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farmácia no Brasil

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Ana Lúcia Faria Ribeiro
“Farmácia Universitária e formação generalista: uma primeira aproximação”
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Ciências.
São Paulo 2009
Ana Lúcia Faria Ribeiro
“Farmácia Universitária e formação generalista: uma primeira aproximação”
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Ciências.
Orientadora: Profa. Dra. Paulete Goldenberg
São Paulo 2009
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)
Ana Lúcia Faria Ribeiro
“Farmácia Universitária e formação generalista: uma primeira aproximação”
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Ciências.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Elizabeth Guazelli
Universidade Anhembi Morumbi
Profa. Dra. Sílvia Storpirtis
Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Luiz Sidney Longo Júnior
Universidade Federal de São Paulo
A ponte japonesa – Claude Monet - 1899
Às minhas maravilhosas filhas Júlia e Carol
AGRADECIMENTOS
À Carol e Júlia, pelo amor incondicional; Ao Sílvio, pela força e coragem;
Aos meus pais e irmãos, pelo eixo, pelo Norte;
À Profa. Paulete, por tudo, mas principalmente pelo modelo a ser seguido; À Maria Tereza, pela meta a ser alcançada;
A todos os meus amigos pela paciência e carinho, especialmente Patrícia, Mara, Myrian, Elda, Maria Virgínia, Ivanete e Geraldo;
Ao Marcos, pelo apoio;
Aos professores, colaboradores e colegas do CEDESS, pelo acolhimento; A todos, por terem acreditado e me convencido de que eu podia.
Starry Night Over the Rhone – Vincent van Gogh - 1888
Para ser grande, Sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes. Assim em cada lago a Lua toda Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
Apresentação
Minha história profissional teve início logo após a graduação em Farmácia, em 1985, num momento de grandes mudanças no cenário da Saúde em nosso país. Tive o privilégio de vivenciar a construção do SUS – Sistema Único de Saúde - que representava o epicentro dessas mudanças e evidenciava o descompasso entre a formação do farmacêutico e sua atuação profissional, justificando o momento de desajuste pelo qual passávamos.
O Farmacêutico que o Brasil precisava estava longe daquele que era formado, e havia uma urgente necessidade de resgate do profissional cuidador, com um olhar voltado para o paciente. Em resposta a essas demandas sociais, em 2002 foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Farmácia, que propunham uma formação generalista, centrada no cuidado.
A opção pela docência me levou a caminhos que me permitiram presenciar essa mudança e, acima de tudo, despertaram minha curiosidade acerca das condições necessárias a essas mudanças. Entendíamos que essa nova proposta de formação ampliava os horizontes profissionais do farmacêutico e demandava novos espaços de formação, principalmente aqueles que permitissem exercitar o cuidado ao usuário de medicamentos.
Tendo por pressuposto a importância da Farmácia Universitária na formação generalista do Farmacêutico, surge o questionamento que fundamenta a presente investigação: em que condições ela vem sendo implantada em nosso meio, e em que medida contribui para a formação do profissional.
RESUMO
Junto ao movimento de reorganização da assistência à saúde no país se impõe a reprofissionalização do farmacêutico, focada no paciente ao invés do medicamento. A Farmácia Universitária (FU) neste sentido se coloca como cenário estratégico de formação profissional, referendada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Neste contexto se inscreve a proposta de “proceder ao diagnóstico da instalação da Farmácia Universitária na cidade de São Paulo e ABC”. Envolvendo abordagem quanti-qualitativa o estudo comportou três movimentos: o mapeamento regional da implantação do estágio em Farmácia Universitária – a partir de contato telefônico; a identificação do olhar dos coordenadores de curso sobre a formação generalista; – lançando mão de entrevistas; e, finalmente o olhar dos supervisores de estágio sobre a implantação e concretização da Farmácia Universitária, também a partir de entrevistas. Foram identificadas dezenove faculdades de Farmácia, das quais cinco (26,3%) contavam com Farmácias Universitárias. Tal resultado sinaliza para um processo ainda incipiente de instalação das FU. A adesão à formação generalista está, formalmente, incorporada nas instituições onde foi referida a presença das FU, concebida como contraposição à tradicional formação especializada na graduação. Tendo por referência a aproximação ao paciente, os coordenadores, enfatizando o ensino pelo trabalho, que permite o desenvolvimento de competências elencadas nas DCN, referem a FU como cenário de aprendizagem. A exemplo dos coordenadores, os supervisores enfatizam a formação generalista como contraposição à formação especializante. Eles apontam para o papel das FU na reprofissionalização do farmacêutico, na linha do aprendizado pelo trabalho, colocando o aluno em contato com a realidade concreta o que favorece a ressignificação de conhecimentos. Mantida a estrutura disciplinar, não se alcança rever a configuração do currículo. Nestas condições a FU se coloca como um adendo e não como um eixo ordenador da revisão do projeto pedagógico como um todo. Configura- se, assim, o espaço de oportunidades a ser explorado que delineia a amplitude do desfio a ser enfrentado no cumprimento das DCN’s.
ABSTRACT
Since the eighties Brazil has witnessed the reorganization of its health assistance system. This movement has demanded the definition of new roles to the pharmacist, whose work must now be focused on the patient (rather than the medicine). Following policies defined by the Brazilian Ministry of Education, some universities started providing students with the possibility of attending university pharmacies as way of improving their formal training. This process was supposed to shift the traditional educational approach, based on the professional specialization to a new, more generalist one. Further investigating this experience was the main goal of this research, which has used both quantitative and qualitative methods. The whole process contained three stages: 1) the identification of universities that have adopted this pedagogical strategy (in São Paulo and Grande ABC areas); 2) the identification of the coordinators perspectives on the generalist approach (trough the use of interviews); and 3) the gathering of internship supervisors opinions on the implementation and functioning of the university pharmacies (also through interviews). The results show that, in a group of nineteen universities, only five developed university pharmacies, making clear that the pharmacist formal training is still based on a specialization approach; this tendency was observed even in the universities that have adopted university pharmacies. Despite it, both the groups of coordinators and of internship supervisors that were interviewed emphasized the relevance of a pedagogical approach based on the "learning through work" perspective and pointed the university pharmacy as a privileged space to develop important skills. Despite the acknowledgement of the university pharmacy as a relevant way of allowing students the direct contact with their professional day-to-day challenges, the research has revealed that it is still not having a preponderant role in the pharmacist training.
SUMÁRIO
Introdução	11
A Profissionalização do Farmacêutico	12
Modernidade e desprofissionalização do farmacêutico	17
A reprofissionalização do farmacêutico	22
A Reprofissionalização e a Farmácia Universitária	25
Objetivos da Pesquisa	33
Geral	34
Específicos	34
O caminho percorrido	35
Delineamento do Estudo	36
Primeiro Movimento	36
Segundo Movimento	37
Terceiro Movimento	38
Considerações Éticas	39
Resultados e Discussão	40
Farmácia Universitária: Mapeamento
Regional	41
A formação generalista na perspectiva dos coordenadores	46
A Farmácia Universitária na perspectiva dos supervisores de	55
estágio .......................................................................................................
As Farmácias Universitárias – caracterização	55
A formação generalista na Farmácia Universitária	62
Considerações Finais	69
Referências	73
Anexos	79
Manacá - Tarsila do Amaral - 1927
1. Introdução
1.1 A Profissionalização do Farmacêutico.
Até o início do século XX, a farmácia estava tradicionalmente associada à figura do boticário e o seu fazer consistia em pesquisar, preparar segundo a arte e dispensar os medicamentos. Cabia também ao boticário, avaliar e garantir a qualidade destes medicamentos e oferecer informações àqueles que o procuravam em busca de fármacos. Ou seja, os boticários dominavam o processo de produção dos medicamentos, desde a pesquisa de substâncias terapeuticamente ativas, dosagens e preparação, até a dispensação e orientação sobre o uso dos mesmos (WITZEL, 2008; VIEIRA, 2007; COSTA, 2007).
Durante muito tempo, a transmissão dos saberes farmacêuticos foi realizada através da aprendizagem nas próprias boticas. O nível técnico da produção de medicamentos era compatível com a aprendizagem sob a responsabilidade do mestre, que correspondia a um saber empírico, ancorado na vivência da prática cotidiana. No Brasil, o acesso à profissão era feito através de um exame realizado em Portugal, pelo oficial do rei e por médicos e boticários por ele escolhidos, depois de um período de aprendizagem de quatro ou mais anos (DIAS, 2005; SARMIENTO, 1996).
Entretanto, o desenvolvimento científico revolucionou esse sistema de aprendizagem e na Europa, o ensino da Farmácia começou a ser ministrado nas faculdades de Medicina, na cadeira de Matéria Médica. Os estudantes aprendiam a teoria e a prática da Arte Farmacêutica, num curso que os habilitava a fazer todas as preparações da Farmácia (VELLOSO, 2007; SARMIENTO, 1996).
No Brasil, o ensino superior tem uma história relativamente recente, mesmo se comparada com a da América Espanhola, cuja instituição pioneira foi fundada em 1538. O ensino superior não-religioso entre nós, teve início com a vinda da Família Real e transferência da sede do império português. Na área
da saúde, os dois primeiros cursos médicos no Brasil foram estabelecidos na Bahia e no Rio de Janeiro, no mesmo ano de 1808. Em 1809 foi criada a primeira cadeira de “Matéria Medica e Pharmácia" na Escola Anatômica, Cirúrgica e de Pharmácia do Rio de Janeiro (SANTANA; GASTALDO, 1991).
Em 1830, no Rio de Janeiro, a Comissão de Salubridade Geral apontou diversos problemas envolvendo a prática médica nas cidades, inclusive o exercício da profissão por leigos. Desse relatório, apresentado pela Comissão, resultou um projeto que culminou com a promulgação da “Lei do Ensino Médico”, de 3 de Outubro de 1832. Na ocasião, as duas Escolas Médicas Cirúrgicas foram transformadas em Faculdades de Medicina e seus estatutos seguiam o modelo da Faculdade de Medicina de Paris. Essa reforma estabeleceu que ninguém poderia “curar, ter botica ou partejar” (VELLOSO 2007) sem o título conferido pelas faculdades. Nesse contexto foi fundado o Curso de Farmácia, ainda vinculado às faculdades de medicina. Em 1836, a seção de Farmácia da Academia Imperial de Medicina propôs a criação de novas escolas de Farmácia, subordinadas às do Rio de Janeiro e da Bahia (FIOCRUZ, GASTALDO, 1991).
À época, o trabalho dos boticários ainda era artesanal, e as boticas reforçavam essa característica, uma vez que seus laboratórios - localizados atrás dos balcões de atendimento, longe do olhar do público – em muito remetiam aos ateliês, cheios de almofarizes, peneiras, espátulas e potes de porcelana ornamentada. No Brasil, reproduzindo o modelo europeu, consolidava-se a idéia de um saber público, praticado ou produzido por uma coletividade, e destinado a todos. Assim, algumas boticas tornaram-se palco de importantes debates científicos, firmando-se como espaço de sociabilidade, garantindo ao boticário uma posição de destaque e de grande prestígio social (SARMIENTO 1996; COSTA, 2007).
As entidades associativas de farmacêuticos da época – especialmente a “Seção Farmacêutica da Academia Imperial de Medicina” e a “Sociedade
Farmacêutica Brasileira” propunham a fiscalização rigorosa no combate ao exercício ilegal da profissão, reformas do ensino de farmácia nas escolas de medicina e a elaboração de um código farmacêutico brasileiro, buscando a conquista e o reconhecimento do seu papel na ciência da cura (VELLOSO, 2007).
Em 1839, o primeiro curso de farmácia desvinculado de uma escola de medicina foi criado em Ouro Preto, Minas Gerais, sendo pioneiro, nesses moldes, também na América Latina. Inicialmente o curso tinha duração de dois anos e o currículo era composto pelas disciplinas de Farmacologia, Botânica e Matéria Médica, ministradas por dois farmacêuticos – Calixto José Ariera e Manoel José Cabral (ZUBIOLI, 1992; SOUZA, 2003).
Durante o curso, os alunos eram obrigados a praticar em boticas de mestres aprovados da cidade. Ao final do período, o proprietário conferia-lhes um atestado de habilitação, indispensável à formação. Os exames para obtenção do título de Farmacêutico eram realizados na Câmara Municipal, diante de banca examinadora determinada pelo Presidente da Província. O exame incluía uma prova teórica – princípios da arte farmacêutica, botânica e história natural das drogas simples – e uma prova prática, que envolvia as preparações farmacêuticas com descrição das substâncias usadas, técnicas de manipulação e preparo e resultados obtidos. Em 1872 o curso foi ampliado para três anos, com a inclusão das cadeiras de física e mineralogia. Nessa época foram criados o Gabinete de Física e o Laboratório de Química. Nesse novo modelo permanecia a exigência da prática para obtenção do diploma. (ZUBIOLI, 1992; FIOCRUZ).
Outros marcos importantes no ensino de Farmácia foram a fundação da Escola de Humanidades e Ciências Farmacêuticas pelo Instituto Farmacêutico do Rio de Janeiro, em 1874, e da Escola Superior de Farmácia, em 1884. Segundo os estatutos publicados em 1885, além das aulas teóricas, a Escola previa um curso prático a ser realizado em três laboratórios e um gabinete. A
freqüência era livre para as aulas teóricas e obrigatória para o curso prático. O curso era gratuito e bastante procurado – no seu primeiro ano contava com 101 alunos. Por determinação legal, os professores deveriam ser nomeados por concurso e ser, obrigatoriamente, médicos ou farmacêuticos (FIOCRUZ).
A promulgação da Constituição de 1891, a primeira do regime republicano, facilitou a iniciativa de criar escolas de nível superior nos Estados, uma vez que propunha um sistema educacional descentralizado, onde cabia aos mesmos organizar seus sistemas escolares completos. Nesse contexto, a partir do início do século XX, vários cursos de ensino em saúde de nível superior, principalmente de farmácia e de odontologia, começaram a surgir nas capitais e nas maiores cidades dos principais Estados do país. Entre 1892 e 1910, foram criadas 27 instituições de ensino superior. Em 1880 o Brasil contava com dois mil e 300 estudantes, em 1915 somavam mais de 10 mil matrículas; em 1930, havia quase 20 mil alunos (VELLOSO, 2007).
Em 1897 foram criadas Inspetorias nos Estados, subordinadas à Diretoria Geral de Saúde Pública, sediada no Rio de Janeiro. Estas inspetorias de Saúde tinham como objetivo fiscalizar o cumprimento da exigência de que os responsáveis pelas farmácias tivessem título conferido pelas instituições oficiais do país - as Faculdades de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro e da Bahia e a Escola de Farmácia de Ouro Preto. Essa exigência fomentou a criação de novos cursos, para viabilizar o funcionamento das boticas em localidades distantes das escolas já existentes, uma vez que, com o desenvolvimento da produção cafeeira, a extensão da rede ferroviária e o crescimento populacional foram criadas
condições para a prosperidade desses estabelecimentos (SANTOS, M.R., 1999; SANTOS M.S., 2005).
Em 12 de outubro de 1898 foi aprovado, em sessão do Conselho Municipal, o projeto de criação da Escola Livre de Farmácia de São Paulo, que, a exemplo da Escola de Farmácia de Ouro Preto, instituiu um curso de quatro séries de estudos, conferindo o título de farmacêutico ao fim da terceira série, e
o de bacharel após o exame da quarta série. No terceiro ano, era oferecida a disciplina da Farmácia teórica e prática. O sanitarista Emílio Ribas foi nomeado pelo Governo do Estado de São Paulo para exercer as funções de fiscal junto à Escola, que foi inaugurada em fevereiro de 1889. Em março de 1901, foi anexado à Escola o Curso de Odontologia e a instituição passou a denominar- se Escola de Farmácia e Odontologia, sendo reconhecida e subvencionada pelo governo estadual (FIOCRUZ; MARQUES, 2004).
Na primeira metade do século XIX a prática farmacêutica era definida como a arte de conhecer, escolher, preparar e unir os remédios, que eram entendidos como “cousas” que aplicadas interna ou externamente tinham a propriedade de causar “alterações salutíferas nos nossos humores” (DIAS, 2005). Os médicos diagnosticavam e tratavam apenas com base nos sintomas, sabendo pouco ou nada da etiologia da maior parte das doenças (VELLOSO, 2007).
Entretanto, o mesmo século XIX, em sua segunda metade, trouxe profundas transformações nos estudos sobre as doenças a partir da anatomia patológica, quando se buscou localizar as doenças no corpo humano, com base no conhecimento da etiologia e não mais apenas dos sintomas. O avanço científico ocorrido nessa época, especialmente no campo da microbiologia e da produção de medicamentos, descortinou para a ciência médica uma perspectiva de intervenção inteiramente distinta do passado. O empirismo, fruto do ensaio e erro, passa a ser substituído pelo conhecimento científico - contribuição de Descartes. A medicina abandona os conhecimentos tradicionais, substituindo-os pelas descobertas que a transformaram. Nesse contexto, a Medicina e Farmácia deixam de ser classificadas como arte e assumem seu lugar ao lado de outras disciplinas científicas. Em 1854, José Tedeshi, presidente da Sociedade Farmacêutica Lusitana, em seu discurso afirma que “a farmácia já não é uma arte mecânica, mas sim um conhecimento certo e evidente dos fenômenos naturais”. Além
disso, ressaltava a importância da obediência à “regras constantes e invariáveis” que garantiriam a qualidade do produto manipulado (SANTANA; SARMIENTO, 1996).
Em paralelo às grandes descobertas científicas e suas aplicações, observou-se uma ampliação de práticas assistenciais, o que suscitou um processo de regulamentação das mesmas. No Brasil, por lei, os boticários só podiam aviar as receitas que fossem prescritas por médicos inscritos na Junta Central de Higiene Pública ou cujas especificações estivessem descritos na Farmacopéia Francesa. Os médicos não podiam preparar nem vender remédios ou drogas, sendo proibido qualquer tipo de associação ou contrato com boticários. Os boticários, que pesquisavam e manipulavam fórmulas “extemporâneas”, foram lentamente sendo substituídos pelos farmacêuticos formados (VELLOSO, 2007).
1.2 Modernidade e desprofissionalização do farmacêutico
O início do século XX, no contexto de uma economia agro-exportadora, vivencia o desenvolvimento da Saúde Pública, centrada em Campanhas Sanitárias envolvendo, particularmente, o circuito da produção e seu escoamento, como foi o caso dos portos. Em 1920, a criação do Departamento Nacional de Saúde, marca a sua institucionalização (BERMUDEZ, 1995).
Com o desenvolvimento da industrialização neste período, emerge, por sua vez, a preocupação com a Atenção Previdenciária voltada para a assistência ao trabalhador. Em 1923, apoiadas na “Lei Eloy Chaves”, se instituem as CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões – vinculadas às empresas, que garantiam aos trabalhadores assistência médica e o pagamento de aposentadorias e pensões (COHN, 1996).
Após a crise da bolsa de Nova Iorque, no governo Vargas, ao lado da defesa da oligarquia agrária, numa disposição de apoio ao desenvolvimento industrial, são regulamentadas as relações entre trabalho e capital, sendo promulgadas as Leis Trabalhistas. Acompanhando esse movimento, amplia-se no período de 1933 a 1938, o sistema previdenciário. As CAPs foram substituídas pelos IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões –organizados por ramos de atividade. Os Institutos mantinham hospitais e ambulatórios próprios, e contratavam serviços de estabelecimentos de saúde privados (lucrativos ou filantrópicos), cujos serviços eram extensivos aos trabalhadores do mercado formal. Eram excluídos os trabalhadores rurais, aqueles do setor informal urbano, e muitos assalariados do próprio mercado formal urbano, que não exerciam profissão nos ramos de atividade contemplados pelos institutos (CONH, 1996).
Paralelamente à ampliação da assistência médica individual, o ensino e a prática da Farmácia à época passam, também, por profundas transformações. São instituídos sistemas de avaliação até então inexistentes, provas parciais escritas, estágios acompanhados de relatórios, freqüência e exames finais, tudo com obrigatoriedade de execução, como exigências para obtenção do título. Em 1931, foi promulgado o decreto 19.606, estabelecendo que, além de suas funções privativas de manipulação e comércio de medicamentos caberia também ao farmacêutico a fabricação de produtos biológicos, as análises clínicas, biológicas e bromatológicas, e a função de legista. No mesmo ano, foi publicado um novo decreto permitindo o comércio de medicamentos por sociedades comerciais, onde o farmacêutico participasse com, no mínimo 30% do capital social (ZUBIOLI, 1992).
Consolidado o paradigma da medicina científica, que norteou o desenvolvimento do ensino e das práticas profissionais na área da saúde, se estruturam as características da educação superior em saúde da época, marcada pela segmentação em ciclos básico e profissional, fundamentada em disciplinas ou especialidades e ambientada predominantemente no hospital.
No eixo desse movimento é fundada a Universidade de São Paulo - USP - em 1934. Já na vigência do “Relatório Flexner” ela emerge comprometida com a pesquisa. Na ocasião é incorporada à USP a Faculdade de Pharmácia e Odontologia, cujo ideal era “formar moços capazes de trabalhar em química, habilitados para a indústria e com coragem e conhecimento bastante para se enfrentarem com as dificuldades de análises sérias e importantes” (SANTANA, USP, 2008; MALTAGLIATI, 2007).
Com o fim da Segunda Guerra, no contexto da reorganização econômica das nações, desencadeia-se, no Brasil, a segunda fase da industrialização, marcada pela produção de máquinas e bens duráveis, acompanhada de intensa urbanização. O deslocamento do pólo da economia para os centros urbanos, faria com que cada vez mais valor fosse dado a uma população ativa e sadia. Em 1953 é criado o Ministério da Saúde, e em 1960 é promulgada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que uniformizou as contribuições e os planos de benefícios dos diversos Institutos. Atendendo a um projeto de 1945 - de unificação das previdências – em 1966, sob o regime militar, é criado o INPS: Instituto Nacional de Previdência Social. Ampliando a assistência individualizada, centrada no hospital e na atenção curativa, a medicina previdenciária daria suporte à intensa medicalização da saúde, que acabou por incentivar o avanço da indústria farmacêutica no país (COHN, 1996; PELICIONI, 2007).
As empresas farmacêuticas nacionais, em sua maioria pequenas fábricas de origem familiar, não encontravam condições para acompanhar esse desenvolvimento, o que coincidiu com a desnacionalização do parque industrial farmacêutico nos anos 60. Os laboratórios multinacionais assumiram o controle da produção através de implantação de novas fábricas e aquisição de laboratórios nacionais. A introdução dos antibióticos e fármacos obtidos por síntese no campo
da terapêutica, auxiliaria no intenso crescimento do parque industrial farmacêutico (LORANDI, 2006, COSTA, 2007).
As atividades farmacêuticas têm seu foco redirecionado para a produção de medicamentos, especialmente no Brasil, uma vez que a pesquisa e o desenvolvimento de novos fármacos ficam restritos aos países de primeiro mundo. O farmacêutico volta-se para a produção em grande escala de medicamentos – especialidades farmacêuticas - e a indústria, pela aplicação do conhecimento técnico e pela melhor remuneração, passa a ser um lócus privilegiado de atuação. Essa realidade acabou modificando as características da farmácia, que deixa de ser um laboratório e se descaracteriza como oficina. Interferindo diretamente no perfil do farmacêutico que lá trabalhava, este papel profissional vai gradativamente se transformando e cedendo espaço para um vendedor de medicamentos, distante dos médicos e do paciente (COSTA, 2007; VIEIRA, 2007; SANTOS, 2005).
Num estado desenvolvimentista - diante da necessidade de especialistas
- a Reforma Universitária, em 1968 implanta a pós-graduação no Brasil, ancorando a formação de pesquisadores, ao mesmo tempo em que institui o “currículo mínimo” para graduação. No curso de Farmácia, esse modelo compreendia um ciclo pré-profissional, único e um ciclo profissional comum, levando à formação do Farmacêutico, com competência para atuar em Farmácias e Drogarias (CFE, 1969). O segundo ciclo profissional conduziria à formação do Farmacêutico Industrial (com ênfase em cosméticos ou medicamentos) ou do Farmacêutico Bioquímico (Análises Clínicas e toxicológicas e Alimentos) (ESTEFAN, 1996; LORANDI, 2006).
Para a expedição do diploma correspondente ao curso de farmácia, em qualquer de suas modalidades, deveria ser exigido um estágio supervisionado em empresa ou instituição científica idônea, a critério da Congregação ou Colegiado, sendo realizado no último semestre do curso. Esse modelo de formação por especializações - em medicamentos, alimentos ou análises clínicas perdurou até 2003 (ESTEFAN, 1996; LORANDI, 2006).
Configurando um modelo tradicional de ensino, as escolas da área da Saúde, com currículos voltados para a doença e a intervenção curativa, passariam a comportar um viés biologicista, centrado na formação técnica e especializante. De caráter disciplinar, tal modelo de ensino privilegiava a transmissão de informações pelo professor, valorizando a capacidade do aluno em retê-las e reproduzi-las. Nesse contexto, a promulgação da Lei 5.991/73, que regulamenta o comércio sanitário em nosso país, possibilitaria a abertura de estabelecimentos farmacêuticos por leigos, o que contribuiria para a mercantilização do setor e a perda do papel social do farmacêutico, como agente de saúde. Em meio à valorização das especializações pelo mercado de trabalho, sem deixar de levar em conta a limitação da oferta de farmacêuticos graduados, diante do número reduzido de escolas, o exercício da farmácia, em sua concepção original tornou-se uma atividade marginal, relegada a um segundo plano no contexto da profissão (VIEIRA, 2007; ANGONESI, 2008).
A criação de espaço para leigos e comerciantes descaracteriza a farmácia (que já não era tida como local de produção de medicamentos) como estabelecimento de saúde. Ocorre paralelamente um processo historicamente considerado como “desprofissionalização” do farmacêutico, por referência ao seu distanciamento do público, que deixa de reconhecê-lo como profissional de saúde. Em 1974, o CFF constata que apenas 4% dos alunos optam pela formação em Farmácia Pública (dispensação) no país, enquanto 82% optam pela área de análises clínicas, traduzindo as transformações do mercado no sentido da valorização da atuação do farmacêutico nos laboratórios clínicos em detrimento da atuação nas farmácias e drogarias (LORANDI, 2006; SANTOS, 2005, SILVA, 2004).
1.3 A reprofissionalização do farmacêutico
Diante da renovação econômica que se expressa na mudança do patamar da industrialização (2ª fase), no contexto do “milagre econômico brasileiro”, cresce a relevância da assistência previdenciária marcada pela criação do Ministério da Previdência em 1971. Em detrimento da atuação da Saúde Pública, que se restringe à esfera do Ministério da Saúde, se expande a assistência médica individualizada (GOLDENBERG, 1989).
No contexto da estagnação mundial da economia, nos anos que se seguem, somada, no plano interno, à elevação da inflação ao lado da ampliação da dívida externa, configura-se a crise financeira que atinge a área da Saúde. Em meio à irracionalidade da superposição da atuação em nível federal, estadual e municipal impõe-se o movimento de reorganização da assistência, que configura o movimento da Reforma Sanitária (COHN, 1996; IVAMA, 2008).
Paralelamente ao processo de redemocratização do país, o movimento de reorganização assiste à instalação da VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS), realizada em 1986, que contou com ampla participação da sociedade, de prestadores de serviços e gestores do setor. Em Julho de 1987, é criado o Sistema Único e Descentralizado de Saúde – SUDS, objetivando a consolidação do movimento de reorganização da saúde. Finalmente, em 1988 é institucionalizado o Sistema Único de Saúde – SUS (MACHILINE, 2008, COHN, 1996).
Através das Leis 8.080 e 8.142, o SUS prevê o acesso universal aos serviços e atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas e de promoção de saúde, sem prejuízo dos serviços assistenciais, tendo por princípios a universalidade de acesso, a integralidade do cuidado, a equidade, a hierarquização do atendimento e a descentralização. O Sistema propõe a
expansão da cobertura assistencial em atendimento às proposições formuladas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) na Conferência de Alma-Ata (1978), que preconizava “Saúde para todos no ano 2000”, com base na atenção primária à saúde (MACHILINE, 2008; IVAMA, 2008; MARIN, 2003).
A integralidade como um contraponto ao reducionismo, à fragmentação e à objetivação dos sujeitos - constitui um princípio e, ao mesmo tempo, uma diretriz para a organização do SUS. Incluindo a integração das ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, amplia-se o olhar para as dimensões psicológicas e sociais, garantida a atenção nos distintos níveis de complexidade dos serviços. A integralidade se traduz, ainda, em acolhimento, vínculo, responsabilidade para com os problemas de saúde, desenvolvimento da autonomia dos usuários e resolutividade da atenção, num resgate da dimensão cuidadora dos profissionais da área da saúde no Brasil (CECCIM, 2004(a); MARQUES, 2008; GONZÁLEZ, 2007).
Em vista dessa perspectiva, a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) impôs desafios importantes para a formação e o desenvolvimento dos recursos humanos para a área de saúde (SANTANA; FEUERWERKER, 2003). O modelo reorientou o papel do farmacêutico no Brasil, como membro da equipe multiprofissional de saúde (re)aproximando-o da farmácia e da atuação na atenção direta aos usuários. O momento configurava uma excelente oportunidade de reprofissionalização do farmacêutico, que passava a se tornar responsável pela garantia de segurança e efetividade da terapia medicamentosa do paciente e promotor do uso racional de medicamentos, tanto em nível individual como coletivo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS (1985):
"Há uso racional quando pacientes recebem medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade".
No novo modelo, o atendimento em farmácia passa a integrar a atenção primária à saúde, envolvendo educação em saúde, promoção do uso racional de medicamentos, dispensação, orientação farmacêutica e seguimento farmacoterapêutico (ARAÚJO, 2007; IVAMA, 2008).
A década de 1990 marca o início da etapa de cuidados ao paciente, ampliando o leque de atuação clínica do farmacêutico, antes reduzida à farmácia hospitalar. Buscando recuperar
o reconhecimento social e seu lugar na equipe de saúde, com a retomada de suas funções assistenciais, desencadeia-se uma importante mudança de foco da profissão farmacêutica do medicamento para o paciente (WITZEL, 2008; IVAMA, 2008)
À época, Hepler & Strand (1990) enquadraram essa prática na Atenção Farmacêutica, definida como sendo a provisão responsável da farmacoterapia objetivando resultados que melhorem a qualidade de vida do paciente. Ainda de acordo com Cipolle, Strand e Morley (2006), a Atenção Farmacêutica se inicia com a constatação de uma necessidade social, continua com um enfoque no paciente para satisfazer essa necessidade, e tem como elemento central a assistência e o cuidado ao usuário de medicamento. Esse novo conceito de prática profissional se reafirma na Declaração de Tóquio (1993), que estabelece uma relação recíproca de compromisso e responsabilidade entre o farmacêutico e o paciente, vislumbrando a melhoria dos resultados da farmacoterapia ao prevenir, detectar e resolver os problemas relacionados a medicamentos. Na 3ª Reunião de Peritos (FIP – WHO), sobre o papel do Farmacêutico, realizada em Vancouver - Canadá (1997) foram definidas as sete características fundamentais ao farmacêutico, criando uma categoria de profissionais "sete estrelas". Seriam elas: Ser um prestador de serviços; Tomador de decisões; Comunicador; Líder; Gerente; Estudante durante toda a vida e Mestre, traduzindo as expectativas da sociedade em relação a esse profissional (MARIN 2003; IVAMA 2008)
A necessidade de mudanças curriculares, de foco e de direcionamento da profissão, fomentou importantes discussões nos meios acadêmico e profissional, uma vez que se constata um grande descompasso entre a formação - excessivamente tecnicista e distanciada da realidade social - e as demandas concretas do sistema de saúde (MARIN, 2003; WITZEL, 2008; COSTA, 2007).
Entre os anos de 1987 e 1995, a realização de eventos de caráter nacional, contou com a participação de estudantes e entidades da categoria, resultando na elaboração de um documento intitulado "Proposta de Reformulação do Ensino de Farmácia no Brasil". Nesse documento definiu-se que o ensino farmacêutico deveria estar voltado para a formação do farmacêutico pleno, direcionado ao seu eixo principal de atuação, o medicamento, porém, inserido no contexto de assistência integral à saúde. Esse perfil contemplava todos os aspectos relacionados ao medicamento, inclusive aqueles voltados à função social do farmacêutico como profissional de saúde, inserido essencialmente na atenção primária. Neste contexto se coloca a questão da formação do farmacêutico e do espaço que cumpre nesse processo a Farmácia Universitária (COSTA, 2007; SOUZA, 2003; IVAMA, 2008).
1.4 A Reprofissionalização e a Farmácia Universitária
No contexto da mundialização da economia, tendo como núcleo o processamento de informações juntamente com o avanço das telecomunicações, observam-se transformações em todos os planos da vida contemporânea. O desenvolvimento da economia informacional, como a apresenta Castells (1992), envolvendo a aplicação da ciência e da tecnologia ao processo produtivo, incide na transformação da produção de massa,
uniformizada, para a produção flexível. Altera-se a organização do trabalho e, de forma correspondente, as exigências educacionais para preparar um profissional capaz de atender à flexibilidade requerida (MOTTA, 2004). Nestas condições coloca-se em questão os processos de ensino aprendizagem. O modelo tradicional, de caráter transmissivo, centrado no professor, que detém o conhecimento, passa a ser repensado. Como contraponto emergem propostas na linha do construtivismo, com o ensino centrado no aluno, onde o professor torna-se um mediador, valorizando o aprender fazendo, como indica Demo (2004). A propósito, a incorporação dessas exigências, no campo da Educação coincide com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (lei 9394/96), seguida das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).
A publicação das DCN para o curso de Farmácia, em 2002, normatizando as propostas de reformulação curricular apontadas pela LDB (1996), ratifica, no plano formal, o compromisso com a atuação no SUS, assumindo a diretriz da formação generalista para o farmacêutico, no lugar das especializações anteriores em medicamentos, alimentos ou análises clínicas. Comportando uma mudança conceitual, estrutural e filosófica da profissão, a formação generalista se volta para a prática da Atenção Farmacêutica, preparando um profissional de múltiplas habilidades, capaz de exercer a farmácia em todos os seus segmentos e atividades. (MEC, 2002; COSTA, 2007, IVAMA, 2008).
De acordo com as DCN (2002), a formação do farmacêutico tem por objetivo, dotar o profissional dos conhecimentos necessários para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais:
˜ Atenção à saúde - Os farmacêuticos devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo.
˜ Tomada de decisões - O que pressupõe competências e habilidades para avaliar, sistematizar, e decidir as condutas mais adequadas.
˜ Comunicação - Envolve comunicação verbal, não verbal e habilidades de leitura e escrita.
˜ Liderança - Envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões e gerenciamento de forma efetiva e eficaz.
˜ Administração e Gerenciamento - Os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração e a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças.
Ao lado da menção ao respeito aos princípios éticos inerentes ao exercício profissional em todos os níveis de atenção à saúde, as novas proposições destacam, dentre as habilidades do farmacêutico a educação em saúde, o exercício da dispensação, a orientação farmacêutica, o atendimento e o seguimento farmacoterapêuticos e a farmacovigilância, resgatando a função assistencial do farmacêutico. A dispensação, entendida como um ato de entrega de um medicamento envolve informação e orientação do paciente sobre o uso do mesmo. Na perspectiva de uma intervenção integral, nas distintas fases do processo saúde-doença, se inscreve a educação em saúde, em sintonia com o seguimento farmacoterapêutico ou acompanhamento da terapêutica, na disposição de uma compreensão mais abrangente dos problemas de saúde e consequentemente uma intervenção mais efetiva (ANGONESI, 2008; WITZEL, 2008, COSTA, 2007).
O desafio da formação generalista, com vistas a uma atuação junto ao SUS, passa pela necessidade de desenvolver novas concepções das práticas em saúde e da própria educação a partir da integralidade do cuidado. É preciso estimular a compreensão dos determinantes do processo saúde- doença sendo necessário lançar mão de uma atuação crítica e participativa em situações reais (IVAMA, 2008; SANTANA). Os estágios supervisionados, atendendo à recomendação da diversificação dos cenários de prática na formação do aluno, integrando docentes e alunos na prestação de serviços em saúde, são reconhecidos como relevantes no desenvolvimento destas práticas educativas. Nesta condição é normatizado o requisito de cumprimento de vinte
por cento (20%) da carga horária do curso para execução do estágio sob supervisão docente (MEC, 2002, MOTTA, 2004).
Sob esta perspectiva, a formação do farmacêutico se faz ancorada nas atividades de pesquisa e extensão, sendo estimulada a aprendizagem ativa, mediando a intervenção da Universidade na Sociedade. A aproximação ao “fazer real”, com sua imprevisibilidade e com todos os aspectos emocionais envolvidos, cria espaços de aprendizagem significativa, em sintonia com as demandas sociais e, nessa perspectiva, responde aos atuais desafios da ética, da crítica, e da cidadania. Trata-se, enfim, de explorar cenários que estimulem a postura ativa na busca e produção do conhecimento, integrando aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais da aprendizagem (DEMO, 2004; IVAMA, 2008; FEUERWERKER, 2003). A Farmácia
Universitária surge nesse contexto.
O “V Encontro de Coordenadores de Curso de Farmácia”, realizado em 2007, teve como tema “A Importância da Farmácia Escola na Prática Profissional e no Processo Ensino-Pesquisa-Extensão”, preconizando que a mesma constituísse:
Unidade acadêmico-assistencial que deve funcionar como modelo de estabelecimento farmacêutico no seu âmbito de atuação, com o objetivo de capacitar o aluno à prática farmacêutica, desenvolvendo suas atividades em conformidade com as legislações sanitárias e profissionais vigentes, dentro de critérios técnico-científicos, tendo caráter formador comprometido com a ética e a qualidade do ensino universitário.
Com estes propósitos se institui a missão de:
Prover o ensino farmacêutico dentro de parâmetros técnico- científicos e éticos promovendo a farmácia como estabelecimento de saúde resguardando a sua função acadêmica e social em detrimento dos interesses mercantis.
Na visão dos participantes do Encontro, à Farmácia Universitária cabem funções de ensino (capacitação para a prática farmacêutica), pesquisa (desenvolvimento de teses e trabalhos de interesse para a área de farmácia) e
extensão (da assistência e atenção farmacêutica a nível individual e coletivo por meio da promoção, proteção e recuperação da saúde). Ainda de acordo com os coordenadores, a prática supervisionada cria condições para a formação do cidadão farmacêutico, desenvolvendo o “saber (conhecimento), o saber fazer (habilidades) e o saber ser (ética)” (TARBES, 2007; PIANETTI, 2007).
Pesquisadores da OPAS/OMS, em sua oficina de trabalho sobre Atenção Farmacêutica, (2001) já apontavam a Farmácia Universitária como uma possibilidade de intercâmbio entre os problemas sociais e de saúde da comunidade e a academia, servindo como um “universo formador de farmacêuticos”. Seu papel seria de mostrar que é possível trabalhar com ética, responsabilidade, acolhimento, habilidade e criatividade, reconhecendo que o retorno econômico é importante, mas não deve ser a motivação principal do farmacêutico (IVAMA, 2008; JARAMILLO, 2001).
Na linha da reprofissionalização do farmacêutico e de aproximação à Atenção Farmacêutica esse cenário de ensino-aprendizagem apresenta a oportunidade de atender ao perfil profissiográfico exigido pela sociedade e expresso nas Diretrizes Curriculares (2002), resguardado o caráter heterogêneo e plural de sua constituição.
O Conselho Federal de Farmácia, considerando as DCN (2002), considerou em sua Resolução nº. 480, de 25 de junho de 2008, a Farmácia Universitária como:
Um laboratório de ensino, pesquisa e extensão destinado à formação farmacêutica, integrado ao Projeto Pedagógico da instituição formadora e com registro no Conselho Regional de Farmácia e Vigilância sanitária.
Ainda de acordo com a Resolução, sua principal função é “assegurar a aplicação dos conhecimentos teóricos no contexto social em que a IES está inserida”. Estão previstos para a farmácia o desenvolvimento de atividades em saúde e a participação em campanhas e/ou programas do Ministério da Saúde. Nessa resolução fica determinado que a Farmácia Universitária deva
contar com docentes qualificados, para a supervisão e orientação dos estagiários.
Conquanto esta resolução tivesse sido aprovada já findo o prazo de coleta de dados, ela coroa um processo em curso, ratificando a vinculação da formação à rede de assistência que integra a formação generalista. Considerando as DCN (2002), são habilidades e competências entendidas como da preparação para o SUS:
respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional; atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se
em programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde;
reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência;
exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;
desenvolver assistência farmacêutica individual e coletiva; atuar na seleção, manipulação, produção, armazenamento e
controle de qualidade medicamentos, cosméticos e correlatos; interpretar e avaliar prescrições;
atuar na dispensação de medicamentos e correlatos;
formular e produzir medicamentos e cosméticos em qualquer escala;
atuar na promoção e gerenciamento do uso correto e racional de medicamentos, em todos os níveis do sistema de saúde, tanto no âmbito do setor público como do privado;
A Farmácia Universitária acolhe estudantes de todos os períodos do curso. Aos estudantes dos primeiros anos permite o aprendizado da postura ética profissional, através do acompanhamento dos farmacêuticos em situações de prática real. Além disso, oferece dados importantes sobre planejamento e montagem de farmácias, estimulando o empreendedorismo. O estudante em nível intermediário consegue integrar saberes teóricos com a prática, especialmente na manipulação e dispensação de medicamentos. Ao aluno em final de curso é possibilitada a prática da orientação e atenção farmacêutica, aplicação dos saberes na solução de problemas e a participação nas questões técnicas da farmácia. A todos os estagiários é
facultada a participação, em diferentes níveis, nos projetos de pesquisa (CFF, 2007).
Dentre as atividades de extensão que podem ser desenvolvidas pela Farmácia Universitária, são previstas a realização de palestras, seminários e folhetos de orientação, o desenvolvimento de pesquisas e de ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. A Farmácia Universitária permite uma prática integrada com as demais instâncias do sistema de saúde, realizada dentro dos padrões da qualidade e dos mais rigorosos preceitos éticos. Atendendo ao princípio da integralidade, permite ao aluno uma abordagem que não se restringe à assistência curativa, possibilitando dimensionar fatores de risco e realizar a educação em saúde. Possibilita o enfrentamento criativo das situações, o aperfeiçoamento constante do cuidado integral e a construção de práticas técnicas, críticas e éticas, através do acolhimento, vínculo e responsabilização com os problemas de saúde da população (CFF, 2007; CECCIM, 2004(b); ALVES, 2005).
Diante da amplitude desses propósitos fica implícito que, mais do que informar, trata-se de desenvolver competências, estas entendidas como um conjunto de saberes, conhecimentos e aptidões, necessárias à produção de resultados ou solução de problemas, envolvendo as dimensões técnica e política, mediadas pela ética (RIOS, 1995) Nestas condições, trata-se de reconhecer a necessidade de revisar o ensino tradicional, trazendo a baila o problema de sua operacionalização, o que coloca a questão da reformulação curricular e o recurso a novas práticas de ensino-aprendizagem em âmbito institucional. Ao lado das disposições dos coordenadores de curso, entra em cena o papel estratégico do supervisor de estágio. Para exercer esta função, faz-se necessário um novo profissional, sujeito do conhecimento, capaz de reconhecer e otimizar as situações de aprendizagem oferecidas pela Farmácia Universitária. A função do supervisor de estágios é a de provocar, instigar os
alunos ao pensamento crítico sobre a realidade profissional, numa significação da prática reflexiva.
Nesse âmbito emergem os questionamentos sobre a concretização da experiência de instalação da Farmácia Universitária e em que medida ela se aproxima da formação generalista do farmacêutico, na perspectiva dos coordenadores de curso e supervisores de estágio. Em vista das novas disposições legais, registra-se a suspeita de que poucas instituições de ensino atendem às recomendações de implantação da Farmácia Universitária (FU) e naquelas onde ela está presente não se alcança efetivamente a formação generalista.
Ladder of the moon - Georgia O'Keeffe
Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no teu coração!
Cecília Meireles
2. Objetivos da pesquisa
2.1 Objetivo Geral
˜ Caracterizar a instalação
da Farmácia Universitária na cidade de São Paulo e ABC, referenciada à formação generalista do farmacêutico.
2.2 Objetivos Específicos
1. Mapear a presença de Farmácias Universitárias nas Escolas de Farmácia.
2. Levantar as percepções dos coordenadores de curso sobre a formação generalista no estágio supervisionado em Farmácia Universitária.
3. Identificar o desempenho da Farmácia Universitária na aproximação à formação generalista do farmacêutico na ótica dos supervisores de estágio.
Vincent van Gogh - ESTRADA COM CIPRESTE 1890
Venho de longe e vou para longe: mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
Cecília Meireles
3. O caminho percorrido
3.1 Delineamento do Estudo
Diante dos objetivos propostos, o estudo envolveu a realização de uma pesquisa combinando abordagens qualitativa e quantitativa. Conforme preconizam, entre outros, Marconi (2003) e Minayo (2003), estas abordagens se integram e complementam, no entendimento da problemática em investigação.
O estudo comportou três movimentos: o mapeamento regional da implantação do estágio em Farmácia Universitária, a identificação do olhar dos coordenadores de curso sobre a formação generalista e finalmente o olhar dos supervisores de estágio sobre a implantação da Farmácia Universitária.
A casuística do estudo se circunscreveu à cidade de São Paulo e à região do ABC, por concentrar um número significativo de faculdades de Farmácia num circuito exeqüível, em função dos recursos disponíveis para a operacionalização do projeto.
3.2 Primeiro movimento
Mapeamento das Farmácias Universitárias
As instituições que integram a área de abrangência da investigação foram contatadas por telefone e/ou correio eletrônico. Junto aos Coordenadores de Curso, esclarecemos os objetivos da pesquisa e identificamos, na ocasião, quem oferecia, ou não, estágio supervisionado em Farmácia Universitária. Esses dados foram registrados a partir de um roteiro padronizado, cujo modelo encontra-se no Anexo 1.
Computadas as freqüências, expressas em porcentagens, os dados foram estratificados segundo a natureza jurídica da instituição: pública ou privada,
acrescentando-se dados referentes à implantação da formação generalista na trajetória da instituição. Neste caso foi realizada uma pesquisa documental, tendo como fonte de informação as matrizes curriculares vigentes dos cursos investigados. Essas matrizes trazem a distribuição das disciplinas ao longo do curso, o momento (semestre) em que são oferecidas e as respectivas cargas horárias.
Nessa ocasião agendamos as entrevistas, tanto com o coordenador de curso quanto com os referidos supervisores.
3.3 Segundo Movimento
A formação generalista: o olhar do coordenador
Tendo definido o universo de Faculdades que ofereciam estágio supervisionado em Farmácia Universitária foram identificados, junto aos coordenadores de curso, os seguintes eixos de informação:
Perfil dos Coordenadores, levando em conta sua formação e atividade docente;
Histórico do curso de farmácia; Implantação da Matriz Generalista;
Inserção do Estágio em Farmácia Universitária; Diferencial/competências do Farmacêutico com formação generalista
Contribuição	da	Farmácia	Universitária	no	desenvolvimento	das competências correspondentes.
Os dados relativos ao perfil de formação, concepção sobre a formação generalista, competências correlatas e importância da FU foram obtidos a partir de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os coordenadores de curso, em suas respectivas Instituições de Ensino. O roteiro utilizado segue no anexo 2.
Como sugerem, entre outros, Lima (2004) e Symanski (2004), as perguntas e respostas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. As entrevistas foram precedidas de uma apresentação do projeto, esclarecendo- se a finalidade da pesquisa.
Os dados obtidos foram sistematizados recorrendo-se à análise temática. Identificadas as unidades de sentido procedeu-se a sua categorização, de forma a possibilitar, para efeito analítico, sua relação com o contexto social da reprofissionalização do farmacêutico, apoiadas no referencial teórico adotado.
3.4 Terceiro movimento
A Farmácia Universitária: O olhar do supervisor de estágio
Vislumbrando focalizar a formação generalista do farmacêutico oferecida nas instituições, os supervisores de estágio foram entrevistados no espaço das Farmácias Universitárias.
A propósito, os seguintes eixos foram investigados:
Perfil dos Supervisores, levando em conta sua formação e atividade docente;
Caracterização	da	Farmácia	Universitária	em	relação	ao	tipo	de estabelecimento;
Caracterização do estágio em Farmácia Universitária no tocante a momento de inserção no curso, duração e atividades desenvolvidas.
Concepção acerca da formação generalista
Contribuição	da	Farmácia	Universitária	no	desenvolvimento	das competências relativas à formação generalista.
Para obtenção dos dados recorremos igualmente, à realização de entrevistas semi-estruturadas, cujo roteiro segue no anexo 3. Da mesma forma como aconteceu com os coordenadores, as entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas na íntegra pela pesquisadora, recorrendo-se, para efeito de sistematização, à análise temática. Identificadas as unidades de sentido os dados obtidos foram categorizados e relacionados ao contexto das relações sociais, apoiadas no referencial teórico adotado, conforme apontado anteriormente.
3.5 Considerações Éticas
Atendendo às Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas envolvendo Seres Humanos (Conselho das Organizações Internacionais das Ciências Médicas – CIOMS/OMS, Genebra, 1982 e 1983) o projeto foi apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp (CEP -UNIFESP) tendo sido aprovado em 14 de julho de 2006, sob o no. 1001/06 (Anexo 4).
No contato telefônico com as Instituições de Ensino, foi solicitada autorização para envio de Carta Convite de participação na pesquisa tanto para coordenadores de curso como para supervisores (Anexos 5 e 6). Formalizado o convite, as entrevistas com coordenadores e supervisores foram precedidas da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Modelo CEP Unifesp, (Anexo 7).
The Three Sphinxes of Bikini – Salvador Dali
4. Resultados e Discussão
4.1 Farmácia Universitária: Mapeamento Regional
No mapeamento regional (Tabela 1) foram identificadas dezenove faculdades de Farmácia, sendo duas públicas (10,5%) e dezessete privadas (89,5%). Dentre as dezenove instituições identificadas, oito escolas (42,1%) declararam, originalmente, possuir “Farmácia Universitária”.
Por definição legal (Lei 5991/73), Farmácia é um: estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o estabelecimento de dispensação. Levando em conta este parâmetro, em dois casos as Farmácias Universitárias foram excluídas do estudo por que eram, na realidade, Laboratórios Semi-Industriais de produção e controle de qualidade.
Além disso, ainda durante a pesquisa, constatamos que a Farmácia Universitária de uma das instituições estava pronta havia dois anos, contava com duas farmacêuticas (ex-alunas do curso) em período integral e com a supervisão de dois professores, porém, ainda não estava funcionando. De acordo com informações disponibilizadas, entretanto, a mesma estava em processo de terceirização. Até a conclusão do presente estudo, essa Farmácia não havia iniciado as suas atividades, tendo sido, por esse motivo, igualmente retirada da pesquisa. Assim, para fins da presente investigação, apenas cinco (26,3%) instituições foram habilitadas para compor a casuística do estudo.
Das cinco instituições de ensino duas (40%) são públicas – uma estadual (Instituição A) e uma municipal (Instituição B) - e três (60%) privadas (Instituições C, D e E). De acordo com os dados disponibilizados (Tabela 1) a Farmácia Universitária está presente em 100% das Universidades Públicas estudadas. Nas Universidades Privadas, esse percentual
atinge 17,64%.
Tabela 1. Instituições de Ensino segundo natureza jurídica e presença de Farmácia Universitária (FU). Região do Município de São Paulo e ABC. 2008
	Natureza Jurídica
	Instituições N	%
	Instituições com FU N	%
	Pública
	2
	10,50%
	2
	40,00%
	
	
	(100,00%)
	
	(100,00%)
	Privada
	17
	89,50%
	3
	60,00%
	
	
	(100,00%)
	
	(17,64%)
	Total
	19
	100,00%
	5
	100,00%
	
	
	(100,00%)
	
	(26,31%)
Estes dados chamam a atenção para o reduzido número de instituições que oferecem o estágio supervisionado em Farmácia Universitária, em atenção às disposições das DCN (2002) e do CFF (2008), particularmente no âmbito do setor privado. O índice fica abaixo da média nacional de 41,53% das Instituições de Ensino que contam com Farmácias Universitárias (V Encontro de Coordenadores de Farmácia, 2007). Esse descompasso evidencia um processo ainda incipiente de cumprimento das recomendações legais para a formação generalista do farmacêutico.
Com exceção do curso da Universidade A, fundado na década de 1930, todos os demais têm uma história recente, tendo sido criados entre 1998 (Universidade E) e 2002 (Universidade B). A carga horária dos cursos está situada entre 4160/horas aula (Universidade D) e 5325/ horas aula (Universidade A) – Tabela 2. O parecer 213 da Câmara de Educação Superior (22/10/2008), em consonância as recomendações do CFF, estabeleceu como carga horária mínima para o curso de Farmácia, 4.000 horas. Vale esclarecer que esse número equivale a 4.800 horas-aula (50 minutos). Nestas condições, as Instituições C e D, não atendem às recomendações legais para a carga horária do curso. Além disso, em parecer aprovado em 10/02/2009, o Conselho Nacional de Educação prevê um prazo mínimo de cinco anos para integralização dessa carga horária, o que acontece apenas na Universidade A. Ressalta-se, outrossim, o cumprimento das determinações da DCN (2002), em relação à carga horária destinada aos estágios curriculares, que, em todas as Instituições, corresponde a 20% da carga horária total do curso.
Todos os cursos investigados implantaram a formação generalista dentro do prazo previsto pelas DCN (2002). O curso da Universidade B, implantado em 2002, adotou a formação generalista já em 2003; os demais em 2004.
A exemplo dos cursos de Farmácia, com exceção da FU da Instituição A, fundada em 1970, as demais têm uma implantação recente, entre 2000 (IE) e 2005 (IC) Tabela 2.
Tabela 2. Ano de criação, carga horária e duração do curso de Farmácia e ano de implantação da Farmácia Universitária. Região do Município de São Paulo e ABC. 2008
	Universidade
	Ano de Criação do Curso de Farmácia
	Carga Horária do Curso de Farmácia
	Duração do Curso
	Ano de Implantação da FU
	A
	1934
	5325 horas/aula
	5 anos
	1970
	B
	2002
	4882 horas/aula
	4 anos
	2003
	C
	1998
	4760 horas/aula
	4 anos
	2005
	D
	2001
	4160 horas/aula
	4 anos
	2003
	E
	1999
	4900 horas/aula
	4 anos
	2000
A formação generalista representou para as instituições, o fim das especializações anteriores em medicamentos, alimentos ou análises clínicas. Isso implicou numa adição de diferentes áreas de atuação do farmacêutico. Entre elas, os Coordenadores entrevistados referiram a Farmácia Hospitalar, a Farmácia Homeopática, as Ciências de Alimentos e as Análises Clínicas, reforçando o caráter assistencial na nova formação, trazendo o foco do medicamento para o paciente.
Além da adição de disciplinas técnicas, foram incluídas, a propósito da formação generalista, disciplinas subsidiárias, tais como: “História da Farmácia, Saúde e Sociedade”, “Atenção Farmacêutica”, “Farmácia Clínica”, “Assistência Farmacêutica", “Saúde Pública”, “Farmácia Pública”, “Ética e Gestão Farmacêutica”, “Epidemiologia Geral”, “Saúde e Cidadania”, “Farmacoepidemiologia”, “Epidemiologia e Farmacovigilância”. A rigor essas disciplinas instrumentalizam a formação voltada à atenção primária. Entretanto, a análise das matrizes revelou que esses conteúdos têm pouco espaço nos currículos, sinalizando para as dificuldades de cumprir com o compromisso de orientar a formação do aluno para o SUS.
Exceção feita à instituição D - classificada como filantrópica, onde a valorização da formação para a cidadania já era uma realidade - uma das grandes mudanças apontadas pelos Coordenadores na institucionalização da formação generalista foi o acréscimo das disciplinas ditas humanistas, dentre elas “Saúde, Política e Sociedade”, “Ética em Saúde”, “O farmacêutico e a sociedade”.
O coordenador da Universidade A, reconheceu que “É importante que o profissional que vai atuar junto ao público tenha uma formação humanista, porém ela ainda é dada em pinceladas”
De acordo com os dados disponibilizados, a carga horária destinada às disciplinas subsidiárias e “humanas”, expressas nas DCN (2002) como “Ciências Humanas e Sociais”, representa cerca de 5% da carga horária total do curso.
Sem desmerecer a importância da formação tecnicista fica, nestas condições, a indagação a respeito da possibilidade desse reduzido espaço curricular dar conta das especificações da formação generalista. Há ainda que se considerar o fato dessas disciplinas serem oferecidas nos primeiros semestre do curso, momento em que os alunos, além de imaturos, ainda não desenvolveram uma identidade profissional, o que pode levar a um menor aproveitamento dos temas tratados. Surge também a questão da necessidade desses assuntos – especialmente ética e cidadania – serem abordados de forma transversal, ao longo do curso, permeando todas as disciplinas da matriz curricular, e não isoladamente, num semestre, de forma pontual.
4.2 A formação generalista na perspectiva dos coordenadores
Com nuances distintas, os coordenadores entrevistados sinalizam para a contribuição da Farmácia Universitária na formação generalista, estruturada, basicamente, no contraponto às antigas especializações. Nesta linha de discurso eles referem:
“Não pode haver diferença entre os farmacêuticos”. (CC)
“O farmacêutico tem que estar completo, não fragmentado, pois a compartimentalização não forma o farmacêutico de que a sociedade precisa”. (CB)
[a formação generalista apresenta a] “possibilidade de uma escolha mais amadurecida e acertada da área a ser seguida profissionalmente. No modelo anterior, ao ingressar no curso o aluno já devia optar por uma das áreas de atuação do farmacêutico. Na formação generalista o aluno tem uma visão global da profissão. Agora ele pode escolher inclusive o estágio que vai fazer. E se achar necessário, faz, depois de formado, uma especialização”. (CD)
Essa nova proposta de formação permite ao aluno, ao longo do curso, conhecer e vivenciar diferentes cenários e experiências voltadas às diferentes áreas de atuação do farmacêutico. No entender do coordenador da Universidade D, este tipo de vivência “possibilita ao aluno um direcionamento mais fundamentado, fazendo dele um profissional mais seguro”.
De acordo com o coordenador da Instituição C, o diferencial do farmacêutico com formação generalista é que ele: “Conhece todas as áreas do âmbito farmacêutico, não é mais um profissional especializado, tem uma visão geral da profissão”. No seu entender a formação generalista “Precisa habilitar o farmacêutico a se tornar o ‘Farmacêutico sete estrelas’”, referindo as especificações da 3ª Reunião de Peritos (FIP – WHO) sobre o papel do Farmacêutico. Nesse sentido, mais do que a contraposição entre a formação especializante e generalista, se trata de uma adição, sendo dimensionada a possibilidade da formação de um super-especialista.
Em meio a estas ambivalências se enquadram traços das competências elencadas nas DCN (2002) a propósito da formação para o SUS. Segundo o coordenador do curso C a Farmácia Universitária “Permite ao aluno desenvolver uma série de competências, entre elas a comunicação, a liderança, a gestão, a formação continuada e a prestação de serviços em saúde”.
Para o coordenador da Universidade B, “O farmacêutico precisa de todas as competências elencadas nas diretrizes, mas acima de tudo
precisa ser um empreendedor”. É neste sentido que, para ele “A visão tecnicista precisa ser ampliada pela visão humanista”.
Idealmente os coordenadores têm um olhar condizente com as Diretrizes (2002), sendo, de certa forma, homogêneas as considerações a respeito da implantação da formação generalista entre eles. Vale o registro do compromisso embutido nessas apreciações diante do fato de todos os coordenadores entrevistados fazerem parte da Comissão de Educação
Farmacêutica do CRF-SP, que constituiu o palco de consolidação das discussões sobre as DCN, em atenção à LDB (1996). Em que pese tal homogeneidade é possível dimensionar ênfases distintas quando se referem às contribuições ou ganhos advindos da introdução da formação generalista.
Numa outra dimensão, os depoimentos remetem mais diretamente à reprofissionalização associada à aproximação ao paciente no espaço da farmácia. Tal perspectiva condiz com as DCN (2002) na medida em que as mesmas propõem uma atuação em todos os níveis de atenção à saúde, apontando para o requerimento de um profissional acessível, sensibilizado e comprometido com o paciente, capaz de respeitá-lo e valorizá-lo.
Atualizando a nova maneira de pensar o medicamento na formação farmacêutica, entendendo-o não mais como fim, mas como ferramenta para promoção de saúde, os discursos dos coordenadores enfatizam a relação com o paciente.
“Na matriz generalista há uma valorização da Farmácia como eixo central de formação”. (CC)
“A formação generalista é voltada para o paciente e não mais especificamente para o medicamento. O ensino deixou de ser centrado no medicamento, no tecnológico e tornou-se centrado no processo saúde-doença, sem perder o caráter científico”.(CA)
Nesta linha de apreciações, para os coordenadores das Universidades A eB, “O farmacêutico precisa saber se relacionar com o paciente”, “Precisa saber lidar com os pacientes”. Daí terem elegido como competências necessárias ao novo profissional “Conhecimentos relativos à Saúde Pública” e “Inteligência Emocional”.
Tangenciando estas proposições ganha espaço a reconsideração, implícita, dos modelos tradicionais de ensino onde, segundo Batista (2003),
“a aprendizagem situa-se, prioritariamente, como assimilação/retenção de informações transmitidas, acumulando conteúdos que deverão ser expressos pelo aluno em situações previamente estabelecidas, para ele demonstrar o que sabe”.
Na perspectiva do aluno a ser formado o coordenador da Universidade D apontou que o farmacêutico:
“Precisa pensar! O mais importante é que ele tenha a capacidade de raciocinar, procurar soluções para problemas novos, que ele não seja uma pessoa que simplesmente repete, reproduz o que foi ensinado.”
De forma correlata, na perspectiva dos docentes os discursos remetem à revisão que se impõe no plano da organização curricular:
“Como docentes estamos aprendendo muito Há uma maior integração entre os docentes nesse modelo”. (CA)
“Com a formação generalista foram valorizados os trabalhos de extensão e a interdisciplinaridade, uma vez que a vivência e a prática são elementos fundamentais nesse novo modelo”. (CB)
Na linha da interação disciplinar emerge a preocupação com a formatação modular no cumprimento da formação generalista:
“O currículo modular, ou seja, composto por módulos que integram conteúdos, está intimamente relacionado à necessidade de conferir ao farmacêutico uma visão global da profissão”. (CD)
“Com a formação generalista, algumas disciplinas que eram ministradas isoladamente agora são oferecidas em módulo, como por exemplo, a fisiopatologia e terapêutica”. (CA)
A análise das matrizes desses cursos indica algumas disciplinas congregadas nos chamados “integrados”, como por exemplo, aquele que reúne as disciplinas de Anatomia Humana, Fisiologia e Biofísica I e Biologia Tecidual II (Integrado I). O módulo citado pelo coordenador é composto pelas disciplinas de Farmacodinâmica, Alimentos e Nutrição, Fisiopatologia, Toxicologia Geral, Química Farmacêutica e Farmacognosia.
Na Universidade B a análise das matrizes apontou um módulo, no primeiro bimestre, chamado “Biologia”, que reúne os conteúdos de Citologia, Histologia e Embriologia e algumas disciplinas integradas como “Microbiologia e
Imunologia” e “Bromatologia e Análises de alimentos”. O mesmo acontece na Universidade E, que reúne num módulo a “Bioquímica Molecular e Experimental”.
Na Universidade D, o curso é composto por trinta módulos, tais como: “Desenvolvimento de formulações farmacêuticas e cosméticas”, “Aplicações clínicas dos fármacos” e “Ciências dos Alimentos”.
Essas composições modulares, sem alterar o modelo curricular como um todo, evidenciam esforços no sentido de atender às DCN (2002) no tocante à necessidade de um ensino que supere a fragmentação de conteúdos, ao lado da necessidade de uma aproximação precoce à prática profissional. No plano do ensino, este esforço atende à busca pela interdisciplinaridade, conquanto a análise das matrizes revele a preservação de uma estrutura disciplinar de ensino.
A propósito, ou contraditoriamente, diante do desafio que a implantação da interdisciplinaridade impõe, em meio à formatação disciplinar, foi significativa a menção da necessidade de aumento da carga horária, apontada como um dos mais importantes fatores limitantes da implementação da formação generalista:
“A implantação da formação generalista foi difícil, pois havia mais conteúdos a serem abordados em uma carga horária que não podia ser tão maior (40 horas a mais). Se houvesse um aumento de carga horária proporcional seria mais fácil”. (CD)
“A idéia da formação generalista é muito boa, mas falta tempo para tudo que é necessário a esse novo farmacêutico”. (CA)
“É um grande desafio a formação generalista, com a carga horária de que dispomos.”. (CB)
Chama atenção a valorização do super-farmacêutico, reiterando, no dizer deles, um “Farmacêutico sete estrelas”. A ampliação da visão humanista à formação tecnicista faz pensar na possibilidade de agregar mais uma especialidade ao farmacêutico. Em outras palavras, trata-se de pensar a
formação generalista na perspectiva de uma especialização que se agrega às demais. Nestas condições, preserva-se a estrutura tradicional ao invés de potencializar a possibilidade de mudança do próprio modelo curricular, em que pese a preocupação da busca pela organização modular.
É bem verdade que o coordenador da Instituição B, reconhece que, mais do que de novas disciplinas ou conteúdos, a formação generalista precisa de novos cenários. Segundo ele:
“A formação generalista vai se cristalizar com os trabalhos de extensão, de apoio para que o aluno possa ver por que o que ele aprende é importante, não adianta ensinar só em sala de aula. O aluno de hoje tem a informação, ele precisa de motivação, o porquê, quando ele vai usar a informação. Confina-lo em sala e dizer que estamos oferecendo uma formação generalista não é verdade”.
Na visão dos coordenadores, a Farmácia Universitária veio ampliar os espaços necessários à formação do farmacêutico, havendo sinalização da valorização do “aprender-fazendo”, na linha do que é proposto pelo CNE, através das DCN (2002). Nessa perspectiva, como sugerem Marques e Jeremias (2008), devem ser entendidos como cenários importantes de aprendizagem, todos os espaços em que se produz saúde e que permitam ao aluno, lidar com problemas reais e aspectos humanos do cuidado. Esses espaços permitem o “fazer real”, e possibilitam ao aluno lidar com a imprevisibilidade e com todos os aspectos emocionais envolvidos no cuidado ao paciente.
Sem remeter propriamente aos processos de ensino-aprendizagem, o espaço de prática propiciado pela Farmácia Universitária se constitui numa ilha de racionalidade – no sentido dado por Fourez (1995) - capaz de potencializar interlocuções disciplinares, a partir do saber fazer. Se estas disposições nem chegam a ser cogitadas como tal, o ensino ancorado na realidade concreta no âmbito da Atenção Farmacêutica desponta como uma promessa palpável na perspectiva dos coordenadores. Neste
sentido é elucidativo o depoimento: “Um diferencial importante da Farmácia Universitária é o fato de termos na
ponta um paciente de verdade, não um boneco, uma simulação” (CB). Para o coordenador do curso D:
“Na Farmácia Universitária os alunos se deparam com problemas da vida profissional. Eles têm contato com pacientes, com problemas reais. Não é simplesmente colocar a teoria na prática, é preciso ir mais além, e colocar em cena o lado humanista”.
Outro ganho indicado pelo coordenador da Universidade A foi o fato de que “Os clientes são praticamente os mesmos, o que é bem interessante para o desenvolvimento da Atenção Farmacêutica, pois permite a criação de vínculo entre o estagiário e o paciente”. Nesse sentido, a FU é um lócus privilegiado ao permitir uma coleta de dados sistemática, no sentido da compreensão dos hábitos dos pacientes. Assim, o estagiário torna-se apto a detectar problemas e propor uma adequação da terapêutica.
Como afirmam Perrenoud (2000) e Rios (2002), tudo que é palpável, concreto, e está inserido num contexto real, tem um significado maior para o aluno. Segundo Meirieu (1998), para aprender é necessário “apropriar-se das informações, configurando-se sentidos, significados”. A exposição a situações e problemas reais permite ao aluno revisitar os saberes construídos e reconstruí-los diante dessas novas demandas. O impacto real de suas ações e decisões fica explicitado nessa relação direta com o outro. É mais uma das situações onde é possível estimular a compreensão dos determinantes do processo saúde- doença e trabalhar a formação a partir da promoção da saúde.
Nestas circunstâncias, se inscreve a valorização da Farmácia Universitária como um cenário relevante de prática para os coordenadores:
“A Farmácia Universitária é um sonho meu, uma vez que representa uma das ferramentas fundamentais dentro da formação generalista. É um espaço que o aluno tem para colocar o que aprendeu na prática, para ver a realidade do dia- a-dia da profissão que ele escolheu O verdadeiro farmacêutico é aquele que, durante a sua formação, realmente tem contato com o medicamento e o paciente.” (CB)
“A Farmácia Universitária é um local de ensino. É um grande diferencial para o curso, uma vez que permite uma discussão muito rica, realmente juntando a teoria e a prática e possibilitando um verdadeiro exercício da Atenção Farmacêutica”. (CA)
“A Farmácia Universitária é um espaço privilegiado de aprendizagem para o aluno de Farmácia, que o aproxima da prática profissional”. (CD)
Na medida em que se estabelece o vínculo da Farmácia Universitária com o ensino, assume relevância o papel dos supervisores, considerado estratégico, na perspectiva dos coordenadores:
“A Farmácia Universitária permite uma convivência não só com o paciente, mas também com os profissionais que lá trabalham, oferecendo ao aluno uma visão crítica, pois ensinamos o modo correto de agir”. (CB)
“Os farmacêuticos da Farmácia Universitária têm uma visão diferente da profissão, uma vez que estão inseridos em uma instituição de ensino”. (CA)
“Os supervisores representam um grande diferencial no estágio em Farmácia Universitária, pela sua grande contribuição ao aluno”. (CD)
A valorização da supervisão é entendida na medida em que não são suficientes apenas as oportunidades oferecidas pelas Farmácias Universitárias, é preciso também um facilitador da aprendizagem, capaz de reconhecer e otimizar as situações de aprendizagem, buscar e consolidar a produção de sentidos oferecidas por esse cenário Como aponta Jaramillo (2001), a exposição do aluno a novos cenários e novas possibilidades de aprendizagem, exige uma postura cuidadosa, de acolhimento e aproximação, transformando o momento em uma experiência prazerosa. Nas Instituições estudadas os supervisores são responsáveis por grupos de até dez alunos /turno.
A despeito no número reduzido de instituições que têm instalada a Farmácia Universitária, assim como a diversidade de atividades propiciadas
entre as instituições investigadas - conforme veremos proximamente – a aproximação à realidade concreta tem evidenciado uma avaliação positiva quanto ao desenvolvimento do aluno.
Segundo o coordenador do curso D:
“Percebemos uma grande mudança no aluno, por que durante o estágio ele tem que incorporar a profissão. Não é só o saber teórico, ele tem que ter uma postura profissional, e a Farmácia Universitária ajuda-o a desenvolver essa postura.”
A valorização do cenário de prática reatualiza, nestas condições, o antigo dilema da relação entre a teoria e prática, presente desde o Relatório Flexner (1910). Na verdade, aqui esta relação ganha novo sentido, em função da ressignificação do aprendizado para o aluno, envolvendo, agora, a consideração da participação ativa do estagiário na construção dos saberes, mediada pelos supervisores, responsáveis pelo diálogo do aluno com o real, como sugere Demo (2004). Segundo Batista, (2003) pode ser delineada uma dimensão de autoria à aprendizagem, onde “o sujeito que aprende o faz em um contexto histórico-cultural, construindo modos singulares e individuais de assimilar e transformar as informações, desdobrando-se em formas de atuação na realidade”.
Nesse sentido, a experiência promovida encerra a promessa de repensar o modelo disciplinar e de caráter transmissivo, onde, segundo Iochida (2003) o ensino está centrado no professor, que detém e transmite o conhecimento.
Sem alcançar a reformulação do currículo, como propõem as DCN (2002), a Farmácia Universitária se constitui numa ilha de potencialidades, ressaltando-se a sua inserção enquanto adendo ao curso.
4.3 A Farmácia Universitária na perspectiva dos supervisores de estágio
4.3.1 As Farmácias Universitárias - caracterização
As Farmácias Universitárias, de acordo com a Lei 5.991/73, foram classificadas em Farmácias, Farmácias de Manipulação, Drogaria e Dispensário. Um dos estabelecimentos não se enquadra em nenhumas das definições legais e foi classificado como Centro de Assistência Farmacêutica. Levando em conta a diversidade dos tipos de estabelecimentos, foram identificadas as atividades exercidas – Tabela 3.
Considerando a diversidade de tipos de estabelecimentos, somente na instituição A a Farmácia Universitária atende à definição legal de farmácia, contando com uma área de manipulação e uma de dispensação e venda de medicamentos industrializados. Nesse local é realizado um trabalho de educação em saúde, sob a forma de material impresso, distribuído aos usuários de medicamento. São atendidos pela farmácia, além da comunidade acadêmica, moradores da região. Ressalta-se que esta instituição não está vinculada ao SUS.
Na outra instituição pública, B, o estabelecimento é uma farmácia de manipulação, ou seja, não trabalha com medicamentos industrializados. A FU supre a necessidade de medicamentos não padronizados do sistema de saúde local. É o único estabelecimento vinculado ao SUS, atendendo à proposta de uma formação comprometida com o modelo assistencial. A educação em saúde também é valorizada, e o estabelecimento conta com áreas exclusivas para a realização de palestras e treinamentos em saúde. A Farmácia realiza ainda um trabalho de campo, visitando o domicílio dos usuários de
medicamento e orientando sobre o uso racional, a conservação, guarda e descarte dos medicamentos.
Na instituição C, a Farmácia Universitária está voltada para o desenvolvimento de ações educativas para a comunidade. Não existe comércio ou distribuição de medicamentos, exceto em campanhas promovidas durante o “trote cidadão”. Neste caso o estabelecimento não realiza dispensação, manipulação ou atividades gerenciais, atuando desvinculado ao SUS.
Na Instituição D, classificada como drogaria, o foco do trabalho está voltado para o comércio de medicamentos industrializados, junto à população que circula no campus. Diversas ações de integração à comunidade são realizadas sob a supervisão das docentes responsáveis. Essas atividades reforçam o papel do farmacêutico como educador.
Na instituição E, o trabalho está centrado

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