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Interação Nuclear Forte

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INTERAÇÃO NUCLEAR FORTE (HADRÔNICA) 
Marcelo Porto Allen 
A interação nuclear forte é um dos nomes que identifica a maneira pela 
qual nêutrons e prótons interagem entre si. A primeira evidência da existência desta 
interação foi a percepção de que o núcleo atômico é feito de partículas, ao invés de ser 
uma partícula só. Toda estrutura precisa ser sustentada de alguma forma, e não podia 
ser por nenhuma das forças conhecidas até então, pois a força gravitacional entre 
prótons é desprezível, VERIFIQUE e as forças eletromagnéticas entre prótons 
deveriam desmontar o núcleo rapidamente. Essa força nuclear deveria ser: 
1. intensa, caso contrário não poderia se contrapor à repulsão 
coulombiana entre prótons; 
2. de curto alcance, caso contrário os núcleos não atingiriam a 
saturação, e as reações nucleares ocorreriam com muito mais 
facilidade; 
3. dependente de vários fatores complicados, como spin; 
4. igual para prótons e nêutrons, verificado em experimentos de 
colisões e na estrutura de níveis energéticos; 
5. atrativa em distâncias maiores que 0,5 fm , mas extremamente 
repulsiva em distâncias menores, já que os núcleos não se colapsavam 
(caroço duro repulsivo). 
Por conta dessas particularidades, ainda hoje não existe uma expressão 
matemática completa para o potencial nuclear forte, mas já em 1935 Hideki Yukawa 
encontrou uma formulação para o potencial que explicava as principais características 
conhecidas na época. O trabalho de Yukawa predizia a existência de novas partículas, 
e fazia uso de uma propriedade importante da Física Quântica: o Princípio de Incerteza 
de Heisenberg (estudado desde Estrutura da Matéria). 
Uma das relações de incerteza é ΔE Δt ≥ ! , sendo ΔE a incerteza na energia, 
Δt a incerteza no tempo, e ! a constante de Planck reduzida. A interpretação usual 
dessa relação é que por uma duração Δt não é possível distinguir entre os valores de 
energia de E a E + ΔE . Isso implica que, se a incerteza da energia for tão grande 
quanto a massa ( m ) de uma partícula, não há como dizer se a partícula está lá ou não 
dentro daquela duração Δt . As partículas que podem estar ou não presentes nessas 
circunstâncias são chamadas partículas virtuais. Dito de outra forma, uma partícula 
virtual pode "surgir" e "desaparecer" em um sistema desde que não ultrapasse a 
duração estipulada pela incerteza na energia. As aparentes violações de princípios de 
conservação (energia, momento, carga elétrica etc.) são "permitidas" nos intervalos de 
tempo associados à incerteza. Para uma partícula virtual se tornar real, é preciso 
adicionar ao sistema no mínimo a energia equivalente à massa (de repouso) da 
partícula. 
Nesse intervalo de tempo Δt , a partícula virtual pode se deslocar com 
velocidade não superior à da luz (no vácuo), então isso resulta em um percurso r , 
durante o qual a partícula não pode ser medida com precisão suficiente para confirmar 
sua presença. Podemos usar a relação de incerteza e vincular diretamente o percurso à 
massa da partícula, de modo que a dependência obtida é linear e inversa. Dito de outra 
forma, uma partícula de determinada massa pode percorrer uma distância, de forma 
indetetável, que é tanto menor quanto maior for a massa. Esses raciocínios estão 
resumidos a seguir, com um exemplo importante: 
ΔE Δt ≥ !
ΔE =mc 2
r = cΔt
r ≤ c!
ΔE
=
c!
mc 2
=
!
mc
m ≤ !
rc
≅140 MeV se r =1,4 fm
 [1] 
A implicação disso para a Física Moderna foi profunda. No caso de Yukawa, a 
distância interessante para considerações era o tamanho associado ao alcance da 
interação entre núcleons, algo como 1,4 fm , que por sua vez leva a uma massa de 
aproximadamente 140 MeV para a partícula virtual que foi proposta como 
responsável pela interação "à distância". Dessa forma, a interação entre nêutrons e 
prótons é intermediada por outras partículas, chamadas de píons. Os píons existem 
em 3 formas ( π+ , π- , π0 ), nomeadas de acordo com a carga elétrica de cada uma. O 
píon neutro é ligeiramente menos massivo que os píons carregados, de mesma massa. 
A função dos píons é "concretizar" o papel do "campo de forças" nuclear, ou 
seja, o campo nuclear análogo aos campos elétricos, magnéticos e gravitacionais. A 
proposta era substituir o campo pelas partículas mediadoras virtuais indetetáveis (os 
píons), que fariam o serviço de provocar atração entre as partículas, através da troca 
de momento de uma partícula para outra. Esta proposta ousada foi confirmada em 
1947, quando experimentos com raios cósmicos revelaram a presença de píons reais 
(não mais virtuais, e portanto detetáveis). 
Assim, o potencial entre dois nêutrons, conforme a ideia de Yukawa, é 
proporcional a 
e
−rmc
!
r [2] 
sendo r a distância entre as partículas. Só isto já explica o alcance curto da interação. 
A interação por intermédio de partículas virtuais parece exigir uma estranha 
capacidade de previsão por parte da partícula emissora, que deveria "saber" quando a 
outra partícula vai estar em alcance para receber a partícula mediadora sem que seja 
possível detetá-la. Como isso não faz sentido (a recepção não deve influenciar o 
instante de emissão), propôs-se que os nêutrons e prótons estão cercados por 
"nuvens" de píons virtuais, eternamente sendo emitidos e desaparecendo antes de 
atingirem o limite do alcance. O aparecimento e desaparecimento da partícula 
mediadora não modifica o estado da partícula emissora, porque o Princípio de 
Incerteza proíbe a deteção de mudanças desse tipo. Entretanto, isso não equivale a 
dizer que as partículas virtuais não fazem nenhuma diferença, como se não 
existissem. De fato, as medidas de momento magnético de prótons e nêutrons são 
diferentes do que a teoria sem nuvens prevê, e compatíveis com a existência de píons 
virtuais. 
Experimentos de espalhamento próton-nêutron em colisão direta resultaram 
em iguais probabilidades de desvio em ângulos suplementares, ou seja, pequenos 
ângulos e grandes ângulos são igualmente muito prováveis, assim como o ângulo de 
90° tem a menor probabilidade de ocorrer. Isso implicaria que as probabilidades de 
pequenos desvios (pequenas mudanças de momento) são as mesmas de grandes 
desvios (grandes mudanças em momento), e maiores que as de ângulos intermediários 
(mudanças moderadas de momento), o que é muito difícil de acomodar em qualquer 
teoria de colisão. O fato de serem exatamente as mesmas probabilidades para ângulos 
suplementares, e das pequenas trocas de momento esperadas (prótons e nêutrons 
possuem quase a mesma massa), levou à proposta de que nêutrons e prótons podem 
converter-se um no outro através da troca de píons carregados, de modo que em 
metade dos experimentos a transformação de próton em nêutron e vice-versa fazia 
crer (erroneamente) que os ângulos grandes de desvio eram realmente do próton (ou 
nêutron) original, ao invés de considerar que foi um pequeno desvio mas com troca de 
tipo de partícula. Veja esquemas dessas trocas de píons nas figuras abaixo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Repare que, embora no decaimento beta exista a conversão de próton em 
nêutron ou vice-versa, aqui não há emissão de elétrons ou neutrinos, e ocorre 
simultaneamente com um par de partículas, ao invés de apenas uma. Daí conclui-se 
que são fenômenos bastante distintos. 
Prótons e nêutrons possuem spin 1/2, assim como os elétrons. Nos 
esquemas das figuras acima, vemos que a troca de píon entre dois núcleons não 
produz partículas com mais ou menos spin, de modo que o spin dos píons deve ser 0. 
Píons reais são muito instáveis. O píon neutro decai em 2 fótons, com vida 
média da ordem de 10-15 s , enquanto os píons carregados decaem em múon e 
neutrino, com vida média de 10-8 s . A diferença gritante nos tempos de decaimento, 
junto com os tipos de partículas resultantes, apontam para processos de tipos 
inteiramente diferentes.

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