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Webaula 01 Continuação Exercícios a partir do 06. Jogos narrativos e jogos lúdicos começaram aos poucos a conviver. O primeiro tipo por meio de sequências de imagem e som, imagens e texto escrito; o segundo graças a ferramentas mais avançadas. Esses dois fatores foram possibilitados pelo desenvolvimento da tecnologia, bem como pela popularização dos videogames. O seguinte exemplo deixa claro que os videogames possuem recursos mais amplos com os quais é possível trabalhar: dentro de um jogo, podese assistir a sequências cinematográficas ou ler um livro virtual. Isso não significa que a mídia é superior, apenas que seu leque de opções é mais amplo. E, por ser mais amplo, tornase mais difícil organizar seu uso em uma série de recursos de linguagem. A juventude relativa dos videogames também não ajuda: quanto mais tempo tivermos para analisar essas possibilidades, mais simples será a tarefa de pensálas sistematicamente. Os videogames tiveram e ainda têm imensa dificuldade para serem aceitos como uma forma artística. Selecione a opção que não representa um fator que tenha contribuído para esse fato. Os videogames nasceram na década de 1970, quando a arte já havia dominado questões de interatividade e lúdicas. Isso os colocou em defasagem em relação a artistas que trabalhavam com instalações e objetos interativos. Mesmo que a arte tenha considerado a interação antes dos videogames, só depois da popularização desses é que recursos digitais começaram a ser usados em propostas artísticas (principalmente pelo avanço e barateamento das tecnologias). Mesmo assim, os jogos ainda enfrentam dificuldade na sua legitimação. A interação violenta do jogador em um contexto ficcional é uma parte importante do processo de jogo, mas, além disso, nosso aparato sensóriomotor opera outras atividades, interpretações e sensações, de forma que afirmar que a violência certamente influenciará o comportamento de forma negativa é uma posição potencialmente simplista. A tecnologia avança e permite tanto a exibição de dados e simulação de processos mais complexa quanto novas formas de interagir com simulações (ou seja, novos consoles, controles e aparatos). Essas novidades possibilitam o surgimento de ainda mais gêneros, estilos e formas de jogar que logo produzirão efeitos culturais que influenciarão o avanço tecnológico. WebAula 02 Além da função de entreter, os jogos digitais são usados com outros propósitos. Um deles é a finalidade educativa ou de treinamento. A premissa seria a de que poderia se fazer um jogo que simulasse uma situação real. O aprendiz jogaria esse jogo antes de executar a tarefa na realidade, e isso o prepararia de forma eficiente e melhoraria seu desempenho geral, seja como aluno, empregado ou controlador de algum processo. Esse campo específico dos videogames é chamado de Serious Games. A aproximação entre a atividade de pilotar um avião em um jogo e de fazer o mesmo na vida real depende, porém, de qual concepção de aprendizado e de jogo estamos aplicando ao pensamento. Para entender como um videogame pode ser usado para ensinar algo, precisamos compreender antes como a lógica de ensino é diferente neles. Para isso, continuaremos pensando os jogos como cadeias de processos comandados por regras. Agora focaremos em como o jogador aprende a lidar cada vez melhor com esse sistema, quais possibilidades expressivas desse encontro e que tipo de implicações o aprendizado através dos jogos pode ter na vida cotidiana de quem interage com ele. Com isso, pretendemos alimentar uma concepção crítica do uso de jogos digitais como ferramenta de ensino. Um jogo, independentemente de ser eletrônico ou não, existe como um sistema baseado em regras. As regras definem o que o jogador pode ou não fazer: elas permitem ações e, ao mesmo tempo, também proíbem outras. No entanto, os jogos não são regras. Elas definem o campo de ação (JUUL, 2005), mas o jogo só entra em movimento quando o(s) jogador(es) começam a agir. O sistema do jogo, portanto, é formado pelas ações dos jogadores que funcionam de acordo com as várias regras (GALLOWAY, 2006). Se pensarmos, por um momento, em jogos de tabuleiro, o que os jogadores precisam fazer, antes de qualquer coisa, é aprender as regras. Seja através de um manual ou de algum jogador que já as conheça. Este é, sem dúvida, um processo de aprendizado. Porém, o aprendizado no jogo não acaba aí. Os jogadores também aprendem depois que já sabem as regras. Um bom jogador de xadrez não para de aprender com o conhecimento de como as peças podem se mover no tabuleiro. Ele aprende também a usar o movimento das peças de forma adaptativa, mudando suas escolhas de como agir de acordo com a posição das peças e das decisões de seu adversário. É possível aprender a agir de forma adaptativa de algumas maneiras. Ao longo de séculos, a técnica de jogar xadrez sofreu mudanças. Livros e mais livros foram escritos na tentativa de desbravar as melhores estratégias de defesa e ataque neste jogo. Porém, a melhor maneira de aprender a usar as regras a seu favor é jogando, de fato. O desafio de vencer uma partida contra um jogador de igual ou maior aptidão tende a exigir concentração, ações bem planejadas e antecipação dos movimentos do adversário. Se aceitarmos que essas são habilidades necessárias para formar um bom jogador de xadrez, também podemos propor que o jogador as aprimore de acordo com sua prática. Mesmo que ainda seja cedo para dizer que alguém se torna um melhor planejador ou uma pessoa mais concentrada apenas porque pratica xadrez regularmente, é possível afirmar, por hora, que existe um aprendizado específico “dentro” do jogo. O jogador aumenta seu manancial de ações e estratégias; começa a perceber padrões no movimento de cada adversário; aumenta sua adaptabilidade a situações imprevistas e pode até mesmo desenvolver um estilo próprio. Jogo e sua capacidade educativa O enxadrista cubano José Raul Capablanca era conhecido por seu estilo de jogo aparentemente simples, mas que transbordava eficiência na defesa e nas porções decisivas do jogo. Já outro jogador extremamente talentoso e influente, Garry Kasparov, era conhecido por trabalhar bem em situações complexas e ser agressivo na abertura das partidas. Mesmo o xadrez, um jogo conhecido por sua precisão matemática e pelas regras simples, pode se tornar uma arte de dificílimo domínio. Além disso, pode permitir a criação de estilos de jogo muito diversos e pessoais, mesmo entre os grandes mestres do jogo. Os efeitos externos desse aprendizado interno do funcionamento do xadrez (ou de qualquer outro jogo) são discutíveis. De fato, o jogador aprende aos poucos a dominar sua dinâmica, mas isso produz efeitos positivos em outras funções, como habilidades matemáticas, por exemplo? O que podemos constatar, por enquanto, é que se o jogador melhora alguma habilidade ou pode aprender algo a partir de um jogo, isso acontece a partir da lógica de aprendizado entranhada em cada conjunto de regras. Portanto, para investigar as capacidades “educativas” dos jogos, digitais ou não, é preciso especificar o funcionamento dessa lógica. Antes disso, vamos nos deslocar para os jogos digitais. Os jogos digitais possuem algumas capacidades distintas em relação a jogos de tabuleiro, por exemplo. Entre elas estão a modelagem de espaços e objetos tridimensionais e a simulação de leis da física manipuláveis. Isso permite a criação, por exemplo, de um jogo que simula o funcionamento do trânsito, como o que analisaremos nesta aula posteriormente. Outra mudança está ligada à natureza digital dos videogames. Como aparelhos eletrônicos podem manipular dados e computar regras com muita rapidez e em grande quantidade, as possibilidades de ação também aumentam. Por exemplo, para programar mundos virtuais como os da série Grand Theft Auto, popularmente conhecida como GTA, é preciso estipular regras para o movimento do personagem do jogador, o comportamento de outros habitantes das cidades virtuais, a reação deles de acordo com explosões, batidas, tiros etc. Nesse sentido,jogos digitais como a série GTA tendem a comportar muito mais regras do que um jogo de tabuleiro e a construírem “alegorias do espaço” (AARSETH, 2004). Porém, diferentemente do xadrez, essas regras não precisam ser aprendidas a priori. O jogador pode ligar o jogo e ir experimentando com as possibilidades até aprender todas as ações possíveis naquele espaço virtual. Os comandos e objetivos básicos são veiculados através da interface gráfica e, por mais que demore, qualquer jogador pode pegar o controle e experimentar os movimentos até entender como é possível agir ali, aprendendo as regras aos poucos. Além disso, também através do design da interface, o(s) criador(es) do jogo podem ir aumentado gradativamente o nível do desafio numa espécie de treinamento, expondo o jogador a desafios cada vez mais complicados e que incitam o domínio da lógica geral do jogo (GEE, 2005). Letramento procedimental O aprendizado a partir do jogo, portanto, acontece no contexto que emerge a partir das regras. Ele se dá na apreensão de seu funcionamento e, principalmente, a partir da complexidade que se instaura quando o jogo começa de fato. A partir daí, as diversas ações possíveis de serem realizadas, seja no xadrez ou em GTA, começam a mostrar seu verdadeiro potencial, pois podem ser combinadas para gerar estratégias de jogo criativas e imprevisíveis. Como vimos, existem regras que permitem e proíbem ações. Mas que ações são estas? Elas podem acontecer, basicamente, de três maneiras: 1. Ação individual do jogador em direção a um objeto/outro jogador; 2. Ação executada pelo jogador em conjunto com um objeto/outro jogador; 3. Ação recebida de forma passiva pelo jogador (executada por um objeto/outro jogador). É importante ressaltar que essa divisão não pretende ser um pensamento encerrado sobre a natureza do fluxo de ações presente nos jogos (digitais ou não). Na verdade, elas são apenas ferramentas para compreendermos a natureza das diferentes ações, e como cada jogo possuirá diferentes arranjos destes três subtipos. Em outras palavras, é uma forma de começarmos a classificar os tipos de processos que acontecem em cada jogo. Por exemplo, quando movemos o bispo 5 casas na diagonal no xadrez, estamos executando uma ação em conjunto com um objeto (a peça do bispo, que possui a propriedade única de andar na diagonal). Quando sofremos um xequemate do adversário, recebemos essa ação de forma passiva, pois as regras não permitem que intervenhamos na jogada antes que ela se conclua. O xadrez funciona basicamente através de ações do jogador executadas em conjunto com uma peça (objeto) que possui propriedades únicas. Essas propriedades são definidas pelas regras. Mas no xadrez não vemos o primeiro tipo de ação. Em um jogo como futebol, por exemplo, o jogador pode atuar individualmente na quadra ou campo. Ele faz isso através do seu posicionamento ou de uma corrida em direção à bola, por exemplo. Logicamente, a posição dos outros jogadores/objetos em relação a ele deve alterar sua movimentação e posicionamento. E se ele tiver posse da bola, estará municiado da possibilidade de agir em conjunto com um objeto de vital importância para o jogo (segundo tipo de ação). Assim como estará exposto a ações de outros jogadores, que tentem roubar a bola, por exemplo (terceiro tipo de ação). Letramento procedimental e criatividade O tema da criatividade pode, portanto, servir de entrada para analisarmos, finalmente, os efeitos diretos do aprendizado nos jogos. É possível dizer que eles “exercitam” a criatividade? Para responder a esta pergunta, precisamos de uma definição satisfatória desse conceito, bem como uma confrontação deste com casos práticos. A psicóloga Virgínia Kastrup (2007) demonstra em seu livro A invenção de si e do mundo que o processo criativo foi frequentemente tratado de forma secundária pela psicologia cognitiva. Esta área do conhecimento está especialmente preocupada com a forma com a qual os indivíduos conhecem o mundo a sua volta e como esse conhecimento se manifesta. Nesse contexto, a criatividade foi subordinada à inteligência. Se um ser inteligente seria aquele capaz de resolver problemas conscientemente, a criatividade seria apenas a função que coordenaria o descobrimento das soluções para diferentes problemas. Kastrup mostra um problema claro nessa concepção: a criatividade, a partir deste ponto de vista, não cria nada necessariamente novo. Ela apenas ajudaria a achar uma solução para algo preestabelecido. Não faz sentido, para a autora, pensar que a criatividade é a função de encerrar problemas já dados. Não haveria criação de novidade, de diferença, apenas a restauração de uma forma já imaginada, como quando se conserta uma máquina, por exemplo. Uma forma de trabalhar esse pensamento no contexto do jogo é um exemplo usado pela própria autora. Imaginemos um quebracabeça de centenas de peças. As peças estão espalhadas numa mesa, misturadas sem qualquer lógica que as reúna. A função do jogador é restaurar o desenho original, que foi repartido e misturado para criar o desafio. De fato, quem monta o quebra cabeça precisa perceber padrões nas imagens e nos formatos das peças. Mas não há criação: cada peça possui um lugar específico no qual deve ser encaixada, um lugar concebido previamente por quem planejou o jogo. Em contrapartida, existem jogos de montar que não predeterminam formatos para quem joga. Lego é um exemplo de conjunto de peças que abre a possibilidade para conexões imprevistas. As peças não possuem lugares “certos”, mas sim “possíveis”. Quando o número de peças cresce, cresce exponencialmente o número de possibilidades. Montar com Lego é um exercício de experimentação com estas possibilidades, de achar formas novas. Para Virgínia Kastrup, um verdadeiro exercício da criatividade. A diferença está no processo cognitivo empregado em cada tarefa. No quebracabeça, o problema está dado e o jogador precisa achar as conexões corretas das peças para resolvêlo. No Lego, montar as peças não é resolver um problema preestabelecido, mas sim inventar um problema. Com um sistema de regras flexível, o jogador pode estipular seus próprios objetivos e inventar formas novas e criar estruturas e processos novos. Nos jogos digitais o mesmo pensamento é válido. Em GTA V, embora várias missões sejam “pré fabricadas”, o jogador tem a liberdade para conectar peças diferentes: veículos e armas podem ser usados em diferentes lugares e contextos para produzir efeitos únicos. Em certo sentido, ele permite a conexão criativa. Outros jogos levam isso ainda mais longe, criando ambientes digitais repletos de “peças” capazes de serem reposicionadas, conectadas e ativadas de diferentes maneiras. Minecraft é um exemplo de “playground” digital formado por blocos que possuem diferentes propriedades. O jogador explora o mundo do jogo e precisa enfrentar suas ameaças usando os recursos a sua volta para formar abrigo, armas e achar comida. Além disso, o jogador pode conectar os blocos para criar construções de diferentes formas, como em um Lego digital. Minecraft também possui peças que permitem a criação de máquinas através de regras simples. Pistões, alavancas, trilhos e circuitos que podem ser desenhados nos blocos dão a possibilidade ao jogador de serem combinados em diferentes organizações. A partir disso, jogadores criam elevadores, portas automáticas para suas construções, armadilhas para monstros; ou máquinas muito complexas, como calculadoras e até computadores primitivos, tudo isso dentro do jogo. Minecraft é um jogo de quebrar e posicionar blocos. No início, os jogadores constroem estruturas para se protegerem de monstros noturnos, mas com a progressão do jogo, as pessoas se unem para criar coisas incríveis e imaginativas. O que Minecraft mostra é que é possível construir um conjunto de regras que permite ações que combinam peças dentro do jogo de forma criativa. Para exercer a criatividade, basta que o jogo dê condições de invenção de problemas, de experimentação com as possibilidades e da concepção de objetivospróprios. Com isso, Minecraft permite ao jogador compreender, a partir de sua agência, como cada elemento do jogo (inclusive o próprio jogador) altera o funcionamento dos objetos a sua volta e gera processos únicos. Mesmo quando usa um explosivo para destruir blocos, o jogador está apreendendo uma lógica de funcionamento: qual o raio da explosão? Quantos blocos foram destruídos? Quais os possíveis efeitos desse tipo de ação em outros contextos? Estudo dos possíveis efeitos do aprendizado Por enquanto, já avançamos dois passos no caminho do entendimento da lógica de aprendizado nos videogames. Primeiro, percebemos que a lógica da maioria dos jogos é composta de ações permitidas por regras. Para compreender os efeitos dessas ações o jogador deve testar sua habilidade de prever e controlar as consequências do seu comportamento. Desse modo, ele aprende a lógica que rege os acontecimentos de cada tipo de jogo, aprendendo a melhor usar esse entendimento para alcançar objetivos. Isso é o que chamamos de letramento procedimental. Em seguida, investigamos brevemente os tipos de ações presentes nos jogos e apresentamos o entendimento da lógica procedimental dos jogos. Além de aprender os efeitos das suas ações no jogo, o jogador precisa compreender os processos num sentido amplo. Estendemos esse pensamento para uma demonstração da possibilidade do exercício da criatividade através dos jogos, a fim de estreitar ainda mais sua relação com o processo educacional. No entanto, ainda resta um último movimento: o de estudar os possíveis efeitos da lógica de aprendizado no jogo (letramento procedimental) em situações externas. Esse problema implica em hipóteses ousadas a respeito dos videogames e suas consequências para a cognição humana, seja para o lado positivo ou negativo. De um lado, há a proposta de que os videogames incentivariam habilidades intelectuais como tomada de decisão, por exemplo (JOHNSON, 2005). De outro, há o debate que permeia o senso comum a respeito da violência que os jogos supostamente causam. Uma primeira perspectiva para atacar esse problema seria uma espécie de teste para saber quais são os efeitos dos jogos nas habilidades cognitivas humanas. Embora seja a mais segura, essa rota implica experiências empíricas extensas e que, muitas vezes, são pouco conclusivas. Os efeitos de cada jogo sobre cada jogador são um assunto misterioso até mesmo para a neurociência e seus exames detalhados do aparato sensóriomotor. Uma rota menos explorada e mais interessante, porém, seria investigar a possibilidade de usar os jogos como formas de veicular conteúdo educacional. Para isso, bastaria compreender como jogos digitais e físicos articulam símbolos, sensações e discursos. Parte dessa missão, portanto, já foi realizada ao longo das duas últimas aulas. Porém, outras questões são levantadas quando assumimos essa pretensão. Por exemplo, cabe perguntar que tipo de conteúdo se quer passar ao(s) aluno(s) em questão e qual é a melhor maneira de conduzir os processos educacionais. Essas perguntas permeiam as discussões teóricas bem como as propostas práticas de mudanças na estrutura da educação. Ian Bogost, no livro Persuasive Games, contextualiza o problema justamente a partir da visão dos jogos eletrônicos. O autor alega que, em geral, todas as filosofias pedagógicas procuram discursar sobre os modos de produção do conhecimento no contexto educacional. Bogost, então, considera os videogames e jogos em geral a partir da visão das filosofias. Ele seleciona a corrente behaviorista e a construtivista.
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