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1 2 O presente conteúdo tem por objetivo apresentar as especificidades da Psicologia: sua origem e conceitos fundamentais. A evolução histórica e os clássicos da Psicologia, bem como os métodos de estudo em Psicologia. Seguramente você tem alguma compreensão ou ideia formada do que vem a ser a Psicologia. É provável que essa ideia esteja permeada, isto é, seja fruto da percepção social dos ambientes aos quais você está inserido; família, grupo de trabalho, social, escolar, bem como, o que ouviu por meio das mídias, digitais ou não. Todo esse material, de alguma forma, contribuiu para a concepção da sua definição pessoal a respeito do que vem a ser a ciência psicológica. Mas será que essa compreensão está correta? Podemos dizer seguramente que o nosso viés de pensamento está alinhado ao verdadeiro conceito ou está embebido do senso comum? O nosso conhecimento prévio acerca da psicologia nos permite compreender o seu objeto de estudo e sustentar uma conversa com um profissional da área, sem titubear ou, como podemos dizer, escorregar nas palavras ou nos perdermos em nosso pensamento ao ponto de nos percebermos sem argumentos? Para buscar responder a essas perguntas, precisamos partir da compreensão do conhecimento que acumulamos em nosso dia a dia, também conhecido como senso comum; este é um conhecimento espontâneo e intuitivo, adquirido por tentativas e erros e que usamos em nosso cotidiano. Sem esse conhecimento, sem o senso comum, teríamos um complicador em nossa vida, pois ele é produzido do hábito à tradição e é transmitido de geração em geração. É por meio desse conhecimento transgeracional que passamos a compreender o mundo e criamos as primeiras formulações e teorias da nossa aprendizagem e continuamos a utilizá-lo por toda a vida. Dessa forma, não precisamos aprender todos os dias aquilo que já nos parece óbvio, como a existência da gravidade, que toda ação tem uma reação, que o corpo tende ao equilíbrio, entre outros saberes acumulados. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 15), podemos definir o senso comum como “um domínio da vida que pode ser entendido como vida por excelência: é a vida do cotidiano. É no cotidiano que tudo flui, que as coisas acontecem, que nos sentimos 3 vivos, que sentimos a realidade”. É por esse motivo que ele se liga a outros conhecimentos mais especializados, reduzindo-os a teorias simplificadas, que produzem a nossa visão de mundo. Todavia, a nossa intenção aqui é utilizar o nosso conhecimento prévio para compreender o conhecimento científico produzido pela psicologia e para isso, precisamos abstrair da realidade, desse conhecimento aparentemente óbvio, para construirmos o nosso saber científico sobre a realidade à luz das teorias psicológicas. Para tal, precisamos buscar conhecer o cerne do pensamento psicológico, o seu embrião, o nascedouro do pensamento racional, que buscou compreender a nossa espécie. Embora a Psicologia só tenha ganhado o status de ciência em 1875, com Wilhelm Wundt (1832-1926), que ao criar o primeiro Laboratório de Experimentos em Psicofisiologia, em Leipzig, na Alemanha, a base do conhecimento psicológico é bastante longa e nos leva à busca do nascedouro da tentativa de compreender o seu objeto de estudo, o homem. De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 25), o feito de Wundt representou um marco histórico, “que significou o desligamento das ideias psicológicas de ideias abstratas e espiritualistas, que defendiam a existência de uma alma nos homens, a qual seria a sede da vida psíquica”. Quais seriam essas ideias abstratas e onde elas surgiram? C ré d it o : h tt p s :/ /c o m m o n s .w ik im e d ia .o rg /w ik i/ F ile % 3 A W u n d t- re s e a rc h -g ro u p .j p g Grupo de pesquisa de Wundt no laboratótio, 1980. 4 A busca de compreender e descrever o universo e a existência humana surgiu na filosofia. É a partir da filosofia que o pensamento passa a ser racional e se afasta do pensamento mítico. Dessa forma, é na filosofia que nascem as primeiras tentativas de compreensão do homem e são os filósofos antigos os primeiros pensadores que abordarão esse tema tão complexo, que é o homem e sua natureza. Por filósofos antigos, entendemos os pensadores desde o período pré-socrático, ou seja, antes de Sócrates, mas é a partir de Sócrates que o homem é trazido para o centro das preocupações racionais e é percebido como capaz de produzir conhecimentos. Até então, essa capacidade era relacionada à alma humana, que se diferenciava do corpo, mas estava intimamente ligada a ele, lhe permitindo a compreensão das coisas. A importância de Sócrates, Platão e Aristóteles para o desenvolvimento do pensamento psicológico se dá por conta disso, por causa dessa preocupação em entender o homem. Vamos conhecer o pensamento de cada um deles? Sócrates (469-399 a.C.) – preocupou-se com o limite que separa o homem dos demais animais e estabeleceu a razão como a principal característica humana. Para ele, é por meio da razão que o homem consegue subjugar os seus instintos, que seriam a origem da irracionalidade. É como se disséssemos que ao sucumbir aos instintos, o homem se afasta da racionalidade e se iguala aos demais animas, que são irracionais. Você já ouviu dizer que um homem com grande fúria, perdidamente apaixonado ou bêbado é irracional ou que se comporta como um animal (irracional)? Pois bem, esse pensamento do cotidiano parece ter encontrado sua base racional e filosófica, não é mesmo? C ré d it o : B ar H ar el [ C C B Y- SA 4 .0 (h tt p s: // cr ea ti ve co m m o n s. o rg /l ic en se s/ b y- sa /4 .0 )] , v ia W ik im ed ia C o m m o n s. Estátua de Sócrates na biblioteca da Faculdade Trinity. 5 Retornemos a Sócrates. Ao postular a razão como algo exclusivamente humano, como uma essência do homem, Sócrates possibilita que, posteriormente, a psicologia percorra esse caminho, com as chamadas teorias da consciência, que encontra as suas bases nesse pensamento. Discípulo de Sócrates, Platão (427-347 a.C.), buscou definir um lugar no corpo para a razão e determinou que esse lugar seria a cabeça, onde a alma do homem é encontrada. Entretanto, para ele, a alma seria separada do corpo e, sendo assim, a ligação entre corpo e alma ocorreria por meio da medula. A medula seria, portanto, o elemento de ligação entre o corpo material e a alma imortal. Dessa forma, segundo o pensamento platônico, ao morrer, o corpo fenece, mas a alma, ao se desprender do corpo sem vida, liberta-se para ocupar outro corpo. Você percebe a similaridade entre esse pensamento e o pensamento religioso? Ambos afirmam que a alma é imortal, podendo, assim, se desprender do corpo após a morte. Além disso, você consegue visualizar a base do que compreendemos como racionalidade? Costumamos definir o homem racional como aquele que utiliza a cabeça, não é mesmo? Então, se pensarmos bem, o que estamos dizendo é que a racionalidade se encontra na cabeça humana, assim como pensava Platão. C ré d it o : B y R ap h ae l, P u b lic D o m ai n , h tt p s: // co m m o n s. w ik im ed ia .o rg /w /i n d e x. p h p ?c u ri d = 4 9 2 0 9 8 9 Platão à esquerda e Aristóteles à direita na escola de Atenas. 6 A essa altura, não é difícil imaginar que Aristóteles (384-322 a.C.), um dos pensadores mais importantes da história da filosofia e considerado o verdadeiro pai da psicologia, tenha sido discípulo de Platão, não é mesmo? Aristóteles acreditava que corpo e alma são indissociáveis e que a psyché (ou alma) seria o princípio ativo da vida. Dessa forma, não somente o homem, mas tudo aquilo que cresce, se alimenta e se reproduz, possui alma. Para ele: Os vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela funçãode alimentação e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a função de percepção e movimento. E o homem teria os dois níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 33). Esse filósofo traz uma grande contribuição aos estudos do psiquismo humano, com a obra Da Anima, na qual sistematizou em seu estudo as diferenças entre a razão, a percepção e as sensações. Esse estudo de Aristóteles pode ser considerado o primeiro tratado em Psicologia. Você é capaz de associar os pensamentos da teoria aristotélica a algum tipo de pensamento atual? Pense bem, se a alma é mortal e entre ela e o corpo há uma relação de pertencimento, temos aí a ideia de unidade, de integralidade. Mas além disso, se tudo que possui vida, possui alma, então, tanto os outros animais quanto as plantas podem ser percebidos pelo princípio da integralidade, da inteireza e, por conseguinte, não são em sua essência tão diferentes assim do homem. Entretanto, ainda temos marcadamente uma diferença fundante e fundamental entre o homem, o sujeito racional, e os demais animais (irracionais) e as plantas, que vêm a ser a racionalidade humana. Há a necessidade de pensarmos, no entanto, na responsabilidade que essa equiparação e essa diferenciação nos traz, pois, sendo o homem o único possuidor da psyché (ou alma) a também possuir a racionalidade, não recai sobre ele a responsabilidade do cuidado e da preservação dos demais humanos, animais e plantas? Pensemos nisso! Durante a expansão do Império Romano, que dominou a Grécia, parte do Oriente Médio e da Europa, o Cristianismo surgiu e se consolidou como uma força religiosa e política dominante. O seu poder era tão grande nessa época, que mesmo com a desordem econômica e a devastação dos territórios, oriundas das invasões bárbaras 7 em 400 d.C, o Cristianismo não somente sobrevive, como também se fortalece e se torna a principal religião da Idade Média, ou Idade das Trevas, como preferem alguns historiadores, por considerarem que durante esse período houve pouco desenvolvimento cultural, científico e técnico, já que a Igreja Católica controlava a cultura e impedia qualquer tipo de avanço, seja científico ou técnico, ao depositar na fé o único caminho a ser seguido e, como você já deve ter imaginado, se colocava como mediadora divina e defensora da fé. Todavia, na atualidade, o termo Idade das Trevas caiu em desuso, pois se considera que seja incorreto e preconceituoso, por desqualificar o desenvolvimento cultural, científico e artístico da era medieval. Há de se considerar, no entanto, que embora as Universidades Medievais tenham sido importantes e férteis centros de produção de conhecimentos, debates e reflexões, poucos tinham acesso a elas e, portanto, ao que elas produziam. É por esse motivo que para falarmos do desenvolvimento do pensamento psicológico nessa época, precisamos relacioná-lo ao pensamento e saber religioso, já que, como vimos, a Igreja Católica exercia um monopólio sobre o conhecimento e, por consequência, o estudo do psiquismo. Precisamos, então, conhecer dois grandes filósofos que representam o conhecimento desse período: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Santo Agostinho (354-430) – viveu no apogeu do domínio cristão. Retoma Platão ao considerar o dualismo corpo e alma. Para esse filósofo, a alma não apenas sediava a razão, mas também era o elo entre Deus e o homem, sendo, então, imortal e a prova da manifestação divina no homem. Dessa forma, havia uma preocupação em compreender a alma, uma vez que ela sediava o pensamento. Representação de Santo Agostinho. 8 Já São Tomás de Aquino (1225-1274) – viveu no período que precedeu o declínio do poder da Igreja Católica, o surgimento do Protestantismo, a transição para o capitalismo e as Revoluções Francesa e Industrial, que ocorreu na Inglaterra. Você percebe uma linearidade nessa sucessão de acontecimentos? Veja que o declínio da Igreja foi anterior à consolidação do capitalismo e às revoluções, mas que há uma relação entre esses acontecimentos. Sendo assim, considerando esse cenário, é fácil considerarmos a existência de questionamentos dirigidos à igreja e aos conhecimentos que ela produzia, pois estamos falando da existência de crises econômicas, políticas e sociais, campos em que a igreja atuava fortemente e que tiveram o seu nascedouro nesse período. Os pensamentos dissidentes em relação à Igreja se solidificaram em períodos posteriores, mas já existiam nesse período. Para resgatar a confiança na igreja, era preciso buscar e estabelecer novas justificativas para a relação divina com o homem e assegurar o poder religioso. Ao revisitar Aristóteles, São Tomás de Aquino encontrou a distinção entre a essência e a existência. Contudo, enquanto o filósofo grego considerava que, em sua essência, o homem buscava alcançar a perfeição por meio da existência, São Tomás de Aquino, ao introduzir nesse pensamento o viés religioso, postulou que a reunião igualitária entre essência e existência, somente é possível por intermédio de Deus. Assim sendo, o homem, ao buscar a perfeição, estaria buscando a Deus. A busca da perfeição é, essencialmente, a busca de Deus. Você percebeu que esse filósofo consegue justificar racionalmente os dogmas da Igreja e com isso lhe garante o domínio do estudo do pensamento, do psiquismo? São Tomás de Aquino. C ré d it o : 1 8 th -c e n tu ry P o rt u g u e s e S c h o o l (V e ri ta s A rt A u c ti o n e e rs ) [P u b lic d o m a in ], v ia W ik im e d ia C o m m o n s . 9 Ainda não está convencido? Pois bem, Aquino assegurou que a verdadeira produtora do conhecimento a respeito do psiquismo é a Igreja, ao separar a fé da razão, Filosofia da Teologia. Para ele, a Filosofia deve se ocupar da razão ou das coisas da natureza, enquanto que a Teologia deve se ocupar do sobrenatural ou da fé. Ao estudar o sobrenatural e a fé divina, o filósofo postulou que alguns conhecimentos somente podem ser alcançados pela revelação divina e sendo o homem a mais perfeita criação divina, diferenciando-se dos outros animais por meio da racionalidade, deve buscar a perfeição em Deus, pois somente poderá alcança-la por intermédio dele. Dessa forma, as verdades da razão são aquelas alcançadas pela racionalidade humana, enquanto que as verdades reveladas são aquelas obtidas por intermédio de Deus. Pouco tempo após a morte de Aquino, no fim do período Patrístico, por meio dos crescentes e constantes questionamentos dos seus dogmas, oriundos da Reforma Protestante, a Igreja Católica perde o monopólio da busca de compreensão da existência humana e cede lugar a novas formas de pensamento, que provoca uma nova forma de conceber a ciência e o homem, iniciando-se, assim, um novo período do pensamento filosófico, que conhecemos hoje como ciência moderna. É durante esse período que a razão, a experiência e a preocupação com a precisão irão se contrapor à fé. Em vez de se preocuparem com a relação entre o homem e Deus, as ciências irão se preocupar com o homem e a natureza. Formulações teóricas, experimentos e pesquisas marcam esse período. Galileu Galilei (1564- 1642), físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano e Isaac Newton (1642-1727), físico e matemático, estudaram fenômenos da natureza. Enquanto Galileu estudou a queda dos objetos em famosos ensaios na Torre de Pisa, Newton estudou o movimento dos objetos na terra e no espaço. Outro exemplo é o filósofo e matemático René Descartes (1596-1650), que realizou análises das leis do movimento, tanto da natureza quanto dos homens. Galileu Galilei Isaac Newton René Descartes 10 Devemos aprofundar o nosso conhecimento sobre Descartes. Você certamente já ouviu falar no “pensamento, plano ou dualismo cartesiano”, não é mesmo? Aqui, nóstemos a oportunidade de aprofundar o nosso conhecimento sobre o que vem a ser o dualismo cartesiano. Muitos consideram que Descartes seja o verdadeiro pai da psicologia moderna, pois foi ele o primeiro a fazer uma clara distinção entre corpo e mente, que, como vimos, é um questionamento que causava inquietude nos filósofos desde a antiguidade. O pensamento cartesiano propõe a cisão entre corpo e mente, sendo a mente composta por alma e espírito. Entretanto, mesmo considerando essa separação entre a mente (alma e espírito) e o corpo, para ele, esses elementos interagem, de modo que a mente pode interferir no corpo. Esse pensamento contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento da ciência, pois ao postular a separação entre o corpo e a mente (alma e espírito), o corpo deixa de ser sagrado, sendo possível, então, estudar o corpo humano morto. Consegue enxergar a importância de Descartes para as ciências atuais, as ditas ciências naturais ou sociais? Tanto a medicina como a neurologia, psicologia e as demais áreas consideradas humanas, como o Direito, se valem do pensamento dele em seus métodos de estudo. Por exemplo, quando você pensa em perícia criminal, você associa essa área de conhecimento com o estudo do corpo humano, vivo ou morto? Possivelmente você associa a aspectos da medicina legal em conjunto com técnicas da psicologia forense ou jurídica. Muitas dessas análises que possibilitarão desvendar um crime são realizadas por meio de perícia no corpo morto, que se ainda fosse considerado sagrado, não poderia acontecer. No âmbito do desenvolvimento do pensamento científico, passamos pelo fortalecimento do mercantilismo, o surgimento e fortalecimento do capitalismo, que juntamente com a criação da máquina provocará fortes mudanças sociais, como a com a Revolução Industrial. Essas mudanças sócio-econômico-culturais influenciarão os estudos acerca do homem, que passaram a exigir métodos, medidas e instrumentos de controle mais rigorosos, com a finalidade de se alcançar mais precisão no estudo do funcionamento da mente. 11 Diante do que estudamos até aqui, é possível compreendermos que as mudanças ocorridas no modo de buscar compreender o homem, o espaço em que ele habita, o próprio universo e o seu modo de funcionamento criaram novos questionamentos, formulações teóricas, estudos e experimentos que buscaram e buscam responder a esses questionamentos, considerando-se que umas das leis da ciência é a replicabilidade, ou seja, a possibilidade de se chegar a um mesmo resultado ao se repetir um experimento. Essa ideia se difere do pensamento dogmático, pois um estudo considerado conclusivo hoje poderá ser questionado, refeito, creditado ou descreditado. Dessa forma, a dúvida se encontra no cerne da ciência; mas a dúvida já fazia parte do pensamento filosófico grego, exemplo disso é o fato de atribuir-se a Sócrates a celebre frase “só sei que nada sei”. Em Descartes, percebemos a dúvida sistemática como método de investigação, no qual o filósofo tudo põe em dúvida, até mesmo a própria existência, se dando conta do cogito, “Cogito, ergo sum”. Você certamente já ouviu a frase “penso, logo existo” ou “penso, portanto, sou”. A psicologia, segundo Bock, Furtado e Teixeira (2005, p. 43), nasce estudando a alma, com os grandes filósofos, como vimos, mas passa a ser uma ciência “sem alma”, considerando-se que tem o seu conhecimento para ser produzido em laboratórios, por meio de experimentos de observação e medição. Vimos que é em Wilhelm Wundt (1832-1926) que surge a Psicologia Científica. Em seu laboratório na Universidade de Leipzig, na Alemanha, realizou experimentos na área de Psicofisiologia e desenvolveu a concepção do paralelismo psicofísico. Segundo essa concepção, os fenômenos mentais possuem uma correspondência com os fenômenos orgânicos. Exemplo: uma percepção sensorial, como a picada de uma agulha ou abelha, tem uma correspondência na mente do sujeito picado. Para investigar a mente do sujeito, Wundt criou o método que denominou de introspeccionismo ou introspecção. No método introspectivo, o pesquisador pede a um sujeito treinado para a auto-observação, que lhe descreva os caminhos percorridos em seu interior após uma estimulação sensorial, como a picada de uma abelha ou agulha. Por introspecção, consideramos o ato de se autoperceber, voltar- se para si, não por medo, vergonha, culpa ou tristeza, mas para buscar compreender a si mesmo. 12 Podemos dizer que a Alemanha é o berço da Psicologia científica, mas foi nos Estados Unidos da América que ela encontrou um campo fértil, por assim dizer, para um rápido crescimento, pois foi ali que surgiram as três primeiras escolas ou abordagens da Psicologia: o Estruturalismo, o Funcionalismo, e o Associacionismo, que deram origem às mais variadas teorias psicológicas que compreendemos atualmente. O funcionalismo teve como principal pensador de William James (1842-1910). É considerada a primeira teoria psicológica genuinamente americana. Na época, o país, EUA, alcançou grande avanço econômico e se manteve à frente do capitalismo. Dessa forma, o meio social e científico passou a exigir atitudes mais pragmáticas dos seus pensadores e cientistas. Dessa forma, ao escolher a consciência como foco de análise, por considerar que o homem a utiliza no seu processo de adaptação ao meio, o funcionalismo de W. James passou a se preocupar com a função da mente, ou seja, busca responder o que fazem os homens e o porquê o fazem. Assim sendo, essa abordagem considera que a psicologia é uma ciência biológica, que deve estudar as funções da mente, considerando-se a adaptação do sujeito ao meio, em função das interações que estabelece com o ambiente. Dessa forma, o psiquismo, ou mente, é considerado como um acúmulo de funções e processos que conduzem a vivências, às experiências práticas. Assim como o Funcionalismo, o Estruturalismo de Edward Titchener (1867-1927) se preocupou em compreender o mesmo fenômeno, a consciência. Entretanto, diferentemente da outra abordagem, o Estruturalismo define a psicologia como uma ciência que deve estudar a consciência ou a mente, considerando-se a sua estrutura, isto é, os seus aspectos estruturais, os estados elementares da consciência como estruturas do sistema nervoso central. Dessa forma, a mente é compreendida nessa abordagem como sendo a soma de todos os processos mentais. Para esses pensadores, a Psicologia teria a função de compreender esses processos e o modo como a mente é estruturada no sistema nervoso central. Foi Wundt que inaugurou essa escola, mas foi Titchner que utilizou o termo pela primeira vez, em oposição ao Funcionalismo. Por ser seu seguidor, Titchner manteve 13 a tradição de Wundt e utilizou o mesmo método de observação, o introspeccionismo, ou introspecção. Entretanto, o seu método de estudo era mais amplo, pois ele considerava que a descrição introspectiva tendia a ser mais uma análise do que uma descrição e, por conta disso, passou a buscar uma descrição isenta de viés, produzida por meio de experimentos em laboratório. Questionava-se sobre o quê, como e o porquê dos processos mentais. O principal pensador do Associacionismo foi Edward L. Thorndike (1874-1949), formulador da primeira teoria da aprendizagem da Psicologia. O termo associacionismo surge da concepção de que a aprendizagem s se origina a partir da associação de ideias, partindo-se das mais simples às mais complexas. Dessa forma, para aprender um conteúdo complexo, primeiramente o sujeito necessitará apreender conceitos mais simples, que poderão ser associados àquele conteúdo, lhe permitindo compreendê-lo. Thorndike estabeleceu a Lei do Efeito, que contribuiu para a Psicologia Comportamental. De acordo com essa teoria, todo o comportamento de um organismo vivo tende a se repetir se recompensado. Entretanto, se o efeito forum castigo esse comportamento tenderá a não ser repetido. Segundo essa Lei, o organismo irá associar essas situações, com efeitos recompensadores e castigadores, com outras situações semelhantes. Ao se apropriar desse conhecimento, a Psicologia Comportamental definirá que o reforço (positivo e negativo), que ocorre quando a consequência ou efeito do comportamento é agradável e a punição (positiva ou negativa), que ocorre quando a consequência ou efeito do comportamento é desagradável para o sujeito que emitiu esses comportamentos. Essas abordagens teóricas serviram de base para a formulação das três principais teorias da atualidade: a Psicanálise; o Behaviorismo (ou Psicologia Comportamental, ou Experimental) e a Gestalt (ou Psicologia da Forma, ou da boa Forma). Como já temos conhecimento, segundo Bock, Furtado e Teixeira (2005), mesmo que a Psicologia tenha surgido em subordinação à Filosofia, a partir de Wundt, no século XIX, ela passa a ter um caráter científico e se liga às especialidades da Medicina, que 14 assumira antes da Psicologia, como critério rigoroso de construção do conhecimento, o método de investigação das ciências naturais. Já no século XX, essa Psicologia científica que se instituiu de três escolas, o Funcionalismo, o Estruturalismo e o Associacionismo, foi substituída por novas abordagens teóricas: a Psicanálise, o Behaviorismo ou Teoria (S-R) (S (estímulo) ⇒ R (resposta)) e a Gestalt. Você provavelmente já ouviu falar de Sigmund Freud (1856-1939), o criador da Psicanálise. Freud foi um médico austríaco que por meio de sua prática médica resgatou à Psicologia a importância da afetividade e definiu o inconsciente como objeto de estudo da ciência, rompendo com a tradição da Psicologia, enquanto ciência da consciência e da razão. O estudo do psiquismo ocorre por meio da análise de sonhos, fantasias, esquecimentos ou atos falhos, bem como por meio do entendimento dos impulsos e motivos interiores, muitos deles de origem inconsciente. De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2005), utilizamos o termo psicanálise para nos referirmos a uma teoria, a um método de investigação e a uma prática profissional. O método de pesquisa mais conhecido da psicanálise é o método catártico e a investigação se caracteriza por meio do método interpretativo. Primeira Tópica Freudiana foi postulada com a descoberta do inconsciente. Ela é composta por três instâncias do aparelho psíquico: Inconsciente, Consciente e Pré- consciente. Posteriormente, ao avançar em seus estudos e investigações, Freud reformulou e substituiu essa tópica pela Segunda Tópica Freudiana, aperfeiçoada a partir da noção de ID, Ego e Superego. As ideias de Thorndike e a visão funcionalista exerceram forte influência sobre o Behaviorismo, que nasceu com John Watson (1878-1958). A partir dos estudos de Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), acerca de estímulo-reflexo, Watson estabeleceu Sigmund Freud 15 o comportamento (behavior em inglês) como o objeto de estudo da Psicologia, por considerá-lo mensurável e mais concreto, uma vez que é observável. Watson contribuiu para a análise do comportamento respondente, mas foi Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) o principal teórico da Análise do Comportamento e teórico do comportamento operante e das noções de reforçamento e do controle dos estímulos. A psicologia da forma, ou da boa forma, também conhecida como Gestalt, tem como seus principais teóricos: Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhker (1887- 1967) e Kurt Koffka (1886-1940). Essa abordagem é a mais ligada à filosofia, pois elegeu como seu objeto de estudo, os processos perceptivos, que envolvem a sensação e a percepção. Para os estudiosos da Gestalt, ou gestaltistas, o comportamento humano deve ser estudado considerando-se os aspectos globais que cercam o homem. Para eles, as ações humanas, por meio dos estímulos ambientais ou do ambiente, são influenciadas pela forma como o sujeito do comportamento percebe esses estímulos, sendo que, essa percepção, é por sua vez, influenciada por aspectos socioculturais, isto é, advindos da cultura e da historicidade social. Também preocupada com a interação do organismo com o meio e a aprendizagem decorrente dessa interação, a Teoria Cognitiva de Jean Piaget (1896-1980) merece destaque, pois ressalta a estrutura e o desenvolvimento dos processos de pensamento e do conhecimento humano. A grande preocupação dos cognitivistas é a compreensão do modo como o ser humano pensa. Para Piaget, a interação é o eixo central da análise. Piaget considera que a interação resulta em dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio, que ocorrem por meio da Assimilação e Acomodação, os esquemas de Jean Piaget 16 assimilação vão se modificando e configurando estágios de desenvolvimento, que tendem ao equilíbrio, ou à Equilibração. Assim sendo, considera-se que há uma tendência de equilíbrio entre os processos de assimilação e acomodação, o que permite explicar não somente como conhecemos o mundo num dado momento, mas também como esse conhecimento se modifica. Por assimilação, compreendemos o que ocorre da experiência para a mente; a acomodação é o processo inverso, ou seja, da mente para a experiência; já a equilibração se caracteriza por estados de equilíbrio, de adaptação, cada vez mais estáveis, conforme segue: A essa altura, você já deve ter percebido que a Psicologia é na verdade uma área da ciência formada por várias abordagens. Logo, podemos considerar a existência de Psicologias, ou variadas teorias que buscam compreender o psiquismo humano. De acordo com Lane (2006, p. 1): Sem entrarmos na análise das diferentes teorias psicológicas, podemos dizer que a Psicologia é a ciência que estuda o comportamento, principalmente, do ser humano. As divergências teóricas se refletem no que consideram "comportamento", porém para Assimilação Acomodação Equilibração Psicologias?! Alguns autores e estudiosos costumam utilizar o termo “psicologias” para distinguir as diversas abordagens teóricas e práticas existentes na psicologia. 17 nós bastaria dizer que é toda e qualquer ação, seja a reflexa (no limiar entre a psicologia e a fisiologia), sejam os comportamentos considerados conscientes que envolvem experiências, conhecimentos, pensamentos e ações intencionais, e, num plano não observável diretamente, o inconsciente. Dessa forma, ao buscarmos definir a Psicologia, devemos considerar que, embora existam várias teorias psicológicas, podemos compreender que todas elas, de uma maneira geral e não reducionista, se ocupam do comportamento humano, nos seus mais variados aspectos, sejam conscientes, inconscientes, no campo da cognição e pensamento ou da percepção. Estamos finalizando o nosso módulo e, neste momento, podemos concluir algumas reflexões realizadas ao longo do nosso conteúdo. Pudemos compreender que a história da Psicologia percorreu um longo processo histórico, de tentativas de compreender o homem. Esse processo surgiu com os filósofos antigos, os gregos, que se ocuparam da razão, passou pela fusão com o pensamento religioso, na Idade Média, pelos pensadores da ciência moderna, até chegar em Wundt, considerado o pai da Psicologia. Os estudos de Wundt influenciaram novos estudos, que ocorreram nos Estados Unidos da América e deram início às três primeiras escolas da Psicologia científica: o Estruturalismo, o Funcionalismo, e o Associacionismo, que, por sua vez, serviram de base para a formulação das três principais teorias da atualidade: a Psicanálise; o Behaviorismo e a Gestalt, também merecendo destaque a teoria Cognitiva. Até a próxima! 1. Conheça um pouco mais sobre os filósofos que contribuíram para a ciência psicológica, a partir do vídeo “Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau”. O filme aborda asbases do pensamento de Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau; este último, um filósofo político. Você poderá assisti-lo acessando o seguinte link: <https://www.youtube.com/watch?v=b6dCnMwmB0A>. Acesso em: 01 dez. 2017. 18 2. Amplie os seus conhecimentos sobre a história da Psicologia no Brasil, assistindo ao vídeo “Psicologia - 50 Anos de Profissão no Brasil”. O vídeo retrata a história da psicologia no Brasil, considerando a própria construção do Brasil e do seu povo. Você poderá assisti-lo acessando o seguinte link: <https://www.youtube.com/watch?v=82shonzH99A>. Acesso em: 01 dez. 2017. 3. Para que possamos refletir sobre a teoria psicanalítica, sugiro o vídeo “Café Filosófico: Freud e a Psicanálise - Ney Branco”. No vídeo, o psicanalista e filósofo Ney Branco discute sobre a Psicanálise e sobre Freud, sua vida, seus estudos e sua importância para as mais variadas disciplinas psicológicas que se desenvolveram nos séculos XX e XXI, colocando a teoria psicanalítica em uma relação paradoxal com a ciência. Você poderá assisti-lo acessando o seguinte link: <https://www.youtube.com/watch?v=KDW-UqTwmoY>. Acesso em: 01 dez. 2017. Amplie os seus conhecimentos sobre o conceito de Psicologia, as abordagens e as áreas de autuação da ciência psicológica com a leitura do capítulo a seguir, disponível na Biblioteca Virtual do UNISAL. MORRIS, Charles G.; MAISTO, Albert A. A ciência da psicologia: o que é psicologia. In: ______. Introdução à psicologia. São Paulo: Prentice Hall, 2004. p. 1-8. Conheça um pouco mais sobre o crescimento da psicologia, sua definição como ciência da mente e redefinição como área de estudo do comportamento, a revolução cognitiva e os novos direcionamentos do pensamento psicológico, a partir do estudo do seguinte capítulo disponível na Biblioteca Virtual do UNISAL. MORRIS, Charles G.; MAISTO, Albert A. A ciência da psicologia: o crescimento da psicologia. In: ______. Introdução à psicologia. São Paulo: Prentice Hall, 2004. p. 9-16. 19 ARANHA, Maria Lúcia. Filosofando: introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2009. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2015. CONTIM, Gilberto. Fundamentos de filosofia: história e grandes temas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. LANE, Silvia Tatiana Maurer. O que é Psicologia Social. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. RUBANO, Denize Rosana; MOROZ, Melania. O conhecimento como ato da iluminação divina: Santo Agostinho. In: ANDERY, Maria Amália Pie Abid et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 4. ed. Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1988. ______. Razão como apoio à verdade de fé: Santo Tomás de Aquino. In: ANDERY, Maria Amália Pie Abid et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 4. ed. Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1988.
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