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PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL AULA 3 Profª Cleci Elisa Albiero 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula vamos dar os primeiros passos em relação à pesquisa em serviço social, tratando especificamente dos temas relacionados à produção do conhecimento na pesquisa em serviço social, os elementos que compõem a pesquisa e seu alcance social como elemento mediador da relação sujeito versus objeto no contexto do serviço social e, principalmente, o papel político que a pesquisa desempenha na sociedade. TEMA 1 – PESQUISA E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO SERVIÇO SOCIAL A discussão da pesquisa e do conhecimento no serviço social remonta à trajetória histórica dos avanços, conquistas e, em certos momentos, de retrocessos da profissão até os dias atuais. Os marcos históricos principais dessa discussão retomam o movimento de reconceituação e ruptura com o conservadorismo e a inserção das teorias marxistas na profissão, no Brasil e especialmente na America Latina em meados dos anos 1960/1970, fortalecendo-se e consolidando-se na década de 1980. São esses os marcos e registros da produção do conhecimento que lhes dão sustentação teórica metodológica para intervir na realidade social de forma critica e criativa, respaldados no projeto ético político da profissão e comprometidos com os interesses do coletivo e com a construção de uma outra perspectiva de sociedade. É importante que se diga que as pesquisas em serviço social têm contribuído significativamente para avanços em diferentes áreas e campos de atuação profissional, desde as políticas públicas até o enfrentamento das expressões da questão social, na construção de propostas de currículos e fundamentos teóricos e metodológicos, alinhando-se com o projeto ético político profissional. Nesse sentido, segundo Bourguignon (2008, p. 15), a pesquisa faz parte da natureza humana e, como condição de constituição do ser social, está presente nas interações e ações humanas e é de fundamental importância para o serviço social com suas bases teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico- interventivas. A pesquisa permanente e a produção de conhecimentos 3 em serviço social são decisivas para a sobrevivência dessa profissão na contemporaneidade e no projeto de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática. TEMA 2 – ELEMENTOS DA PESQUISA E O SERVIÇO SOCIAL A concepção que orienta o debate da pesquisa no serviço social, na atual conjuntura acadêmica, é resultado de um processo crítico que vem sendo construído há algumas décadas. Pode-se apontar como marcos históricos o período de reconceituação meados da década de 60 até fins da década de 70 e, com ele, a construção da identidade social da profissão, ao questionar sua base científica. Outro ponto importante a ser considerado nesse contexto é o debate em torno das teorias marxistas e sua inserção no serviço social, rompendo com as linhas positivistas e funcionalistas do serviço social europeu- americano e principalmente nas formas organizativas e nos princípios da organização curricular da ABEPSS de 1996 em vigência até os dias atuais e no perfil profissional delineado por essas diretrizes. A produção de conhecimento no serviço social aliada à pesquisa científica não se dissocia dos valores profissionais relativos que nos apontam como um horizonte um projeto de sociedade, articulado com a materialização de um projeto mais amplo. Segundo Moraes (2017, p. 391), essa “materialização por meio da construção de intervenções individuais e coletivas qualificadas que realimentam novas possibilidades de desvendar as contradições da sociedade capitalista do século XXI” Dessa forma, não é de surpreender-se que a afirmação de que a pesquisa para o serviço social na atualidade é entendida como uma “atribuição profissional” e que se expressa na formação e no trabalho do assistente social. (Moraes, 2017) precisa ser pensada com fundamentação e arcabouço teórico- metodológico e ético-político da profissão e um direcionamento para a formação em pesquisa. Para Sposati (2007), o enraizamento científico da produção do conhecimento em serviço social, orientado pela direção social contra- hegemônico, confere um locus de legitimidade da pesquisa em serviço social, embora esse processo seja contínuo e suas relações externas sejam interdisciplinares e institucionais. 4 A questão da pesquisa no serviço social e a interdisciplinaridade são temas aos quais voltaremos em breve para ampliação da discussão. TEMA 3 – A COMPREENSÃO DA REALIDADE E AS DEMANDAS DA PRATICA PROFISSIONAL POR MEIO DA PESQUISA Não é de estranharmos que, mesmo no meio acadêmico, encontramos pesquisas que tratam de problemas desconexos com a realidade e destituídas ou desconsideradas de interpretações mais amplas e acuradas. Conhecer a realidade com base em fundamentação teórica nos possibilita avançar em relação ao senso comum, ao empírico para uma realidade concreta formada com suas múltiplas determinações históricas e consubstanciadas na pesquisa. Sendo assim, segundo Setúbal (2013, p. 63), o ato de investigar um determinado objeto com a finalidade de construir conhecimento, compreender a realidade na sua complexidade, requer do pesquisador não só a construção de um instrumental que de condições para a visibilidade das diferentes facetas do objeto e permita a apreensão da realidade na sua manifestação real, mas também que a postura metodológica empregada dentro da flexibilidade possível viabilize, sem se afastar do exercício sistemático necessário. Segundo Bourguignon (2008, p. 101, citado por Pinto, 1979, p. 219) devem-se considerar quatro aspectos para compreender o papel da prática profissional e, em especial, do Serviço Social em relação à pesquisa científica: 1. A intencionalidade como critério da verdade: toda prática é motivada por uma finalidade que retrata a necessidade do homem engajado no seu contexto. Na pesquisa científica, a prática coloca-se de forma superior, visto que gera novas ideias, novos conhecimentos, possibilitando ao homem conhecer com maior profundidade sua realidade. 2. A natureza social da prática: a qualidade social da prática é o fundamento da construção do conhecimento, bem como de sua validação. 3. A pesquisa como esforço coletivo: o estado atual da pesquisa e da ciência, que não podem mais ser desenvolvidas por indivíduos isolados e sem um mínimo de articulação entre as diversas áreas do conhecimento. A complexidade dos objetos exige ação/investigação interdisciplinar e esforço coletivo com resultados coletivos. 4. A pesquisa como ação do trabalho humano: a pesquisa científica constitui-se em ação do homem sobre a natureza para fins criativos, que 5 objetiva seu conhecimento a fim de produzir bens indispensáveis à existência e adquirir instrumentos de transformação do mundo em proveito do homem. Por fim, avalia-se o saber científico pelas suas repercussões na vida cotidiana e nos desdobramentos que possam gerar em termos de incorporação ao comportamento, atividades, experiências e outros conhecimentos já adquiridos pelos pesquisadores e pela sociedade. Todo saber é capaz de gerar ações e mobilizar o interesse por novos conhecimentos e novas formas de viver em sociedade (Bourguignon, 2008, p. 102). TEMA 4 – O ALCANCE SOCIAL DA PESQUISA DESENVOLVIDA PELO SERVIÇO SOCIAL O serviço social, aqui no caso o assistente social e em especial o aluno de serviço social tem uma rica experiência e um conhecimento vasto acumulado sobre as formas de aproximação com os sujeitos da pesquisa, e academicamente somos preparados para isso. A condição ética e política do conhecimento produzido pelo serviço social potencializa conhecimentos, meios e recursos que garantam visibilidade ao sujeito pelo seu protagonismo (individual ou coletivo)no seu cotidiano. De acordo com a discussão proposta por Bourguignon (2008), é preciso criar mecanismos de socializar, difundi seus conhecimentos ao ponto de ampliar os horizontes da intervenção e dos resultados da pesquisa. O pesquisador precisa entender o papel político da pesquisa, o que ela representa para a sociedade e para o meio no qual ele esta inserido, e suas influências na gestão e na formulação de políticas sociais públicas, nos espaços socio-ocupacionais nas instituições públicas, privadas, no terceiro setor e ONGs, no processo de formação acadêmica em universidades na graduação e pós-graduação, capacitação para gestores, conselheiros nas áreas de assistência social, criança e adolescente, saúde, gênero e raça e etnia, idoso, violência e em tantos outros espaços e frentes de atuação profissional que não teríamos condições aqui para relatar todos Essa discussão faz sentido para a formação acadêmica em serviço social, se esses conhecimentos produzidos pelas pesquisas se entrecruzarem. Para sua consolidação, é preciso necessariamente que essa formação seja incorporada no exercício profissional. Dessa forma, o conhecimento através de seus resultados possibilita a sistematização e construções teórico- 6 metodológicas que orientam a direção e as estratégias da ação e da formação profissional. As articulações entre o conhecimento produzido pelas pesquisas e as demandas profissionais e da sociedade se fazem através de mediações, pois, segundo Pontes (2000, p. 43), “a categoria da mediação aporta uma enorme contribuição ao desvendamento dos fenômenos reais e à intervenção do assistente social”. TEMA 5 – PESQUISA COMO INSTRUMENTO MEDIADOR SUJEITO-OBJETO Neste ponto, discutir-se-á o entendimento em torno da pesquisa como um instrumento mediador da relação sujeito-objeto e suas características fundamentais. Segundo Setúbal (2013), o objetivo da pesquisa visa, além de produzir conhecimento, apreender o objeto por meio de uma elaboração do raciocínio lógico e evidenciar quem é o pesquisador, por mais que este tente manter-se no anonimato e na neutralidade. Dessa forma, a relação entre sujeito e objeto é tão íntima que a atividade desenvolvida pelo pesquisador é reveladora do seu modo de ser com o sujeito histórico. Quanto mais profunda for a apreensão do objeto pelo pesquisador, mais significativamente este se revelará na atividade científica que desenvolver. Aqui é importante que se faça um resgate dos fundamentos da ontologia marxista, das categorias “totalidade e práxis”, centrais do método do materialismo histórico. De acordo com Setúbal (2013) e Pontes (2000), no método do materialismo histórico, a mediação se transforma em categoria central quanto mais for negada a autonomia entre os homens, as coisas, fenômenos e as ciências. Apesar dessa negação, a mediação goza de autonomia, o que lhes confere certa “independência”, dando-lhes o aspecto da singularidade e da particularidade apreendidas pelo sujeito pesquisador no ato de reconstrução teórica da realidade. Dessa forma, a mediação não é o ato de reconciliar a relação entre sujeito e objeto, mas ações dinâmicas que, por serem abstratamente construídas, só são percebidas nos procedimentos sistemáticos, no ato reflexivo e originário, no movimento permanente do sujeito em direção ao objeto real (Setúbal, 2013). 7 NA PRÁTICA Como pensar o papel político da pesquisa no fazer profissional do assistente social? Este pode ser o nosso grande desafio enquanto processo de formação, pois, pelas pesquisas e produção do conhecimento a partir da sistematização e estudos do trabalho profissional, pode-se apresentar e influenciar nas políticas, das quais surgem planos e programas para atender a demandas da população nas instituições as quais estamos inseridos. As pesquisas realizadas a partir do locus de trabalho profissional influenciam diretamente nas políticas sociais públicas. Enquanto processo acadêmico, as pesquisas realizadas pelos alunos para desenvolver os projetos de intervenção e os trabalhos de conclusão de curso (TCC) podem influenciar as políticas da instituição em estudo, políticas setoriais e até nas políticas públicas. Dessa forma, a pesquisa torna-se instrumento muito importante para o trabalho profissional e também como instrumento de intervenção e de formação profissional. FINALIZANDO Neste encontro, vimos que a discussão da pesquisa e da produção do conhecimento no serviço social é muito recente e remonta, especialmente no Brasil, às décadas de 1970/80. Neste contexto, houve muitos avanços, mas também retrocessos marcantes na história da profissão, porém a pesquisa tem contribuído e vem contribuindo muito para os avanços e as novas perspectivas na sociedade. Também estudamos sobre os elementos da pesquisa em serviço social e os marcos históricos do período que a profissão vivenciou, o período de reconceituação da profissão e do debate das teorias marxistas como proposta para a formação teórica na formação em serviço social. Outro ponto importante nessa discussão foi o estudo referente à realidade do trabalho do assistente social como espaço de investigação e produção do conhecimento. Por fim, considera-se fundamental ao serviço social o debate em torno do alcance social da pesquisa, e entender principalmente o papel político da pesquisa e o que ela representa na sociedade e para os sujeitos que buscam o atendimento das políticas sociais mediado pelo serviço social. 8 REFERÊNCIAS BOURGUIGNON, J. A. A particularidade histórica da pesquisa no serviço social. São Paulo: Veras, 2008. KAMEYAMA, N. Metodologia: uma questão em questão. Caderno ABEBSS, n. 3. São Paulo: Cortez, 1995. MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2003. MORAES, C. A. S. Pesquisa em serviço social: concepções e críticas. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 390-399, set./dez. 2017. PONTES, R. N. Mediação: categoria fundamental para o trabalho do assistente social. In: Capacitação em serviço social e política social, Módulo 4: Brasília: UnB, CEAD. 2000. p. 37-50. SETÚBAL, A. A. Pesquisa em serviço social: utopia e realidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2013. SPOSATI, A. Pesquisa e produção de conhecimento no campo do serviço social. Revista Katálysis, v. 10, n. especial. p.15-25, 2007.
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