações populares e a impossibilidade de gerenciar os IAPS, houve um processo de reorganização previdenciária pela sanção da Lei Orgânica da Previdência Social (Lops), que uniformizou as contribuições laborais para cada instituto, porém isso não foi revertido em melhorias na qualidade dos serviços prestados. No Brasil dos anos 60 a mortalidade infantil ainda era um sério problema, mesmo com as intervenções do Ministério da Saúde em ampliar os postos de puericultura e as campanhas de assistência e atendimento às mães, pois a população ainda vivia em Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 precárias condições de saneamento básico, sem acesso a água de qualidade, vitimando ainda mais crianças por inflamações e patologias gastrointestinais. O modelo clientelista de política vigente no interior entravava a execução de projetos direcionados às crianças, que não eram taxados como obrigatórios, mas sim como provas da bondade dos políticos, resultando em forte apoio eleitoral. Nesse viés de vulnerabilidade social o governo passou a ter como prioridade garantir que a população estivesse bem nutrida, uma vez que intelectuais brasileiros correlacionam a fome e a miséria vivenciadas pela população como fator determinante para o surgimento de doenças. O surgimento das Ligas Camponesas no Nordeste e os pronunciamentos do médico Josué de Castro chamou a atenção da mídia nacional e estrangeira, fazendo com que o governo revidasse violentamente as manifestações populares das Ligas que defendiam também ideais comunistas. Com o cenário nacional bastante turbulento a medicina passou a se politizar, aproveitando de seu prestígio popular par a lutar pelo bem-estar comum, exigindo dos políticos medidas que beneficiariam as camadas sociais mais carentes, o que fez com que a saúde passasse a ser pauta constante em reivindicações de trabalhadores. João Goulart, presidente engajado com as Reformas de Base, teve dificuldade em conciliar as demandas públicas com a necessidade de apoio econômico, o que fragilizou a estrutura democrática do governo, contribuindo para a instituição de uma nova ditadura no Brasil. A DITADURA MILITAR BRASILEIRA: A Revolução de 1964 (autodenominada dessa forma pelos militares) teve como objetivo neutralizar ameaças comunistas presentes no Brasil, dando fim aos regimes democráticos e populistas do período anterior. Diversos indivíduos foram perseguidos, dentre os quais cientistas, músicos, estudantes e sindicalistas. Josué de Castro, um dos defensores da população rural e carente nos movimentos nordestinos, teve seus direitos políticos cassados nessa época. O AI n° 2, instituído em 1965, reduziu a dois o número de partidos nacionais (Arena - situação/ MDB - oposição), sendo que ambos eram de certa forma cerceados pelo governo. O Executivo era privilegiado, detendo a maior parte do poder, enquanto os demais serviços governamentais passaram a ser geridos por tecnocratas, que ignoravam as questões sociais comofatores de tomada de decisões, embasando-se somente em fatores econômicos. Nos primeiros anos da ditadura, entre 1968 e 1974, o PIB nacional se elevou rapidamente, atingindo patamares de uma nação desenvolvida, graças a modernização do setor econômico nacional e a inibição das conquistas salariais alcançadas nos anos anteriores. O país ascendeu a novos níveis na economia mundial, mas o cenário interno era muito diferente: o “milagre econômico” não mudou a vida do brasileiro, cujo poder de compra foi notavelmente reduzido. Para mascarar o cotidiano não tão próspero internamente, o governo divulgava amplamente os avanços da medicina, como o primeiro transplante cardíaco realizado na América Latina, em 1968 (Dr. Euríclides de Jesus Zerbini). O Ministério da Saúde foi afetado pela mudança de governo, sendo o primeiro efeito a redução das verbas orientadas para a saúde pública, decrescendo constantemente até o final do regime militar. Programas, campanhas e tarefas sanitárias eram repassadas para outras pastas, o que Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 impediu a ocorrência de melhorias nos serviços de saúde. O posicionamento do Ministério em considerar a saúde como algo individual alterou em grande escala suas formas de atuação, pois o pouco capital acumulado passou a ser aplicado em pagamentos para clínicas particulares que atendiam a população pobre e para desenvolver campanhas de vacinação, sem direcionamento para a melhoria do saneamento básico, o que levou ao aumento de casos de doenças como dengue, malária e meningite, epidemias que após 1971 eram censuradas pelo governo, impedindo a população de compreender as reais dimensões do descaso. Esse cenário de restrição de informações só terminou em 1974 quando uma epidemia sem precedentes de meningite atingiu o Brasil, exigindo que o poder público esclarecesse a situação, organizando uma campanha ostensiva de vacinação que durou até 1977. Para garantir o controle estatal sobre as instituições de acesso público e se aproveitando das dificuldades administrativas dos IAPS, foi criado em 1966 o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unificando todas as classes trabalhistas num só órgão. Essa nova instituição, sob administração do Ministério do Trabalho, seria responsável por assegurar a saúde do trabalhador, ao passo que o Ministério da Saúde deveria, no papel, criar medidas que melhorassem a qualidade de vida da população. O Estado passou a ser o único coordenador dos serviços previdenciários, recolhendo 8% dos salários para compor o fundo de assistência da população segurada. Ao mesmo tempo, a maior parte dos médicos e hospitais estava de alguma forma ligada à previdência, mesmo aqueles de caráter privado, pois a participação do governo seria apenas suplementar, colocando os convênios público-privados como peça fundamental no atendimento à saúde. Nesse período foram comuns as fraudes médicas, pois a máquina pública era lenta em desviar as verbas de direito do INPS e esse era ainda mais vagaroso ao pagar os conveniados, fazendo com que procedimentos desnecessários e internações fantasmas fossem uma forma dos profissionais receberem aquilo que lhes era de direito, fragilizando todo o sistema. Para evitar gastos com a previdência, empresas do setor privado passaram a aderir à medicina de grupo, recebendo subsídios estatais para cuidar separadamente dos seus funcionários, numa tentativa obscura de reduzir a demanda pública. Em 1974, para evitar que o INPS sucumbisse em seu mar de fraudes e má administração foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que seria o responsável direto pelo fundo previdenciário, criando também a Dataprev, empresa que processava os dados da previdência e evitava fraudes internas. Cabe salientar também que as atividades relacionadas ao atendimento médico dos pensionistas passaram para a coordenação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Para reduzir as críticas ao regime, medidas foram implementadas para garantir assistência médica para a população, como a formação do Programa de Assistência do Trabalhador Rural (Funrural), que ampliava ao campo os direitos dos trabalhadores urbanos, e o Plano de Pronta Ação (PPA), que buscava agilizar o atendimento de urgência, delegando ao MPAS somente o pagamento dos hospitais prestadores de serviços aos segurados. Em 1975 foi criado o Sistema Nacional de Saúde, mecanismo Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 que serviria para baratear e aumentar o alcance das ações em saúde. A política de atenção em casos de acidentes em local de trabalho era débil no Brasil, com o pagamento do salário insalubridade agindo somente como um mediador de conflitos, levando os acidentados a buscar amparo na previdência. Hospitais optavam por amputar os membros lesionados mesmo que fosse possível salvá-los, condenando aqueles indivíduos a condição de inválidos pelo resto da vida, recorrendo a esmolas ou ao mercado informal para se manter. Doenças ocupacionais também eram menosprezadas, mesmo que a crescente poluição acabasse por vitimar os operários de forma lenta. A entrada de capital externo no Brasil durante o milagre econômico trouxe consigo empresas estrangeiras de seguros-saúde que se popularizaram entre as camadas sociais beneficiadas pelo período de prosperidade relativa, negócio esse que se mostrou altamente rentável, pois o custo dos atendimentos médicos era irrisório se comparado ao lucro obtido. Também se instalaram em território nacional grandes laboratórios farmacêuticos que obliteraram a concorrência brasileira, vendendo diversos novos medicamentos por todo o país, alguns já proibidos no exterior e outros sem eficácia comprovada. Ao serem perseguidas pelo governo essas empresas simplesmente interrompiam toda a produção, afetando a população, que ficava sem seus remédios e acabava se revoltando contra o governo. DÉCADAS DE 1980 E 1990: O governo militar caiu por terra em 1985 após o fracasso do modelo econômico idealizado pelo regime no final dos anos 70, momento no qual a população voltou a se aglutinar em prol da liberdade e da democracia, exigindo eleições direta para presidente, contexto que fez com que o general João Figueiredo acelerasse o processo de redemocratização, devolvendo ao povo os seus direitos políticos e liberdade de expressão. Essa reconquista democrática teve como marco o ano de 1988, quando a Constituição Cidadã foi aprovada, prevendo eleições para o ano seguinte. O Brasil voltava a ser governado pela população, mas isso veio em um dos piores momentos de recessão econômica da história, com hiperinflação e redução drástica do poder de compra do brasileiro. A saúde no Brasil apresentava-se sucateada, graças a precária expansão do sistema de saneamento básico e a insuficiência na distribuição de profissionais pelo grande espaço territorial, resultando em mortes oriundas da falta de socorro especializado e da infraestrutura insatisfatória dos hospitais. Tirando proveito da abertura política, moradores da periferia urbana iniciaram movimentos em protesto contra as condições sanitárias locais e em busca de melhor qualidade de vida, sendo apoiados por padres e médicos sanitaristas, sendo assim formados os Conselhos Populares de Saúde, que buscavam aproximar as regiões marginalizadas da atenção à saúde. Médicos também aproveitaram o momento para discursar expressando seu descontentamento com condições laborais e om a formação educacional no ramo, uma vez que o número de faculdades de Medicina aumentou de forma notável durante o regime militar, entregandoao mercado profissionais já saturados pelas demandas não atendidas por parte da população. Ainda no final dos aos 70, duas instituições surgiram para tentar reverter o quadro da saúde pública no país, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro de Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 Estudos da Saúde (Cebes), percussoras do Movimento Sanitarista, que visava buscar respostas para os problemas vivenciados em saúde através do debate. O produto desse movimento foi o documento “Pelo direito universal à saúde”, que coloca o acesso à saúde como um direito do cidadão e dever do Estado, texto tão influente que teve papel na Assembleia Constituinte, sobrepondo os lobbies de políticos que se beneficiariam com a ruína da saúde pública e culminando na inclusão de diversas propostas sugeridas. O Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde foi um dos principais frutos da Constituição de 1988, baseado no princípio de integrar serviços públicos e privados em saúde numa rede hierarquizada e regionalizada. O Estado passou a classificar a saúde privada como complementar aos esforços públicos e passou a intervir de forma mais marcante nesse setor. Os desafios para implementação do Suds foram os mesmos de qualquer outra política de descentralização, com oposição por parte de empresas particulares que temiam redução em sua lucratividade com a adesão ao sistema estatal, além do já conhecido desvio de verbas por parte da administração municipal. O Sistema Único de Saúde foi a solução encontrada para suprir as dificuldades de implementação do Suds, contando com a integração dos serviços ofertados pelo Estado e compondo uma plataforma de inserção e aplicação das políticas elaboradas pelo Ministério da Saúde em nível regional, aliando a esse plano as medidas municipais e estaduais. Com o SUS foi extinto o INAMPS, pois a assistência medica do trabalhador passa a ser integrada aos demais programas de saúde popular, deixando o controle previdenciário sob o controle do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A REFORMA SANITÁRIA NO BRASIL: A década de 1970 trouxe consigo a criação de múltiplos órgãos governamentais para regulamentar as bases da atenção médica previdenciária, porém nenhum deles foi verdadeiramente bem-sucedido em seu propósito, situação essa que era encoberta e manipulada pelo Ministério da Saúde. Graças a esses conflitos surgiam ideias que lentamente se desdobravam em simpósios e produções acadêmicas levadas aos Cebes. O 1° simpósio sobre Política Nacional de Saúde (1979) foi um momento de grande importância para o que viria a emergir no futuro como a Reforma Sanitária, pois foi nesse evento que o documento “A questão democrática na área da saúde” foi aprovado, servindo como base para a conclusão do encontro ao reunir as reivindicações de classe e o posicionamento dela contra o autoritarismo e a negligência para com a saúde pública. Os principais pontos desse documento que serviram como pilares das discussões da Reforma sanitária são o direito universal à saúde, o caráter intersetorial dos determinantes da saúde (visão global do processo de adoecimento e bem-estar), o papel do Estado em intervir ativamente no setor da saúde, descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços ofertados, e participação popular. Desde esse momento já era sugerida a criação de um sistema único de saúde, com ações preventivas e emergenciais. Os anos 1980 trouxeram consigo a crise do sistema previdenciário, que não conseguia suprir a demanda de segurados e tampouco organizava o aumento das arrecadações, dando voz a diversos posicionamentos que propunham sanar o problema, orbitando desde posturas liberais, com a instituição de previdências privadas, até medidas centralizadoras, nas quais o Estado recolheria uma porção maior do lucro das Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 empresas como forma de quitar as dívidas do sistema. A solução escolhida pelo governo não se direcionava para nenhum dos lados, o que só aumentava a decadência do sistema. Para dar um fim rápido para essa situação, foi escolhido que se cortassem os investimentos em assistência médica, mesmo que esse setor não fosse o maior detentor das arrecadações (já haviam no Brasil empresas estrangeiras que forneciam seguros saúde e diversas empresas se responsabilizavam pelo cuidado com o trabalhador para não ter seu lucro afetado pelo governo), criando um novo método de precificação de serviços, definido antes do tratamento, a Guia de Internação Hospitalar, que superou o sistema antigo por tentar racionalizar o pagamento ao setor privado. Em dezembro de 1984 foi realizado um novo Simpósio sobre Política Nacional de Saúde para tentar chegar a um consenso entre empresários e sanitaristas, no qual o único ponto acordado por todos era a necessidade de maiores investimentos orçamentários para a saúde. Já em janeiro de 1985 foi realizada a Reunião de Montes Claros, um momento de lideranças discutirem quais seriam os próximos passos com a retomada da democracia no Brasil. A carta produzida nesse encontro reafirmava os pontos debatidos em 1979. A partir de então diversos outros encontros ocorreram para aprofundar as medidas propostas para a nova república, como a unificação do Ministério da Saúde com o INAMPS. Waldir Pires, ministro da Saúde no governo de Sarney, fez inúmeras decisões que direcionavam o funcionamento do sistema público de saúde para algo mais próximo do que é visto nos dias atuais, iniciando a universalização da clientela hospitalar, com a integração de hospitais universitários ao plano, sendo impelidos a atender a demanda, mesmo se o indivíduo não fosse filiado ao sistema previdenciário. As prioridades gerenciais do novo governo lembravam novamente os postulados de ‘79 ao descentralizar a administração e os centros de saúde, reduzindo a concentração de investimentos no Sul e Sudeste e buscando a diminuição das desigualdades entre o espaço rural e as cidades. O momento de fato decisivo para a Reforma Sanitária foi a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em Brasília no ano de 1986 e presidida por Antônio Sérgio da Silva Arouca (FIOCRUZ). Os temas abordados nesse momento relacionavam-se com o direito à saúde, o financiamento do setor e as reformulações necessárias ao sistema nacional de saúde, sendo que a questão de maior engajamento dizia respeito a formulação desse novo modelo de atenção, ao que foi descartada imediatamente a possibilidade de estatização direta, uma vez que era necessário expandir e fortalecer o poder estatal, sendo a participação privada uma concessão regida sobre as leis nacionais. A separação de saúde e previdência também foi alvo de debates, pois essas instituições seriam responsáveis por processos distintos uma vez que a saúde fosse universalizada. Os congressistas apoiavam a criação de uma nova Constituição. Setores tecnocratas e burocráticos defendiam, em oposição aos congressistas da VIII CNS, uma unificação pelo alto, com passagem direta do INAMPS para o Ministério da Saúde, menosprezando a relevância das estratégias de integração já em andamento, que serviriam como uma maneira de suavizar a transição para um eventual sistema unificado em saúde. Enquanto as AIS se expandiam por cerca de 90% do território municipalizado do Brasil, as relações entre gestores e prestadores de Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 serviços tornava-se mercantilizada, esgotando a premissa administrativa do programa. A implantação do SUDS e sua relação de convênio com as secretarias estaduaise municipais de saúde ocorreu conjuntamente a formação da Comissão Nacional de Reforma Sanitária, o que levantou novamente debates sobre os riscos de se colocar o bem-estar popular sob responsabilidade do INAMPS. O SUDS tinha seu avanço dificultado pela negação de órgãos estaduais participarem de forma ativa na realocação de verbas. O movimento de Reforma culmina na consolidação da nova Constituição, promulgada em 1988, na qual a saúde se insere como um direito intrínseco a cidadania e incorporada no âmbito de seguridade social. Os impactos desse movimento revelam-se na criação do SUS, programa amparado pelos ideais debatidos ainda em 1979, mas que refletiam os planos e proposições de um novo período democrático na garantia da harmonia coletiva. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: A formulação do texto base para o Sistema Único de Saúde envolveu diversos grupos de pontos de vista conflitantes, havendo representação do setor de saúde privada, funcionários dos Ministérios da Saúde e da Atenção Médica da previdência Social, e de pesquisadores envolvidos no movimento de Reforma Sanitária, sendo esses últimos apoiados por organizações externas e relevantes como a OPAS e a OMS. Os pontos de polêmica na elaboração da Lei Orgânica da Saúde são: 1) a incorporação do INAMPS ao MS, com fechamento dos escritórios regionais; 2) a participação popular, que havia sido vetada pelo Presidente Collor de Mello; 3) as conexões do novo sistema de saúde com o setor privado (se esse seria complementar ou de livre participação); 4) descentralização consensual dos serviços de saúde (o setor privado iria se reportar ao órgão gestor do SUS ou aos estados e municípios?); 5) regulamentação do Fundo Nacional de Saúde, explicitando os percentuais de vinculação orçamentária e as frações endereçadas a cada unidade federativa; 6) a implementação de um plano de carreira para os profissionais da área após dois anos de implementação do programa. Definição de Lei Orgânica: é a lei maior de um município ou Distrito Federal, mas pode ser também a lei que disciplina o funcionamento de um setor específico de algum dos poderes. A Lei Orgânica da Saúde ou lei 8080/90 foi o documento que criou o Sistema Único de Saúde brasileiro, dispondo em seu segundo artigo a saúde como um direito fundamental do ser humano e que deve ser assegurado pelo Estado, responsabilidade está descrita como formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doenças e agravos e no estabelecimento de condições para que o acesso de todos aos serviços propostos seja universal e igualitário. É notória a fundamentação do SUS sobe os pilares da participação popular, uma vez que o documento preconiza que as atribuições da comunidade, família e indivíduo não são excluídas pela atividade do Estado. A saúde passa a ser vista como uma associação múltipla de fatores que refletem a dinâmica do ambiente em torno do indivíduo, passando a ser encarada como determinante e indicadora da organização de um país em uma revisão da lei feita em 2013. Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 O SUS tem como princípios a universalidade (o atendimento é fornecido a todos os indivíduos em todos os níveis de assistência), a integralidade de assistência (conjunto de ações e serviços preventivos e curativos em esfera individual e coletiva, necessária em todos os casos), e a equidade (tratar os desiguais com desigualdade). As diretrizes que regimentam o funcionamento adequado do Sistema Único de Saúde são a regionalização e hierarquização (organização lógica em níveis de complexidade crescentes e adequada a área geográfica de inserção), descentralização (distribuição de responsabilidades da União até o município) e controle social (engajamento popular nas medidas e ações planejadas pelos servidores, inserindo a comunidade como agente na manutenção de sua saúde). A Lei n° 8080 deixa clara a possibilidade de participação privada em serviços de saúde no Brasil, mas sempre de forma complementar aos serviços estatais, sendo que convênios podem ser estabelecidos para suprir demandas eventuais, principalmente junto a hospitais e clínicas com fins não lucrativos. Também é estabelecido um conjunto de comissões e grupos permanentes que têm por função avaliar o desempenho das políticas implementadas, compostos tanto por profissionais e governantes como por usuários do sistema. O SUS passa a ser responsável não só pelo atendimento médico da população e do trabalhador como também pela vigilância sanitária e epidemiológica, controle dos bancos de sangue, substâncias tóxicas, medicamentos e produtos alimentícios, além de preservar ao desenvolvimento técnico e cientifico na área da saúde. A lei n° 8142/90 teve por principal finalidade instituir a Conferência de Saúde, reunião quadrienal (4 em 4 anos) que avaliará a situação da saúde nacional, propondo novas políticas para sanar as deficiências observadas, contando com a participação de vários setores sociais, e o Conselho de Saúde, órgão permanente composto por representantes do governo, prestadores de serviços e usuários de modo a formular estratégias e controlar a execução das políticas públicas. Após a regulamentação legal das ações e atividades do SUS surge o período das Normas Operacionais Básicas (NOB), sendo a NOB 01/96 referente a alocação de verbas vindas do Fundo Nacional de Saúde, permitindo a transferência direta de um piso de atenção básica calculado per capita de forma direta para municípios cadastrados, visando assim maior equidade no redirecionamento de verbas, garantindo uma parte desse contingente e outra ficaria a cargo da adesão do município às estratégias de saúde da família, programa esse que buscava romper a dicotomia prevenção/cura. Na contemporaneidade surgem debates acerca da real extensão da universalidade preconizada pelo SUS, pois o sistema de saúde nacional não é unicamente estatal, e a participação de empresas privadas faz com que sejam mantidas diversas realidades sociais vivendo em paralelo, desde o indivíduo carente que recorre somente ao SUS até o membro da elite capaz de pagar por atendimento diretamente ao prestador, mas que também está inserido no contexto da saúde pública, o que se distancia dos ideais de adesão integral ao sistema, situação motivada não só pela existência de fornecedores particulares dos serviços públicos como também pela ineficácia do sistema em lidar com determinadas demandas. Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 PROBLEMA 1 – INTERMEDIÁRIA O ARCABOUÇO JURÍDICO DO SUS: O Sistema Único de Saúde teve suas primeiras definições expressas por meio da Constituição Federal (artigos 196 a 200 falam sobre a responsabilidade do Estado como provedor de condições sanitárias para a população), pela Lei n° 8080/90 (competências e atribuições iniciais do novo órgão, primeira regulamentação específica para o Sistema), e pela Lei n° 8142/90 (determina a distribuição de verbas para o programa e propõe medidas que incentivem o controle social, como as Conferências e os Conselhos de Saúde). Para orientar a consolidação do SUS, Normas Operacionais Básicas (NOB), inicialmente a Cargo do INAMPS e posteriormente criadas pelo Ministério da Saúde, foram elaboradas, instituindo uma série de portarias regulatórias. DA JUNÇÃO ENTE INAMPS E MS: O Ministério da Saúde incorporou esse órgão previdenciário através do decreto n° 99060/90, passando mais três anos com estruturas sobrepostas às do Ministério. As NOB foram responsáveis por definir o papel de cada esfera do poder público na implementação do sistema, pelo direcionamento derecursos do Fundo Nacional de Saúde e de seus equivalentes de menor escala, e também por determinar as condições relativas à gestão dessa instituição, assegurando a participação de estados e municípios. A primeira Norma Operacional Básica, NOB/1991, ainda foi escrita sob influência do INAMPS, possuindo caráter centralista, ótica sob a qual a instituição atuava. Tem como principais pontos: Secretarias Estaduais e Municipais seriam prestadores de serviços equiparados aos do setor privado; O INAMPS mantém-se como gestor único do SUS; A gestão estadual ainda dá seus primeiros passos, agindo muito mais como colaboradora em prestação de serviços; Início da municipalização, com Unidades de Saúde sendo transferidas da esfera federal para os municípios, mas sem formar uma rede de atendimento; Criação da Unidade de Cobertura Ambulatorial, que ao ser multiplicada pela população local definiria o teto de verbas repassadas anualmente. Em 1992, ainda sob gestão do INAMPS foi publicada uma nova NOB graças ao consenso ente o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Tinha como objetivos normatizar a assistência à saúde, estimular a implementação e desenvolvimento do SUS e fornecer os recursos operacionais necessários para efetivação dos preceitos constitucionais sanitários. A NOB/91 criou o Índice de Valorização de Qualidade, aplicado aos hospitais que integravam o SUS, e o Fator de Estímulo à Gestão Estadual, que regulava o repasse automático de verbas para áreas habilitadas de modo a estimular o desenvolvimento tecnológico da rede pública, além do Prosaúde, programa criado para reorganizar os serviços sanitários nas três esferas do poder. A NOB/91 continuava sendo seguida, com o INAMPS sendo responsável pelo repasse de recursos. Em 1993, por meio da Lei n° 8689, o INAMPS foi incorporado ao SUS, rompendo com o caráter centralizador presente desde a formação do Estado brasileiro. O MS passou a ser a única autoridade responsável por esse sistema a nível federal, alcançando a descentralização unidirecional postulada pela Constituição. A NOB/1993 foi o primeiro documento do tipo editado exclusivamente pelo Ministério da Saúde, consolidando os princípios debatidos na IX Conferência Nacional de Saúde, dentre Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 os quais estão as Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite, formulando um sistema de gestão cooperativa entre instâncias do governo, intensificando o processo de municipalização. Além disso, o documento também aborda: Inclusão municipal como parte da gestão, formando a terceira instância do SUS; Categorização municipal em três fases de gerência (incipiente, parcial e semiplena); Definição ainda rasa do papel estadual no desenvolvimento de estratégias no Sistema, mas é notório o início de sua atuação como gestores; Transferência automática e regular fundo a fundo de verbas oriundas do teto global da assistência para municípios de gestão semiplena. Apesar do êxito obtido pelos membros da categoria semiplena e dos impactos desse processo para a municipalização, ainda havia superposição de responsabilidades, pois os limites de atuação de cada instância não eram bem delimitados. Foi por meio do decreto n° 1232/94 que foi regulamentado o repasse automático fundo a fundo que distingue o SUS de outras iniciativas governamentais. Esse mecanismo foi imprescindível para o sucesso do Sistema, pois as medidas conveniais existentes à época não seriam suficientes para garantir a parceria entre União, estados e municípios. A relevância desse texto é tamanha que se enquadra como o ato normativo mais importante, depois das leis de criação, para a operacionalização funcional desse programa, pois conferiu agilidade aos processos de cunho financeiro de uma forma peculiar para um sistema de saúde. O Sistema Nacional de Auditoria (SNA) do SUS foi criado em 1993 pela lei n° 8689 como uma forma de avaliar de forma descentralizada aspectos financeiros, científicos, patrimoniais e contábeis do SUS, sendo esse órgão regulamentado pelo Decreto n° 1651/95. O SNA busca, de forma transparente, estimular o controle social por meio da exposição dos dados coletados. Mais uma Portaria do MS, dessa vez do ano de 1996, institui a NOB-SUS/96, um dos principais elementos estruturantes do SUS ao regulamentar a política de municipalização, instituindo o município como um gestor pleno de seus serviços de saúde, além de redefinir as responsabilidades estaduais e federais e de fomentar a gestão plena da atenção básica. Seus principais aspectos são: Caracterizar as responsabilidades sanitárias de cada gestor, fomentando um novo pacto federativo em saúde; Estabelecer uma relação entre o SUS e a população, apresentando o agente responsável por sua saúde, o município (seja diretamente ou como referência); Reorganizar o modelo assistencial, fornecendo ao setor municipal a responsabilidade pela atenção básica; Consolidar as Comissões Intergestores Bi e Tripartite como mecanismos permanentes de negociação entre os níveis de coordenação do programa; Aumentar o repasse de verbas da União a estados e municípios, utilizando para isso o Piso de Atenção Básica (PAB), Fração Assistencial Especializada (FAE), Incentivo ao Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários da Saúde (Pacs), Índice de Valorização de Resultados (IVR), Piso Básico de Vigilância Sanitária (PBVS) e o Índice de Valorização do Impacto em Vigilância Sanitária (Ivisa); Regulamentar as relações entre município, estado e federação, destacando: o Participação pública e privada, sendo essa garantida por meio de contratos ou convênios; o Subordinação a só um gestor em todos os níveis de governo; Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 o A relação entre gestores organiza a referência de pacientes entre localidades, mediada pelo estado; o Consolida as Comissões Intergestores como fóruns de negociação e articulação; o Corresponsabilidade do município com suas instituições supervisoras em suas competências; o Papel estadual na redistribuição de verbas por meio da discriminação positiva (mais verbas para áreas vulneráveis); o Ação da Programação Pactuada e Integrada (PPI) como formalizadora de relações, propondo estratégias de ampliação e execução; o Redefinição das funções do MS como gestor, integrando de maneira mais eficaz suas instituições subordinadas; o Incorporar ao SUS ações de vigilância sanitária e epidemiológica; o Reorganizar o modelo de atenção básica, ampliando o alcance do PSF e Pacs como estratégia principal, adotando um incentivo financeiro para as áreas cobertas. Essa NOB foi alterada por outras portarias de modo a ressignificar os pisos relativos às competências do SUS, sendo que suas últimas modificações foram causadas pelas Noas de 2001 e 2002. Em 2000, a Emenda Constitucional n° 29 alterou uma série de artigos da Constituição de 1988, acrescentando um artigo dentre as disposições transitórias que assegurava os recursos mínimos para financiar os serviços e ações públicas em saúde, sendo bastante criticada por correntes econômicas poderosas contrárias a designação de recursos. A aplicação de verbas no setor sanitário seria, no mínimo, igual aos investimentos do ano anterior, segundo um projeto de lei complementar publicado em 2007. A portaria n° 95/2001 cria as Normas Operacionais da Assistência à Saúde (Noas), que introduz o conceito de redes de assistência e institui os Planos Diretores de Regionalização e de Investimentos. Também são ampliadasas responsabilidades municipais no contexto da Atenção Básica, definindo a regionalização na assistência. A Noas/02, instituída pela portaria n° 373/2002 postula os encaminhamentos da CIT, em reunião de novembro de 2001, momento no qual CONASS e Conasems firmaram um acordo contemplando pareceres relativos ao único comando de centros de média complexidade e o fortalecimento do poder estadual sobre interações intermunicipais, principalmente no que diz respeito ao acompanhamento dos recursos transferidos. O objetivo principal das novas Noas era promover a equidade na alocação de verbas e no acesso popular ao atendimento à saúde em todas as esferas de gestão, por meio de três planos articulados entre si: a regionalização e organização da assistência, o fortalecimento da capacidade gestora do SUS, e a revisão de estados e municípios habilitados. Assim, a descentralização e a regionalização passaram a se relacionar, com a participação cada vez mais evidente da PPI e dos estados como moderadores de referências intermunicipais, o que só seria alcançado com o fortalecimento da gestão dessas instâncias. Os principais pontos da Noas/02 são: Elaboração do Plano Diretor de Regionalização (PDR) e do PPI, coordenados pelo setor estadual; Ampliação da atenção básica por meio de direcionamento de verbas federais através do PAB, calculado per capita para beneficiar as localidades mais engajadas no processo de consolidação do PSF; Instituição de políticas para atendimento de alta complexidade; Qualificação das regiões e microrregiões. Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 A Noas/02 também organiza alternativas assistenciais mais adequadas às necessidades da população em tempo oportuno, otimiza a utilização de recursos e subsidia mecanismos de avaliação e controle dos serviços, como a PPI. Esse documento foi editado pelas diversas portarias que dizem respeito ao Pacto pela Saúde. PACTOS DO SUS: Com a consolidação do SUS por meio das portarias que compunham as NOB e as Noas, a gestão tornou-se um processo mais complexo, criando a necessidade de serem pactuadas entre as esferas gestoras do Sistema (União, estados e municípios) uma série de responsabilidades capazes de garantir o controle social, a organização de regiões e microrregiões, qualifica o acesso à atenção integral em saúde e cria um fundo de financiamento tripartite para estimular a equidade em transferências ente fundos, respeitando sempre a coerência e planejamento em gestão e as diferenças regionais. Esses princípios foram firmados no ano de 2006 entre o MS, CONASS e Conasems, compondo um Pacto que se estende a três distintas dimensões: Pacto pela Vida, Em Defesa do SUS e de Gestão, promovendo inovações nos processos e instrumentos ligados à gestão, além de redefinir responsabilidades coletivas frente aos resultados sanitários em função das necessidades populares e fomentar a execução de acordos entre gestores. PACTO PELA VIDA: Entende-se como Pacto pela Vida o compromisso firmado em torno de prioridades de impacto direto na saúde do brasileiro. A priorização de setores se dá por meio de metas de caráter nacional, estadual e municipal, que podem ser agregadas frente a pactuações. As seis prioridades acordadas são: Saúde do idoso: Visa a promoção do processo de envelhecimento ativo e saudável, com atenção integral e integrada à saúde da pessoa idosa. Medidas intersetoriais também são importantes para assegurar esses princípios, garantindo a integralidade do Cuidado. Para promover a saúde do idoso também foi proposta a implementação de serviços de atenção domiciliar e o acolhimento prioritário desses em unidades de saúde, respeitando os parâmetros de classificação de risco. O aumento da participação popular também é mencionado, devendo para tal ser divulgada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, assim como o treinamento de profissionais sanitários nessa área, em medidas de educação permanente e durante a formação acadêmica. A produção científica é abordada ao ser postulado o apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas e o incentivo a cooperação nacional e internacional em experiências no setor de saúde do idoso. Para atender a essas necessidades foram propostas uma série de ações e medidas, como a Caderneta de Saúde da pessoa idosa, que ao apresentar informações relevantes sobre o estado de saúde do indivíduo possibilita melhor acompanhamento pelos profissionais do setor. O manual de Atenção Básica à Saúde da Pessoa Idosa, também idealizado nesse período, tem por intuito a formação de ações de saúde seguindo as diretrizes da Política Nacional de Saúde do Idoso. O programa de educação permanente à distância, por sua vez, tem por finalidade implementar cursos e medidas que auxiliem o trabalho do profissional sanitário na atenção básica. Mudanças no processo de acolhimento e assistência farmacêutica buscam suprir dificuldades do acesso do idoso ao atendimento à saúde, ao passo que a atenção diferenciada na internação e cuidado domiciliar buscam integrar a equipe Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 multiprofissional no cenário do atendimento, tornando-o mais humanizado. Controle do câncer de colo de útero e de mama: Os principais objetivos para esse tópico eram a cobertura de 80% dos exames preventivos para câncer de colo de útero e 60% das mamografias, além de incentivar a realização de cirurgias de alta frequência (pode ser feito em ambulatório e resulta em menores danos ao retirar as lesões) com pagamento diferenciado e realizar punções mamárias em 100% dos casos necessários. Redução da mortalidade infantil e materna: Para esse segmento, foram propostas as seguintes metas: reduzir em 5% as mortalidades neonatal e materna em 2006, diminuindo no mesmo período 20% das mortes por pneumonia e 50% daquelas causadas por doenças diarreicas. A criação de comitês de vigilância do óbito em 80% das cidades com mais de 80 mil habitantes também foi proposta, junto à elaboração de proposta de intervenção frente às doenças mais prevalentes. No âmbito da mortalidade materna, o pacto visa garantir o fornecimento de insumos para o tratamento de síndromes hipertensivas no parto e a qualificação de bancos de sangue para atender as necessidades das maternidades. Fortalecimento da capacidade de resposta às doenças emergentes e endemias, enfatizando a dengue, tuberculose, hanseníase, malária e influenza: No que se refere à dengue, foi proposto reduzir a 1% a infestação predial de Aedes aegypti em 30% dos municípios prioritários, além de criar planos de atenção e contingenciamento para os pacientes contaminados nos mesmos municípios. A meta para o controle da hanseníase foi retirá-la do rol de problemas públicos de saúde, conseguindo um índice inferior a 1 caso a cada 10 000 habitantes em todos os municípios brasileiros. Curar 85% dos novos casos de tuberculose bacilífera diagnosticados por ano, reduzir em 15% a incidência anual de malária na Amazônia Legal (2006) e implantar planos de contingência e um novo sistema de informação para notificar casos de Influenza também são medidas propostas nessa seção do Pacto. Promoção da saúde: O processo de promoção da saúde seria de responsabilidade dos três governos, que juntos elaborariam ainda em 2006 a Política Nacional de Promoção de Saúde. A população também seria colocada no centro desse objetivo, internalizando em cada indivíduo seu papel em relação a adoção de um estilo de vida saudável, aliando exercícios e alimentação adequada ao combate ao tabagismo. Para tanto, é preciso articular os programas de promoção de atividades físicas,sejam eles preexistentes ou criados após o Pacto. Fortalecimento da Atenção Básica: O principal quesito desse objetivo é assumir a Estratégia de Saúde da Família como eixo primordial para alcançar o desenvolvimento da atenção primária, adereçando as diferenças regionais de forma a não impactar negativamente na adoção do programa. Caberiam às três instâncias da gestão do SUS financiar essa nova estratégia, garantindo a infraestrutura necessária para o trabalho e a formação de vínculos empregatícios favoráveis à permanência profissional. Atualizações na área de educação permanente permitem à equipe atuante numa localidade que se capacitem para o trabalho em atenção básica, que será monitorado e avaliado pelas três esferas do governo, agindo como um exercício de gestão. Ampliar a ESF nos grandes agrupamentos urbanos e rumo ao interior também é algo preconizado pelo regimento pactual. No ano de 2008 forma acrescentadas cinco novas prioridades ao que havia sido Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 postulado em 2006, com um total de 11 metas para o período 2008/2009. As adições foram: Saúde do trabalhador; Saúde Mental; Fortalecimento da capacidade de resposta do sistema de saúde às pessoas com deficiência; Atenção integral às pessoas em situação ou risco de violência; Saúde do homem. Para os anos de 2010 e 2011 foram adotadas as mesmas 11 metas junto a medidas de monitoramento do Pacto pela Saúde. PACTO EM DEFESA DO SUS: Esse documento tem por objetivos assegurar o compromisso dos gestores do SUS com a consolidação da Reforma Sanitária Brasileira por meio da defesa dos princípios constitucionais do Sistema, desenvolvendo assim ações e programas articulados para garantir que o SUS se insira no rol de políticas públicas. Para alcançar tais propósitos, esse Pacto aposta na promoção da Cidadania como mecanismo de controle social ao evidenciar o direito à saúde, originando assim uma onda de repolitização da saúde aos moldes da Reforma Sanitária, aplicando esses debates ao contexto contemporâneo do SUS. A aprovação orçamentária e o compromisso com o financiamento adequado do Sistema também são mencionados. Assim, foi criada a Carta dos Direitos dos Usuários do SUS, ao passo que a Gestão deste, de forma integrada, ampliou as relações com a população, de forma geral, e com movimentos de cunho social, principalmente aqueles ligados à saúde, sendo também aprovado o orçamento conjunto das três esferas de gestão, explicitando o compromisso de cada uma delas com a manutenção dos princípios constitucionais. PACTO DE GESTÃO: Esse documento estabelece princípios para a gestão do SUS nos aspectos de descentralização, regionalização, financiamento, planejamento, PPI, regulação, participação e controle social, gestão do trabalho e educação na saúde. O Pacto de Gestão fomentou um ambiente propício para o federalismo mais cooperativo no âmbito do SUS, delimitando claramente o papel de cada gestor para evitar que responsabilidades se sobrepusessem, fortalecendo assim a organização do Sistema. O processo deflagrado por esse documento foi de um choque descentralizador acompanhado do fortalecimento de regiões sanitárias, desburocratização normativa e consolidação das Comissões Intergestores Bipartite (estado e os municípios de seu território). No geral, o Pacto trouxe um novo acordo sanitário baseado em uma unidade doutrinária e diversidade operacional. Os gestores que participam do acordo firmaram o compromisso de construir redes de atenção à saúde, organizando regiões sanitárias baseadas em cogestão, fortalecer o controle e participação social por meio de espaços físicos e ações, valorizar a cooperação gestora, qualificar o acesso ao cuidado integral e redefinir mecanismos de avaliação do Sistema. DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE: Os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) podem ser definidos de diversas formas, sendo sempre constante sua inserção no conceito de que as condições de vida e trabalho do indivíduo e da população estão diretamente relacionadas com sua saúde. Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os DSS são as condições sociais, econômicas, étnicas, culturais, psicológicas e comportamentais que influenciam a ocorrência de doenças e seus fatores de risco numa comunidade. A OMS, por sua vez, possui um significado mais curto, que diz que os DSS são as situações sociais de Júlia Figueirêdo – ABRANGÊNCIA DAS AÇÕES DE SAÚDE MEDICINA UNIME – 2019.2 vida e trabalho. Uma definição ampla para esse conceito é a série de características sociais dentro das quais a vida se desenrola. Ainda que hoje os DSS sejam levados em consideração no processo de saúde-doença, isso não ocorreu durante toda a história, sendo um processo gradual de rompimento de teorias. No século XIX, a explicação mais utilizada para o adoecimento era a teoria miasmática, capaz de responder às indagações propostas num período de industrialização e crescimento populacional, alicerçada pelos estudos na área de riscos ocupacionais e contaminação de alimentos e água. Para Virchow, um cientista atrelado à essa corrente de pensamento, a medicina era intrínseca às ciências sociais, sendo os fatores socioeconômicos capazes de impactar notavelmente o bem-estar individual, devendo ser analisados por meio de pesquisas científicas. No final do século, viu-se a ascensão da corrente bacteriológica, evidenciada pelos estudos de Koch e Pasteur, fez com que conflitos entre a visão estritamente técnica da doença e seu enfoque social se inserissem no centro das discussões da época, influenciando inclusive a criação e o financiamento da Universidade Johns Hopkins, orientada para o estudo de doenças específicas por meio de um viés bacteriológico e da excelência laboratorial, estreitando o campo de visão da saúde pública, distanciando-a dos movimentos sociais. Esse modelo se disseminou com a participação do grupo Rockfeller no financiamento de diversas escolas médicas, sendo uma no Brasil (Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo). O século XX foi marcado por tensões entre as diversas abordagens da saúde pública, chegando inclusive a se manifestar na OMS, que vivenciou períodos mais centrados em aspectos tecnológicos e individuais junto a outros nos quais as questões social e ambiental se destacavam. A própria definição de saúde dada pela OMS desde 1948 expressa um enfoque que extrapola o científico, ao afirmar que essa é um estado de completo bem-estar físico e mental, não somente a inexistência de doenças. Após o sucesso das campanhas para erradicação da varíola em 1950, entretanto, nota-se um investimento crescente em tratamentos para moléstias específicas, adotando a aplicação de tecnologia para prevenção ou cura. Há uma alteração constante de ideologias durante o restante do século XX: na década de 1970 foram a Conferência de Alma-Ata e o lema “Saúde para todos no ano 2000” que trouxeram novamente à tona a visão social e integral da saúde, ao passo que os anos’80 foram marcados pela individualização da saúde graças às companhias privadas, retomando a uma concepção mais coletiva em 1990 com os debates sobre as Metas do Milênio, culminando com a criação de uma Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde pela OMS em 2005. Foi nas últimas décadas que os estudos e pesquisas se concentraram nas relações organizacionais entre uma comunidade e seu estado sanitário, principalmente abordando as iniquidades existentes, segundo Whitehead, as desigualdades internas sistematizadas, evitáveis e injustas que influem negativamente na saúde de alguns grupos. Segundo Nancy Adler, existem 3 gerações de
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