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Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 1 AULA 02 – PARASITOSES CAUSADAS POR PROTOZOÁRIOS UROGENITAIS: TRICOMONÍASE A tricomoníase é uma parasitose que se transmite pela relação sexual, por isso é considerada uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). Ocorre no mundo todo, e é a mais frequente das ISTs e vem crescendo, especialmente nas mulheres entre a segunda e terceira décadas de vida, devido às mudanças de hábitos como liberação sexual e troca frequente de parceiros. Na maioria dos homens, a infecção é assintomática e perdura por mais tempo do que nas mulheres. O Trichomonas vaginalis, agente etiológico da doença, é um protozoário parasita que infecta o trato urogenital humano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima quase 300 milhões de casos anuais da infecção, com prevalência de até 74% em mulheres e 29% em homens. Embora menos de 20% das mulheres parasitadas sejam sintomáticas, o parasito pode causar vulvovaginite e doença inflamatória pélvica. Cerca de 14 a 60% dos parceiros de mulheres infectadas também albergam o parasito, geralmente sem sintomas, mas podem apresentar uretrite ou prostatite. AGENTE ETIOLÓGICO: Trichomonas vaginalis O parasita foi descrito originalmente em 1836 por Alfred François Donné, sendo inicialmente considerado um comensal sem grande interesse clínico, e foi gradualmente aceito como agente etiológico primário de infecções do trato urogenital a partir da década de 1940. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 2 Esse protozoário apresenta somente a forma trofozoíta em seu ciclo de vida, que, apesar de seu polimorfismo, possui um único núcleo ovalado ou elipsoide e localizado próximo à inserção flagelar na porção anterior. Não apresenta mitocôndria e possui quatro flagelos apicais e livres, e um quinto flagelo pregueado junto à membrana citoplasmática da célula em direção à porção posterior denominado membrana ondulante, ou flagelo recorrente. O citoesqueleto, denominado axóstilo, percorre todo o corpo e se projeta ao exterior na porção posterior. Existem diferentes espécies desse gênero que parasitam animais domésticos e silvestres, sendo que em seres humanos pode-se ainda observar a presença de T. tenax na cavidade bucal e outro gênero da mesma família, com a espécie Pentratrichomonas hominis, comensal intestinal. A morfologia dos trofozoítos de T. vaginalis é extremamente variável. Podem ser elipsoides, piriformes ou ovais, com dimensões aproximadas de 7 a 32 μm de comprimento por 5 a 12 μm de largura, dependendo das características físico-químicas do ambiente. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 3 A movimentação do trofozoíto depende da ação dos flagelos livres e da membrana ondulante. O axóstilo, estrutura microtubular originada na região anterior da célula, projeta-se internamente por toda a extensão do trofozoíto e produz uma saliência em sua extremidade posterior, recoberta pela membrana celular. Sua principal função é dar suporte à célula e auxiliar no processo de divisão celular. Não há forma cística conhecida no gênero Trichomonas. No entanto, formas esféricas com flagelos internalizados têm sido consideradas pseudocistos, observadas em condições ambientais hostis e no processo de interação com a célula hospedeira. T. vaginalis desenvolve-se bem em ambientes com baixa tensão de oxigênio, com pH entre 5,0 e 7,5 e temperatura entre 20°C e 40°C. Em mulheres saudáveis, o pH vaginal é normalmente mantido entre 3,8 e 4,4, graças à produção de ácido láctico por bactérias saprófitas, tornando o ambiente hostil ao parasito. No homem, os trofozoítos podem ser encontrados na uretra, no epidídimo e na próstata. Aderem às células epiteliais e causam lesão celular seguida de inflamação e transição epitélio-mesenquimal. Os trofozoítos não apresentam mitocôndrias nem peroxissomos, organelas envolvidas no metabolismo energético da maioria dos eucariotos, mas têm seu citoplasma repleto de hidrogenossomos, organelas de dupla membrana envolvidas no metabolismo de carboidratos, dispostas em torno do axóstilo. Têm um único núcleo elipsoide, localizado próximo à extremidade anterior, envolvido por uma membrana porosa e reproduzem-se assexuadamente por divisão binária. Assim como o G. duodenalis e a E. histolytuca, o T. vaginalis é parasito cavitário, tendo como habitat os tratos genitais masculino e feminino. Na mulher é usualmente encontrado no epitélio do trato genital, podendo alcançar a cérvix uterino. No homem, usualmente assintomático, o parasito é encontrado na uretra, podendo alcançar o epidídimo e a próstata. TRANSMISSÃO E CICLO VITAL: Os seres humanos são os únicos hospedeiros naturais do T. vaginalis. O trofozoíto é transmitido de pessoa a pessoa, geralmente por relações sexuais. A transmissão não sexual pode ocorrer em meninas, mulheres virgens e até mesmo em recém-nascidos por propagação e transferência do parasito pela água de banho em instalações sanitárias (duchas higiênicas, pias, banheiras, vasos sanitários) e em objetos de higiene íntima e outros fômites. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 4 Em gestantes com infecção assintomática não tratada, pode ocorrer transmissão do parasito ao recém-nascido (particularmente do sexo feminino) pelo rompimento da bolsa amniótica, seja precocemente ou durante a passagem pelo canal do parto. Embora a associação entre a infecção por T. vaginalis durante a gestação, o parto prematuro e o baixo peso ao nascer esteja bem estabelecida, pouco se sabe sobre a patogênese dessas complicações. No recém- nascido exposto ao canal de parto infectado, observa-se raramente a colonização das vias respiratórias pelo parasito, que pode causar pneumonia neonatal. A tricomoníase é incomum na primeira década de vida, uma vez que o ambiente vaginal (características do epitélio e pH) não favorece sua colonização pelo parasito. PATOGENIA: T. vaginalis ultrapassa diversas barreiras para colonizar o epitélio urogenital. O baixo pH controla a flora vaginal saudável, restrita assim a organismos acidófilos. Além disso, os lactobacilos produzem grande quantidade de H2O2, fator adicional de proteção da mucosa vaginal contra a colonização por patógenos. Ao longo do ciclo menstrual, entretanto, há renovação do epitélio estratificado vaginal, com variação na secreção de glicogênio e mudanças de pH, alterações que podem aumentar a vulnerabilidade do epitélio à colonização por bactérias, fungos e T. vaginalis. A colonização do epitélio do trato urogenital humano depende, inicialmente, de sua capacidade de aderir às células de uma variedade de epitélios, com o uso de múltiplos fatores de aderência. O parasito é recoberto por um glicocálix denso composto por lipofosfoglicano (LPG) e proteínas de superfície. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 5 A aderência do parasito aos epitélios urogenitais é um passo crítico na fase inicial da infecção e subsequente patogênese. Esse processo induz a ativação de genes do parasito e da célula hospedeira. Soma-se a isso a presença de pequenas vesículas extracelulares na superfície do parasito, denominadas exossomos, que medeiam a interação parasito-hospedeiro. As interações entre T. vaginalis e as células epiteliais do hospedeiro incluem as seguintes etapas: 1. Os trofozoítos aderem à superfície da mucosa mediante interações com a mucina; 2. Ocorre secreção de mucinases, que solubilizam o revestimento mucoso e liberam o parasito; 3. O batimento flagelar possibilita ao parasito liberado penetrar a matriz mucosa solubilizada e interagir com as células epiteliais subjacentes; 4. O parasito degrada proteínas da matriz extracelular e rompe a junção intercelular, agravando a lesão epitelial. No processo de adesão, o parasitoassume formato ameboide, recobrindo a célula do hospedeiro e exercendo efeito citotóxico em células do sistema imune, como os neutrófilos, e fagocita bactérias saprófitas, células do epitélio vaginal e eritrócitos, além de degradar anticorpos IgG e IgA e proteínas do sistema complemento. A inflamação da mucosa urogenital resulta no recrutamento de células do hospedeiro, como os neutrófilos e os monócitos, com a produção de citocinas proinflamatórias e de óxido nítrico. A extensa lesão epitelial aumenta a vulnerabilidade às infecções oportunistas por bactérias, fungos e vírus e aos adenocarcinomas. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 6 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: EM MULHERES: A infecção por T. vaginalis está associada a um amplo espectro de manifestações clínicas cuja intensidade depende de fatores genéticos do parasito e do hospedeiro, da interação entre organismos da flora vaginal e da fase do ciclo menstrual em que ocorre o contato com o parasito. O parasito coloniza a mucosa vaginal e pode chegar ao cérvix uterino. Sua presença no trato urinário superior e nas tubas uterinas é muito rara. Cerca de 25 a 50% das infecções vaginais confirmadas por exames laboratoriais são assintomáticas. Entretanto, T. vaginalis pode causar vulvovaginite persistente resultante de processo inflamatório crônico. A mucosa vaginal encontra-se edemaciada e hiperemiada em 22 a 37% dos casos, com pequenos focos de hemorragia com aspecto de petéquias observados ao exame colposcópico em 45% das mulheres infectadas. Há leucorreia profusa em 42% dos casos; a mucosa é revestida por um exsudato seropurulento espumoso, amarelado ou esverdeado, às vezes com bolhas. As pacientes apresentam sinais e sintomas típicos de inflamação vaginal e cervical, como prurido e ardor, além da leucorreia, que em metade delas apresenta-se com odor fétido. Em mulheres não tratadas, a leucorreia persiste por vários meses, promovendo irritação na vulva, com edema, eritema e, eventualmente, escoriações, o que leva a disúria, dispareunia e dor em baixo ventre. O períneo e a pele das regiões inguinal e próximas às nádegas podem ser afetados. O período de incubação é incerto, mas frequentemente estimado entre 5 e 28 dias. Pacientes com tricomoníase apresentem risco de adquirir infecção pelo HIV seis vezes maior do que as mulheres não infectadas, considerando a ruptura do revestimento epitelial, que facilita a penetração do vírus em camadas celulares subjacentes e o acesso à corrente sanguínea, e o recrutamento de linfócitos CD4+ por T. vaginalis, células-alvo do HIV. Além disso, a ativação do sistema imune pelo parasito parece favorecer a replicação viral. Mecanismos semelhantes poderiam explicar também a maior suscetibilidade das mulheres diagnosticadas com câncer do colo uterino, desencadeado por infecções persistentes com alguns subtipos do papilomavírus humano (HPV). A tricomoníase durante a gravidez pode resultar em ruptura prematura das membranas, parto prematuro e baixo peso ao nascer. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 7 EM HOMENS: Costuma ser assintomática e de curta duração. No entanto, T. vaginalis causa 3 a 17% das uretrites diagnosticadas em homens, com secreção pouco abundante, purulenta ou mucoide e mais frequente pela manhã. As complicações associadas à tricomoníase são constrição uretral, prostatite e epididimite. Há relatos de aumento de risco para câncer prostático em indivíduos com evidência sorológica de exposição à infecção, mas os dados disponíveis não são conclusivos. Metade dos parceiros de mulheres infectadas adquire a infecção. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico é realizado pela observação de sinais característicos da infecção, especialmente na mulher, mas deve ser acompanhado e confirmado por exames laboratoriais. No homem, a coleta de material uretral deve ser realizada no primeiro jato de urina da manhã, sendo utilizado swab, ou através da coleta de esperma, onde o parasito é abundante. Já na mulher, a coleta de material de secreção vaginal é realizada com swabs, antes da higiene matinal. O material coletado deve ser examinado a fresco ou em preparações coradas. Como o parasito é muito sensível à dessecação, o material também é semeado em meios de cultivo ou adicionado de soluções conservantes para o transporte ao laboratório. TRATAMENTO: As infecções são tratadas com derivados nitroimidazólicos, como metronidazol e tinidazol: - 2 g em dose única por via oral (taxa de cura de 82 a 97%), ou - 500 mg, 2 vezes/dia, por 1 semana (taxa de cura de 85 a 90%). Nos casos de resistência aos nitroimidazólicos, utilizam-se doses maiores (2 a 4 g/dia, divididos em duas doses, por 10 a 14 dias) de metronidazol; outra alternativa é o uso tópico de paromomicina. Existe tratamento eficaz, mas deve-se considerar o portador assintomático, ou seja, ambos os parceiros devem ser tratados mesmo quando um deles é portador assintomático. Parasitologia – Elaboração: Prof. Me. Alexandre Castelo Branco 8 PREVENÇÃO E CONTROLE: A prevalência depende de vários fatores associados, como idade, atividade sexual, quantidade de parceiros sexuais, fase do ciclo menstrual, presença de outras ISTs e condições socioeconômicas. Há ampla variação de acordo com a população estudada, mas as maiores prevalências são registradas entre portadores de infecções sexualmente transmissíveis. Diversos estudos mostram uma elevada prevalência da América Latina, variando entre 7,6 e 20%. No Brasil, estima-se ocorrência anual de 4 milhões de novas infecções. Esses dados incertos devem-se às limitações na seleção das amostras, uma vez que não são representativas da população em geral. A prevenção da tricomoníase é feita essencialmente com as estratégias utilizadas para as demais DSTs, com ênfase em hábitos de higiene pessoal e uso de preservativos. O diagnóstico e o tratamento precoce das infecções, sintomáticas ou não, são medidas fundamentais para reduzir a fonte de infecção em gestantes e não gestantes. O tratamento dos parceiros de mulheres infectadas é outra estratégia essencial para evitar reinfecções frequentes e assegurar altas taxas de cura a longo prazo. No entanto, ocorrem falhas terapêuticas como resultado da falta de aderência ao tratamento, de reinfecções e de erros de diagnóstico, que levam a tratamentos ineficazes. Além disso, com a emergência da resistência de T. vaginalis ao metronidazol, torna-se imprescindível melhorar as estratégias de prevenção e criar novas alternativas de tratamento. As tecnologias de prevenção multiuso são ferramentas novas e multifuncionais desenvolvidas para proteger contra a infecção pelo HIV e outras ISTs, bem como contra a gestação indesejada; uma vez validadas, certamente contribuirão para o controle dessas infecções. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FERREIRA, M. U. Parasitologia Contemporânea. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. PINTI, C. J. C.; GRISARD, E. C.; ISHIDA, M. M. I. Parasitologia. Florianópolis: UFSC, 2011.
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