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COMPLICAÇÕES MICROVASCULARES DA DIABETES


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COMPLICAÇÕES MICROVASCULARES DA DIABETES
Hipótese 1 (mecanismo): glicosilação não enzimática irreversível de fatores proteicos plasmáticos e teciduais. Esses fatores glicosilados podem se ligar ao colágeno dos vasos, contribuindo para a lesão endotelial da microvasculatura, levando a fragilidade capilar e à obstrução microvascular, pela formação de trombos.
Hipótese 2 (mecanismo): a aldose redutase é a uma enzima que converte glicose em sorbitol. O acúmulo de sorbitol pode ter duas consequências deletérias: (1) aumento da osmolaridade celular, fazendo a célula inchar e (2) a depleção do mioinositol celular, substância importante para oseu metabolismo e função.
Outros efeitos deletérios: espessamento da membrana basal capilar, proliferação endotelial, aumento dos níveis de diacilglicerol dentro das células.
RETINOPATIA DIABÉTICA
Na microcirculação da retina, a hiperglicemia pode contribuir para a perda de pericitos (células de reserva). A perda dessas células, somada à perda de adesão entre as células endoteliais contribui para a formação de microaneurismas. Essas condições favorecem o desenvolvimento de edema.
Há também, a expansão de zonas avasculares entre os capilares, que, associadas aos distúrbios da autorregulação vascular, modificam o aporte sanguíneo, levando à instalação de áreas de hipóxia crônica, que contribuem para a proliferação vascular observada na retina.
Fatores de risco: controle glicêmico, HAS, insulinoterapia, tempo de evolução, presença de nefropatia diabética, puberdade, gravidez, dislipidemia.
Triagem: exame fundoscópico após 5 anos da doença se DM1 e ao diagnóstico se DM2. A partir do 1º exame, deve-se repeti-lo anualmente se ausência de retinopatia e semestralmente (ou menos) se com retinopatia.
1. RD não proliferativa (retinopatia de fundo) – 90%
Lesão no endotélio da microvasculatura, que se torna frágil e leva a formação dos microaneurismas.
Com o aumento da permeabilidade vascular, tem-se o extravasamento de material proteináceo e lipídico em alguns pontos, levando ao aparecimento dos exudatos duros (como as partículas maiores não são reabsorvidas formam os exudatos duros).
Progressão da doença: edema endotelial, descamação de células para o lumen e proliferação intraluminal. Tudo isso leva à obliteração de pequenos vasos.
Há hemorragias intrarretinianas em chama de vela, decorrentes da rotura de vasos adjacentes à obstrução.
Os pontos de isquemia retiniana são denominados manchas algodonosas.
A fragilidade venular leva à formação das veias em rosário.
RD não proliferativa leve: microaneurismas + exsudatos duros + hemorragias intrarretinianas em chama de vela.
RD não proliferativa moderada: quadro mais acentuado que a leve.
RD não proliferativa grave (pré-proliferativa): múltiplas lesões isquêmicas na retina + +20 hemorragias intrarretinianas em cada um dos 4 quadrantes +/OU veias em rosário em pelo menos 2 quadrantes +/OU alterações microvasculares intrarretinianas em pelo menos 1 quadrante (podem simular neovasos da RD proliferativa).
Outras características: aparecimento de alterações venosas marcantes (dilatação intensa, tortuosidade excessiva, reduplicação), exsudatos moles, extensas áreas de má perfusão capilar.
Os exudatos moles representam áreas de microinfartos retinianos.
Tratamento: realizar fotocoagulação a laser localizada se refratário ou não aderente à terapia. Previne que a lesão atinja o centro macular, responsável pela acuidade visual, por parar o extravasamento capilar e destruir neovasos em determinados pontos.
2. RD proliferativa
Devido à isquemia retiniana difusa e acentuada, são produzidos fatores locais de crescimento vascular (VEGF, IGF-1), promovendo uma angiogênese descontrolada.
Esses neovasos podem se estender para o humor vítreo e fibrosar, promovendo um ancoramento. Posteriormente, o tecido neovascularizado evolui para fibrose e retração.
Como a retina está ancorada ao vítreo, o resultado é o descolamento de retina do tipo tração. Se isso ocorrer na região da mácula, leva à amaurose.
Pode haver também, o rompimento dos neovasos, levando a hemorragia vítrea. A amaurose ocorrerá quando a hemorragia atinge o eixo visual.
A formação e a fibrose dos neovasos na íris provocam glaucoma agudo, podendo levar a amaurose.
Nessa fase o controle glicêmico não possui a mesma influencia do que a observada antes do aparecimento dos sinais clínicos.
Tratamento: fotocoagulação com laser panretiniana (regressão de neovasos).
Se hemorragia vítrea e/ou descolamento de retina: vitrectomia.
3. Maculopatia diabética
Edema macular reversível, múltiplos exsudatos duros em volta da fóvea ou pela maculopatia isquêmica.
Principais causas de perda da visão central em diabéticos.
Indica-se o uso de anti-VEGF intraocular.
4. Outras complicações
Catarata: excesso de sorbitol levando a alterações osmóticas do cristalino, resultando em opacificação e formação de catarata.
Glaucoma.
NEFROPATIA DIABÉTICA
Quase todos os diabéticos tipo 1 apresentam hiperfiltração glomerular. Mas apenas 30% desenvolvem a nefropatia. No DM2 a prevalência é semelhante.
O comprometimento se dá no glomérulo.
Fisiopatologia: deposição em excesso de proteínas da matriz extracelular nos glomérulos, mediado por fatores, sendo o principal o TGF-beta.
É caracterizada histopatologicamente pelo processo de glomeruloesclerose difusa ou focal + expansão do mesângio + espessamento da membrana basal.
Os produtos de glicosilação não enzimática podem provocar alterações nos componentes da matriz extracelular, contribuindo para oclusão vascular glomerular.
A angiotensina II está envolvida em muitos processos patológicos.
Marcos cronológicos: hipertrofia e hiperfiltração glomerular - espessamento da membrana basal glomerular e expansão mesangial - microalbuminúria - nefropatia manifesta (proteinúria franca) - insuficiência renal progressiva – rins em fase terminal (síndrome urêmica).
Geralmente se apresentam com proteinúria manifesta no EAS ou mais de 300mg na urina de 24h. Esses pacientes costumam ser assintomáticos renais, mas já possuem uma glomerulopatia avançada, que leva ao estado de rins terminais em menos de sete anos.
Manifestações: proteinúria, HAS, síndrome urêmica.
As intervenções terapêuticas devem ser feitas nas fases precoces, pois quando há proteinúria significativa já são menos eficazes.
Abordagem precoce: microalbuminúria – 30-300mg albumina na urina 24 (nefropatia incipiente). Em urina aleatória: relação albumina/creatinina > 30mg/g.
O mecanismo da microalbuminúria é atribuído à perda das cargas aniônicas da membrana glomerular, consequente ao acumulo de moléculas positivas em seus poros.
· Normalmente, as glicoproteínas da barreira glomerular apresentam cargas negativas, repelindo as cargas negativas e permitindo a passagem das cargas positivas. Com o acúmulo das moléculas positivas em seus poros, as cargas negativas, antes repelidas, passam a ser excretadas – respeitando-se o tamanho também, já que moléculas com tamanho acima de 42 A são pouco filtradas. As proteínas apresentam carga negativa.
Suspeitar de doença glomerular primária se uremia sem proteinúria ou quando não houver retinopatia em um diabético com proteinúria ou se houver evidencia de nefropatia antes de cinco anos de doença nos DM1 ou após 30 anos do diagnóstico.
Fatores de risco: duração da doença, microalbuminúria, mau controle glicêmico, fatores genéticos, HAS, tabagismo, hipercolesterolemia, obstrução urinária, ITU de repetição, uso de drogas nefrotóxicas.
· Se o indivíduo estiver com grande descontrole glicêmico, devemos primeiro compensá-lo antes de solicitar a pesquisa de microalbuminúria, sob risco de estarmos superestimando a proteinúria.
Tratamento: controle glicêmico rígido e controle da hipertensão arterial.
No controle da hipertensão, usa-se IECA (captopril, enalapril e lisinopril) ou antagonistas da angio II (losartan).
Esse tratamento reduz a progressão da doença, mas não leva a uma regressão.
Na maioria das vezes, é necessária a associação de outros anti-hipertensivos.
O uso do captopril é indicado mesmo quandonão há hipertensão. O mecanismo benéfico é pela dilatação da arteríola eferente (onde a angiotensina tem maior efeito constritor).
Em renais crônicos com creatinina > 3,0mg/dl, os IECA ou antagonistas da angio II podem levar à insuficiência renal aguda pré-renal e/ou promover retenção importante de potássio, devendo-se então, monitorar as escórias nitrogenadas e calemia de perto no início da terapia.
A angiotensina II também estimula os fibroblastos a produzir colágeno, aumentando a nefropatia diabética.
Caso haja insuficiência renal, a progressão é rápida, devendo ter cuidado com a hipoglicemia, já que a insulina é metabolizada pelos rins. Nessa fase, o transplante renal é a terapia de escolha.
Diálise peritoneal: melhor controle da glicemia, menor incidência de hipotensão, sem necessidade de acesso vascular, mantém o hematócrito mais elevado, preserva a função renal residual e pode ser realizada em casa.
NEUROPATIA DIABÉTICA
1. Polineuropatia Simétrica Distal
Forma mais comum de neuropatia diabética.
Fisiopatologia: lesão das fibras axonais grossas mielinizadas ou fibras A (sensibilidade vibratória e proprioceptiva) e fibras finas não mielinizadas ou fibras C (sensibilidade térmica, dolorosa e tátil).
A lesão inicia-se distalmente, acometendo primeiro os nervos periféricos dos MMII.
Muitos pacientes assintomáticos: hipoestesia plantar ou em pododáctilos para diversos tipos de sensibilidade (vibração, tato, picada de agulha, frio) e a perda do reflexo do Aquileu.
Teste de maior acurácia para diagnóstico precoce: teste do monofilamento.
Está relacionada à exposição crônica à hiperglicemia, possuindo caráter insidioso e irreversível.
Pacientes sintomáticos (25-30%): parestesias (dormência, formigamento).
Há presença de sintomas dolorosos em alguns pacientes (3-27%). Há disertesias, dor neuropática ou hiperpatia (dor ao toque). É o sintoma mais limitante, podendo surgir em repouso, com caráter em queimação, piora noturna e melhora com a deambulação.
O caráter lancinante decorre do disparo assincrônico de várias fibras. A alodínea consiste na intolerância a estímulos simples, como contato com as roupas.
As fibras motoras são menos afetadas no início do quadro, mas, com o avançar da doença, a disfunção é comum, podendo cursar com deformidades (dedos em martelo, dedos em garra).
Tratamento: cuidado com o pé (sapato, não deambular descalço, autoinspeção diária, inspeção no consultório) + terapia medicamentosa.
Se diabetes dolorosa:
· Tricíclicos – 1ª linha, atuam através do efeito modulador da atividade dos receptores nociceptivos das fibras C e no bloqueio da receptação sináptica de noradrenalina nos sistemas de controle da dor;
· Anticonvulsivantes – gabapentina e pregabalina;
· IRSN – duloxetina;
· Ácido alfalipoico – para pacientes irresponsivos aos anteriores;
· Creme de capsaicina – age inibindo o neurotransmissor substância P, estando indicada para casos de dor localizada;
· Opiólides – tramadol, oxicodona, metadona – em casos selecionados.
2. Polineuropatia Sensitiva Aguda
Com inicio agudo ou subagudo, diante de um controle metabólico ruim, descompensação metabólica aguda (ex: cetoacidose diabética) ou após melhora brusca no controle glicêmico (neurite insulínica).
Quadro: dor importante, com exacerbação noturna e durante o repouso, podendo ser lancinante, em queimação, hiperalgesia, choques, agulhadas e alodíena de contato bastante intensa.
3. Neuropatia Autonômica
25-50% em DM1 e 34-70% em DM2.
Sintomas mais comuns: disfunção sexual (macrovascular), tontura postural, náuseas, vômitos e plenitude pós-prandial (gastroparesia diabética), sudorese, constipação, diarreia diabética, alteração na acomodação pupilar.
Exame físico:
· Pa supina e após 2min em ortorstatismo (positivo se houver hipotensão postural: queda > ou = 20mmHg da PA sistólica ou queda > ou = PA diastólica);
· FC entre 80-120bpm;
· Taquicardia sinusal em repouso.
Disautonomia cardiovascular: decorre de alterações estruturais no neurônio autonômico periférico. Pode levar a arritmias, infartos silenciosos e morte súbita. Tratamento: hipotensão (levantar-se devagar, elevar cabeceira da cama, aumentar ingesta de sal), hipertensão arterial (fludrocortisona), taquicardias (betabloqueadores – atenolol).
Disautonomia periférica: decorrente da desnervação simpática dos membros. Sintomas: hiperidrose, alterações de temperatura e edema. Contribui para o pé diabético, pois causa o ressecamento dos pés, favorecendo a ocorrência de fissuras.
Disautonomia geniturinária: leva a bexiga neurogênica, disfunção erétil, ejaculação retrógrada e dispareunia (ressecamento vaginal). Tratamento: colinérgicos e alfabloqueadores.
Disautonomia gastrointestinal: suspeitar em pacientes com sintomas dispépticos crônicos (plenitude, náuseas e vômitos), sem apresentar doença péptica endoscópica e em pacientes com diarreia ou constipação de inicio recente, excluindo-se outras causas. Tratamento: metoclopramida, domperdona.
Mononeuropatia: nervo mediano (síndrome da mão do pregador), radial (punho caído), ulnar e fibular. Nervo craniano: nervo facial (ptose, oftalmoparesia, sema alteração pupilar).
PÉ DIABÉTICO
A gangrena diabética é multifatorial, mas tem suas principais causas:
Neuropatia diabética: impede que o paciente note calosidades ou feridas, que acabam ulcerando e infectando-se.
A perda da sensibilidade proprioceptiva desestabiliza a musculatura do arco plantar, levando à distribuição de toda a pressão do peso do corpo para apenas uma área, geralmente a região tenar (plantar lateral).
Vasculopatia diabética (isquemia)
Disfunção leucocitária
Neuropatia autonômica: anidrose, predispondo fissuras ou rachaduras.
· Se conseguirmos palpar o pulso pedioso do membro acometido, provavelmente a causa desencadeante da lesão não foi vascular e sim neurológica.
Infecção:
· Brandas: gram-positivas;
· Graves: polimicrobiana.
Clinica: secreção purulenta, odor forte e celulite nos bordos da úlcera.
Tratamento:
· Brandas: cefalosporia 1g ou 2g OU amoxacilina/clavulanato OU clindamicina;
· Graves: ampicilina/sulbactam ou ceftriaxone + clindamicina OU ciprofloxacina + clindamicina.
Em tecidos desvitalizados, o debridamento cirúrgico é parte da terapia.
Se houver osteomielite por contiguidade (geralmente no calcâneo) é necessário debridar o osso.
· A amputação SEMPRE é necessária nos graus IV e V.
Prevenção: 
· Não andar descalço;
· Não colocar os pés de molho em água quente;
· Cortar as unhas de forma reta;
· Não usar calçados apertados, de bico fino, com sola dura ou tira entre os dedos;
· Não usar remédio para os calos, que deve ser avaliado pelos profissionais de saúde;
· Enxugar bem os pés (entre os dedos);
· Inspecionar o interior dos calçados antes de usá-los;
· Só usar sapatos com meias, trocando-as diariamente. Sem costura ou costura para fora;
· Examinar os pés diariamente e procurar atendimento na presença de lesões;
· Exame regular dos pés por profissionais de saúde.

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