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POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE Daniella Cristina Bosco Luis Carlos Gruenfeld 2 SUMÁRIO 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: TEMAS INTRODUTÓRIOS ....................................... 3 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS EM PERSPECTIVA .................. 15 3 CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – CONCEITOS FUNDAMENTAIS ............. 25 4 PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................ 32 5 PROCESSOS DE DECISÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS . 40 6 PROCESSOS DE AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................................................................. 46 3 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: TEMAS INTRODUTÓRIOS Hospitais, postos de saúde, escolas, pontes, estradas, acesso à saúde, educação, segurança, ou seja, o acesso aos nossos direitos sociais se materializa a partir da mediação de serviços disponibilizados à população por meio de políticas públicas. Nesse bloco, iniciaremos nossa trajetória de estudo sobre políticas públicas, procurando definir o que são as políticas públicas, qual o sentido que o público assume na contemporaneidade e entender a construção desse campo de conhecimento. Para um gestor atuar na gestão pública, adentrar na complexidade desse campo é fundamental. 1.1 Politics e Policy – Introduzindo o conceito de Políticas Públicas Quando pensamos em políticas públicas, é comum que programas sociais de grande escala assumidos por alguns governos, como “Fome Zero” ou “Comunidade Solidária”, venham rapidamente à nossa mente. Compreendidos como políticas públicas de nível estratégico, os programas citados se constituíram por agregar um conjunto de ações para combater a fome e a miséria com o objetivo de reduzir a desigualdade econômica e social no Brasil. Devido à robustez de suas diretrizes em nível estratégico, técnico e operacional, esses programas sociais se tornaram marcas de governos passados, sendo rapidamente associados às gestões que os deram forma. Pensando dessa maneira, podemos rapidamente definir que políticas públicas são atividades que partem do Estado e são executadas pelo governo, ou seja, uma política pública seria o resultado de um processo no qual o governante tem uma intenção e, a partir disso, os atores do governo encaminham as ações necessárias para que o objetivo dos governantes seja realizado. Nesse sentido, uma política pública seria, em última instância, o Estado e o governo em ação. Mas será que a efetivação de uma política pública se concentra apenas na intenção e na orientação de um governo, ou dos atores estatais? Será que para que uma política pública seja implementada são necessárias apenas a vontade e a ação dos governantes e dos funcionários associados ao governo? Para tentarmos responder a essas perguntas, é preciso, logo de partida, discutir os sentidos que o termo política assume na língua portuguesa. Conceito que possui um amplo e diversificado uso, na maior parte das vezes o termo política é associado com o processo eleitoral, ou com os jogos governamentais dos políticos. A literatura especializada do campo das políticas públicas recorre a dois termos da língua inglesa – 4 politics e policy – para diferenciar e esclarecer os dois sentidos que o termo política carrega em nossa língua. O termo politics re ere-se ao con un o de in era es ue de nem m l plas es ra gias en re a ores para mel orar seu rendimen o e alcan ar cer os o e vos e ere-se pol ca en endida como a cons ru o do consenso e lu a pelo poder. Desse modo, podemos nos re erir pol ca de uma organi a o, de uma empresa, de um clu e, de uma am lia ou de um grupo social espec co am m pode se re erir carreira pro ssional de um pol co, ue por suas a udes usca o er e ampliar sua in u ncia. A dedica o pol ca, nesse sen do, reme e a uma a vidade ue em regras de ogo espec cas din mica par dária e elei oral e um es lo pr prio in eresse pelo p lico e a ri u os de lideran a). O termo policy (cujo plural é policies) é entendido como ação do governo. Constitui atividade social que se propõe a assegurar, por meio da coerção física, baseada no direito, a segurança externa e a solidariedade interna de um território específico, garantindo a ordem e providenciando ações que visam atender às necessidades da sociedade. A política, nesse sentido, é executada por uma autoridade legitimada que busca efetuar uma realocação dos recursos escassos da sociedade. Nesse caso, a política pode ser adjetivada em função do campo de sua atuação ou de especialização da agência governamental encarregada de executá-la. Desse modo, podemos nos referir à poliítica de educação, saúde, assistência social, agrícola, fiscal etc., ou seja, produtos de ações que têm efeitos no sistema político e social. Na língua portuguesa existe somente um termo para referir-se ao conjunto de todas essas atividades descritas pelos dois termos anglo-saxões, em função disso se adota a tradução do ermo policy por “poli icas p licas” para re erir-se ao conjunto de atividades que dizem respeito à ação do governo. (Dias e Matos 2012, p. 2) Secchi (2010), tratando do tema, associa o termo Politics com atividade e competição política e Policy com orientação para a decisão e ação. Sinteticamente, pode-se considerar que politics e policy são palavras que possuem sentidos totalmente diferentes: politics está relacionado aos jogos de convencimento e persuasão que os políticos fazem para alcançar determinado objetivo – votos a favor de um dado projeto no Congresso Nacional, por exemplo. Policy, por outro lado, se refere ao processo de formulação, tomada de decisões e implementação de propostas que visam melhoria de condições da população. Nesse sentido, podemos afirmar que o conceito política pública corresponde, em Língua Portuguesa, ao sentido de policy. e omando o exemplo do programa “Fome Zero”, podemos ver ue a associa o ue comumente fazemos entre política pública como responsabilidade única do governo é aqui ampliada. Como veremos mais adiante, essa ideia está profundamente ancorada 5 na tradição autoritária do Estado brasileiro, o qual, por meio de um modelo centralizador de gestão pública, acabou por promover a crença de que políticas públicas são ações diretas de um governo. Na verdade, podemos afirmar que, atualmente, as políticas públicas correspondem menos à ideia de gestão governamental e mais a uma construção do interesse público por atores do Estado e da sociedade civil. Queiroz (2012) trabalha com um conceito bastante flexível da expressão política pública, com possibilidade de uso em diferentes formas e contextos, não se limitando ao processo de tomadas de decisão, mas também ao próprio resultado desse processo. Nesse sentido destaca o alcance de uma política pública: Uma política pública envolve conteúdos, instrumentos e aspectos institucionais. Os conteúdos são os objetivos expressos nas políticas públicas. Os instrumentos são os meios para se alcançar os objetivos enunciados e os aspectos institucionais necessários, incluindo modificações nas próprias instituições. Pode envolver, além dos órgãos públicos, as entidades não governamentais e as empresas privadas. (QUEIROZ 2012, p. 96) Assim, as políticas públicas compreendem todos os meios disponíveis para cumprir com o que está disposto na Constituição Federal e assim defender a liberdade e os direitos dos cidadãos. 1.2 O público das Políticas Públicas Na seção anterior, vimos como o sentido do termo anglo-saxão policy colabora para ampliar a compreensão do termo política pública para além de uma atividade meramente governamental. Neste momento, iremos aprofundar nossa discussão, pro lema i ando a no o de “p lico” nessa área de con ecimen o: por ue, uando nos referimos auma política como policy, qualificamos como pública? Leonardo Secchi descreve política pública como “uma dire ri ela orada para en ren ar um pro lema p lico” SECCHI, 2010, p 4 Nessa perspec iva, as pol icas p licas estão diretamente relacionadas com a transformação da realidade e pressupõem uma intervenção – que pode se configurar como programas ou projetos –, expressando sempre uma mudança em uma situação preexistente. 6 “Uma política pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante”. (SECCHI, 2010, p. 5, grifo do autor) Segundo Secchi (2010), um problema, para ser considerado público, deve ser entendido como coletivamente relevante, assim como ter implicações para uma quantidade e qualidade notável de pessoas. A figura abaixo representa es uema icamen e a ideia de ue o pro lema p lico “ a di eren a en re a si ua o a ual e a si ua o ideal poss vel para a realidade p lica” SECCHI, 2010, p. 9). Figura 1.1: Representação da noção de problema público, na definição de Secchi (2010). A pol mica do “vag o rosa” No Brasil, a adoção da política de transporte exclusivo se deu pela primeira vez no ano de 2006, na cidade do Rio de Janeiro, por meio da Lei Estadual 4733/2006. De acordo com essa lei, os sistemas de metrô e trens fluminenses teriam que separar um vagão exclusivo para mulheres nos horários de pico, nos períodos da manhã e do final da tarde. A política se expandiu para outras capitais, como Belo Horizonte, Bras lia e eci e Ca e ressal ar ue na cidade de eci e o pro e o “Vag o osa” durou menos de seis meses. STATUS QUO Situação atual SITUAÇÃO IDEAL POSSÍVEL PROBLEMA 7 Polêmica, a política de transporte exclusivo divide diferentes segmentos da sociedade. Os principais argumentos contrários a essa política são de que a mesma é segregatória, culpabilizando a vítima da violência ao apartá-la. Os defensores, por outro lado, declaram que, ainda que tenha caráter provisório, os vagões exclusivos criam espaços seguros e podem contribuir, a médio e longo prazo, para a conscientização da população em geral sobre a violência contra mulheres. Fontes consultadas: DOMINGOS, Alckmin ve a cria o de “vag o rosa” nos rens e no Me rô de SP G1, São Paulo, 12 ago. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/08/alckmin-veta-criacao-de-vagao- rosa-nos-trens-e-no-metro-de-sp.html Se pensarmos no caso dos vagões exclusivos disponibilizados para mulheres nos horários de pico como a forma de operacionalização de um programa de prevenção e combate ao assédio sexual a mulheres nos transportes públicos, podemos caracterizar os serviços de vagão único enquanto um exemplo de política pública que partiu de um problema público: a violência sexual contra mulheres nos sistemas de transporte. Dessa maneira, ao aplicarmos o diagrama apresentado acima ao caso do Vagão Rosa, visualizaremos a seguinte figura: Figura 1 2: represen a o do caso “vag o rosa” ao diagrama de Leonardo Secc i 2010 Fonte: Secchi (2010). PROBLEMA As mulheres sofrem assédio e violência sexual ao utilizar trens e metrôs STATUS QUO Trens e metrôs não são seguros para a população feminina SITUAÇÃO IDEAL POSSÍVEL Criação de vagões exclusivos para mulheres 8 Vale lembrar! Um problema só se torna público quando os atores intersubjetivamente o consideram problema (situação inadequada) e público (relevante para a coletividade). 1.3. Políticas Públicas: os agentes em foco O caso dos vagões rosa nos possibilitou compreender o problema público a partir de sua dimensão coletiva. No entanto, falta-nos discorrer sobre os agentes envolvidos nesse processo de implementação de uma política. Secchi (2010) afirma que, na discussão acadêmica sobre políticas públicas, existem alguns “n s concei uais”, derivados da própria natureza da produção científica. Um deles refere-se à caracterização dos atores envolvidos no estabelecimento de políticas públicas, que leva a duas abordagens distintas: a abordagem estatista e a abordagem multicêntrica. O quadro a seguir sintetiza as principais características dessas duas abordagens. Atores envolvidos Decisões e Ações Dimensão “p lica” Abordagem Estatista As políticas públicas são de exclusividade de atores estatais. Estão concentradas na autoridade do Estado. O público está na estrutura legal dos procedimentos e processos institucionais governamentais. 9 Abordagem Multicêntrica As organizações privadas, organizações não governamentais, redes de políticas públicas juntamente com os atores estatais são protagonistas no desenvolvimento de políticas públicas. Existem múltiplos centros de tomada de decisão. As iniciativas e decisões têm múltiplos centros de origem. O público está na qualidade do problema, ou seja, quando o problema que se tem a enfrentar é público. Quadro 1.1: Abordagem Estatista e Abordagem Multicêntrica, com base em Secchi (2010). Fonte: elaborado pela autora. Se analisarmos com cuidado as definições presentes no quadro 1.1, veremos que a diferença fundamental entre a abordagem estatista e a abordagem multicêntrica é o foco: na a ordagem es a is a, as pol icas p licas s o um pro lema “pol ico”, ou se a, o foco está na formulação e execução dos processos por atores enquanto membros do governo; na abordagem multicêntrica, são políticas públicas as intervenções que focalizam problemas, por definição, públicos. Nossa experiência democrática nos mostra que a abordagem multicêntrica contempla melhor a presença de atores estatais e não estatais na esfera pública, pois o estudo de casos ao longo das últimas décadas ilustra o abandono da concepção e da prática do Estado como único financiador e gestor das políticas sociais no Brasil. As favelas do Rio de Janeiro e as ONGs As favelas cariocas são conhecidas pela sua história, pela densidade de sua população e pelo contraste que criam na paisagem urbana por sua proximidade dos bairros nobres. Outro aspecto também relevante quando falamos sobre as favelas da cidade do Rio de Janeiro diz respeito à atuação de ONGs nesses espaços. 10 O início das ONGs pode ser localizado nos anos finais da década de 1960, momento no qual o Brasil passava por uma ditadura militar. A principal característica dessas entidades à época era o financiamento, que contava com capital de agências internacionais. Os anos de 1980 são muito férteis para o aparecimento das ONGs: enquanto na década de 1970 registrou-se a existência de mais ou menos 16% de ONGs, na década de 1980 verificou-se a fundação de aproximadamente 57% de entidades. No contexto das décadas de 1970 a 1980, a criação de ONGs foi um fato bastante relacionado com a resistência e a luta contra as injustiças impostas pelo Estado, buscando desenvolver projetos que visavam o fortalecimento dos movimentos populares. Com a década de 1990, a reforma do aparelho estatal operada pelo ex- presidente Fernando Henrique Cardoso dá outra dimensão à atuação dessas entidades. Assim, tendo a perspectiva neoliberal como plano de fundo, as políticas públicas passaram a ser reorientadas a partir desse novo modelo de gestão, que passa a incentivar as parcerias em âmbito local por meio da criação de organizações privadas para implementação de políticas sociais. Para saber mais: HAYES, R. ONGs comunitárias das favelas preenchem as lacunas do sistema educacional do Rio. Blog Combate Racismo Ambiental,5 dez. 2016. Disponível em: <https://racismoambiental.net.br/2016/12/05/ongs-comunitarias-das-favelas- preenchem-as-lacunas-do-sistema-educacional-do-rio/>. Acesso em: 2 maio 2019. O exemplo do quadro reforça a ideia do caráter multicêntrico relativo ao protagonismo dos agentes no processo de formulação e implementação de políticas públicas: as organizações não governamentais, enquanto atores não estatais passam a serem peças centrais na oferta e prestação de serviços antes considerados como exclusivos do poder público. Nas últimas décadas, é possível vermos, então, parcerias entre governo e ONGs com o objetivo de executar programas estatais. 11 1.4. “Policies determine politics” – Modelos de Análise de Políticas Públicas A trajetória que percorremos até o momento permite realizarmos as seguintes afirmações: O conceito de políticas públicas pode ser compreendido se o relacionarmos ao termo anglo-saxão policy; Uma política pública é pública devido à natureza do problema a partir do qual ela é pensada, ou seja, se o problema público é coletivamente relevante; Pensar a formulação e a implementação de uma política pública por meio da presença difusa de atores estatais e não estatais no espaço público tem mais coerência com a complexidade da sociedade civil atual. Diante disso, podemos dar mais um passo à frente, e pensar como a área de políticas públicas se constituiu como campo de conhecimento, ou seja, como o estudo sobre as relações entre a política e a ação do Poder Público se tornou uma disciplina acadêmica a partir da década de 1950. Inicialmente, é importante destacarmos que a temática das políticas públicas é o resultado de uma intersecção entre a Ciência Política e a Administração Pública (BUCCI, 2006). Assim, partindo de uma importante distinção entre o papel do Estado e a ação dos governos, a área das políticas públicas enfatiza, sobretudo, o estudo do mundo público. Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que usca, ao mesmo empo, ‘colocar o governo em a o’ e/ou analisar essa a o (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). (SOUZA, 2006, p. 26). “A ess ncia concei ual de políticas públicas é o problema público. Exatamente por isso, o que define se uma política é ou não é pública é a sua intenção de responder a um problema público, e não se o tomador de decisão tem personalidade jurídica estatal ou não estatal. São os contornos da definição de um problema público que dão à pol ica o ad e ivo “p lica” (SECCHI, 2010, p. 4, grifos do autor) 12 Theodor Lowi, estudioso da área de políticas públicas, é o autor da frase que melhor define o caráter das políticas públicas, resumido na seguinte afirmativa: policies makes politics. Traduzida para o português, temos: a política pública faz a política. Souza 2006 apon a ue “com essa máxima, Lowi uis di er ue cada ipo de política pública vai encontrar diferentes formas de apoio e de rejeição e que disputas em torno de sua decis o passam por arenas di erenciadas” 2006, p 28 Voc verá nos locos seguintes o quanto e de que maneira essa tipologia funciona na materialidade dos processos de produção das políticas públicas. É do mesmo autor a abordagem das arenas, a partir das quais foram definidas as seguintes categorias de políticas públicas: Políticas distributivas: são políticas que alocam bens ou serviços a um determinado seguimento da sociedade a partir do emprego de recursos arrecadados da coletividade como um todo. Exemplo: o benefício de prestação continuada, construção de escolas, hospitais, pontes, estradas etc. Políticas redistributivas: são normalmente polêmicas, pois distribuem bens ou serviços a grupos específicos da sociedade a partir do emprego de recursos de outro grupo. A reforma agrária é o melhor exemplo de política redistributiva, pois tem como princípio a desapropriação de terras não produtivas. Políticas regulatórias: constituem as políticas regulatórias aquelas que estabelecem condições para a realização de determinadas atividades públicas e/ou privadas. Os códigos de trânsito e ambiental são tipos de políticas regulatórias. Além das tipologias elaboradas por Lowi, existem outros modelos de análise de políticas públicas que procuraram formular respostas nessa área de conhecimento. O modelo garbage can, ou lata de lixo, foi desenvolvido por Cohen, March e Olsen na década de 1970. O conteúdo dessa abordagem é totalmente distinto do modelo de políticas de Lowi, por exemplo. O princípio do modelo garbage can considera que as instituições são formas anárquicas, que possuem pouca consistência e são orientadas por preferências. Nessa perspectiva, as organizações constroem as preferências para a solução dos problemas - ação - e não, as preferências constroem a ação. “O modelo advoga ue solu es procuram por pro lemas As escol as comp em um garbage can no qual vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos par icipan es medida ue eles aparecem” (SOUZA, 2006, p. 12) 13 Outra abordagem que buscou outro modelo explicativo para a análise de políticas públicas é a chamada coalização de defesa. Distinta das tipologias de Lowi e do modelo garbage can, a abordagem da coalização de defesa foi elaborado na década de 1990, por Sabatier e Jenkins Smith. Segundo os autores, os modelos anteriores possuíam pouca capacidade explicativa para contribuir para o entendimento das mudanças nas políticas públicas ao longo do tempo. Na perspectiva da coalização de defesa, as crenças, valores e ideias constituem as políticas públicas da mesma maneira que as demandas e as decisões sobre a alocação de recursos. 1.5. A influência das reformas da Administração Pública nos modelos de análise de Políticas Públicas As reformas na Administração Pública promovidas nas décadas de 1980 e 1990 exerceram significativo impacto nos processos de análise de produção de políticas públicas. Vimos que, a área de políticas públicas surgiu como campo do conhecimento na década de 1950, momento em que os países direcionavam suas políticas no interior do Estado de Bem-Estar Social. A transição para o modelo de Estado neoliberal, dessa maneira, produziu efeitos significativos nas teorias sobre políticas públicas. Novos conceitos emergem na cena neoliberal: redução do Estado, políticas restritivas, ajuste fiscal e gestão sobre resultados são temas que passam a fazer parte dos discursos dos atores governamentais. Porém, acima de tudo, eficiência se torna o principal objetivo das políticas públicas, sendo esta ideia baseada no reconhecimento da crise fiscal e ideológica do Estado. A partir da influência dos trabalhos dessa linha, passa-se a valorizar, acima de tudo, uma perspectiva de análise racional. “Apesar da acei a o de várias eses do “novo gerencialismo p lico” e da experimentação de delegação de poder para grupos sociais comunitários e/ou que representam grupos de interesse, os governos continuam tomando decisões sobre situações-problema e desenhando políticas para enfrentá-las, mesmo que delegando parte de sua responsabilidade, principalmente a de implementação, para outras ins ncias, inclusive n o governamen ais” (SOUZA, 2006, p. 12) 14 Conclusão Neste bloco, você teve a oportunidade de entrar em contato com os principais conceitos da área de políticas públicas. O objetivo desse bloco foi lançar as bases que subsidiarão as discussões que faremos nos blocos seguintes. Diante disso, é fundamental que, nesse ponto, você tenha compreendido que: A política pública possui o pressuposto de intervenção, ou seja, uma política pública sempre está relacionada à solução de um problema; O problema que desencadeia uma política pública deve sempre ser considerado coletivamenterelevante; Os processos das políticas públicas têm caráter multicêntrico. Nesse sentido, não só os atores estatais os responsáveis por promover políticas públicas. Referências BUCCI, M.P.D. O conceito de política pública em direito. In: Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico (Maria Paula Dallari Bucci, org.). São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 1-50. DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. olí cas públicas: princípios prop sitos e processos S o Paulo: Atlas, 2012. QUEIROZ, Roosevelt Brasil. Formação e gestão de políticas públicas. Curitiba: Intersaberes, 2012. (série gestão pública). SANTOS, Perla Cristina da Costa. Novos atores sociais na mediação favela e cidade: as organizações não governamentais (ONGs). Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007. SECCHI, L. (2010). Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. Sao Paulo: Cengage Learning. SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão de literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº16, jul/dez, 2006, p. 20-45. 15 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS EM PERSPECTIVA Caro aluno, Este bloco se constitui em um momento importante dos nossos estudos, pois neste momento você conhecerá como se deu a construção dos direitos sociais no Brasil ao longo da história. Problematizar a relação entre Estado, governo e população é essencial porque essa é a base da oferta das políticas públicas no Brasil. A história nos permite a compreensão crítica dessa relação, e ter uma postura crítica é requisito para o trabalho responsável de um gestor público. 2.1 Conceituando Direitos Sociais A relação entre políticas públicas e direitos sociais é bastante tênue, e precisar os limites entre os dois conceitos é um exercício árduo. Isso porque toda política social é uma política pública, mas nem toda política pública é uma política social. As políticas públicas atingem um espectro mais amplo do que as políticas sociais. Assim, é possível dizer que uma nova prática em política econômica, como a instituição do Plano Real no ano de 1994, constituiu-se também em uma política pública. Porém, na maioria das vezes, as políticas públicas estão relacionadas à busca pela garantia de direitos sociais de determinado segmento ou de toda a população. Mas o que são direitos sociais? Os direitos sociais fazem parte da conjuntura social e política dos Estados do século XX. De acordo com Bucci (2006), os direitos sociais foram criados para que os direitos humanos mais essenciais pudessem ser garantidos. Assim, a autora apresenta três categorias de direitos fundamentais: os direitos humanos de primeira geração, como o direito fundamental à liberdade de expressão; os direitos sociais, de segunda geração, como o direito à educação, à saúde, entre outros; e os direitos de terceira geração, como o direito ao meio ambiente. Para Bucci (2006), os direitos sociais também podem ser chamados de “direi os-meio”, pois por meio da garan ia deles ue os sujeitos podem ter acesso aos direitos humanos de primeira geração, ou undamen ais “Como poderia, por exemplo, um anal a e o exercer plenamen e o direito à livre expressão do pensamento? Para que isso fosse possível é que se formulou e se positivou nos textos constitucionais e nas declarações internacionais o direi o educa o … ” IDEM, 2006, p 03 16 Considerando a perspectiva adotada nessa disciplina, de que as políticas são públicas porque partem de um problema considerado coletivamente relevante, é importante pensarmos os direitos sociais face ao absenteísmo do Estado, e tentarmos compreender de que maneira o Estado brasileiro vem paulatinamente assumindo mais responsabilidades em relação aos direitos da população, sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração. Para finalizar, vamos conhecer o conceito de direitos sociais presente na Constituição de 1988. Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 2.2 Cidadania Limitada: a construção do Estado brasileiro Nossa análise sobre a relação entre o Estado, o governo e a população brasileira começa no século XIX. Isso se deve ao fato de o Brasil ter sido colônia de Portugal até 1822, não sendo uma nação independente. A preocupação em organizar um Estado com legislação e poderes autônomos, passou a ser uma realidade somente a partir de 1822, quando o Brasil adquiriu autonomia diante de Portugal sob a liderança de D. Pedro I. Assim, em 1824 foi promulgada a primeira Carta Constitucional brasileira e teve início a árdua tarefa em se delimitar cidadania social e política a uma população heterogênea, tanto econômica quanto socialmente. Sob bases liberais e na esteira das teorias europeias e estadunidenses de governo, as elites imperiais circunscreveram os limites dos direitos fundamentais à parcela da sociedade que possuía mais recursos econômicos e tradição cultural: os homens brancos e ricos. Ficaram excluídos de qualquer participação política as mulheres, os homens livres e pobres e os negros escravizados. A esfera ou o mundo público, dessa maneira, estava restrito a uma pequena parcela da população. Em termos de estruturação da base administrativa, somente no período republicano é que foram construídas as primeiras bases do Estado. O período republicano iniciou-se em 1889, quando teve fim o Império de D. Pedro II. Algumas alterações importantes foram realizadas, tais como a elevação das províncias para a categoria de estados, a implementação de uma nova bandeira e a promulgação de uma nova Constituição (1891). Essas medidas representaram a independência e a autonomia definitiva do Brasil diante das outras nações, uma vez que, mesmo tendo 17 deixado de ser colônia de Portugal em 1822, nosso país continuou a ser governado por membros da família real portuguesa e por pessoas diretamente relacionadas a ela. No período de 1822 a 1889, vigorou então um regime de governo monárquico e extremamente centralizador. Entre 1889 e 1930, o processo de industrialização foi crescente no Brasil, impulsionado por uma grande onda imigratória. Ainda assim, a base econômica e política do Brasil permaneceram predominantemente agrárias, pois a maior parte dos lucros vinha da exportação de produtos agrários (café, principalmente) e as relações políticas se davam por meio do coronelismo. Coronelismo O coronelismo é um fenômeno político da Primeira República (1889-1930). A força pol ica do “coronel” advin a da au onomia ue os governos ederal, es adual e municipal in am en re si Essa au onomia a principal carac er s ica da “pol ica dos governadores”, execu ada a par ir do presidente Campos Salles (1898-1902). Personagem amoso na drama urgia rasileira, o “coronel” era geralmen e um fazendeiro. Por ser o único elo entre a população e o Estado, o coronel desempenhava o papel de líder civil, pois organizava a vida política de sua vila e arraial garantindo que a população rural votasse no presidente do Estado em troca de apoio do governador à sua liderança e atuação política local. Fonte: elaborado pela autora. Em termos gerais, é possível verificar que entre os anos de 1822 a 1930 o Estado assumiu uma postura de absenteísmo em relação à previsão de direitos sociais para a maior parte da população. Esse período é marcado por algumas famosas revoltas sociais, como a revolta da Vacina e a Guerra de Canudos. Ainda assim, do avanço da industrialização, do surgimento de uma classe burguesa e do aumento da população urbana surgiu a necessidade de novas práticas de governo em relação às camadas populares. 18“A ues o social caso de pol cia, e n o de pol ica” Uma das mais famosas da República Velha, essa frase é atribuída a Washington Luís, presidente do Brasil no período de 1926 a 1930. O breve texto publicado pelo jornal O Estado de São Paulo resume sua biografia: “Washington Luís Pereira de Sousa foi o último presidente da chamada república velha brasileira. Ele nasceu no dia 26 de outubro de 1869 na cidade de Macaé, no Rio de Janeiro. Filho de um rico proprietário de escravos, Washington Luís estudou no Colégio Pedro II, na Faculdade de Direito de Recife e na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde se bacharelou em 1891. Foi eleito deputado federal em 1904 e assumiu a Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo um ano depois. Em 1913, foi escolhido pelos vereadores para ser prefeito da cidade de São Paulo, tendo retornado ao cargo em 1917, por voto direto. Mandou gravar nos brasões da cidade o lema “Non ducor, duco” “n o sou condu ido, condu o” , recuperou as inan as da capi al e construiu estradas municipais. Entre 1920 e 1924, Washington foi presidente do estado de São Paulo, onde investiu, sobretudo, na construção de rodovias. Ao deixar o governo foi eleito senador estadual e, depois, senador federal. Washington Luís foi eleito presidente para o quatriênio 1926-1930, tendo sido indicado pelas influentes oligarquias nacionais, orien adas pelo pac o do “ca com lei e” Was ing on oi elei o por voto direito, sem concorrentes, e governou de forma autoritária. Em seu governo, negou-se a conceder anistia aos revoltosos da Coluna Prestes e da insurreição paulista de 1924. Implementou, no final de 1926, uma reforma monetária que instituiu o cruzeiro como nova moeda da república. Em 1927, aprovou a lei celerada, que ampliava a regulação da mídia e cerceava o direito de reunião. O alvo do presidente era, sobretudo, o movimento operário – o que talvez explique porque lhe atribuíram a rase “a ues o social um caso de pol cia” Promulgou, no en an o, a primeira lei de acidentes no trabalho, além da lei que instituía tribunais rurais para julgar questões relativas a contra os de servi os agr colas … ” Fonte: https://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,washington- luis,566,0.htm 2.3 Ampliação de Direitos: um breve respiro democrático O ano de 1930 representa um momento de importante mudança da história do Brasil. É a ri u do a esse ano um marco “didá ico” na ra e ria do pa s, pois com a evolu o de 1930, o Estado brasileiro adquire outra racionalidade em relação à administração do espaço público e da sociedade civil. 19 Indubitavelmente, o governo de Getúlio Vargas introduziu alterações relevantes na maneira de se praticar a política e de organizar o Estado. Realmente, as transformações geradas a partir de 1930 são tão polêmicas quanto as repercussões das práticas autoritárias de Getúlio. Vamos conhecê-las. Em contraposição ao modelo oligárquico e rural que o Estado brasileiro assumiu entre 1822 a 1930, Getúlio Vargas procurou construir um Estado com bases modernas ao tomar posse como presidente da República após Revolução de 1930. Assim, uma importante marca de seu governo foi a burocratização do Estado, ou a implementação do modelo burocrático de administração pública. Com esse modelo, passa a ocorrer uma profissionalização da administração pública, cuja principal característica é o recrutamento via concurso público e a promoção por mérito. A partir de 1931, é possível verificar uma ampliação das margens da cidadania social e política, e assim uma camada maior da população passa a ter direitos reconhecidos pelo Estado, tais como direito de voto às mulheres, criação de institutos de aposentadoria e instituição do salário mínimo. Abandonando o caráter liberal do Estado praticado pelos governantes da República Velha, a partir de 1930 vemos que o Estado brasileiro assume contornos modernos com uma diretriz fortemente centralizadora, ou seja, assume para si a responsabilidade de gestão das relações entre o capital e o trabalho (a criação da Lei de Sindicalização, de 1931, é um exemplo), assim como a responsabilidade sobre a administração da economia e da criação de uma indústria de base. A criação do Ministério da Educação - MEC A primeira lei de instrução pública do Brasil data de 1827. Já no Primeiro Reinado e no Segundo Reinado é possível verificar importantes práticas de instrução e a organização do ensino primário e secundário em nosso país. Porém, no governo imperial, a instrução pública e a fiscalização dos variados estabelecimentos de ensino ficavam sob a responsabilidade de agentes vinculados à pasta do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Somente em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, por meio do decreto nº 19.402, em 14 de novembro de 1930. Em 1953, as responsabilidades sobre a saúde pública foram retiradas dessa pasta, surgindo então o Ministério da Educação e Cultura (MEC). Fonte: Elaborado pela autora. 20 O per odo de 1930 a 1945 am m con ecido como “Era Vargas” ou “Di adura Vargas” Isso por ue, nesse per odo, Ge lio governou inin errup amen e duran e quinze anos, e utilizou muitas vezes, meios autoritários para realizar algumas medidas. Por isso, existe a polêmica atribuída por muitos historiadores a essa fase de nossa história, pois, ao mesmo tempo em que vemos muitos avanços e a emergência de outra racionalidade política, é possível visualizar também prisões e perseguições de adversários ao governo Vargas. Os anos de 1945 a 1964 são considerados pela historiografia um breve período democrático, localizado entre duas fases marcadas pelo autoritarismo (1930 a 1945 e 1964 a 1985). O governo mais conhecido desse período foi o conduzido pelo presidente Juscelino Kubitscheck, eleito democraticamente em 1955 e desenvolvido de 1956 a 1960. JK foi responsável pelo aguçamento do processo de industrialização nacional por meio da política de substituição de importações e do desenvolvimento de seu Plano de Me as, cu o lema era “50 anos em 5” No final desse período, entre 1961 e 1964, João Goulart assumiu o governo após a renúncia do presidente Jânio Quadros. João Goulart, ou Jango, havia sido ministro do Trabalho, Indústria e Comércio de Getúlio Vargas e vice-presidente no governo de Juscelino Kubitscheck. No governo de João Goulart houve a tentativa de implemen a o das c amadas “re ormas de ase”, um con un o de a es ue par iam do Estado e procuravam garantir direitos sociais a um amplo espectro da população nunca antes considerado por nenhum anterior. O quadro abaixo resume alguns pontos principais das “re ormas de ase” Reforma Agrária Tinha como objetivo promover a democratização da terra, estendendo ao campo os principais direitos dos trabalhadores urbanos. Para que essa reforma ocorresse, era necessária a alteração constitucional. Reforma Educacional Tinha como objetivo o combate ao analfabetismo e a valorização do magistério. Foi nesse período que o trabalho de Paulo Freire e a experiência de Angicos ficaram conhecidos. Reforma Fiscal Tinha como objetivo aumentar a capacidade de arrecadação do Estado e promover a justiça fiscal. Reforma Bancária Tinha como objetivo ampliar o acesso ao crédito pelos produtores. Quadro 3: Principais aspec os da “re orma de ase”, de Jo o Goular Fonte: Elaborado pela autora. 21 Não é preciso muito esforço para concluir que, diante da apresentação do conjunto de reformas proposto por João Goulart, o mesmo foi considerado comunista pelos segmentos mais conservadores da sociedade da época. Assim, em 31 de março de 1964, os militares tomaram o poder e uma nova etapa na história de nosso país teve início. Apesar do breve período em que governou e de ocupar uma posição mais secundária nos livros de História, JoãoGoulart teve uma participação relevante na chamada “ ues o social”, e na maneira como seu governo a enca e ou A repor agem a aixo ilustra esse fato. Jango foi pioneiro da transformação social do país, afirma Tarso em São Borja Publicação: 13/11/2013 às 11h33min Quase 37 anos após a morte de João Goulart, peritos realizam nesta quarta-feira (13), em São Borja, a exumação dos restos mortais do ex-presidente. O trabalho vai esclarecer a causa da morte de Jango, cercada de questionamentos políticos e históricos. O governador Tarso Genro e os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, acompanharam durante a manhã o início dos trabalhos. “ epresen o a ui o povo ga c o para pres ar uma homenagem ao presidente e também estabelecer uma relação com a família. Saber a causa da morte se foi acidental ou se foi resultado de uma ação criminosa, é um direito que a família tem, e este é o princípio elementar que nos traz aqui|, afirmou o governador” Acolhido pelo presidente no exílio, Tarso lembrou suas razões pessoais para omenagear Jango: “Meu pai in a rela es pol ica e de ami ade in ensas com ele Isso também é um resgate histórico. É preciso esta atenção que o poder público, a sociedade e imprensa dão para uma pessoa que foi um grande presidente do Brasil, e que à sua época levantou reformas importantíssimas. Jango foi pioneiro de um grande processo de transformações sociais que redundou na constituição de 1988, na normalização democrática e num projeto hoje de democratização da vida pública e de desenvolvimen o para o nosso pa s” … Fonte: https://estado.rs.gov.br/jango-foi-pioneiro-da-transformacao-social-do-pais- afirma-tarso-em-sao-borja 22 2.4 Militarismo e Governo Centralizado: a ditadura de 1964 Após a deposição do presidente João Goulart, um novo período teve início. Os anos de 1964 a 1985 foram anos marcados por práticas de governo autoritárias. Ao longo dos governos dos presidentes militares foi adotada uma política econômica com foco em investimentos na indústria e no crescimento da economia Em relação à Administração Pública, é importante ressaltar que, nesse período foi criada a administração indireta, formalizada por meio de autarquias, fundações e empresas de economia mista. Essas empresas estatais tiveram total aderência ao crescimento econômico que ocorria no Brasil à época, e permitia agilizar os procedimentos administrativos e financeiros, pois não estavam vinculadas ao sistema da administração direta. O crescimento econômico nesse período foi notável, mas também o endividamento externo do país. Dessa maneira, os inegáveis avanços na economia foram acompanhados de custos que desequilibraram as contas públicas e fizeram com que a dívida externa alcançasse altos índices, produzindo na realidade social uma recessão que não permitiu mais a sustentação do regime político militar. 2.5 Democracia: a caminho da universalização dos direitos sociais Desde 1985 podemos dizer que vivemos um período no qual vigora um Estado democrático de direito. A Constituição de 1988, sétima Carta Constitucional do Brasil, trouxe em seu texto a garantia de direitos fundamentais à população brasileira, universalizando o acesso à educação e à saúde, por exemplo. Dessa maneira, após um longo período no qual os limites do Estado foram marcadamente reduzidos e acabavam por excluir a maior parte dos segmentos da sociedade, no início da década de 1990 foram promovidas políticas econômicas e sociais que estabilizaram a economia ampliaram o acesso à cidadania para os mais pobres. Com o início do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Plano Real (iniciado ainda no mandato do presidente anterior, Itamar Franco) trouxe estabilidade ao longo histórico de altos índices inflacionários e descontrole das contas públicas. Fernando Henrique promoveu a importante reforma da Administração Pública na qual o modelo de administração passou do modelo burocrático para o modelo gerencial. Essa reforma foi conduzida pelo então ministro da Administração, Luis Carlos Bresser Pereira. Dentre todas as suas características, é importante ressaltar a relevância dada ao papel das organizações sociais na gestão dos órgãos públicos, realidade hoje em alguns se ores da a ividade p lica Bresser Pereira c ama essa dimens o de “p lico n o es a al” 23 Outra importante característica dos oito anos de governo de FHC foi o processo de desestatização, o qual, por meio das privatizações, colocou fim ao monopólio estatal sobre as atividades de telecomunicações, energia, e siderurgia. Em relação à questão social, durante o governo FHC na década de 1990, também é poss vel veri icar mui os avan os, com a implemen a o do programa “Comunidade Solidária”, por exemplo Pela primeira ve , oi desenvolvida uma pol ica p lica ue tinha como objetivo realizar a transferência direta de renda para famílias que garantissem a contrapartida de manter seus filhos na escola. Esse sistema foi mantido em vigor duran e o governo Lula, so o nome de “Fome Zero” O o e ivo dos programas de transferência de renda é romper com o ciclo de pobreza, por meio da garantia do acesso e permanência na escola das crianças de famílias em situação de extrema pobreza. No governo Lula (2003 a 2010), a política econômica não rompeu o processo de crescimento iniciado com Fernando Henrique Cardoso, e acabou por incrementar o poder de crédito e compra dos mais pobres, com a instituição de operações de crédito consignado em folha de pagamento, a facilitação do mecanismo de alienação fiduciária de imóveis e veículos e incentivo ao microcrédito, por exemplo. No campo social, as políticas públicas estiveram bastante associadas às políticas sociais: a partir da década de 2000, foi crescente o aumento de políticas públicas destinadas a setores mais minoritários da população, como deficientes, negros, mulheres, indígenas, homossexuais, transexuais, entre outros. Conclusão As discussões realizadas neste bloco tiveram como objetivo problematizar as relações entre o Estado brasileiro, os governos vigentes e a população. Nesse sentido, colocar as práticas governamentais em perspectiva histórica permite verificar em que medida o Estado veio promovendo políticas públicas capazes de abarcar a totalidade da população. Vimos que esse processo de universalização dos direitos sociais é bastante recente, e apenas em poucos momentos anteriores ao período democrático a questão social foi considerada pelas elites políticas. Ter essa clareza é fundamental, pois a partir do bloco três, estudaremos as políticas públicas por meio da abordagem do Ciclo de Políticas. Assim, é importante que você saiba que o espaço de debates públicos que possuímos hoje, amplo, heterogêneo e essencial para a construção da agenda, é uma conquista recente e que não podemos abrir mão. 24 Referências BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 5 OUT. 1988. Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Capítulo II: Dos Direitos Sociais. Art. 6º. Dispõe sobre os direitos sociais do cidadão. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BUCCI, M.P.D. O conceito de política pública em direito. In: Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico (Maria Paula Dallari Bucci, org.). São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 1-50. ROLDÃO, Daiane. Governo do estado Rio Grande do Sul. 13 nov. 2013. Jango foi pioneiro da transformação social do país. Disponível em: <https://estado.rs.gov.br/jango-foi-pioneiro-da-transformacao-social-do-pais-afirma- tarso-em-sao-borja> Acesso em: 10 MAIO 2019. WASHINGTON Luís. Acervo Jornal Estado de São Paulo. Disponível em: <https://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,washington-luis,566,0.htm> Acesso em: 10 maio 2019. 25 3 CICLODE POLÍTICAS PÚBLICAS – CONCEITOS FUNDAMENTAIS Caro aluno, Neste bloco, iniciaremos um estudo mais específico no campo das políticas públicas. A partir deste momento, você terá a oportunidade de conhecer os principais modelos de análise dessa área e ter contato, de maneira aprofundada, com as diferentes etapas do Ciclo de Políticas. 3.1. Modelos de abordagem de Políticas Públicas – uma questão de ênfase Quando estudamos políticas públicas, é possível verificar que existem diferentes abordagens para tentar compreender e explicar um fenômeno. Isso ocorre porque a área de políticas públicas é um campo do conhecimento que trata, essencialmente, sobre as relações entre a política e a ação do Poder Público. Como vimos no Bloco 1, a temática das políticas públicas é o resultado de uma intersecção entre a Ciência Política e a Administração Pública (BUCCI, 2006), que ganhou seus principais contornos nos EUA. Diferentemente da linha adotada nos países europeus, os estudos sobre políticas públicas se concentraram diretamente na ênfase à ação dos governos, prescindindo da análise sobre o papel do Estado em uma dada realidade. O Todo e as Partes De acordo com Celina Souza (2006), as definições de políticas públicas assumem, em geral, uma visão holística do tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologias e interesses contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores. Diferentes paradigmas de análise existem no estudo de políticas públicas. Isso quer dizer que, a capacidade explicativa nesta área é bastante variada, sendo que podemos destacar alguns modelos principais: modelo institucional, política racional, incremental e sistêmico. 26 Modelo institucional: nessa abordagem, o foco dos processos de produção das políticas públicas é colocado no Estado, com descrição abundante sobre a estrutura e organização das instituições governamentais. Pouca ou nenhuma ênfase é dada ao conteúdo da política. Modelo da política racional: essa perspectiva assume a noção de política como o cumprimento eficiente de metas. Dessa maneira, eficiência é sinônimo de racionalidade, uma vez que o objetivo é sempre definido a partir de um cálculo entre os valores alcançados e os custos de realização. Modelo incrementalista: nessa abordagem, as políticas públicas não são entendidas como processos autênticos de um novo governo, mas como a continuidade de atividades governamentais passadas que recebem algumas modificações. Como consequência, as políticas são definidas a partir do reconhecimento da legitimidade de programas já estabelecidos. Modelo sistêmico: esse modelo apresenta maior complexidade, pois o foco de análise não está nem no Estado, nem na atividade governamental em si. Assim, o processo de produção de uma política pública é definido como uma resposta de um sistema político às forças geradas em um ambiente. A transformação de demandas em decisões implica, nessa perspectiva, na participação ativa da sociedade, que age como uma força que afeta a estrutura política. 3.2. Ciclo das Políticas Públicas – matriz teórica “Ciclo de Pol icas” ou “policy cycle” o modelo de análise mais divulgado na área de políticas públicas. As políticas públicas são entendidas como produto de um ambiente complexo e denso, marcado por tensas relações de poder que ocorrem entre atores estatais e não estatais. Essa abordagem pode contribuir para o trabalho do gestor público, pois identifica fases sequenciais no processo de produção de uma política. Na perspectiva do ciclo de políticas, o processo não é entendido como uma etapa linear, não sendo possível determinar claramente o ponto de partida ou a finalização de uma dada política pública. É possível identificar as seguintes etapas que compõem o ciclo de políticas: Formação da agenda: trata-se do reconhecimento de uma questão como problema político; Tomada de decisão: essa etapa compreende a apresentação de propostas para a resolução do problema político que foi incorporado à agenda governamental; 27 Implementação: momento em que as decisões tornam-se intervenção na realidade. Assim, as decisões deixam de ser intenções e passam por um processo de operacionalização, caracterizado pelo estabelecimento de rotinas administrativas e designação de funções específicas para alcançar o objetivo em questão. Dimensão importante da etapa de implementação é o monitoramento, entendido como um instrumento de gestão das políticas públicas que tem como função contribuir para a apreciação dos processos e resultados preliminares; Avaliação: apesar de pertencer à última fase da abordagem do ciclo de políticas, a avaliação se constitui como etapa fundamental no processo de produção de uma política pública, pois se concentra em julgar os resultados obtidos após a implementação da mesma. 3.3. Inputs e Outputs no processamento de políticas públicas Dentre todos os modelos de análise apresentados anteriormente, vimos que o modelo sistêmico permite que visualizemos como diferentes forças concorrem no processo de produção de uma política pública. A partir da consideração das etapas do ciclo de políticas podemos distinguir dois momentos fundamentais de influência dessas forças, input e output. Uma política pública se inicia, substancialmente, na forma de demandas. Essas se constituem como resposta a algum problema considerado coletivamente relevante, tal como: reivindicações de bens e serviços de transporte, saúde, educação, etc. A atuação de indivíduos ou grupos para afetar o sistema político a partir de suas demandas é compreendida como input. Os outputs, entretanto, estão relacionados aos processos de decisão e implementação da agenda, momentos em que ocorre o processamento dos inputs, ou alocação de valores do sistema político que assumem a forma de políticas públicas. 3.4. Stakeholders – quem são os atores políticos? Até o momento, discutimos as principais abordagens no campo de análise das políticas públicas, ressaltando o modelo sistêmico como mais adequado para abarcar a multiplicidade de forças externas ao sistema político que influenciam na formalização de uma política pública. Tendo avançado até esse ponto, nos cabe, neste momento, abandonar esse conceito mais genérico de forças, e localizar no interior do corpo social quem são os agentes que afetam e movimentam o sistema político de um país. 28 Relembrando… Vimos no Bloco 1: o que define uma política pública é o problema público. Nessa perspectiva, o estabelecimento de uma política pública se dá como uma resposta a um problema entendido como coletivamente relevante. Se aplicarmos o modelo do Ciclo de Políticas à concepção de demanda como um problema público, veremos que é possível encontrarmos diferentes atores interagindo em todas as fases do processo de implementação de uma política pública. Esse processo é marcado por níveis diversos de consensos e conflitos em torno do núcleo da política em questão. Os indivíduos que movimentam a cena pública em qualquer dimensão são chamados, na área de estudo de políticas públicas, stakeholders, ou atores políticos. Os atores políticos possuem características diferenciadas, e podem ser indivíduos, grupos ou organizações. A a ua o do Es ado em ual uer de seus n veis de in erven o pol co- administrativa ederal, es adual ou municipal implica o riga oriamen e a escol a de de erminadas al erna vas em ve de ou ras Há sempre uma mul plicidade de solu es poss veis para resolver ou ra ar de um pro lema, seja em termos de finalidades, de meios ou de con e dos Ca e ao governo xar prioridades, me as e o e vos a serem alcan ados Em ora se a o governo uem ormalmen e oma as decis es, á, na realidade, mui os a ores envolvidosEsses a ores ir o in uir so re o processo de decis o, defendendo seus in eresses e recursos an o ma eriais uan o ideol gicos A presen a dessa mul plicidade de a ores signi ca ue as decis es n o s o sempre as mais racionais ou as mais coeren es ue poderiam ser ado adas, mas, sim, o resul ado da con ron a o en re a ores diversos. (Dias e Matos 2012, p. 77) 29 Sobre inputs, outputs e atores políticos: a lei 10436/2002 A lei 10436/2002 é o documento que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua oficial da comunidade surda. Com a promulgação da Lei 10436/2002 e do Decreto 5626/2005, a comunidade surda brasileira conquistou uma série de garantias, tais como: a) a estruturação de uma educação bilíngue para surdos, com instrução em Libras como primeira língua e Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua; b) oferta de um ensino em Libras para surdos da Educação Infantil até o ensino superior; c) a previsão de formação de instrutores surdos e intérpretes de Libras d) a inclusão da Libras como disciplina curricular nos cursos de Fonoaudiologia e Pedagogia, assim como em todos os cursos de licenciatura ofertados em território nacional; Pertencente a um grupo historicamente minoritário, a língua de sinais sempre foi considerada um sis ema in erior, sendo descri a como “m mica” ou “ges os” Na educação promovida para as pessoas com surdez, a abordagem predominante eram os métodos orais, ou seja, práticas que tinham como objetivo fazer com os surdos aprendessem a falar. No horizonte das discussões que fizemos até o momento, nos cabe perguntar: como um sis ema de comunica o considerado “m mica” duran e s culos oi promovido nacionalmente ao status de língua em 2002? Brito (2013) aponta que essa importante conquista da comunidade surda foi o resultado de inputs iniciados por diferentes atores políticos desde o início dos anos 1990. Segundo o autor, o projeto de Lei que culminou no texto final tramitou no Congresso no período de 1996 a 2002, porém, teve início desde antes, quando dirigentes da Federação Nacional de Integração e Educação de Surdos – FENEIS apresentaram à senadora Benedita da Silva a demanda relacionada à oficialização da Libras, em 1993. Diversas estratégias que tinham como objetivo dar visibilidade a essa demanda da comunidade surda foram promovidas por diferentes atores políticos em espaços públicos variados: a divulgação de cursos de Libras para ouvintes, produção acadêmica sobre educação de surdos e a língua de sinais, a organização de passeatas para mobilizar a sociedade em torno da causa da militância surda, o ativismo de surdos no interior dos gabinetes de deputados e senadores com o objetivo de tornar a oficialização da Libras parte da agenda de políticas públicas do governo à época. 30 Figura – Logo do grupo Surdos Venceremos, criado em 1994 para defender as ideias da comunidade surda em relação à oficialização da Libras. Fonte: BRITO (2013). 3.5. Anos 1980: novos atores emergem no mundo público Em nossos estudos realizados no Bloco 1, vimos que associar uma política pública como uma ação direta e exclusiva do governo é resultante de uma tradição autoritária e conservadora de gestão pública praticada no Brasil. Predominantemente marcadas por uma concentração das decisões na esfera federal pelo menos até a década de 1980, praticamente não havia incorporação de diferentes atores nas políticas públicas que não fossem os atores governamentais políticos. Nessa realidade, a década de 1980 se apresenta como uma ruptura desse perfil de administração pública, pois nesse período o processo de redemocratização impôs a imperativa necessidade de revisão das bases fundantes do Estado brasileiro, incluindo nesse processo a importante ampliação dos processos decisórios. De acordo com Farah (2001, p. 119), participaram da definição dessa agenda os movimentos sociais e diversas categorias profissionais envolvidas na prestação de serviços públicos, cuja atuação os colocava em contato direto com a população atendida, como com os excluídos do atendimento estatal. Ao processo de formulação e implementação de políticas públicas, até então monopolizado pela esfera governamental, foram atribuídos novos arranjos que possibilitaram aos atores antes excluídos participarem das decisões e avaliações das políticas. 31 As redes são atualmente compreendidas como uma nova modalidade de atuação nas políticas públicas. Compartilhando de um objetivo comum, as redes possuem estrutura policêntrica e envolvem diferentes atores. Conclusão Neste bloco, você teve a oportunidade de conhecer os principais modelos de análise pertencentes à área do estudo de políticas públicas, dando principal enfoque ao modelo sistêmico. Ao mesmo tempo, você viu que o Ciclo de Políticas, ou Policy Cycle, é uma abordagem bastante produtiva para o gestor público, pois descreve o processo de produção de políticas públicas por meio de etapas – formação da agenda, formulação de alternativas, tomadas de decisão, implementação, monitoramento e avaliação. Aprofundou-se também na discussão relativa aos diferentes atores políticos envolvidos na produção de políticas do mundo público, finalizando com a visualização dos novos arranjos que contribuíram para a emergência de novos atores e novas formas de participação política após o processo de redemocratização. No Bloco 4, daremos continuidade aos nossos estudos aprofundando as características de cada etapa do Ciclo de Políticas. Referências BRITO, F.B. O movimento social surdo e a campanha pela oficialização da língua brasileira de sinais. Tese Doutorado - Programa de Pós-Graduação em Educação na Área de Concentração: Educação Especial. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo: s.n., 2013. p. 275. BUCCI, M.P.D. O conceito de política pública em direito. In: Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico (Maria Paula Dallari Bucci, org.). São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 1-50. DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. olí cas públicas: princípios prop sitos e processos S o Paulo: Atlas, 2012. FARAH, M.F.S. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no nível local de governo. Revista de Administração Pública (RAP), Rio de Janeiro, v. 35, n.1, p. 119-144, jan-fev. 2001. SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão de literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº16, jul/dez, 2006, p. 20-45. 32 4 PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Caro aluno, No bloco anterior, você entrou em contato com as principais noções relacionadas à abordagem do Ciclo de Políticas. Neste bloco, você terá a oportunidade de estudar em detalhes as características das duas primeiras fases desse modelo – a formação da agenda e a tomada de decisão. Você verá a importância dos inputs e dos atores políticos nesse processo, com destaque à multicentralidade das influências sobre as diretrizes que fundamentam políticas públicas. 4.1 Formação da agenda Quando determinado assunto se torna pauta de discussão constante em diferentes plataformas como jornais televisivos, mídia impressa e redes sociais pode-se dizer que ele foi inscrito no debate público. Nessa cena, sempre vemos diferentes especialistas darem seus pareceres apresentando diversos pontos de vista e exercendo, em alguma medida, influência sobre o público-alvo de seus discursos. Em determinados contextos socio-históricos a instauração de uma polêmica se dá por meio da incorporação de um problema considerado coletivamente relevante à agenda governamental. A Reforma da Previdência como Política Pública A reforma da previdência é, com certeza, a pauta da agenda governamental mais atual e também mais polêmica. Ainda que esteja relacionada mais especificamente com uma política de seguridadesocial, a reforma de previdência insere-se no quadro de políticas públicas, uma vez que, desde a criação do sistema previdenciário brasileiro, esteve vinculada a questões de interesse público – em linhas gerais, proteção social do trabalhador e de seus dependentes contra os riscos sociais. Sob a justificativa de profunda crise econômica e esgotamento financeiro do Estado, nos últimos anos a reforma da previdência entrou para a agenda das políticas públicas como parte de um processo de restrição de gastos e desoneramento das contas públicas, e sua turbulenta discussão tem gerado, no mínimo, grande repercussão. 33 Para saber mais, consulte: http://brasil.gov.br/novaprevidencia?utm_source=GoogleReachlocal&utm_medium=c pc&utm_campaign=Previdencia É claro que em alguns momentos temos a sensação de que somente uma agenda domina a cena política, porém é importante ressaltar que diferentes agendas podem coexistir no interior de um mesmo governo ou da sociedade civil. Diante disso, é poss vel a irmar ue o concei o de “agenda” na área de políticas públicas faz referência à lista de questões que preocupam permanentemente os atores políticos, independentemente do lugar que ocupam na sociedade ou de seus recursos de poder. A par r da in rodu o do pro lema na agenda, os es or os de cons ru o e com ina o de solu es para os pro lemas s o cruciais Idealmen e, a ormula o de solu es passa pelo es a elecimen o de o e vos e es ra gias e o es udo das po enciais conse u ncias de cada al erna va de solu o (SECCHI 2013, p. 48). 4.2 Issues – dar uma resposta ao problema Quando tratamos da etapa da formação da agenda no Ciclo de Políticas, um aspecto muito importante a ser considerado é o processo de evidenciação de temas. Assim, nos cabe perguntar: por que determinada questão se tornou pauta de debate público neste momento e não em outro? Por que vemos políticas públicas – e, portanto, alocação de recursos – passarem a favorecer determinados segmentos sociais antes invisíveis e marginalizados? Como se define, então, uma agenda? A formação de uma agenda envolve diferentes processos, os quais acabam por ressaltar o caráter multicêntrico de produção de uma política pública. Isso significa que, em uma análise de políticas públicas, os atores sociais constituem uma variável importante, pois são eles os agentes responsáveis por colocar um tema na agenda governamental. O caso da Lei 10436/2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio oficial de comunicação e expressão dos surdos, pode ser entendida como um efeito da articulação e da pressão da comunidade surda em diferentes espaços da sociedade – associações, escolas de surdos, universidades, igrejas e assembleias legislativas. Mas, é importante ressaltar que essa demanda externa ao governo só se mostrou passível de materialização por haver condições políticas favoráveis que deram aderência à pauta dos surdos, mobilizando sentimentos favoráveis dos atores governamentais em relação à Libras. 34 Diante da discussão que fizemos até o momento, você pode se perguntar: mas todos os temas considerados coletivamente relevantes são incorporados à agenda de políticas públicas? A resposta é não. O processo de evidenciação de temas depende não só da movimentação dos atores no espaço social, mas, substancialmente, do nível de resistência que determinada demanda enfrenta no debate público. Paulo Freire e a experiência de Angicos A experiência de Angicos é considerada o símbolo da luta contra o analfabetismo no Brasil. No ano de 1963, Paulo Freire implementou, nessa pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte, um projeto de alfabetização que tinha como objetivo fazer com que 380 trabalhadores adultos aprendessem a ler e escrever. Obtendo êxito em seu projeto, Paulo Freire foi convidado pelo então presidente João Goulart para organizar um Programa Nacional de Alfabetização, a ser iniciado no ano de 1964. Porém, com o golpe militar de março de 1964, o tema da alfabetização de adultos foi abandonado e Paulo Freire foi exilado. Para saber mais: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/2400/2360. Atualmente, a maioria dos sistemas educacionais possuem propostas para a Educação de Jovens e Adultos, fato que pode indicar uma preocupação do Estado com essa temática. Ocorre, porém, que até meados da década de 1970, o Brasil era um país predominantemente rural e grande parte da população adulta não era alfabetizada. A experiência de Angicos é paradigmática porque ilustra de que maneira uma situação que pode ser compreendida como um problema público para determinados segmentos da sociedade não o é para outros grupos que possuem mais recursos de poder. Diante disso, podemos concluir que, no Brasil, a alfabetização de adultos permaneceu, por um longo empo, como “es ado de coisas”, n o c egando a se carac eri ar como “agenda” até que condições socio-históricas mais favoráveis se apresentassem. 4.3 Arenas Políticas Arena, na área de políticas públicas, é um conceito muito importante, pois as arenas se constituem como espaços nos quais as expectativas e preferências dos atores políticos se organizam em torno das alternativas, as quais são, por sua vez, balizadas pelos issues. O governo, no interior do conceito de arena, seria, então, não um ator político, individual e benevolente, mas uma arena na qual conflitos e consensos ocorrem concomitantemente. As arenas não se constituem como espaços físicos formais, mas 35 como contextos sócio-históricos que podem, dessa maneira, se transformar ao longo do tempo. A configuração de problemas considerados coletivamente relevantes ou públicos está intrinsecamente relacionada às aspirações que determinado segmento social deposita quanto à solução da demanda em questão. Não podemos perder de vista que as políticas públicas pressupõem uma intervenção e expressam sobremaneira uma mudança na situação preexistente. Assim, as demandas expressas pelos atores políticos na forma de aspirações são sempre balizadas por interesses, os quais, por sua vez, embasam também o momento de formulação de alternativas para responder a uma questão. A formula o de al erna vas de solu o se desenvolve por meio de escru nios ormais ou in ormais das conse u ncias do pro lema e dos po enciais cus os e ene cios de cada al erna va dispon vel. O es a elecimen o de o e vos o momen o em ue pol cos, analis as de pol cas p licas e demais a ores envolvidos no processo resumem o ue esperam ue se am os resul ados da pol ca p lica Os o e vos podem ser es a elecidos de maneira mais rouxa por exemplo, mel orar a assis ncia social do munic pio, diminuir o n vel de desemprego ou de maneira mais concre a por exemplo, redu ir em 20 o n mero de se ues ros, no munic pio , nos pr ximos seis meses uan o mais concre os orem os o e vos, mais ácil será veri car a e cácia da pol ca p lica No en an o, sa emos ue em mui as ocasi es o es a elecimen o de me as ecnicamen e di cul oso, como nos casos em ue resul ados uan a vos da pol ca p lica n o conseguem mensurar elementos qualitativos mais importantes. O es a elecimen o de me as am m pode ser poli camen e indese ável, como nos casos em ue as pro a ilidades de sucesso s o aixas e a rus ra o de me as raria pre u os adminis ra vos e pol cos insupor áveis N o o s an e, o estabelecimento de o e vos impor an e para nor ear a cons ru o de al erna vas e as pos eriores ases de omada de decis o, implemen a o e avalia o de e cácia das pol cas p licas. A e apa de cons ru o de al erna vas o momen o em ue s o ela ora- dos m odos, programas, es ra gias ou a es ue poder o alcan ar os o e vos es a elecidos m mesmo o e vo pode ser alcan ado de várias ormas e por diversos caminhos. (SECCHI 2013, p. 48).36 As demandas, ao serem incorporadas à agenda governamental, se tornam objeto de análises relacionadas à melhor maneira de formalizar a política pública que solucionará o problema ora evidenciado no interior da sociedade civil. As considerações em torno do objeto de discussão envolvem dimensões importantes que pertencem à politics, tais como o cálculo de custo/benefício e o peso que os elementos políticos assumirão no jogo próprio da atividade governamental (perdas e ganhos). 4.4 Custos e Ganhos: Políticas distributivas Conforme vimos no Bloco 1, o teórico Theodor Lowi é uma grande referência no campo de es udos das pol icas p licas Em seu ex o clássico “Dis ri ui o, egula o, edis ri ui o”, de 1966, ele reali ou a descri o das ipologias de pol icas públicas mais divulgadas e mais conhecidas, tais como os conceitos de políticas distributivas, políticas redistributivas e políticas regulatórias. Com a con ri ui o de Lowi, o elemen o mais ásico de uma análise de pol cas p licas passou a ser a veri ca o do po de pol ca p lica ue se es á analisando Ou se a, o con e do de uma pol ca p lica pode de erminar o processo pol co, por isso merece ser es udado Esse papel compe e ao analis a de pol ca p lica, ue deve ser capa de en ender os de al es e os con ornos de uma pol ca p lica, bem como extrair dali seus elementos essenciais. (SECCHI 2013, p. 23) Os tipos de políticas descritos por Lowi diferem, principalmente, em relação a: a) o segmento da população a qual os recursos alocados se destinam e o impacto na sociedade – se os efeitos da política pública serão restritos ou amplos; b) as arenas no interior das quais as políticas são debatidas e formalizadas. As políticas distributivas constituem a matéria mais comum na pauta de trabalho do Poder Legislativo e são as mais fáceis de obter consenso dentre as diferentes tipologias de políticas públicas de Lowi. É possível afirmar que as políticas distributivas estão substancialmente relacionadas à distribuição regional dos recursos fiscais do país, processo que envolve estratégias eleitorais e legistaltivas dos governantes – daí o conceito do governo como uma arena. Mas o que determina a distribuição espacial das transferências fiscais? Em outras palavras, como se dão as regras para as transferências fiscais entre as diferentes regiões do país? Entendendo a divisão regional do Brasil como distritos eleitorais, Arretche e Roden (2004) apontam que as políticas distributivas são sobremaneira influenciadas por um processo caracterizado por barganhas legislativas e coalizações intergovernamentais. 37 Pensando nas políticas distributivas como alocação de bens e serviços a determinados segmentos da população localizados nas diferentes unidades geográficas do país, é possível entender as desigualdades que possuímos em termos de desenvolvimento regional. A construção de escolas, hospitais e estradas, por exemplo, se dão por meio da previsão do orçamento nacional e constituem-se como gastos públicos. Por isso a ênfase de Arretche e Roden (2004) nos processos de barganhas políticas no interior do governo é fundamental para nossos estudos. 4.5 Quem perde e quem ganha: as políticas redistributivas A maior parte da literatura especializada na área de políticas públicas afirma que as políticas distributivas são as mais fáceis de obter consenso no interior de um governo. Assim, estudando as diferentes políticas conceitualizadas por Theodor Lowi, uma frase famosa colabora para nossa reflexão: a política seria uma questão de analisar quem ganha o que, quando e por que (LASWELL apud ARRETCHE e RODEN, 2004, p. 549). Para compreendermos as políticas redistributivas e a polêmica que encontramos ao redor delas, precisamos compreender não só quem ganha, mas também quem perde. Os estudos de Lowi em relação aos tipos de políticas podem ser assim resumidos: “Dis ri u vas: s o nanciadas pelo con un o da sociedade e os ene cios s o dis ri u dos a endendo s necessidades individuali adas, ou se a, o governo dis ri ui recursos a uns, sem ue isso a e e ou ros grupos ou indiv duos A aus ncia de des avorecidos gera uma arena aseada na coop a o desenvolvendo uma arena menos con i uosa Podem ser u li adas para es mular se ores e a vidades á exis en es, como o caso da concess o de su s dios, ou, ainda, isen es ari árias, incentivos ou ren ncias scais. egula rias: envolvem discrimina o no a endimen o das demandas de grupos dis nguindo os ene ciados e pre udicados por essas pol cas, es a elecendo con role, regulamen o e padr es de compor amen o de cer as a vidades pol cas Es e po de pol ca nasce do con i o en re colis es pol cas de in eresses claros e opos os, uma ve ue gera claramen e uma dis n o en re avorecidos e des avorecidos Esse con i o orna a arena regula ria menos es ável ue a dis ri u va e a redis ri u va Podem-se omar como exemplo as regulamen a es dos se ores econômicos e de servi os, ais como as elecomunica es, regras de rá ego a reo e c digos de r nsi o, leis ambientais e defesa do consumidor. 38 edis ri u vas: m como o e vo redis ri uir recursos nanceiros, direi os ou ou ros ene cios en re os grupos sociais, in ervindo na es ru ura econômica social a rav s da cria o de mecanismos ue diminuam as desigualdades Podem ser de orma dire a, a rav s de rans er ncias mone árias, ou indire as, por in uenciarem a redu o das desigualdades Carac eri am-se pelo ogo de soma ero, pela con raposi o de in eresses claramen e an agônicos, ou se a, para ue alguns gan em, ou ros precisam perder S o exemplos os programas de previd ncia, seguro-desemprego, co as raciais para universidades, olsa- am lia, re orma agrária. Cons u vas ou es ru uradoras: s o pol cas p licas ue es a elecem regras so as uais ou ras pol cas p licas s o selecionadas ” DIAS e MA OS 2012, p. 18) Para Lac ynski 2012 , “com rela o s ues es redis ri u ivas, nunca exis ir o mais de dois lados, e es es lados ser o sempre claros, es áveis e consis en es” Em ermos de impacto, o efeito principal é definir sempre duas categorias principais de oposição: os ricos e os po res, os la i undiários e os “sem- erra”, os ndios e os a endeiros, en re outros. As políticas regulatórias fazem parte da última tipologia definida por Lowi em sua obra de 1966. Assim como as políticas redistributivas, as arenas regulatórias são espaços de conflitos e polarizações, pois envolvem, de acordo com Laczynski (2012), uma escolha dire a en re uem será avorecido e uem des avorecido “Nesse caso, clara a confrontação entre os favorecidos e desfavorecidos e, portanto, a colisão política típica nasce do conflito e da concessão ou compromisso entre interesses que se angenciam” LACZYNSKI, 2012, p 49 As políticas regulatórias estabelecem, acima de tudo, regulamentos, não estando relacionadas com bens ou serviços. Implicam, dessa maneira, regras para a realização de empreendimentos, de acesso a determinados recursos, entre outras. Conclusão Neste bloco, você teve a oportunidade de conhecer alguns aspectos das diferentes políticas conceitualizadas por Theodor Lowi. 39 Referências ARRETCHE, M; RODEN, J. Política distributiva na federação: estratégias eleitorais, barganhas legislativas e coalizões de governo. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 47, n. 3, 2004, p. 549-576. FOLHA, online. Boné do MST abre polêmica entre Lula e oposição. Folha de São Paulo, São Paulo 3 jul. 2003. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u50812.shtml>. Acesso em: 13 maios 2019. DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. olí cas públicas: princípios prop sitos e processos S o Paulo: Atlas, 2012. LACZYNSKI, P. Políticas Redistributivas e a Redução das Desigualdades: a
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