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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA: PLURALIDADE CONCEITUAL ............................................ 5 2.1 Hipótese cardíaca versus hipótese cerebral ......................................... 7 2.2 Localizacionismo versus holismo ou globalismo .................................. 8 2.3 Funcionalismo versus cognitivismo .................................................... 10 3 ABORDAGENS METODOLÓGICAS E TÉCNICAS DE REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA ............................................................................................. 11 3.1 Tipos de reabilitação quanto à abordagem teórica neurológica ......... 12 3.2 Tipos de reabilitação quanto ao número de indivíduos ...................... 13 3.3 Tipos de reabilitação quanto à origem da intervenção ....................... 14 3.4 Reabilitação quanto ao objetivo da intervenção ................................. 15 3.5 Tipos de reabilitação quanto ao ponto de partida ............................... 16 4 O QUE É REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA ................................. 17 4.1 Interface entre reabilitação neuropsicológica e análise do comportamento ...................................................................................................... 27 5 A TERAPIA OCUPACIONAL .................................................................... 29 5.1 Terapia ocupacional no brasil ............................................................. 31 5.2 Definindo a terapia ocupacional ......................................................... 31 5.3 Modelos teóricos em terapia ocupacional .......................................... 35 6 ALGUMAS DEMONSTRAÇÕES DE TRATAMENTO ATRAVES DA REABILITAÇÃO ........................................................................................................ 38 6.1 Reabilitação neuropsicológica na depressão: um enfoque terapêutico ocupacional 38 7 A NEUROPSICOLOGIA E A ARTETERAPIA COMO REABILITAÇÃO NOS TRANSTORNOS DE ANSIDEDADE ......................................................................... 41 3 7.1 Arteterapia e a Reabilitação Neuropsicológica ................................... 41 7.2 Ansiedade conceito e Neuropsicologia............................................... 42 7.3 Atividades de Arteterapia que auxiliam na Reabilitação Neuropsicológica dos Transtornos da Ansiedade .................................................. 46 8 REABILITAÇÃO COGNITIVA E MUSICOTERAPIA ................................. 50 8.1 Funções Executivas ........................................................................... 60 9 ASPECTOS COGNITIVOS DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR ...... 62 9.1 Reabilitação neuropsicológica e transtorno afetivo bipolar................. 66 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 70 11 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 74 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional Faveni , esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA: PLURALIDADE CONCEITUAL A reabilitação neuropsicológica pode ser conceituada de várias formas, podendo ser definida como um processo ativo de educação e capacitação, focado no manejo apropriado de alterações cognitivas adquiridas. O objetivo é obter o melhor potencial físico, mental e social do indivíduo, para que esse possa remanescer ou integrar-se em um meio social. Desse modo, a reabilitação neuropsicológica almeja otimizar a máxima adaptação do funcionamento cognitivo, comunicativo e comportamental de pacientes com alterações funcionais consecutivas a um dano neurológico ou psiquiátrico. Durante esse processo, é importante o raciocínio clínico com o intuito de promover a manutenção das funções total ou parcialmente preservadas para o ensino de estratégias compensatórias, a aquisição de novas habilidades e a adaptação às perdas permanentes. De acordo com Wilson, reabilitação cognitiva refere-se a qualquer estratégia de intervenção ou técnica, que torne clientes ou pacientes e suas respectivas famílias capacitadas a conviver, manejar, ultrapassar, reduzir ou aceitar déficits cognitivos causados por lesões cerebrais. Ainda, cabe enfatizar que a reabilitação neuropsicológica é mais ampla do que a reabilitação cognitiva, pois além do interesse em melhorar as capacidades cognitivas, também enfatiza os aspectos emocionais, psicossociais, comportamentais e físicos, que possam estar deficitários após a lesão cerebral. Mesmo frente a esta diferença conceitual e de alcance, muitas vezes reabilitação neuropsicológica e cognitiva são consideradas sinônimas. Mais especificamente, a reabilitação neuropsicológica cognitiva por definição refere-se ao uso de modelos do processamento normal como base para intervenção. Tais modelos contribuem como base para o desenvolvimento de técnicas de avaliação, assim como para definir o foco e métodos específicos de tratamento. 6 Isso porque as associações e dissociações entre componentes cognitivos devem ser identificadas na avaliação neuropsicológica para guiar o raciocínio clínico de planejamento terapêutico. Em casos em que não haja um quadro neurológico ou psiquiátrico causador de déficits cognitivos, o processo de intervenção é conhecido como habilitação, que está relacionada à aquisição e ao desenvolvimento de habilidades perceptivas, linguísticas, motoras, entre outras. Dessa forma, no âmbito da neuropsicologia, a habilitação propõe-se a auxiliar na aquisição e no desenvolvimento de habilidades que não foram ainda adquiridas pelo indivíduo ou que se encontram com desempenho fraco em suas tarefas diárias frente à demanda do ambiente. A habilitação neuropsicológica, geralmente, é relacionada a crianças e jovens, pois acometimentos congênitos (pré, peri ou neonatais) podem comprometer a aquisição e o desenvolvimento de dada função cognitiva, comunicativa e/ou comportamental. Assim, a intervenção pediátrica destina-se, muitas vezes, à habilitação de funções não desenvolvidas, daí o termo habilitar, em contraposição à recuperação de funções afetadas tardiamente em adultos por lesões adquiridas, reabilitar. No entanto, deve-se salientar a demanda crescente na fase adulta na clínica neuropsicológica: necessidade de melhorar funções como memória, componentes executivos, atenção e comunicação para maior desempenho laboral, acadêmico, entre outros contextos. A reabilitação neuropsicológica é um termo que vem se consolidando no Brasil. No entanto, em nível internacional, mesmo que esta nomenclatura esteja sendo bastante usada,sendo inclusive nome de periódico científico (Neuropsychological Rehabilitation), muitas revisões teóricas e estudos empíricos são ainda encontrados com diferentes descritores. Destacam-se os termos associados a “cognitivo (a) ” ou “neuropsicológico (a) ”: reeducação, readaptação, (re) treinamento, intervenção, terapia, tratamento, remediação, entre outros, como pode ser visto em revisões sistemáticas sobre reabilitação, nem sempre representando abordagens similares. De modo geral, todo o processo de intervenção neuropsicológica em nível terciário de saúde baseia-se no conhecimento da plasticidade cerebral ou neural. 7 Segundo Kristensen, Almeida e Gomes, cada período do desenvolvimento da história da neuropsicologia é marcado por determinadas controvérsias a respeito do entendimento da época sobre as relações entre cérebro e comportamento. (Kristensen, Almeida, & Gomes, 2001 apud Pontes Lívia 2007). 2.1 Hipótese cardíaca versus hipótese cerebral A descoberta de crânios pré-históricos do Antigo Egito (1.600 a. C.) revelam que nesta altura já eram utilizados conhecimentos e procedimentos médicos que utilizavam até mesmo a trepanação. A trepanação eram cirurgias realizadas através de perfurações no crânio. Edwin Smith descreveu em papiros a dificuldade de linguagem em pacientes com traumatismos cranianos e outras patologias do encéfalo. Nestes papiros Edwin Smith descreveu quarenta e oito indivíduos com lesões traumáticas após a sua análise detalhada e, deste modo, registam as primeiras tentativas de procurar a localização cortical das funções mentais mediante a descrição das lesões cerebrais (Feinberg & Farah, 1997). Os povos da antiguidade defendiam que toda a expressão mental do indivíduo estava localizada no coração. Platão (428-348 a. C.) descreveu com detalhe relações entre o corpo (definindo-o como matéria mutável) e a alma humana (definindo-a como imaterial, eterna, inalterável). Aristóteles (384-322 a.C), aluno de Platão, dividiu a atividade mental e defendeu que a sua localização era no coração. Esta hipótese enfrentou uma grande resistência dos defensores da hipótese cerebral. O princípio da hipótese cerebral propôs que o cérebro seria a sede da mente e que este seria responsável pela localização de cada tipo de sensação. Um dos grandes defensores da hipótese cerebral foi Hipócrates (460-377 a.C), este afirmava que o cérebro era o órgão responsável pelo pensamento e pelas sensações. Galeno, através de estudos, em animais e cadáveres abandonados, rigorosos, contribuiu para a construção da Teoria Ventricular. Esta teoria tinha como princípio defender que a mente estava localizada nos ventrículos cerebrais. Lentamente a hipótese cerebral predominou a hipótese cardíaca. No final do século XVII, René Descartes (1596-1650) construiu o ideal do dualismo cartesiano. O dualismo cartesiano tinha como princípio estabelecer a separação entre a mente e o cérebro. 8 A sede da alma, para Descartes, era a glândula pineal, este era o lugar de encontro entre a mente e o corpo. No final deste período a hipótese cerebral já não tinha opositores. 2.2 Localizacionismo versus holismo ou globalismo É no século XIX que uma grande quantidade de pesquisas e investigações tentaram estabelecer uma ligação entre funções mentais superiores e estruturas cerebrais. Desta forma geraram-se dois grupos: os localizacionistas e os holistas ou globalistas. Os localizacionistas propunham que diferentes funções intelectuais estavam associadas à atividade de estruturas neurais especificas. Um dos maiores defensores desta proposta foi Franz Gall (1758-1828), este deu origem ao movimento frenológico que desenvolveu como método a cranioscopia. A frenologia tinha como objetivo descobrir as correspondências existentes entre caraterísticas psicológicas (traços de personalidade, habilitações cognitivas) e as saliências especificas do crânio. Segundo Gall e Spurzheim, como a pesquisa do movimento frenologico não provou qualquer tipo de ligação entre o crânio e as estruturas cerebrais e como não foi construída uma definição sistemática das caraterísticas mentais, a frenologia caiu em total descrédito. (Gall & Spurzheim, 1809, apud Rodrigues Cátia, 2013). Os holistas ou globalistas propunham que o cérebro participava como um todo no efetuar das diferentes funções mentais. Dois dos principais defensores da visão antilocalizacionista foram Jean Pierre Flourens (1794-1867) e Friedrich Leopold Goltz (1834-1902). Ambos tinham como principal princípio que as funções mentais não dependiam de partes singulares do cérebro, mas sim que o cérebro funcionaria como um todo. As investigações efetuadas com animais demonstravam que não existia nenhuma evidência para a localização de estruturas encefálicas associadas a funções mentais especificas. (Feinberg & Farah, 1997). Entretanto surgiram as investigações localizacionistas de David Ferrier (1843- 1928). Este realizou uma série de estudos com macacos utilizando a estimulação elétrica que lhe demonstrou que determinadas áreas corticais eram capazes de ativar 9 funções sensoriais e motoras localizadas no córtex cerebral. (Feinberg & Farah, 1997). A dualidade entre localizacionistas e holistas ainda se acentuou mais com os trabalhos de Paul Broca (1824-1880), através do método anatomoclínico este estabeleceu as primeiras correlações entre lesões cerebrais circunscritas e patologias da linguagem em 1861. Assim a região localizada na terceira circunvolução do giro frontal inferior esquerdo ficou eternamente designada como a área de Broca. Esta área está estritamente relacionada com aspectos motores da linguagem. Alguns autores defendem que esta descoberta marca o início da neuropsicologia. Mais tarde, em 1874, Karl Wernicke realizou estudos relacionados com a compreensão da afasia. Este descreveu casos em que a lesão de uma parte do cérebro, o terço posterior do giro temporal superior esquerdo, determinava a perda da capacidade de compreensão da linguagem, sendo que a linguagem expressiva motora permanecia intacta. Concluiu que essa região cerebral era responsável pela compreensão da linguagem. Segundo Vygotsky, em relação às visões localizacionista e holista, Lev Vygotsky (1896-1934) apresentou uma análise inovadora que defende que as funções das partes e do todo se encontram organizadas em inter-relações funcionais complexas que variam em conformidade com os diferentes estágios de desenvolvimento humano (Vygostky, 1999, apud Silva Claudia 2012). O neuropsicólogo soviético Alexander Luria (1902- 1977) desenvolveu as ideias originais de Vygostsky, a partir do estudo do comportamento anormal dos pacientes com lesão cerebral (Luria, 1981). Luria demonstrou a importância dos símbolos para a linguagem. Afirmou que o cérebro é um sistema altamente diferenciado, cujas partes são responsáveis por aspectos desse todo e a linguagem é um elemento importante nesse processo. A concepção neuropsicológica de Luria afirma que o funcionamento cerebral ocorre com a participação conjunta de três grupos funcionais do cérebro, estes são: O primeiro: grupo de ativação, é responsável pelo tônus cortical ou estado de ativação do córtex cerebral. A formação reticular, tanto a ascendente como a descente, é a estrutura mais importante, sobretudo em suas conexões com o córtex frontal. 10 O segundo grupo funcional: o do input, é responsável pela recepção, monitorização e armazenamento da informação. Ocupa as regiões posteriores do córtex cerebral: lobos parietal, temporal e occipital, responsável pelas respectivas zonas táctil, cinestésica, auditiva e visual. O terceiro grupo: chamado de grupo de programação e controle da atividade, engloba os setores corticais situados no lobo frontal. Este conjunto cumpre as suas funções mediante relações bilaterais, tanto com as regiõesposteriores (grupo do input) como com a formação reticular (grupo da ativação). É o grupo responsável pelo planejamento, programação, regulação e verificação do comportamento intencional. (Luria, 1981). Luria estabeleceu dois objetivos para a neuropsicologia: localizar as lesões cerebrais responsáveis pelas perturbações do comportamento para um diagnóstico preciso e explicar o funcionamento das atividades psicológicas superiores relacionadas com as partes do cérebro. Deste modo, podemos concluir que Luria adoptou uma opinião intermediária em relação ao debate estrutura versus função. 2.3 Funcionalismo versus cognitivismo O século XX é marcado pela consolidação da Neuropsicologia como especialidade do conhecimento. A neuropsicologia cresceu muito a partir do final da primeira metade do século XX, conseguindo uma posição diferente da neurologia, da psicologia e da psiquiatria. O seu desenvolvimento foi significativo durante os períodos da I e da II Guerra Mundiais, precisamente devido à necessidade de reabilitar soldados com traumatismos crânio-encefálicos. Segundo Wilson, neste período, foram elaborados programas de reabilitação destinados pela primeira vez às sequelas cognitivas. Foi também nesta altura que foram passados os primeiros testes neuropsicológicos. A era moderna da reabilitação de pessoas com lesão cerebral começou, provavelmente, na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, como resultado da sobrevivência de militares com traumatismo craniano. A reabilitação cognitiva progrediu durante a Segunda Guerra Mundial (Wilson, 2003,apud Silva Claudia 2012). 11 Luria teve também um papel importantíssimo neste período de desenvolvimento da reabilitação neuropsicológica, pois foi o responsável pela organização de um hospital para soldados com lesões cerebrais. (Nomura et al., 2000) A neuropsicologia atual estuda os temas clássicos da psicologia atenção, aprendizagem, percepção e memória utilizando métodos da psicologia experimental e do campo da psicometria para a construção dos testes. As técnicas avançadas de investigação cerebral (eletroencefalograma, tomografia informatizada, ressonância magnética funcional) superaram a importância da avaliação neuropsicológica na localização das funções mentais. Segundo Hebben e Milberg, a controvérsia entre localizacionismo e holismo foi substituída pela discussão em torno de uma nova controvérsia: funcionalismo versus cognitivismo. Esta controvérsia é essencial em relação à avaliação neuropsicológica e à construção dos testes psicológicos (Hebben & Milberg, 2002 apud apud Silva Claudia 2012). As técnicas tradicionais de avaliação neuropsicológica advêm da tradição funcionalista que considera que a predição do desempenho do indivíduo é o objetivo primário da avaliação e o construto psicológico é secundário. A bateria Halstead- Reitan é um bom exemplo desta abordagem (Strauss, Sherman & Spreen, 2006). Por outro lado, os testes construídos na tradição cognitivista enfatizam principalmente o construto psicológico e a predição clínica como alvo secundário da avaliação. O Califórnia Verbal Learning Test foi criado, no início, com referência às teorias da memória para investigar as alterações decorrentes de lesões cerebrais. (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006) de forma mais simplificada, a controvérsia atual está relacionada a questões metodológicas e interpretativas resultantes dos processos de avaliação neuropsicológica (Hebben & Milberg, 2002). 3 ABORDAGENS METODOLÓGICAS E TÉCNICAS DE REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA As diferentes perspectivas existentes nas abordagens e técnicas utilizadas na reabilitação neuropsicológica: Tipos de reabilitação quanto à abordagem teórica neurológica de base; Número de indivíduos tratados; Origem; 12 Objetivo; Ponto de partida da reabilitação. Abordagem teórica neurológica de base. Foco. Atualmente existem diversos serviços de reabilitação neuropsicológica distribuídos por todo mundo que utilizam técnicas e abordagens ainda pouco discutidas na literatura quanto à eficácia, validade ecológica e potencial de generalização para tarefas e funções além das tratadas. Diversas são as abordagens de intervenção utilizadas para restabelecer as funções cognitivas prejudicadas. Entre elas serão destacadas as mais utilizadas tanto no contexto clínico quanto experimental. As abordagens e as técnicas utilizadas na reabilitação neuropsicológica podem ser caracterizadas de acordo com diferentes perspectivas. 3.1 Tipos de reabilitação quanto à abordagem teórica neurológica Grafman (2000) defende a existência de quatro formas de reorganização funcional: A adaptação da área homóloga, A redesignação entre funções, Expansão do mapa cortical e; Compensação disfarçada. A adaptação da área homóloga diz respeito ao procedimento em que determinada região do cérebro é lesionada, a mesma região do hemisfério oposto adapta-se para assumir a função prejudicada. Por vezes a região lesionada pode impedir que o outro hemisfério assuma as funções prejudicadas. A redesignação entre funções acontece quando o indivíduo é privado de input sensorial e outras habilidades do mesmo indivíduo acabam por se desenvolver. A expansão do mapa cortical refere-se ao facto do tamanho do mapa cortical (área responsável por determinada função) pode variar de acordo com a estimulação a que é submetido. A compensação disfarçada ocorre quando uma nova estratégia de reabilitação é utilizada para desempenhar uma função que está prejudicada sem a 13 compensar. Esta apenas pode ser confirmada por meio de avaliação cognitiva detalhada. A abordagem teórica neurológica fala-nos também de outros três conceitos: compensação, adaptação e reaprendizagem. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 1980, a abordagem compensatória procura tratar ou diminuir as sequelas provocadas pela lesão cerebral. Assim o esforço do paciente diante do prejuízo cognitivo causado pelos sistemas neuronais lesionados irá diminuir. (Segundo a OMS 1980 apud, Wilson, 2009). O uso de estratégias compensatórias torna-se uma técnica muito utilizada na reabilitação neuropsicológica, principalmente quando o foco são défices mnemónicos, de atenção e de execução, pois esta abordagem tem a vantagem de ser adaptável às necessidades de cada paciente. Por vezes esta perspectiva nem sempre é fácil de executar devido a modificações ambientais e, além disso, o auxilio por parte de familiares e amigos é indispensável para a melhor adesão e adaptação do paciente. A perspectiva da adaptação tem como objetivo a reinserção social e quando possível a normalização do dia-a-dia do indivíduo com lesão. Desta forma é promovida a adaptação do indivíduo simplificando aspectos e tarefas do seu quotidiano. A abordagem da reaprendizagem dá a possibilidade de reaprender novas informações ou reconsolidar informações antigas. 3.2 Tipos de reabilitação quanto ao número de indivíduos O processo de reabilitação pode ser conduzido com um único paciente, em grupos com poucos indivíduos ou com muitos pacientes. A reabilitação individual: tem como característica principal ser personalizada, pois é focada nos objetivos estabelecidos entre o paciente e a sua família com o terapeuta. Existem metas claras de resultados o que favorece a adesão e a percepção do efeito do tratamento. Na reabilitação individual o plano terapêutico é mais flexibilizado de acordo com as preferências do paciente. Este tipo de reabilitação tem como aspectos negativos o isolamento social e a falta de atividades o que pode contribuir para a dificuldade de percepção dos défices pelo paciente e para a origem de quadros depressivos. 14 Na reabilitação neurológica: em pequenos e grandes grupos, a literatura atual defende a existência de três grupos. O primeiro grupo é o grupo de psicoeducação.Neste grupo os pacientes participantes recebem informações relacionadas com as patologias, dificuldades cognitivas, emocionais e comportamentais relacionadas com o quadro patológico em tratamento. O segundo grupo é o de treino cognitivo, ou seja, este está focado nas tarefas de estimulação cognitiva estabelecidas pelo plano terapêutico. Por fim, o terceiro grupo tem como objetivo a resolução de problemas em que há a elaboração de um plano de estratégias que tem como base a troca de experiência entre pacientes. Ambos os tipos de grupos podem ocorrer ao mesmo tempo desde que exista organização, tempo e estrutura para tal. Para o decorrer positivo dos grupos, sejam eles quais forem, têm de existir regras básicas. Num grupo em que os pacientes são selecionados para comunicar aspectos emocionai, cognitivos, comportamentais e físicos é necessária uma observação de cada paciente durante o processo de escolha. É necessário analisar, igualmente, o cansaço dos participantes e se estes têm lesões com gravidade ao nível da fala para que estes não se sintam deslocados do grupo. Num grupo em que existem muitos participantes sugere-se sempre a existência de mais um terapeuta para atuar como facilitador de algumas situações, como por exemplo a dificuldade em realizar alguma tarefa proposta para o grupo efetuar. Outro cuidado fundamental a ter com os participantes no grupo é não causar desconforto nem afetar a autoestima dos intervenientes. 3.3 Tipos de reabilitação quanto à origem da intervenção Quando falamos na origem da intervenção existem, pelo menos, quatro abordagens: a abordagem holística, a abordagem não holística, a abordagem uni ou multimodal e a abordagem top-down. A abordagem holística procura trabalhar os aspectos cognitivos prejudicados pela lesão cerebral e os aspectos emocionais e psicossociais que advêm da ocorrência do quadro neurológico. Segundo Prigatano, é um dos principais defensores desta abordagem e propôs fundamentos que orientam a reabilitação neuropsicológica, são eles: o terapeuta precisa conhecer a experiência subjetiva do paciente em relação 15 à sua patologia; os sintomas do indivíduo ativo na reabilitação são uma mistura de características cognitivas e personalidade pré-mórbidas; a reabilitação deve permitir ao sujeito atenuar as dificuldades cognitivas em situações interpessoais; o terapeuta deve educar o paciente acerca da sua patologia; a participação do indivíduo com lesão produz reações emocionais nos familiares e na equipa de terapeutas intervenientes na reabilitação e, por fim, cada programa de reabilitação deve ser dinâmico. A principal desvantagem desta abordagem é ser um tratamento mais dispendioso que as intervenções não holísticas, (Prigatano 1999 apud Hamdan Amer, 2011). A intervenção não holística está direcionada para a recuperação das aptidões cognitivas em défice deixando de parte aspectos emocionais. Esta abordagem utiliza o treino de aspectos cognitivos específicos e está direcionada para a psicoeducação. Ambas podem ser utilizadas ao mesmo tempo, pois a psicoeducação permite diminuir a ansiedade tanto do paciente como dos familiares. Um dos principais aspectos negativos da abordagem não holística é não abordar diretamente os aspectos emocionais do paciente passado o quadro neurológico. Na abordagem uni ou multimodal o tratamento pode ser direcionado para focar apenas um aspecto cognitivo (por exemplo a atenção) ou pode procurar intervir em diversos aspectos cognitivos no mesmo programa de treino. Por fim a abordagem top-down dá mais importância à regularização do desempenho deficitário que afeta o quotidiano do paciente, enquanto a abordagem bottom-up está direcionada para atenuar os défices do paciente. 3.4 Reabilitação quanto ao objetivo da intervenção Independentemente do tipo de abordagem, qualquer uma delas tem metas a curto, médio e longo prazo, deste modo é necessário estabelecer objetivos para uma melhor orientação do tratamento. McMillan e Sparkes (1999) propõem quatro princípios para o alcance dos objetivos do plano de reabilitação. O primeiro refere-se ao paciente, pois este deve ser a referência na definição dos seus objetivos. Em segundo, as metas propostas devem ser razoáveis e centradas nas características do paciente. Em terceiro sempre que um indivíduo alcançar um objetivo e este lhe for comunicado deve analisar-se o comportamento do indivíduo face a esse acontecimento. Por fim deve existir coerência no método a ser utilizado para alcançar os objetivou as metas devem ser específicas e ter um prazo definido. 16 Segundo Wilson, o acrónimo SMART (do inglês specific, measurable, achievable, realistic e timely) sintetiza a proposta de que os objetivos sejam específicos, mensuráveis, realizáveis, realistas e exequíveis dentro de um tempo estimado para cada paciente. Sugere-se realizar reavaliações periódicas dessas metas. (Wilson, 2009 apud Hamdan Amer, 2011). 3.5 Tipos de reabilitação quanto ao ponto de partida Existem duas abordagens principais referentes ao ponto de partida funcional na relação entre os elementos cognitivos preservados e deficitários após o quadro neurológico ou psiquiátrico. A abordagem baseada no ponto de partida de competências não afetadas pela lesão cerebral tem como pressuposto que a intervenção pode partir das aptidões cognitivas remanescentes em estado funcional semelhante ao período pré-mórbido, estimulando e procurando expandir aquelas funções cognitivas mais prejudicadas, partindo de possibilidades que o paciente já tem para desenvolver aquelas que são alvo da reabilitação. Por outro lado, há a abordagem baseada no tratamento direto das funções prejudicadas ou deficitárias por causa do quadro de base. Estas são representadas principalmente pelos treinos cognitivos diretos uni ou multimodais, tais como de atenção e funções executivas, memória e linguagem. (Rohling et al, 2009). Assim, o processo terapêutico pode ser iniciado pelas dificuldades neuropsicológicas que o paciente apresenta, desafiando-o, diretamente, nas aptidões que estão prejudicadas. Na medida em que estas duas abordagens não são excludentes, são frequentemente associadas. É no começo do tratamento que se utiliza a primeira abordagem, para estimular a motivação do paciente e gerar menos frustração. Na segunda fase, parte-se para técnicas da segunda abordagem, estimulando os componentes mais afetados a partir do nível de complexidade imediatamente inferior aquele em que o paciente apresentou prejuízo (erros e/ou lentidão processual). 17 4 O QUE É REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA A reabilitação teve um início provável na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, tendo surgido com o objetivo de auxiliar a recuperação de soldados sobreviventes de lesões cerebrais. Durante a Segunda Guerra Mundial, na União Soviética, Luria teve papel importante na reabilitação neuropsicológica, pois foi o responsável pela organização de um hospital para soldados com lesões cerebrais (Nomura et al., 2000). A reabilitação tem como objetivo melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares, otimizando o aproveitamento das funções total ou parcialmente preservadas por meio do ensino de “estratégias compensatórias, aquisição de novas habilidades e a adaptação às perdas permanentes”. O processo de reabilitação proporciona uma conscientização do paciente a respeito de suas capacidades remanescentes, o que leva a uma mudança na auto- observação e, possivelmente, uma aceitação de sua nova realidade (D’Almeida et al. 2004). Segundo Wilson (1996), diferencia a reabilitação cognitiva da reabilitação neuropsicológica. A reabilitação cognitiva visa “capacitar pacientes e familiares a conviver, lidar, contornar, reduzir ou superar as deficiências cognitivas resultantes de lesão neurológica”, mas foca-se principalmente na melhora das funções cognitivaspor meio dos treinos cognitivos. Já a reabilitação neuropsicológica é mais ampla, pois, além de almejar tratar os déficits cognitivos, objetiva também tratar as alterações de comportamento e emocionais, melhorando a qualidade de vida do paciente, (Wilson 1996 apud Fabricia Quintão, 2013). Prigatano (1999) afirma que a reabilitação cognitiva é apenas um componente da reabilitação neuropsicológica, e esta abarca ainda a psicoterapia, o estabelecimento de um ambiente terapêutico, o trabalho com familiares e o trabalho de ensino protegido com os pacientes. Existe mais de uma maneira de se planejar um programa de reabilitação eficiente. É importante salientar para o cliente que nem sempre é possível restaurar a função cognitiva prejudicada, mas é possível compensá-la, encontrando maneiras de minimizar os problemas cotidianos. O primeiro passo é realizar uma avaliação neuropsicológica para que se mensurem os prejuízos cognitivos e as funções intactas. A avaliação comportamental é um complemento da avaliação neuropsicológica. Uma das diferenças em relação 18 aos testes padronizados é que geralmente a avaliação comportamental é parte do tratamento em si. Ela identifica problemas a serem trabalhados e também pode avaliar a eficácia de tal tratamento. O terapeuta ou psicólogo continua a avaliar o cliente enquanto o tratamento está em andamento. Assim, o tratamento pode ser modificado ou alterado em resposta a uma informação observada. A avaliação comportamental deriva do behaviorismo, filosofia que embasa a análise do comportamento (Skinner, 1974/2006) e que foi fundada por John B. Watson e aprimorada por B. F. Skinner (Baum, 1999). De Vreese et al. (2001) esclarecem que os hábitos, o afeto e a motivação do cliente podem interferir significativamente no nível de funcionamento diário e por isso precisam ser levados em conta no processo de avaliação, devendo ser analisados como parte das contingências e produtos destas. Nomura et al. (2000) enfatizam a importância do papel do terapeuta, que deve ter uma postura de respeitar o ritmo e a velocidade do cliente, cuidando para que sua própria ansiedade não interfira no trabalho com o paciente. Fonte: uniad.org.br Reabilitação neuropsicológica pode ser definida como o conjunto de intervenções que objetivam melhorar os problemas cognitivos, emocionais e sociais 19 decorrentes de uma lesão encefálica auxiliando a pessoa a alcançar maior independência e qualidade de vida (Wilson, 2003). Segundo Boake, Alexander Luria foi um dos primeiros autores a relatar seus esforços sistemáticos para reabilitação de pessoas com lesão encefálica após a Segunda Guerra Mundial (Boake, 2003 apud ). Os trabalhos de Leonard Diller, realizados no Centro Médico da Universidade de Nova York, com pacientes com acidente vascular encefálico que apresentavam problemas com escaneamento visual, propiciou o desenvolvimento de programas de treinamento específicos e representam outro marco na história da reabilitação neuropsicológica. Ben-Yishay (1996) desenvolveu uma visão holística para reabilitação neuropsicológica através da realização de exercícios cognitivos, psicoterapia e atividades terapêuticas junto a este grupo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2000), as doenças ligadas ao funcionamento cerebral constituem a maior causa de deficiências no mundo. A demanda por serviços de reabilitação neuropsicológica tem crescido consideravelmente devido ao aumento dos recursos médicos oferecidos à população. No Brasil, porém, diversas dificuldades são observadas para que essa área se desenvolva, por exemplo: as poucas instituições de ensino que oferecem capacitação nesta área da neuropsicologia, as dificuldades inerentes à área para delimitar protocolos baseados em evidências, a necessidade de adaptar as estratégias de reabilitação utilizadas em outros contextos socioculturais à realidade brasileira e, ainda, a descoberta de indicadores adequados à realidade brasileira para avaliar os programas de reabilitação que têm sido implantados. Segundo Wilson (1991) aponta que as dificuldades em desenvolver estratégias padronizadas de intervenção para cada distúrbio neuropsicológico relacionam-se com diversos fatores, Wilson (1991). Fatores importantes como a diversidade da população atingida, os diferentes tipos de lesões e as características particulares dos déficits observados fazem com que a avaliação dos programas de reabilitação seja um tópico complexo. Outro fator relevante é o fato de que existe ainda pouco consenso no âmbito da neuropsicologia quanto a teorias capazes de subsidiar a compreensão de como as 20 funções neuropsicológicas se desenvolvem e se organizam no contexto da população geral. Assim, a criação de estratégias em reabilitação nem sempre estão fundamentadas no conhecimento teórico que se tem sobre determinada função ou patologia. As diferenças culturais e, portanto, a diversidade de demandas sociais e valores priorizados em diferentes contextos afetam diretamente as metas estabelecidas nos diferentes programas de reabilitação. Este fato dificulta a avaliação dos programas de reabilitação através da comparação com resultados de outros programas no mundo. Consequentemente, o estabelecimento de parâmetros internacionais que priorizem determinados resultados comuns a todos torna-se inviável muitas vezes. Com o intuito de amenizar estas dificuldades, desde a última década do século XX, diversas iniciativas podem ser apontadas como tentativas de estruturar um corpo de conhecimento em reabilitação neuropsicológica que fundamente as intervenções na área. Cicerone e colegas (Cicerone, Dahlberg, Kalmar, Langenbahn, Malec, Berquist & cols., 2000) realizaram uma extensa revisão bibliográfica e apresentaram estratégias de intervenção que a literatura propõe ao reabilitar no contexto de diferentes problemas neuropsicológicos. Vários autores publicaram obras que compilavam o conhecimento cientifico na área de modo mais organizado (Christensen & Uzzell, 2000; Eslinger, 2002; Johnstone & Stonnington, 2001), o que facilitou tanto o ensino quanto a pesquisa em reabilitação. Wilson (2003b) propôs algumas diretrizes para nortear as práticas em reabilitação neuropsicológica: O processo de reabilitação é considerado como uma parceria entre as pessoas com lesão, suas famílias e os profissionais de saúde; O planejamento de objetivos tem se tornado um dos métodos mais usados para delinear o plano de reabilitação; Os déficits cognitivos, emocionais e psicossociais encontram-se conectados e todos devem ser considerados durante os programas terapêuticos; 21 Tecnologia representa uma parte importante na compreensão da lesão e na compensação das dificuldades apresentadas por este grupo; Reabilitação tem começado durante a terapia intensiva antes mesmo da estabilização das condições médicas do paciente e; Compreende-se reabilitação cognitiva como uma área de atuação que necessita de uma vasta base teórica que incorpore diferentes modelos e metodologias derivadas de diversos campos da psicologia e neurociências. Vários procedimentos têm sido sugeridos como eficazes na reabilitação neuropsicológica. A imaginação motora, ou seja, a simulação imaginada de movimentos e a observação de movimentos têm sido estudadas em pacientes após acidente vascular encefálico (AVE) e Holmes (2007) sugere-as como possíveis técnicas de reabilitação. Segundo Lengenfelder, Chiaravalloti e DeLuca, outro procedimento estudado baseia-se no efeito de geração que se caracteriza pelo fenômeno que os itens gerados pelos próprios indivíduos são melhor recordados quando comparados com itens fornecidos por outrem (Lengenfelder, Chiaravalloti, & DeLuca, 2007). Uma variedade de tecnologias também é usada como auxilio na reabilitação de pessoascom problemas neuropsicológicos. Por exemplo, a utilização de sistemas de mensagens curtas que auxiliavam a lembrar pacientes com esquizofrenia de suas atividades e compromissos diários. Estudos vem utilizando-se de sistemas computacionais para criar realidades virtuais que facilitam a aprendizagem de modo seguro e incentivam a comunicação de pessoas com problemas de mobilidade também têm sido realizados. No entanto, ainda encontramos pouca uniformidade dentre os métodos de reabilitação neuropsicológica devido pelo menos a três fatores: As dificuldades metodológicas encontradas para verificar a eficácia dos procedimentos adotados; A diversidade das populações atendidas nos programas de reabilitação e; A interdisciplinaridade inerente a área. Sohlberg e Mateer (1989) foram pioneiras ao proporem intervenções especificas em reabilitação neuropsicológica, porém, foram criticadas devido à 22 dificuldade que tinham tanto em relacionar a ligação entre as intervenções práticas com modelos teóricos existente quanto em apresentar evidências de resultados positivos vinculados com tais intervenções. Em 2008, um número especial da Rehabilitation Psychology debateu sobre as dificuldades metodológicas encontradas em realizar pesquisas na área e apontou a necessidade em se desenvolver estudos com desenhos mais adequados para cada tipo de investigação privilegiando a coerência teórica (Dunn & Elliott, 2008) que incluiriam tanto metodologias de análise quantitativa como qualitativa de dados (Chwalist, Shah, & Hand, 2008; DeVries & Morris, 2008). Segundo Tucker e Reed, ressaltam que, como a intervenção em reabilitação constitui-se apenas como uma variável dentre várias que influenciam o funcionamento da pessoa ao longo do tempo, a pesquisa em psicologia da reabilitação deve se expandir para incluir diversas abordagens teóricas e metodológicas, Tucker e Reed (2008). Assim, metodologias tradicionais, como o desenho de grupos clínicos com amostragem aleatória, estudos longitudinais (Fay, Yeates, Wade, Drotar, Stacin & Taylor, 2009) ou estudo de caso (Mateer, 2009) seriam utilizadas juntamente com estudos meta analíticos (Babikian & Asarnow, 2009) e pesquisas qualitativas para criar evidências que fundamentem as intervenções em reabilitação. No Brasil traz à tona problemas teóricos e práticos na área que ajudam a formular diretrizes para a pesquisa em neuropsicologia no Brasil. Apesar da identificação de um número crescente de pacientes com problemas neuropsicológicos, a maioria das intervenções em reabilitação neuropsicológica adotadas nos serviços de neuropsicologia no Brasil baseia-se em procedimentos utilizados em países do primeiro mundo que ainda não foram adequados ao contexto brasileiro. As diferenças interculturais têm sido extensamente discutidas enquanto importantes para subsidiar o processo decisório durante a reabilitação (Niermeier & Arango-Lasprilla, 2007; Uamoto, 2005). Sendo assim, torna-se premente que o pesquisador na área da avaliação e reabilitação neuropsicológica considere estes fatores quando planeja seus estudos. A adaptação dos procedimentos de avaliação e intervenção neuropsicológica para a realidade brasileira deve ser considerada como prioridade. 23 A criação de parâmetros nacionais de avaliação de programas de reabilitação neuropsicológica através do amplo debate entre profissionais e clientes, assim como da realização de estudos sistemáticos sobre o tópico também se fazem necessárias. Tais parâmetros poderão subsidiar as políticas públicas de reabilitação e fundamentar a inserção do neuropsicólogo em equipes interdisciplinares de reabilitação, o que ampliará o mercado de trabalho para o neuropsicólogo. O estudo do desenvolvimento neuropsicológico normal e do perfil neuropsicológico vinculado a diferentes patologias deve continuar a ser aprofundado, uma vez que muitas questões permanecem sem resposta e a apresentação de evidências que norteiem as condutas profissionais adotadas nestes contextos ainda é necessária. Em suma, a teoria e a prática no campo da neuropsicologia brasileira se complementam ao apontarem os caminhos principais que a pesquisa na área precisa trilhar. Esforços conjuntos entre diferentes centros de pesquisa que utilizem uma multiplicidade de desenhos e métodos de pesquisa são necessários de serem desenvolvidos para conseguir viabilizar resultados que subsidiem a prática da neuropsicologia no Brasil. A importância da reabilitação neuropsicológica como uma das intervenções possíveis após o diagnóstico de déficits cognitivos derivados de quadros neurológicos e/ou psiquiátricos vem sendo cada vez mais abordada nas literaturas nacional e internacional. Corresponde à complexo conjunto de procedimentos e técnicas aplicados em busca de melhorar a qualidade funcional do paciente em seu cotidiano, à luz de pressupostos teóricos e abordagens metodológicas das neurociências e áreas afins. Estão envolvidos neuropsicólogo e paciente, demais profissionais da equipe interdisciplinar e cuidadores/familiares. Quanto maior a complexidade das ações causadas pelo cérebro, maior a necessidade de novos processamentos. (Damásio, 2006). Por mais essa constatação, verificamos a importância da utilização do programa do PEI (Programa de enriquecimento na reabilitação neuropsicológica, reforçando o enriquecimento cognitivo, não só aumentando a unidade de atenção, implementando as estratégias de experiência mediada, mas também implementando uma estratégia de processamento informativo. 24 O modelo de input Elaboração – output de informação proposto por Feuerstein pode ser sintetizado nos seguintes processos funcionais similares à perspectiva de Luria e com os instrumentos do PEI (Fonseca, 2007): Input: Ativação, atenção e percepção (primeira unidade de Luria); responsáveis pela modelação do alerta cortical, pelas funções de sobrevivência, pela vigilância tônico-postual e pela filtragem e integração dos inputs sensoriais. Instrumentos do PEI que trabalham com o Input: organização dos pontos básicos, organização dos pontos, orientação espacial básica, orientação espacial I e II comparações, percepção analítica, classificações e ilustrações. Elaboração: Integração, retenção, processamento de dados, processamento simbólico e motor (segunda unidade de Luria). Esta área é responsável pela análise, síntese, retenção e integração da informação intrasensorial especifica, recebida na primeira área, com bases em processos perceptivos sequenciais já especializados hemisfericamente. Abrange um número de unidades de informações que podem ser processadas e manipuladas simultaneamente. Instrumentos do PEI que trabalham com Elaboração: relações familiares, relações temporais, progressões numéricas e instruções, identificando emoções, comparando e descobrindo absurdo, da empatia à ação. Output: Planificação, conscientização do processo, monitorização, predição de consequências, avaliação de resultados, tomada de decisões, processos de prestação, verificação e preparação da resposta e integração de efeitos da ação. Respostas certas e justificadas marcam a capacidade do indivíduo de expor, de forma clara e precisa, como executou determinada tarefa, explicando de maneira ordenada os passos do seu raciocínio. Consistindo no lobo frontal, que representa o nível mais elaborado de desenvolvimento do cérebro humano (terceira unidade de Luria). Instrumentos do PEI que trabalham com Output: silogismo, relações transitivas, sobreposições de padrões, três canais de atenção e da unidade ao grupo. 25 Assim, o PEI pode ser usado como um instrumento terapêutico em muitos casos de distúrbios ou lesões neurológicas, tais como Síndrome de Down, TDHA, dificuldades de aprendizagem etc., porque as disfunções cognitivas não se encontram necessariamente associadascom lesões em áreas corticais particulares, mas tendem a serem sensíveis ao efeito de uma lesão cerebral, independente de sua localização. Quando usado com rigor neuropsicológico e clínico, baseado nas necessidades específicas e nos perfis neuropsicológicos dos indivíduos, o PEI pode ajudar fortemente nesta organização sistêmica e no seu desenvolvimento funcional, porque o PEI reflete uma modificação progressiva e qualitativa. (Fonseca, 2005). Como exemplo, podemos citar o instrumento Três Canais de Atenção, do PEI Básico, que foi criado para trabalhar déficits de atenção, impulsividade e déficits nos níveis de input (captação) e elaboração de informações. Este instrumento é composto de uma caixa de papelão vazia com uma abertura nas duas laterais que permite o paciente colocar as mãos para manipulação tátil. A face superior da caixa é aberta para permitir ao mediador observar o processo de exploração, mediando o paciente a conduzir uma resposta mais precisa do mediado. As formas geométricas vão sendo apresentadas uma a uma, para o paciente explorar as características das peças, através da manipulação tátil, e reconhecer as diferentes formas (quadrado, triângulo, polígonos variados, formas segmentadas irregulares) iniciando das formas mais simples para as mais complexas. É importante salientar que, conforme o trabalho vai sendo realizado, o paciente vai adquirindo melhor habilidade nas formas mais complexas. Inicialmente, através da percepção tátil, o objetivo da mediação nessa série é formar um processo para a exploração tátil e usar essa exploração para construir as imagens mentais internalizadas que serão graficamente e visualmente reforçadas nas próximas etapas. Os conceitos podem ser formulados usando tanto o conteúdo (a natureza das formas geométricas) quanto o processo (como a aprendizagem ocorre). O paciente deve manter a atenção aos atributos essenciais das formas, movendo as mãos e os dedos, para explorar as dimensões das formas (praxias) e descrever verbalmente nomeando os atributos que está experimentando tatilmente. 26 Deve-se orientar o paciente a segurar a figura entre o polegar e o dedo indicador na posição vertical, de forma que cada peça possa ser registrada mentalmente enquanto o paciente explora tatilmente. Na segunda etapa, o paciente faz um desenho do que foi reconhecido através da exploração tátil. O indivíduo pode realizar mais de um desenho, até que seja o mais preciso possível, nos detalhes e tamanho da forma explorada, através da mediação do terapeuta, a terceira etapa é o reconhecimento visual da forma geométrica. É mostrado ao mediado uma página (folha) do instrumento, que apresenta variações das formas que foram exploradas, com o objetivo que ele identifique, entre outros desenhos de formas geométricas, qual ele explorou, confirmando se o indivíduo conseguiu, através da representação mental adquirida pela manipulação do instrumento. A diferenciação das formas requer discriminação e eliminação das formas diferentes. Cada forma geométrica deve ser explorada bem, nos três canais (manipulação, reprodução e reconhecimento) para depois ser passada para outra figura. O mediador pode tanto avançar séries quanto voltar às anteriores, sendo flexível e criativo para responder as necessidades do mediado e do desenvolvimento cognitivo, ajudando a criança a explorar e a observar como está realizando as propostas. As formas combinam os elementos familiares que foram percebidos e os elementos novos que devem ser identificados e registrados. As formas que se assemelham a objetos familiares (escada, estrela, chave), ajudam o paciente a nomeá-las. As formas geométricas foram construídas de uma madeira fina, dando oportunidade para serem exploradas com as mãos e os dedos. São levemente ásperas nas bordas e na superfície o material é plano, com o propósito de favorecer uma resposta do objeto em questão, através de reconhecimento tátil, totalizando 26 formas geométricas. Os objetivos específicos desse instrumento são a focalização, usando estímulos abstratos que devem ser percebidos em diferentes maneiras para depois ser integrado; a exploração, usando as modalidades táteis e motoras e a construção de conceitos, usando a mediação verbal baseado nas informações recolhidas e assimiladas através do tato, necessitando neste momento evocar a memória. 27 4.1 Interface entre reabilitação neuropsicológica e análise do comportamento A neuropsicologia pode ser definida como o estudo científico das relações cérebro-comportamento (Horton, 1994; 1997). Nesse sentido, o desempenho neuropsicológico pode ser influenciado tanto por variáveis orgânicas quanto por variáveis ambientais (Horton e Puente, 1990 apud Horton, 1994). A psicologia comportamental se propõe a estudar as relações entre o sujeito e o ambiente que o cerca. Desse modo, seria natural pensarmos em uma possível e vantajosa integração entre neuropsicologia e terapia comportamental. Essa integração existe e é chamada de “neuropsicologia comportamental”. Iniciou-se em 1978, quando foi fundado um grupo com esse nome durante o encontro anual da Association for Advancement of Behavior Therapy (AABT) (Horton, 1994). A neuropsicologia comportamental pode ser definida como: “(...) a aplicação de técnicas de terapia comportamental para problemas de indivíduos com prejuízos orgânicos, utilizando a perspectiva da avaliação neuropsicológica. Esta modalidade de tratamento sugere que a inclusão de dados das estratégias de avaliação neuropsicológica possa ser útil na formulação de hipóteses referentes a condições antecedentes (externas ou internas) de fenômenos psicopatológicos observados. Ou seja, uma perspectiva neuropsicológica aumentará a habilidade do terapeuta comportamental em fazer discriminações precisas quanto à etiologia dos comportamentos do paciente. Além disso, a formulação de um coerente plano de intervenção terapêutica e sua habilidosa implantação pode, em alguns casos, ser facilitada pela análise dos déficits comportamentais implicados em prejuízos do funcionamento cortical superior” (Horton, 1979, apud Horton, 1994, p. 4). O interesse por uma interface entre neuropsicologia e terapia comportamental parece ter surgido com William Gaddes (1968, apud Horton, 1997), o qual argumentou que esta união seria especialmente útil para os distúrbios de aprendizado da infância. Wilson (2003) cita Lane (1977), que publicou uma detalhada descrição do trabalho de Itard com um garoto com problemas de comportamento como sendo o início da aplicação de procedimentos comportamentais na reabilitação. Itard utilizou-se de aproximações que hoje são conhecidas como modelagem; ele também empregou o que hoje chamamos de encadeamento (dividiu uma habilidade mais complexa em partes mais simples e ensinou primeiro as mais simples 28 até conseguir instalar a habilidade mais complexa), além de demonstrar preocupação com a questão da generalização. Luria et al. (1963; 1969) não utilizaram os termos “terapia comportamental” ou “modificação do comportamento”, mas empregavam procedimentos comportamentais no trabalho com portadores de lesões cerebrais. Os procedimentos por eles descritos são parecidos com o que hoje é conhecido por modelagem. Segundo Goodkin, descreveu e incentivou o emprego de procedimentos comportamentais em adultos com lesões cerebrais. Ele empregou o condicionamento operante para melhorar habilidades como escrita, operação de maquinário e locomoção em cadeira de rodas com três pacientes vítimas de derrames e um paciente com doença de Parkinson Goodkin (1966). Descrições da utilização de procedimentos comportamentais em adultos lesionados cresceram bastante na década de 1970, segundo Wilson et al. (2003). Entretanto, foi na década de 1980 que os procedimentos comportamentais passaram a ser aplicados mais rigorosamentepara problemas cognitivos. As publicações da época expuseram as diversas razões pelas quais métodos comportamentais são apropriados e eficientes para pessoas com lesões cerebrais. Os autores listam algumas dessas razões: Abundância de procedimentos tanto para diminuir comportamentos- problema como para instalar comportamentos desejáveis; tais procedimentos que podem ser adaptados ou modificados para cada tipo de cliente. Riqueza e complexidade de suporte teórico possibilitando aplicações em uma vasta gama de clientes, situações e problemas. Os objetivos são explícitos, pequenos e usualmente fáceis de se alcançar Ao contrário de outros programas, a avaliação e o tratamento são inseparáveis na abordagem comportamental. Avaliações neuropsicológicas ou cognitivas, por exemplo, se relacionam indiretamente com o tratamento. Pontuações baixas em testes de inteligência ou memória não são objetivos para o tratamento, pois não se ensina os clientes a “passar” nesses testes. Os escores são importantes para a compreensão das forças e dificuldades cognitivas e para o planejamento da reabilitação, mas eles não informam detalhes 29 sobre dificuldades cotidianas, como os familiares lidam com essas dificuldades, o que o cliente espera alcançar ou como o ambiente interfere no comportamento. Para obter esses dados, é necessária a utilização de uma avaliação comportamental, que frequentemente já faz parte do tratamento em si. Tratamentos bastante individualizados, em contraposição a pacotes de tratamento (como programas computadorizados) que podem não funcionar para determinados clientes. A abordagem comportamental leva em conta as condições biológicas do indivíduo, eventos precipitadores, as consequências desses eventos, fatores sociais e o ambiente no qual o indivíduo está inserido. Programas que podem ser facilmente compreendidos e gerenciados por terapeutas, clientes e familiares. Alguns autores (Kazdin e Hersen, 1980; Pearce e Wardle, 1989; Wilson et al., 2003) destacam que analistas do comportamento possuem características que são vantajosas para a reabilitação neuropsicológica, como: forte comprometimento com a avaliação empírica do tratamento e dos procedimentos de intervenção; especificação do tratamento em termos operacionais e, assim, replicáveis; avaliação dos efeitos do tratamento por meio de modalidades de múltiplas respostas com ênfase particular no comportamento observável; forte ligação com outras disciplinas (desde dificuldades de aprendizagem até a larga aplicação em diversas condições médicas como diabetes, dor crônica, obesidade, adição, lesões cerebrais), o que facilita o trabalho dos cientistas comportamentais em equipes multi e interdisciplinares. 5 A TERAPIA OCUPACIONAL Entender o processo histórico de uma profissão possibilita a compreensão sobre sua prática na atualidade segundo Barlotti e De Carlo (2001), relatam o uso terapêutico das ocupações desde a antiguidade, entre gregos e romanos. Acreditava- se que a utilização das atividades (trabalho, exercício, arte e artesanato) poderia “curar” aqueles que estivessem “possuídos pelo demônio”. Aos demais doentes eram oferecidas com o propósito de manter o ambiente tranquilo e favorecer o contato com os “deuses”. 30 Segundo as mesmas autoras por volta do século XVIII e do início do século XIX, a ocupação tornou-se largamente aceita para o tratamento do doente mental, quando o doutor Philippe Pinel, em 1791 assumiu a direção do asilo Bicêtre e deparou com a trágica situação na qual viviam os doentes mentais. Conforme Francisco (2008), a ocupação, naquele momento, foi o recurso principal. Segundo Soares (2007) “a generalização do trabalho a todos os tipos de alienados gerou uma gradação da atividade, segundo o grau de “degradação” moral e intelectual do interno e a complexidade do trabalho oferecido”, movimento ficou conhecido como Tratamento Moral e consoante Francisco (2008), foi difundido até a metade do século XIX na Europa e na América. Segundo Caniglia, no início do século XX, nos Estados Unidos, um grupo de profissionais que se intitulavam como terapeutas ocupacionais tentaram elaborar os princípios da profissão. Eram médicos, enfermeiros assistentes sociais, professores de arte e voluntários. Eles defendiam o equilíbrio repouso-atividade e uma programação saudável de atividade, incluindo atividades produtivas, atividades lúdicas, atividades de autocuidado e contato pessoal. (CANIGLIA, 2005). A Terapia Ocupacional como profissão da área de saúde surgiu nos Estados Unidos, e sua primeira escola foi fundada em Chicago, em 1915. A intenção era diminuir os efeitos da primeira Guerra Mundial os atendimentos eram realizados para reabilitação dos incapacitados físicos e mentais que retornavam dos campos de batalha. Esse período foi chamado de “reconstrução” ou da restauração dos potenciais físicos e mentais dos sequelados de guerra. (MOREIRA, 2008). De acordo com Soares (2007) nesta mesma época iniciou-se a organização da categoria, em 1917, na Sociedade Nacional para Promoção da Terapia Ocupacional (depois chamada Associação Americana de Terapia Ocupacional). Em 1923, a Associação Americana de Terapia Ocupacional estabeleceu os “Padrões Mínimos para Curso de Treinamento em Terapia Ocupacional”, o que colaborou bastante para a elevação do status da profissão. Neste período, serviços de Terapia Ocupacional eram bastante solicitados por hospitais, principalmente nos Estados Unidos, na área de Reabilitação Industrial. (CANIGLIA, 2005), serviços que influenciou a terapia ocupacional no Brasil. 31 5.1 Terapia ocupacional no brasil No Brasil, a história da profissão remonta ao período posterior à Segunda Guerra Mundial e às estratégias de implantação de programas de reabilitação na América Latina, preconizadas por organismos internacionais (ONU, OIT, Unesco), apesar das antigas experiências de uso das “ocupações com objetivo terapêutico” em instituições asilares psiquiátricas no Brasil, devido à influência norte-americana. Segundo Bartalotti; de Carlo , no início da década de 60, os cursos de formação em Terapia Ocupacional foram implantados, preferencialmente, na área da reabilitação física. Gradativamente, porém, na formação dos terapeutas ocupacionais foram incorporados estágios na atenção psiquiátrica. (BARTALOTTI DE CARLO, 2001). Cabe ressaltar alguns nomes importantes para esse processo: Luís Cerqueira, Nise da Silveira, Elso Arruda e Suliano Filho; ambos psiquiatras, constituíram a terapia ocupacional no país e produziram textos teóricos importantes no período de 1950 a 1986. (SOARES, 2007). A profissão se institucionalizou entre 1948 e 1980. A formação profissional era inicialmente por meio de cursos de treinamento em saúde mental pela Dra. Nise da Silveira em 1948, depois em reabilitação física em 1956, porém o curso se tornou de nível universitário em 1961, pela lei do Currículo Mínimo, com 3 anos de duração. O reconhecimento da profissão foi promulgado apenas em 1969, juntamente com a fisioterapia. (SOARES, 2007). Ainda segundo a mesma autora, em 1970 criou-se o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO, que se organizou em entidades regionais. Em 1980 foi criado o primeiro sindicato da categoria, também em conjunto com a Fisioterapia. A legitimação oficial da T.O possibilitou sua ampliação em faculdades e universidades e consequentemente uma discussão mais ampla dos seus conceitos. 5.2 Definindo a terapia ocupacional Ao longo de sua história, a Terapia Ocupacional teve várias denominações como terapia pelo trabalho, ergoterapia, praxiterapia e laborterapia. Esses conceitos possuem similaridade e, no Brasil, foram substituídos por terapia ocupacional na 32 medida em que o curso e a profissão foram criados no país na segunda metade do século XX. (SOARES,2007). O termo “terapia ocupacional” foi proposto no início do século XX por George E. Barton, arquiteto norte-americano e fundador da Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA). A partir da constatação da existência da doença ocupacional, Barton perguntou-se por que não poderia haver uma “Terapia Ocupacional” para atender a demanda (SOARES, 2007). Francisco (2008) faz algumas considerações sobre certos mal-entendidos que o cotidiano e o senso comum lançam acerca do nome da profissão, quando é relacionado a brincadeiras, trabalho ou artesanato. Na tentativa de esclarecer essas questões, a autora traz pesquisa que realizou no Novo dicionário Aurélio, que apresenta a etimologia das palavras “terapia” e “ocupacional”: Segundo Francisco, no verbete terapêutica: Parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar doentes; Terapia. Terapêutica Ocupacional – psiq. Aquela que procura desenvolver e aproveitar o interesse do paciente por um determinado trabalho ou ocupação: Terapia Ocupacional, laborterapia, ergoterapia (nessa acepção, cf. praxiterapia) ’. Conforme solicitação do autor, partimos então à procura do verbete praxiterapia, que diz o seguinte: ‘ (de práxis mais terapia) técnica de tratamento usada, em geral, em doentes crônicos internados, e que consiste na utilização terapêutica do trabalho, distribuindo-se aos pacientes tarefas de complexidade crescente’... Quanto a ocupacional, diz o autor: ‘referente a ocupação, trabalho, oficio’. Vejamos agora ocupação: ‘do latim occupatione – ato de ocupar, ou de apoderar-se de algo – Ofício, trabalho, emprego, serviço...’ (Francisco (2008). A mesma autora constata que o estudo das raízes das palavras permite o entendimento da terapia ocupacional como “técnica (parte da medicina que estuda e põe em prática) que utiliza o trabalho como recurso (meio adequado) para tratar (aliviar ou curar os doentes) ”. (FRASCISCO, 2008). No entanto, a pertinência deste termo vem sendo questionada por alguns terapeutas ocupacionais. Caniglia (2005) defende o termo “praxiterapia”, pois o considera mais fiel às formas de atuação deste profissional, para ela o termo “práxico” abrange mais as atividades humanas. A autora julga que o termo “ocupacional” se refere mais ao trabalho, restringindo a atuação. Esses questionamentos são universais, porém, a profissão permanece sendo denominada oficialmente de Terapia Ocupacional. A concepção específica da T.O, remete a um conceito de profissional em que se evidencia suas funções reabilitadoras, isto é, ele é considerado como alguém que, 33 através de seus conhecimentos específicos, deve atender às necessidades físicas, psíquicas e sociais de forma abrangente e significativa com utilização da ocupação humana. As definições profissionais de terapia ocupacional são atualizadas periodicamente. A Associação Brasileira de Terapia Ocupacional divulgou 28 definições colhidas pela Federação Mundial de Terapia Ocupacional junto aos seus países membros. Os países que responderam foram: 16 europeus, 5 asiáticos, 4 americanas e 1 do oriente médio. (SOARES, 2007; WFOT 2002). De acordo com Soares (2007, p.04), a definição inicial de Terapia Ocupacional foi proposta em 1922 pelo médico H. A. Pattison, como “qualquer atividade, mental ou física, claramente prescrita e orientada, com o objetivo específico de contribuir para o tratamento e acelerar a recuperação de uma doença ou trauma”. Durante os últimos dez anos, os terapeutas ocupacionais brasileiros têm aceitado as definições de terapia ocupacional vindas dos Estados Unidos, e acolhem com maior frequência as propostas pela Associação Americana de Terapia Ocupacional. (FRANCISCO, 2008). A seguir, algumas das principais definições. A Associação Americana de Terapia Ocupacional propõe a seguinte definição: Segundo Wfot, Terapia Ocupacional é o uso das atividades significativas elaboradas para alcançar resultados funcionais que promovam saúde, previnam lesão ou deficiência, e que desenvolvam, melhorem e sustentem ou reestabeleçam um maior nível possível de independência de qualquer indivíduo que tenha uma lesão, doença, déficit cognitivo, desajuste psicossocial, doença mental, atraso no desenvolvimento, ou dificuldade de aprendizagem, disfunção física ou outro transtorno. Inclui avaliação por meio de observação qualificada ou avaliação pela administração e interpretação de testes formais ou informais. – Definição prática de Terapia Ocupacional para Regulamentação Federal pela Associação Americana de Terapia Ocupacional, 1994. (WFOT, 2002,). A WFOT – World Federation of Occupational Therapists (Federação Mundial de Terapia Ocupacional) assim define a Terapia Ocupacional: Terapia Ocupacional é uma disciplina da saúde que diz respeito a pessoas com diminuição, déficit ou incapacidade física ou mental, temporária ou permanente. O terapeuta ocupacional profissionalmente qualificado envolve o paciente em atividades destinadas a promover o restabelecimento e o máximo uso de suas funções com o propósito de ajudá-los a fazer frente às demandas de seu ambiente de trabalho, social, pessoal e doméstico e a participar da vida em seu mais plano sentido. (WFOT, 2002). 34 Em 1997 desenvolveu-se um conceito brasileiro para definir a profissão e que foi de grande importância para o desenvolvimento da profissão no país, afinal, o conceito de uma profissão deve ser adequado ao contexto do país (FRANCISCO, 2008; WFOT 2002). Esta definição foi formulada pelo curso de Terapia da USP - Ocupacional da Universidade de São Paulo, e é a definição brasileira mais difundida: É um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia das pessoas que, por razões ligadas a problemática específica, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ou sociais, apresentam, temporariamente ou definitivamente, dificuldade na inserção e participação na vida social. As intervenções em Terapia Ocupacional dimensionam-se pelo uso da atividade, elemento centralizador e orientador, na construção complexa e contextualizada do processo terapêutico. (WFOT, 2002). A Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais traz a seguinte definição da profissão: Uma profissão de nível superior reconhecida e regulamentada pelo Decreto Lei nº 938/69 e pelas resoluções COFFITO nº 08/1978, 10/1978, 81/1987, estes atribuem as competências do profissional terapeuta ocupacional, no diagnóstico do desempenho ocupacional nas áreas das atividades de vida diária, atividades instrumentais de vida diária, trabalho e produtivas, lazer ou diversão e nos componentes de desempenho sensório-motor, integração cognitiva, e componentes cognitivos, habilidades psicossociais e componentes psicológicos, por meio da utilização de métodos e técnicas terapêuticas ocupacionais. (ABRATO, 2012) Definição disponibilizada pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional: Segundo Coffito, é uma área do conhecimento, voltada aos estudos, à prevenção e ao tratamento de indivíduos portadores de alterações cognitivas, afetivas, perceptivas e psicomotoras, decorrentes ou não de distúrbios genéticos, traumáticos e/ou de doenças adquiridas, através da sistematização e utilização da atividade humana como base de desenvolvimento de projetos terapêuticos específicos. (COFFITO, 2011). Com as organizações das definições da terapia ocupacional podemos fazer referência aos modelos que podem conduzir a prática da T.O. 35 5.3 Modelos teóricos em terapia ocupacional Os conhecimentos teóricos ministrados nos cursos de T.O são apontados como formas fundamentadas de intervenção. Segundo Hagedorn (2001), os modelos são “uma representação simplificada de estrutura e conteúdo de um fenômeno ou sistema, que escreve ou explica as complexas relações entreos conceitos do sistema e integra os elementos da teoria e da prática”. Na busca pelo reconhecimento científico, a terapia ocupacional referenciou a estrutura de seus modelos de atuação nos procedimentos e teorias médicas e psicológicas, entre quais, cabe ressaltar, os exercícios físicos, a estimulação sensorial, as atividades sequenciais do desenvolvimento humano. Isso se deu pelo fato de serem os conhecimentos valorizados na época. (MEDEIROS, 2004). A terapia ocupacional, porém, foi saindo gradualmente da tutela médica e se apropriando de um arsenal teórico para sustentar sua prática, afirmando, dessa forma, um status profissional. (DRUMMOND, 2007). Na terapia ocupacional, os “Modelos Teóricos” indicam a abordagem teórica utilizada para fundamentar a prática do profissional. De acordo com Caniglia (2005), “os modelos tratam das referências teóricas que contém conceitos e premissas teóricas que darão base e orientação para a utilização na clínica e na pesquisa”. Segundo Caniglia, vários estudos têm sido feitos para se detectarem quais modelos teóricos o terapeuta ocupacional busca para fundamentar sua prática. CANIGLIA (1991), pesquisando referências teóricas utilizadas em Terapia Ocupacional, observou que vários profissionais se interessam pelo assunto: Reed identificou 35 modelos em Terapia Ocupacional; Helen e Hopkins apresentaram nove abordagens para a prática: Comportamental, Biomecânica, Cognitiva, Desenvolvimental, Neurodesenvolvimental, Sensório-motora, Ocupação Humana, Psicanalítica e Reabilitação. Anne Mosey três abordagens de referência: Analítica, Desenvolvimental e Aquisicional. Javetz e Katz apontaram nove modelos: Integrativo Sensorial, Neurodesenvolvimental, Comportamental, Cognitivo, Comportamento Ocupacional, Psicodinâmico, Desenvolvimental, Reabilitativo e Biomecânico. Briggs e outros autores apresentam quatro modelos para a Terapia Ocupacional Psicossocial: Psicanalítico, Comportamental, Humanístico e Desenvolvimental. Kielhofner levantou oito modelos: Adaptação Espaço Temporal, Biomecânico, Cognitivo Perceptual, Controle Motor, Distúrbios Cognitivos, Grupos de Trabalho, Integrativo Sensorial e Ocupação Humana. Hagedorn descreveu 6 modelos: Ocupação Humana, Adaptação através da Ocupação, Desempenho Ocupacional, Habilidades Adaptativas, Incapacidade Cognitiva, Saúde através das Atividades, Caniglia (2005). 36 Caniglia (2005) apresenta em seus estudos uma classificação para os modelos utilizados em terapia ocupacional, a saber: Modelo Profissional, Modelos Sanitaristas, Modelos Históricos, Modelos Filosóficos e Modelos Metodológicos. Optou-se por explicitar melhor esse último, pois se caracteriza em ter como base e utilização de teorias, métodos e técnicas específicas. As principais características destes modelos estão organizadas no Quadro 1: Fonte: bdm.unb.br- caniglia, 2005. 37 Fonte: bdm.unb.br- caniglia, 2005. Cabe ainda detalhar melhor as abordagens mais utilizadas pelos terapeutas ocupacionais em saúde mental. Uma delas é o modelo analítico, também conhecido como junguiano devido ao seu criador Carl Gustav Jung (1875-1961). Segundo Vaz (2007), os estudos de Jung foram trazidos para o Brasil na primeira metade do século XX por Nise da Silveira, ela considerava que Jung forneceria à terapia ocupacional amplas bases de terapêutica para neuróticos e para psicóticos. O modelo junguiano utiliza os conceitos tais como: inconsciente individual, inconsciente coletivo, arquétipos, persona, self, mandala, animus, anima, sombra, atitude e funções. O processo exige uma comunicação entre o consciente e o inconsciente, um diálogo constante entre vida exterior e a dimensão simbólica da vida interior. (JUNG, apud CANIGLIA, 2005). Mângia e Nicácio (2001) sugerem que um dos referenciais que se tornaram importantes para a Terapia Ocupacional no processo de constituição do campo da saúde mental foi a Psicodinâmica. Segundo as autoras, esses referenciais surgiram a partir da intenção de humanizar as instituições psiquiátricas, criticar o Tratamento Moral, a Ergoterapia, as práticas de ocupação do tempo ocioso e violações da identidade presentes nos ambientes asilares, sem, no entanto, romper com sua lógica. Tedesco (2007) define psicodinâmica como “o efeito das ideias psicanalíticas sobre diferentes áreas que enfocam o funcionamento mental e desenvolvem estratégias que lidam ou consideram o sofrimento psíquico”. Conceitua ainda a psicodinâmica da ação como o entendimento dos mecanismos inconscientes das 38 ações ou dos comportamentos como peça importante para compreensão do ser humano e das estratégias desenvolvidas na relação terapêutica. Para Almeida e Trevisan (2010), a Prática Centrada no Cliente constitui um referencial teórico da psicologia que é utilizado pelo terapeuta ocupacional e que tem grande importância na saúde mental. De acordo com as autoras este modelo possibilita desenvolver ações junto com os usuários, auxiliando-os no processo de identificação de suas demandas e superação dos obstáculos que se interpõem à sua participação social e desempenho satisfatório nas atividades cotidianas. A Prática Centrada no Cliente, proposta por pelo psicólogo Carl Rogers é uma abordagem canadense que privilegia a interação terapeuta e cliente no processo terapêutico, permitindo que o terapeuta torne-se um facilitador em tal processo. Tal abordagem visa habilitação nas áreas de desempenho ocupacional referentes ao lazer, produtividade e autocuidado, desde que dotados de significado para o indivíduo e adequados a seu momento e contexto de vida. Verifica-se que este modelo constitui uma ferramenta de trabalho que coincide com os pressupostos da Reabilitação Psicossocial por valorizar a coparticipação e responsabilização do usuário por seu projeto terapêutico, e por demonstrar flexibilidade quanto à utilização de modelos de intervenção diversos que atendam as demandas de cada caso (MÂNGIA, 2002). 6 ALGUMAS DEMONSTRAÇÕES DE TRATAMENTO ATRAVES DA REABILITAÇÃO 6.1 Reabilitação neuropsicológica na depressão: um enfoque terapêutico ocupacional Avaliação e reabilitação terapêutica ocupacional: Oliveira, Gomes e Oliveira (2009) ilustram que a ocorrência de depressão é associada a diversos fatores, tais como idade, estado civil, classe social e condições sociais. Os autores ainda afirmam que o transtorno depressivo é uma condição que afeta todos os indivíduos em alguma fase de suas vidas, seja como humor transitório ao se sentir abatido ou melancólico, ou como uma forma mais séria, que pode 39 prejudicar o desempenho físico e psicológico, incluindo-se então as atividades ocupacionais do ser humano. A partir dessas questões, pode-se dizer que a Terapia Ocupacional adentra esse contexto como forma de reabilitar ou adaptar o indivíduo com transtorno depressivo às suas condições cotidianas, ocupacionais ou de lazer. Segundo Neistadt e Crepeau (2002), “ocupação” em terapia ocupacional não se refere simplesmente a profissões ou treinamentos profissionais, e sim a todas as atividades que ocupam o tempo das pessoas e dão sentido a suas vidas, (Neistadt e Crepeau 2002). Baseado na obra de Francisco (1988), o terapeuta busca promover a saúde ocupacional, habilitando as pessoas para que possam engajar-se nos papéis, nas tarefas e atividades que tenham significados para elas no seu dia-a-dia e que sejam definidoras de suas vidas. Diante do exposto, a Terapia Ocupacional aliada à Neuropsicologia fornecerá subsídios para a complementação das avaliações, bem como a interligação de técnicas capazes de reabilitar, estimular ou desenvolver a capacidade cognitiva dos pacientes acometidos pela depressão. Estudos feitos por Camargo, Bolognani e Zuccolo (2008), a bateria de testes fornecidos pela Neuropsicologia estabelece não só as fraquezas, mas também as forças cognitivas, promovendo
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