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Autor: Prof. Renato Bulcão Colaborador: Prof. Marcelo Marcondes de Mello Gerenciamento de Serviços Professor conteudista: Renato Bulcão Possui graduação em Comunicação, na Universidade Federal Fluminense. Durante a graduação, participou do primeiro curso de extensão de Marketing da Fundação Getúlio Vargas (RJ), em 1977. Transferindo-se para São Paulo em 1979, cursou Filosofia na Universidade de São Paulo – USP. Em 1991, começou a lecionar na ECA-USP e, no ano seguinte, tornou-se professor assistente. No período em que foi professor, colaborou com a Escola do Futuro sob a tutela do professor Frederick Litto. Em 1996, assumiu a gerência de Receitas Operacionais com o Mercado, na TV Cultura de São Paulo e, um ano depois, foi Diretor de Marketing da Fundação Padre Anchieta. Tornou-se mestre em Ciências em 1997. Transferiu-se para a Fundação Roberto Marinho em 2000, no Rio de Janeiro, e retornou a São Paulo para ser Diretor de Marketing da Stockphotos – Corbis, empresa vinculada à Fundação Bill e Melinda Gates. Em 2003, retornou à USP para trabalhar como pesquisador da Escola do Futuro, desenvolvendo projetos de infraestrutura para a educação a distância. Ingressou na UNIP em 2009. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B933g Bulcão, Renato. Gerenciamento de serviços. / Renato Bulcão. São Paulo: Editora Sol, 2020. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Gerenciamento de serviços. 2. Modelos de gestão. 3. Monitoramento. I. Bulcão, Renato. II. Título. CDU 658 U505.25 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Carla Moro Cristina Z. Fraracio Sumário Gerenciamento de Serviços APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 AS TEORIAS QUE EXPLICAM O GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS ................................................. 22 1.1 A natureza dos serviços e o mix de serviços ............................................................................. 37 2 AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE PRODUTOS E SERVIÇOS ....................................................... 43 2.1 Introdução ao Mix de Marketing ................................................................................................... 46 2.2 Decidindo um plano de ação para o Mix de Marketing ....................................................... 60 Unidade II 3 O FLUXO DOS PROCESSOS DE MARKETING ....................................................................................... 64 3.1 O Mix de Serviços ................................................................................................................................. 66 3.2 Pensando a estratégia do Marketing de Serviços ................................................................... 68 3.3 A fidelidade do cliente de serviços ................................................................................................ 69 3.4 Descobrindo o público-alvo ............................................................................................................. 71 3.5 A segmentação do mercado ............................................................................................................ 76 3.6 A previsão de vendas .......................................................................................................................... 84 3.7 A capacidade de venda ...................................................................................................................... 86 3.8 A disposição física ou o layout ....................................................................................................... 93 4 QUEM PRESTA SERVIÇOS? ........................................................................................................................... 95 4.1 A construção do Gerenciamento de Serviço ............................................................................. 98 4.2 Escolhendo uma estratégia ............................................................................................................101 4.3 O planejamento da execução dos serviços ..............................................................................104 4.4 Organizando a infraestrutura dos serviços ..............................................................................107 4.5 Motivando o pessoal .........................................................................................................................108 Unidade III 5 MONITORAMENTO ........................................................................................................................................115 5.1 O PDCA nos serviços .........................................................................................................................119 5.2 O gerenciamento de serviços na era da informação ...........................................................122 6 O DESENVOLVIMENTO DE MODELOS DE GESTÃO ............................................................................127 6.1 O Customer Relationship Management – CRM (Gestão do Relacionamento com o Cliente) .............................................................................................................................................127 6.1.1 A recuperação de clientes ................................................................................................................ 129 6.1.2 A busca por clientes potenciais ..................................................................................................... 129 6.2 O CRM em três etapas: operacional, colaborativo e analítico .........................................129 6.2.1 O marketing de relacionamento .................................................................................................... 130 6.2.2 A fidelização ........................................................................................................................................... 134 Unidade IV 7 A GOVERNANÇA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO ....................................................................141 7.1 Aprendendo a medir: a adoção do Balanced Scorecard ....................................................142 7.1.1 O gerenciamento através da tecnologia: ITIL ........................................................................... 149 7.1.2 Um sistema de processos: o CobiT ................................................................................................ 150 7.1.3 A gestão da cadeia de suprimento ............................................................................................... 154 7.1.4 A logística ...............................................................................................................................................154 8 A DESCRIÇÃO DA CADEIA INTEGRADA DE SUPRIMENTO .............................................................158 8.1 Os desafios da logística ....................................................................................................................158 8.2 As dificuldades na cadeia de suprimento .................................................................................159 8.3 As decisões logísticas ........................................................................................................................159 8.4 Os indicadores de performance ....................................................................................................160 8.5 O nível de serviço ..............................................................................................................................161 8.6 O estabelecimento do benchmarking .......................................................................................162 8.7 Como então medir o desempenho?............................................................................................162 8.8 Observando o benchmarking .........................................................................................................162 8.9 Os benefícios de utilizar o benchmarking ................................................................................163 8.10 Os benefícios do Gerenciamento de Serviços ......................................................................163 7 APRESENTAÇÃO No início, a agricultura foi o grande canteiro da produção humana. Por milhares de anos, toda a economia humana girou em torno da agricultura. Antes da Civilização Grega, a humanidade já tinha dominado a liga dos metais, surgindo daí a Idade do Bronze (3000 a.C.) e a Idade do Ferro (1200 a.C.), que estudamos na escola. Na época dos romanos, a humanidade já conhecia a fabricação de objetos de vidro, mas todos eles ainda produzidos de forma artesanal. Das necessidades da agricultura e dos avanços tecnológicos permitidos por ela surgiram as atividades manufatureiras, que a partir do século XVII foram transformadas em indústria. Profissões como a de lenhadores, sapateiros, marceneiros, oleiros e tecelões foram gradualmente transformadas em atividades industriais, como o processamento de madeira para uso na construção e para fazer papel, em fábricas de sapatos, fábricas de móveis, fábricas de tijolos e cerâmicas e fábricas de tecidos e roupas. Os avanços tecnológicos permitiram também a evolução da mineração e a mistura de metais por meio de fundições. Assim, a agricultura como base da riqueza da produção humana recebeu a designação de setor primário da economia, a indústria passou a ser o setor secundário e os serviços, mais tarde, o setor terciário. Depois do final da Segunda Guerra Mundial, quando a indústria atingiu seu nível máximo de importância na economia, os indicadores de riqueza de um país eram medidos pela força de sua indústria: toneladas de aço e o consumo de energia medido por toneladas de carvão e petróleo exibiam a força da economia. Mas, a partir dos anos 1960, tudo mudou. Primeiro as máquinas se tornaram cada vez mais automatizadas, recebendo já na década de 1970 os primeiros comandos numéricos, e no final da década de 1980 vieram os primeiros robôs de produção, que provocaram a dispensa de milhares de trabalhadores em todo mundo, mas também permitiram o aumento geral da produção de bens, tornando-os mais baratos. A matéria plástica, derivada da petroquímica, rapidamente se tornou o elemento principal da maioria dos bens de consumo. Até mesmo os móveis, que foram feitos de madeira e ferro por milhares de anos, passaram a ser feitos com plásticos de diversas qualidades, incluindo aí a fórmica. Por outro lado, as invenções feitas pouco antes e durante a Segunda Guerra Mundial, como a televisão, o computador e a energia nuclear, criaram um mundo totalmente diferente do antigo. Novas profissões acabaram sendo criadas depois da guerra para melhorar o funcionamento da sociedade humana, tais como as profissões de economista, administrador, publicitário e programador, entre muitas outras. O turismo, que era algo reservado a nobres e milionários, foi rapidamente se tornando um ramo importante da economia, e hoje países como a França, a Espanha e a Itália têm no turismo uma fonte de receitas mais importante do que a da indústria automobilística, por exemplo. Essa mudança aconteceu porque os serviços que sempre existiram desde o início dos tempos passaram a se profissionalizar. Um exemplo: nos tempos bíblicos, não existia a profissão de cozinheiro. Cozinhava quem soubesse cozinhar, e o trabalho de cozinheiro era apenas mais uma função, tanto no palácio real quanto no exército. À medida que a história avançou, os reis passaram a fazer questão de contratar pessoas que realmente eram especialistas na cozinha. A função de cozinheiro passou a existir como profissão, uma forma especializada de ganhar a vida. No final do século XIX, os restaurantes e os hotéis começaram a se destacar por sua comida, então, surgiram os cozinheiros profissionais e as escolas de cozinha. Também desde o século XIX 8 os cozinheiros encontraram na indústria um emprego novo: a produção de comida enlatada, balas, confeitos e toda variedade de biscoitos. Tanto os exércitos coloniais quanto os funcionários dos impérios comiam muita comida feita nas fábricas dos países imperialistas. É desta época a descoberta da margarina, da garrafa térmica, da água com gás, do leite condensado, do abridor de latas e de tantas outras mercadorias que hoje encontramos em qualquer esquina. Mas foi somente nos anos 1970 que os cozinheiros ganharam novo status social. Nessa década, começou a expansão das redes de lanchonetes, seguida pela expansão das companhias aéreas, das redes de hotéis e, principalmente, a expansão da ideia de terceirização nas indústrias. Surgiram empresas especializadas em alimentação industrial, depois empresas especializadas em alimentação escolar e hospitalar. Assim, os cozinheiros passaram a viver num mundo novo, no qual a comida é fabricada pela engenharia de alimentos, e preparar e servir a comida se tornou uma especialização de serviço. O setor de serviço não necessariamente criou muitas novas profissões, mas principalmente permitiu que profissões que antigamente eram desprezadas passassem a ser consideradas importantes. Quando compramos um sanduíche numa rede de lanchonetes, entramos num restaurante caro ou popular, vamos cortar cabelo ou pegamos um ônibus, estamos utilizando o setor de serviços, e a maioria dos seus profissionais é especializada naquelas tarefas. As empresas de serviços são aquelas que facilitam a vida cotidiana. Nos países mais ricos, já na década de 1970, o setor de serviços ultrapassou a indústria na criação de riqueza. Hoje, a maioria dos países emprega pelo menos 60% da população no setor de serviços. O motivo é que um posto de trabalho no setor de serviços precisa de menos investimento de capital do que na agricultura ou na indústria. Mesmo assim, a quantidade de trocas econômicas que um posto de trabalho no setor de serviços permite é tão eficaz quanto à de um posto de trabalho na indústria. Explicamos o motivo com um exemplo: um operário numa fábrica de farinha de trigo produz diariamente toneladas desse produto, mas se algumas centenas de funcionários de padarias não assarem pães e não os venderem todo dia, toda aquela farinha de trigo acabará estragando. Então, se seguirmos o trajeto moderno do pão, veremos que no setor primário (a agricultura) temos trabalhadores plantando e colhendo trigo com ajuda de máquinas; na indústria, setor secundário, os operários transformam o trigo em farinha também com a ajuda de máquinas; e, no setor terciário, os serviços transformam essa farinha em pão e sanduíches, multiplicando as inúmeras formas de se consumir aquele trigo. Para organizar esse tipo de atividade múltipla é que precisamos hoje em dia aprendertécnicas de gestão e controle dos serviços. O objetivo deste livro-texto é apresentar uma introdução à disciplina, incluindo resultados de estudos modernos de universidades americanas, tais como o Massachusetts Institute of Technology – MIT – e práticas consagradas na cultura brasileira. A figura a seguir apresenta um gráfico feito a partir de dados do IBGE, que apontam a porcentagem da participação do setor de serviços no PIB do Brasil. 9 Composição do PIB do Brasil Por participação da atividade econômica, em porcentagem Agropecuária Indústria Serviços 5,7% 24,9% 69,4% Figura 1 INTRODUÇÃO Os serviços têm algumas características específicas cujas as principais são: um serviço é intangível, é perecível e não pode ser estocado. Mas os serviços também são heterogêneos e, por causa disso, exibem uma grande variabilidade. Além disso, os serviços são produzidos e oferecidos simultaneamente. Intangível significa imaterial, que não se pode tocar. Os serviços são intangíveis, porque não podemos tocá-los. Quando alguém faz alguma coisa, percebemos por suas ações que existe um trabalho sendo realizado. Podemos até dar nomes a elas: cozinhar, limpar, escrever, avisar, organizar etc. Mas o que não podemos fazer com essas ações é guardá-las num armário. Como assim? Os produtos são tangíveis. Podemos tocá-los, cheirá-los, senti-los e guardá-los. Os produtos podem ser guardados ou armazenados, os serviços não. As atividades tangíveis são aquelas que permitem a formação de um estoque; as intangíveis são aquelas que não podem ser estocadas Detergentes e combustíveis Agências publicitárias Sal e alimentos Mineração Finanças Consultoria Educação Empresas aéreas Automóveis Cosmésticos Comércio Fast-food Atividades predominantemente tangíveis Atividades predominantemente intangíveis Figura 2 10 Por exemplo, num hotel existem quartos. O prédio do hotel existe, pode ser tocado. As camas do hotel existem, podem ser armazenadas num depósito. Mas num hotel as camas são arrumadas, a comida é servida, os banheiros estão sempre limpos e arrumados para as pessoas. Portanto, o que o hotel vende são os serviços realizados. Figura 3 − Um hotel aluga quartos e vende serviços Pois é, todo cuidado que uma pessoa ou uma empresa tem com os outros é o que podemos chamar de serviço. Quando alguém chega a um banco para pagar a conta de luz, a pessoa que trabalha no caixa presta um serviço, pois aceita o dinheiro e nos dá um recibo de que realmente pagamos pela utilização da eletricidade. No passado não era assim. Para termos direito ao fornecimento de luz, tínhamos de ir ao escritório da empresa para pagar a conta. Hoje em dia podemos pagar essa conta de muitas maneiras. Todas as maneiras de pagamento indireto também são formas de prestar serviços. Antigamente, os serviços não eram considerados como uma forma de participar das trocas na economia. Eram considerados trabalhos funcionais e foi preciso muitos séculos para que as diversas formas de trabalho para facilitar a vida dos outros fossem consideradas serviços dignos de serem estudados pela ciência da economia. Mas qual é a diferença entre os serviços e o trabalho na fábrica? Na área de serviços, o fruto do trabalho não pode ser guardado no estoque. Quando alguém limpa o chão, podemos ver que o chão foi limpo, mas não podemos guardar essa limpeza no armário. No trabalho na fábrica, seu resultado é um produto, por exemplo, um automóvel. Na fábrica, o trabalhador fabrica um carro. Na oficina mecânica, o mecânico conserta o carro, que continua sendo o mesmo que foi fabricado. Contudo, se não fosse o serviço que ele prestou consertando o carro, não seria possível que o produto “carro” voltasse a funcionar direito. Essa dificuldade de compreender o que é um serviço tem um resultado direto na forma de vender os serviços. A maioria das pessoas prefere contratar um serviço que seja recomendado por outra pessoa. Claro que a recomendação não serve apenas para os serviços, mas também para os produtos. Nós preferimos comprar produtos que também têm a recomendação de alguém em quem nós confiamos. Portanto, recomendar um produto ou um serviço acaba se transformando também num serviço, numa 11 forma de trabalho: são a propaganda e a publicidade, que no fundo se constituem em anunciar as qualidades do trabalho ou dos produtos dos outros. Qualquer forma de trabalho acaba se transformando em negócio quando uma pessoa ou um grupo de pessoas percebe que pode oferecer seus serviços para muitas outras pessoas e ganhar dinheiro com isso. A partir daí, o serviço é oferecido diariamente para todos aqueles que podem pagar. Precisa de um lugar para dormir? Então procure um quarto de hotel ou uma pousada. Precisa comer e não sabe cozinhar ou não tem onde cozinhar? Procure um restaurante, uma lanchonete ou uma barraquinha que venda cachorro-quente, milho cozido, pastel ou melancia em pedaços. Observação Todas as ações que permitem trocar o fruto do trabalho por dinheiro sem a fabricação de nenhuma mercadoria entendemos como serviços. Quanto mais um serviço é feito com esmero e qualidade, mais clientes o indicam para outros. Dessa forma, o preço do serviço acaba se tornando estável, na medida em que as pessoas acreditam que o valor cobrado é justo. A maior dificuldade dos serviços é justamente fazer com que as pessoas acreditem que o preço que elas cobram é justo. Por que um restaurante é mais caro do que outro? Por que um restaurante vende comida por quilo enquanto outro indica seus preços num cardápio? Por que algumas lanchonetes cobram o mesmo preço que os seus concorrentes e outras inventam serviços que elas vendem sempre combinados? Essas vendas combinadas acabam recebendo muitos nomes, tais como combo, pacote ou mix. São um conjunto de serviços que podem agradar mais ao comprador. Por exemplo, existe uma lanchonete que é muito famosa por vender seus serviços por números: você pode escolher entre o número um, o número dois e por aí vai. No fundo, ela vende a feitura de um sanduíche com hambúrgueres fritos, um pouco de salada, batatas fritas e uma bebida para acompanhar. Figura 4 − Num restaurante a comida é vendida junto com bebidas, além dos serviços de lavar os pratos e manter as mesas limpas 12 Toda essa “receita” descrita anteriormente é para “comer” na hora. Sim, porque se fosse possível guardá-la para o dia seguinte, seria produto e não serviço. Essa é a segunda grande diferença entre produtos e serviços. Os produtos podem ser guardados por algum tempo. Alguns produtos como o mel, podem ser estocados por muitos anos e continuarão com suas características originais. Mas os serviços não podem ser guardados nem armazenados por muito tempo. Um quarto de hotel que não foi alugado para um cliente hoje ficará vazio e seu proprietário não ganhará nada com isso. A mesma coisa acontece com a passagem de ônibus ou de avião que não foi vendida. O proprietário da empresa não ganha nada se o serviço não for vendido no dia. Isso é muito diferente, por exemplo, de um produto. O dono de um estoque de feijão pode esperar até a hora certa de vender os sacos de feijão. O dono de uma venda ou de um supermercado pode guardar um produto que não foi vendido hoje para vender amanhã. Contudo, um avião que decola apenas com a metade dos passageiros não consegue recuperar mais aquela perda ocasionada pela falta de passageiros. O que não foi faturado naquele momento deixou de ser ganho. Figura 5 − Quando um avião decola, as poltronas vazias significam que a companhia aérea faturou menos naquele voo Então isso dá aos serviços duas características muito especiais: a perecibilidade e a intangibilidade. O melhor exemplo disso é o serviço de táxi. Um motorista de táxi ganha dinheiro quando leva um passageiro de um lugar para outro. Quando o táxi está vazio, ele não ganha nada. No momento em que o passageiro entra no táxi, o motorista faz um contrato verbal com ele e vai ao lugar combinado por um preçoque vai sendo marcado no taxímetro. Para cada quilômetro rodado e para cada minuto gasto, o motorista ganha uma determinada quantia de dinheiro. Mas quanto vale de fato uma corrida de táxi? Se a pessoa precisa ir ao hospital com urgência ou está atrasada para alguma reunião, o preço na verdade é sempre aquele marcado e não depende nem da pressa nem da necessidade do passageiro. Nesse sentido, cada vez que formos pensar na complexidade de um serviço, podemos compará-lo com o serviço de táxi. Isso porque a maioria de nós já utilizou um táxi pelo menos uma vez. E todos nós conhecemos histórias de sucesso ou de problemas com esse serviço. Se nós podemos conhecer o tipo de serviço de um motorista de táxi, podemos imaginar como esses problemas são multiplicados quando pensamos numa frota de táxi. A frota, seja ela uma cooperativa de trabalho ou uma empresa de um único dono, tem os mesmos problemas de um único motorista, multiplicados pelo número de carros que compõem a cooperativa ou a empresa. Por outro lado, a frota 13 de táxi acaba tendo vantagens, se comparada ao motorista autônomo. Os motoristas da cooperativa ou da empresa podem se ajudar em caso de acidente e podem avisar um ao outro onde os clientes esperam por um táxi vazio. Podem também dividir um serviço de rádio que recebe telefonemas, mensagens de texto ou mensagens pela internet sobre onde estão os passageiros que precisam de um táxi. Isso confere segurança tanto ao motorista quanto ao passageiro. Hoje em dia, inclusive, temos aplicativos em celulares que diminuem ainda mais os custos para os taxistas. Esses aplicativos ligam os clientes e os táxis diretamente, sem necessidade de serviços intermediários, diminuindo os custos do serviço para o taxista e facilitando a chamada para os clientes. Essas ligações são feitas entre os celulares dos clientes e dos taxistas através de dados, muito mais baratos inclusive do que as ligações telefônicas. Tais facilidades diminuem as horas paradas dos motoristas. O faturamento fica otimizado, ou seja, próximo do ótimo. Figura 6 − Atualmente, os aplicativos para celular melhoram a qualidade dos serviços de táxi A diferença entre uma cooperativa e uma empresa é a propriedade dos carros. Numa cooperativa, cada um é dono de seu veículo. Na empresa, um único proprietário é dono de todos os carros. No caso da utilização do aplicativo, também cada motorista é dono de seu veículo, mas não há mais necessidade de se organizarem em cooperativas, pois os aplicativos transformam a atividade de serviços numa rede social. De qualquer maneira, qualquer uma das soluções faz com que o serviço de táxi entre para uma categoria muito especial de serviços: a indústria de serviços. Indústria de serviços foi o nome que se deu a um serviço que emprega muita gente e gera um faturamento grande, atuando no mercado de serviços com as mesmas características que uma indústria de produtos. Muitas coisas passam a ser centralizadas na indústria de serviços. Por exemplo, a compra dos veículos passa a ser feita em quantidade, a compra de combustível também. Os serviços mecânicos para todos esses carros também são contratados em grupo. Por isso, quando um grupo de profissionais se organiza cooperativamente ou um investidor banca a organização de um grande volume de serviços, como no caso de uma cadeia de hotéis, o nome dado atualmente a esses empreendimentos é indústria de serviços. No gráfico a seguir, elaborado a partir de dados do IBGE, observa-se a participação do setor de serviços na atividade econômica. 14 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Serviços 70,34 68,93 77,50 81,82 64,25 60,72 62,31 61,92 62,26 61,07 Agropecuária 8,10 7,79 7,72 7,56 9,85 9,01 8,32 7,96 8,28 8,26 Indústria 38,69 36,16 38,70 41,61 40,00 36,67 34,7 35,21 34,58 35,47 140,00 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 Bi lh õe s de re ai s Evolução do PIB por setor na década de 1990 Figura 7 Lembrete Quando um serviço emprega muita gente e gera um faturamento tão grande que atua no mercado de serviços com as mesmas características que uma indústria de produtos, damos o nome de indústria de serviço. 15 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Unidade I O Gerenciamento de Serviços nada mais é do que a administração dos serviços da mesma forma que a administração da produção de uma indústria. Os gerentes de serviço precisam organizar a empresa de serviços para que tudo corra bem. Desde o respeito às leis que regem todos os tipos de trabalho até as formas de falar com o cliente para que ele volte a utilizar aquela empresa, tudo tem de ser pensado e planejado para que os problemas sejam minimizados. Também as formas de ganhar dinheiro importam muito. Você já observou que às vezes a legislação permite que uma empresa especializada num serviço também ganhe dinheiro com outra coisa? Vou dar um exemplo: no Brasil, as empresas de locação de veículos têm o direito de comprar seus carros em cidades onde os impostos sobre o carro são mais baratos. Elas então compram os carros com desconto de imposto e, depois de um ano ou dois, os vendem nas cidades onde o imposto é mais alto. Assim, a venda dos carros usados permite que as locadoras de veículos ganhem dinheiro com a diferença de imposto. Hoje em dia algumas locadoras têm até lojas próprias para vender os carros usados. Isso não significa que essas empresas deixem de alugar seus carros. Pelo contrário, é exatamente porque seu negócio principal é a locação de veículos que elas têm o direito ao imposto menor. Mas é por causa dos benefícios da legislação que elas podem obter essa vantagem. Eventualmente, as locadoras podem até mesmo fazer um preço de aluguel melhor para o cliente por causa do ganho que fazem revendendo os carros usados. Um dos exemplos de serviço mais comum em todo mundo é a venda de pipoca. Vender pipoca é um serviço tradicionalmente associado a um carrinho no meio da rua. O pipoqueiro é um trabalhador autônomo, dono do próprio negócio. Durante mais de cinquenta anos, os pipoqueiros no mundo inteiro venderam a pipoca na porta dos cinemas. Isso acontecia por dois motivos principais: primeiro porque a quantidade de pessoas entrando no cinema permitia um fluxo de prováveis clientes para o pipoqueiro. O segundo motivo é que os clientes do pipoqueiro podiam entrar no cinema carregando seus sacos de pipoca. Então, quando um empresário americano do Texas resolveu montar uma grande rede de cinemas, percebeu que o lucro da pipoca é muito maior do que o lucro da entrada do cinema. Figura 8 − Vender pipoca é um dos serviços de alimentação mais populares em todo mundo 16 Unidade I Explicando: na indústria do cinema, o dono da sala de exibição tem o direito de ficar com 50% ou metade da bilheteria. O preço do ingresso, que no passado era fixo, hoje em dia varia conforme o horário e o dia da semana. Então, o dono do cinema pode ficar com 50% da renda bruta do cinema, mas tem de pagar por todos os custos da sala. A limpeza, o equipamento técnico sempre calibrado, a manutenção das cadeiras quebradas, o banheiro etc. Por outro lado, num saco de pipoca o lucro é de 400%. Em outras palavras, se o custo de se fazer um saco de pipoca é de R$ 2,00 (dois reais), o preço final que o cliente vai pagar é de R$ 8,00 (oito reais). É só comparar quanto o dono do cinema ganha com a venda do ingresso e com a venda da pipoca. Caso o ingresso de cinema custe R$ 12,00, o proprietário ganha R$ 6,00. Mas com a venda da pipoca, ele ganha os mesmos R$ 6,00 em cada saco de pipoca que custa R$ 8,00. Então esse empresário percebeu que o grande negócio era montar salas de cinema para vender pipoca. Para que a fórmula desse certo, ele precisou organizar novas regras para o cinema. Primeiro, ele passou a vender ingressos apenas para uma sessão. No passado, as pessoas podiam chegar atrasadas no cinema, porque depois esperavam até uma nova sessão começar, para ver o início do filme que tinham perdido. Hoje isso não acontece mais, porque esseempresário percebeu que uma pessoa comum não gosta de comer num lugar sujo. Portanto, é necessário limpar muito bem a sala de cinema entre uma sessão e outra para poder continuar estimulando o desejo nos clientes de comer mais pipoca. Outra coisa que também mudou nas regras é que o consumidor pode comer qualquer coisa dentro da sala, desde que seja comprada dentro do cinema. Então não se pode mais comprar pipoca do lado de fora e levar para dentro. Com essas novas regras, o lucro maior das salas de cinema passou a ser a venda de pipoca e não mais a venda de ingressos. Assim, com a ajuda da venda de pipoca, essa empresa cresceu internacionalmente e hoje está presente em vários países, desde os Estados Unidos até a Argentina, incluindo o Brasil. A partir dos anos 1990, esse tipo de nova visão dos negócios acabou influenciando em todas as indústrias. Por exemplo, uma fábrica de automóveis inglesa, a Rolls-Royce, desde sua inauguração, oferece um serviço muito especial: como os carros custam muito caro, são feitos por encomenda para seus proprietários e são vendidos para pessoas ricas em todos os continentes. Se o carro quebrar, ela oferece um serviço de mecânica em qualquer lugar. Imagine como funciona esse serviço: você está no meio de uma estrada de terra, no meio de um lugar deserto. O carro quebra. Você sofre o maior transtorno tentando chegar a algum lugar onde seu celular volte a funcionar e liga para a assistência técnica. Em no máximo três dias, um mecânico chega direto da fábrica, conserta o carro e o entrega no endereço que você pediu, limpo, lavado e de graça! É claro que uma fábrica de automóveis só pode oferecer esse tipo de serviço porque seus carros quase não quebram, são poucos os seus clientes e todos eles estão identificados. Mas o maior motivo é que o custo desse serviço está incluído no preço que os clientes pagam quando compram seus carros. A Presidência da República tem um carro desses e, há mais de cinquenta anos, os presidentes do Brasil utilizam o mesmo carro no dia da posse, inclusive a Presidente Dilma. 17 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Figura 9 − Fábricas de automóveis oferecem serviços para aumentar o conforto de seus clientes As fábricas de produtos perceberam, ao longo dos anos, que os serviços podem criar um diferencial para seus produtos. Além de garantirem sua qualidade, também podem gerar renda adicional ao produto original. Vamos tentar entender por quê? Antigamente, as fábricas de automóvel cobravam pelos acessórios adicionais. Hoje, muitas fábricas indicam que o preço do veículo inclui também acessórios que no passado custavam muito caro e eram exclusivos. Mas, por melhor que sejam os novos produtos que foram agregados ao automóvel, os fabricantes japoneses (e logo depois os europeus) perceberam que muitos proprietários de veículos esqueciam o momento de fazer a primeira troca de óleo. Isso podia causar problemas ao motor do carro. Então eles passaram a oferecer a troca de óleo grátis nas concessionárias. Quando os carros chegam para a troca de óleo, a oficina autorizada verifica quais os problemas que o carro apresenta e oferece aos proprietários uma manutenção preventiva das peças que apresentam maior desgaste. Esse serviço acaba gerando mais vendas de peças de reposição e, principalmente, a satisfação dos clientes, que passam a sofrer menos com os defeitos de fabricação nos seus carros. Esse tipo de atitude para satisfazer o consumidor recebe o nome de mix – composto, em inglês. Mix é a abreviação para uma série de benefícios que são oferecidos junto com um produto por vários serviços combinados. Se você vai cortar o cabelo e o salão oferece uma lavagem de cabelo de graça, isso faz parte do mix de serviços do salão. Se você vai viajar de ônibus e a empresa oferece água e café de graça, além de cobertor e travesseiros, isso também faz parte do mix de serviços. Então, todo tipo de benefício ou vantagem que o cliente recebe, ou pode vir a receber, caso escolha uma determinada empresa, compõe o mix de serviços de uma empresa ou de um produto. Vamos aos exemplos: uma empresa de turismo oferece a todos os seus clientes uma mochila para carregar bagagem de mão, que está de acordo com a legislação da aviação. Uma fábrica de computadores oferece para os clientes de seus notebooks uma cópia original e licenciada do sistema operacional Windows. Ou ainda, o serviço de entrega da pizzaria traz para o cliente o troco certo para o dinheiro que tem para pagar, ou permite que o cliente pague com cartão pelo serviço em sua residência. Todos 18 Unidade I esses benefícios não vão fazer o cliente decidir por comprar o seu produto, mas o ajudam a lembrar seu nome na hora de recomendar a sua empresa. A empresa de turismo vai ter de continuar vendendo seus pacotes de viagem por um preço competitivo, os notebooks precisam funcionar direito para que os clientes fiquem satisfeitos e a pizzaria precisa caprichar na qualidade dos ingredientes para não perder clientela. Figura 10 − A entrega das pizzas, o pagamento por cartão em domicílio e o troco certo são serviços para não perder a clientela Aqui encontramos a razão para os serviços: o cliente. Quando atuamos num mercado, identificamos tanto a demanda quanto os potenciais consumidores. A demanda é o desejo de compra que temos em relação a alguma coisa. Por exemplo, quantos homens não gostariam de ter uma motocicleta possante? Se fizermos uma pesquisa de mercado, vamos identificar muitos homens desejosos por esse tipo de motocicleta: esse desejo é a demanda. Mas quando verificarmos os resultados da pesquisa, veremos que existem homens que têm dinheiro para comprar esse tipo de veículo, mas são muito velhos para desfilarem por aí com uma delas. Existem homens que têm a idade certa, mas não ganham o bastante para pagar todas as contas e também comprar uma motocicleta cara. Então percebemos que existe uma diferença muito grande entre a demanda e os potenciais consumidores. A partir daí fazemos uma tabela com os diversos tipos de pessoas que podem tornar-se nossas consumidoras potenciais. Todos esses homens querem comprar uma motocicleta possante, mas têm um comportamento diferente na hora da decisão de compra, devido a inúmeros fatores pessoais. Então organizamos nossa tabela com os resultados da pesquisa para conseguirmos diferenciar os consumidores potenciais por idade e renda pessoal. Em algum momento, essa tabela vai mostrar quem são os homens que têm a idade certa para dirigir uma motocicleta possante e também dinheiro o bastante para poder comprar essa máquina. Se nós organizarmos essa tabela por cidade ou região geográfica, descobriremos também onde estão nossos consumidores potenciais. Depois que vendermos as motocicletas para essas pessoas, elas deixarão de ser apenas consumidoras e tornar-se-ão nossas clientes. Clientes são pessoas de quem precisamos cuidar, pois elas estabeleceram uma relação comercial conosco. No caso do motorista de táxi, os consumidores são todas as pessoas 19 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS que têm dinheiro para pagar os seus serviços. Clientes são aqueles que realmente entraram no táxi. Isso cria uma relação diferente entre o cliente e o prestador do serviço. Mesmo que não exista uma relação contratual por escrito entre o passageiro e o motorista, há um contrato verbal estabelecido entre os dois. Lembrete Antes de conseguirmos vender um serviço para alguém, ele é um consumidor, depois que compra de nós, torna-se nosso cliente. Um consumidor é alguém que pode exibir algum grau de fidelidade conosco. Um cliente quer estabelecer esse vínculo. Por exemplo, uma padaria pode vender pão para todos os moradores de uma rua ou de um bairro. Mas quando no lugar há mais de um fornecedor de pão, como uma segunda padaria ou um supermercado, os consumidores continuam lá, mas os clientes são apenas as pessoas que compram pão naquela determinada padaria. Clientes são aquelas pessoas que o dono da padaria conhece pelo nome, queos funcionários estão habituados a ver todos os dias. Há muitos anos sabemos que aproximadamente 20% dos clientes fazem 80% do faturamento da empresa (PARETO, 1996). Isso significa que, se a padaria recebe 200 clientes todos os dias, 40 deles são pessoas que vêm todo dia comprar pão. Os outros 160 são consumidores, pessoas que hoje entraram na padaria, mas amanhã vão comprar pão em outro lugar. Segundo a mesma regra, esses 40 clientes fazem 80% do faturamento da padaria e todos os outros, apenas 20% do faturamento. Parece lógico? Não? Mas é a Regra de Pareto, que vem sendo respeitada há mais de 100 anos. E existe um motivo para que se respeite essa regra: ela funciona em todos os países, para todos os negócios. É por isso que os empresários querem expandir a quantidade de clientes que compõem esses 20%. Esses são os chamados clientes fiéis ou fidelizados. São os clientes fiéis ou fidelizados que fazem o grande sucesso de uma empresa. Observação A razão para os serviços é a existência do cliente. Portanto, o mix que é oferecido a esses clientes é sempre melhor do que as ofertas aos clientes eventuais. Mas aqui nós começamos a verificar que existem regras para que tudo isso se torne realidade. A principal delas diz respeito ao aumento da população e à sua urbanização. Há 50 anos, a maior parte das pessoas vivia no campo em todos os países do mundo. Hoje, a população urbana é maior na maior parte dos continentes, com exceção dos países africanos. Isso cria uma proximidade entre as pessoas que chamamos densidade demográfica ou densidade populacional. 20 Unidade I Saiba mais Visite o link indicado a seguir para entender mais sobre demografia e populações. Utilize os tradutores de sites disponíveis na internet se for preciso: WORLD Urbanization Prospects: The 2005 Revision. Department of Economic and Social Affairs. Population Division. [s.d]. Disponível em: <http://www.un.org/esa/population/publications/WUP2005/2005wup. htm>. Acesso em: 17 nov. 2014. Isso significa que, com muitas pessoas morando muito perto uma das outras, os consumidores potenciais e os clientes fidelizados de todas as empresas estarão localizados em torno do mesmo lugar. Hoje, milhões de pessoas moram juntas em áreas onde antes existiam algumas centenas de fazendas. Esse adensamento da população nas cidades, essa urbanização, permitiu as oportunidades de oferecermos serviços às populações. Isso porque, com as pessoas morando perto umas das outras, fica mais fácil e mais barato oferecer serviços e produtos aos consumidores potenciais. Figura 11 − A quantidade de pessoas convivendo numa cidade facilita a oferta dos serviços As distâncias entre as lojas e os consumidores são pequenas, e os consumidores criam um fluxo de pessoas na frente das lojas, o que permite que os tais 80% dos clientes eventuais se renovem todos os dias. Com isso também cresce a velocidade com que podemos aumentar os 20% dos clientes fidelizados. Existem lugares em determinadas cidades, tal como São Paulo, onde mais de duzentas mil pessoas passam a pé todo dia, durante o horário comercial. Isso acontece porque os empregos formais da cidade de São Paulo se concentram em determinadas áreas da cidade. Portanto, há locais por onde as pessoas passam só para ir e voltar do trabalho. http://www.un.org/esa/desa/ http://www.un.org/esa/desa/ 21 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Saiba mais Para saber mais a respeito da cidade de São Paulo, leia os seguintes textos: SÃO PAULO (Estado). Secretaria Municipal do Planejamento, Orçamento e Gestão. Informações gerais. São Paulo: Prefeitura de São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/infogeral.php>. Acesso em: 10 dez. 2014. ___. Empregos formais: distritos do município de São Paulo. São Paulo: Prefeitura de São Paulo, 2000. (Município em mapas. Série temática: dinâmica urbana). Disponível em: <http://www9.prefeitura.sp.gov.br/ sempla/mm4/mapas/cap3_p3.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2014. Verificamos então que o motivo do gerenciamento dos serviços é auxiliar uma grande quantidade de pessoas que eventualmente necessitam ou desejam ajuda de alguém para resolver um problema individual de alimentação, vestuário, moradia, limpeza, locomoção ou outro mais específico. Nesse sentido, o serviço é prestado para ajudar a pessoa a resolver os seus problemas. Resolver problemas dos outros é basicamente uma atitude, e atitudes são intangíveis. Se uma pessoa aparece numa loja de vez em quando, ela é uma consumidora do serviço. Caso venha todo dia, ela é uma cliente. Se o cliente pede pelo mesmo serviço todo dia, ele resolve o maior problema do prestador de serviço, que é a impossibilidade de estocar os serviços. Como todo serviço depende de uma ação imediata, não é possível preparar na véspera, como um sanduíche que será pedido no dia seguinte, por exemplo. Até porque o prestador de serviço não sabe se o cliente vai pedir aquele tipo de sanduíche ou outro. Portanto, o prestador de serviço sabe que seu cliente deve aparecer, mas que eventualmente vai pedir-lhe que realize um serviço diferente por dia. Então como é possível gerenciar uma coisa tão variável? É por isso que os serviços são considerados heterogêneos (diferentes entre si) e têm uma grande variabilidade. Lembramos ainda que existem os serviços públicos, que são os de infraestrutura e os governamentais. Os serviços de água e esgoto, de transportes, de polícia, de emergência médica, os aeroportos, os bombeiros, enfim, são estruturas de serviços que dão suporte às muitas atividades de uma cidade e de um país. Portanto, os serviços não são apenas vendidos, pois às vezes há taxas estabelecidas na forma de contribuição social, para que as pessoas consigam habitar as cidades, sem que cada um cuide de buscar água todo dia, para que o lixo seja recolhido e a eletricidade seja distribuída pelas residências. Veja na figura a seguir como estão interligados os serviços que compõem a vida moderna: 22 Unidade I Serviços de valor agregado Financiamento Leasing Seguro Serviços dentro da indústria Financiamento Contabilidade Pesquisa e desenvolvimento Serviços para o comércio Consultoria Auditoria Publicidade Reciclagem Serviços públicos governamentais Educação Política e bombeiros Judiciário Forças armadas Defesa do consumidor Serviços de infraestrutura Comunicações Gás Transporte Lixo Água e esgoto Internet e informática Eletricidade Serviços bancário Serviços de distribuição e logística Atacado Varejo Assistência técnica Serviços ao público em geral Assistência médica Restaurantes Hotelaria Advocacia Consumidora Self-service Figura 12 - Quadro geral da estrutura dos serviços na Economia Em resumo, as principais características dos serviços são: • ser intangíveis, ser perecíveis e não poder ser estocados; • ser heterogêneos e, por causa disso, exibir uma grande variabilidade. Eles se adaptam às necessidades dos consumidores; • ser produzidos e oferecidos simultaneamente. 1 AS TEORIAS QUE EXPLICAM O GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Até o século XVIIII não existiam teorias que explicavam o trabalho. O trabalho era entendido como uma coisa natural. Uma pessoa trabalhava porque era natural trabalhar. Ninguém estava preocupado com a organização do trabalho. O único trabalho que era realmente organizado era o ofício de soldado, isso porque apenas na guerra é que havia a necessidade de organizar as pessoas, alimentá-las, transportá- las, cuidar de seus ferimentos e, muito importante, de pagar pelo serviço de lutar. À medida que a Revolução Industrial foi se desenvolvendo, as fábricas começaram a perceber que não havia mercado para todos os fabricantes de produto. Além disso, existia a necessidade de treinar os operários para fabricarem os produtos. Também era preciso organizar o local de trabalho para que 23 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS cada um realizasse a sua tarefa de acordo com todos os outros. Cada operário tinha de colaborar com o outro para que o produto fosse fabricado. Issocriou a necessidade de gerenciar o que cada grupo de operários fazia. Figura 13 − As grandes fábricas do passado precisavam treinar seus funcionários e controlar sua produção As primeiras maneiras de gerenciamento da produção foram as formas práticas de controle da produção. O primeiro pensador que sugeriu formas de controle da produção para rentabilizar o fruto do trabalho foi Frederick Taylor. Esse teórico americano percebeu que muitas funções são repetitivas, mas não adianta um operário trabalhar muito se outro que fabrica uma peça que se encaixa naquela que o primeiro fabricou não segue o mesmo ritmo de trabalho. Observação Frederick Taylor foi o primeiro teórico da prática da produção industrial e seus ensinamentos são conhecidos como taylorismo. Frederick Taylor foi um administrador de empresa, formado primeiro em Direito. Devido a um problema de saúde que o impediu de seguir a carreira de advogado, formou-se também em Engenharia Mecânica num curso a distância da Stevens Institute of Technology, em 1883. Ele acreditava que um operário bem treinado produzia melhor do que outro sem treinamento. Também pensava que todo tipo de trabalho precisa ser planejado antes de ser executado. Isso economiza tempo, esforço e eventuais perdas por entendimento errado do serviço. Taylor também percebeu que a remuneração por produtividade faz com que os operários trabalhem com mais esmero. Mas, para que suas percepções e observações tivessem aplicação prática, era necessário estabelecer metas e procedimentos para alcançá-las. Como já mencionamos, não adianta um operário trabalhar muito e o outro não. O trabalho numa fábrica obriga a colaboração e a organização dos diversos afazeres. Isso evita o desperdício. 24 Unidade I Saiba mais Verifique a biografia de Frederick W. Taylor: FARIA, C. Frederick W. Taylor. InfoEscola, [s.d]. Disponível em:<http://www. infoescola.com/biografias/frederick-taylor/>. Acesso em: 10 dez. 2014. Enquanto Taylor desenvolvia seus pensamentos, outro pensador na Inglaterra pensava justamente o contrário. Marx era um filósofo que trabalhava como jornalista e nunca pensou na organização das fábricas. Segundo ele, a organização do trabalho serve para fazer com que os operários produzam mais e melhor só para que os patrões tenham mais lucro. Qualquer organização do trabalho devia pagar simplesmente mais e melhor os operários, responsáveis diretos pela fabricação. Muitas propostas defendidas por Marx e seus correligionários, como a proibição do trabalho infantil e a jornada de oito horas de trabalho, visavam a combater a exploração. Para nós, o mais importante é saber que as ideias de Marx acabaram por inspirar a legislação trabalhista da maioria dos países. Existem limites para uma pessoa poder vender a sua força de trabalho em troca de dinheiro. Isso porque todas as pessoas precisam ter qualidade de vida. Foi Marx quem primeiro utilizou a palavra “capitalismo”. Figura 14 - Marx foi o pensador que inventou os termos capitalismo e comunismo Saiba mais Leia sobre as teorias de Marx e verifique como ele influencia até hoje na organização social dos países: LUXEMBURGO, R. A teoria marxista e o proletariado. 14 de março de 1903. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1903/ 03/14.htm>. Acesso em: 17 nov. 2014. 25 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Jules Henri Fayol foi o segundo e mais influente pensador das regras da administração. Formado em Engenharia de Minas, Fayol foi o primeiro a escrever um livro dedicado às técnicas da administração. Ele não apenas pensava, mas também dava exemplos de seu pensamento; assumiu a direção geral de uma empresa mineradora em processo de falência e conseguiu fazer com que ela voltasse a dar lucro. Isso conferiu credibilidade às suas ideias, que podemos resumir da seguinte forma: a administração é uma função distinta das outras numa empresa. Na sua época, as outras funções eram as finanças, a produção, a distribuição, a contabilidade e a segurança da empresa. A administração era centralizada e organizava a hierarquia dentro da divisão do trabalho. O trabalho tinha de ser disciplinado e controlado por uma cadeia de comando em benefício dos interesses maiores da empresa. Fayol percebeu que, para que isso acontecesse, era necessário um sistema de remuneração que mantivesse o operário satisfeito e trabalhando a favor da empresa. Ele sabia que o custo de reposição de um operário incluía também o custo de treinamento e adaptação. Talvez a maior inovação de Fayol tenha sido a ideia, hoje muito presente em todas as empresas, de que o trabalho tem de ser organizado de cima para baixo. Essa forma de organização, também conhecida pela sua denominação em inglês – top-down – era uma novidade. Os proprietários e diretores das empresas acreditavam que não precisavam obedecer também às mesmas regras de trabalho a que os operários eram submetidos. Seu método de pensar o trabalho pode ser resumido da seguinte forma: As Regras de Fayol: • prever e planejar todas as ações da empresa; • organizar as ações necessárias para a fabricação dos produtos, além da base legal da empresa; • comandar, que segundo Fayol, é dirigir e orientar a empresa; • coordenar, que é harmonizar as ações e os esforços coletivos; • controlar, que pede para que se verifique se todas as regras e normas que foram previstas e planejadas estão sendo executadas da forma correta. Até hoje, todas as teorias de administração e todas as formas de gestão, de alguma forma, se remetem às regras originais de Fayol. Em todos os livros encontramos esses tipos de regras de organização, que visam a assegurar basicamente que aquilo que é planejado seja realmente cumprido. A ideia de Fayol, de que se cumpra o que foi planejado, pode parecer muito simples. Mas é muito mais fácil falar do que fazer. Hoje, com os computadores, estamos tentando desenvolver sistemas que pretendem garantir essa situação. O que nenhum teórico do passado tinha realmente previsto é que cada um de nós é um ser humano, com vidas distintas e anseios pessoais. Por causa disso, mesmo que uma pessoa tenha estudado e entenda racionalmente o que deve ser feito, muitas vezes ela acaba tendo atitudes que vão contra o bem-estar da empresa e da coletividade dos trabalhadores. Quanto mais alta é a posição da pessoa dentro da empresa, mais ela vai tentar mudar as regras e o planejamento para conseguir que a sua vontade pessoal prevaleça. Por isso que apenas hoje em dia, 26 Unidade I no século XXI, sabemos que mesmo com muito estudo e formação todos somos capazes de exibir comportamentos que vão contra o planejamento e a organização da empresa. Henry Ford é o terceiro grande teórico da administração moderna. Apesar de nunca ter escrito um grande livro sobre administração, Ford foi o primeiro empresário do século XX a estabelecer na prática os conceitos de organização da produção para barateamento do produto. Ele também foi o primeiro empresário a admitir a semana de 40 horas proposta por Marx, ou seja, cinco dias de trabalho e oito horas por dia. Também foi o primeiro empresário a aumentar voluntariamente a remuneração, pagando os melhores salários para os operários, o que era a proposta de Fayol. Com isso, os melhores trabalhadores queriam trabalhar na fábrica de Ford, pois lá sentiam que eram mais respeitados e bem pagos. Ford fez tudo isso baseado numa ideia central: a organização da produção controlada pela velocidade da linha de produção. Isso foi possível por causa da padronização das peças, que permitiu que todos os automóveis que ele fabricasse fossem rigorosamente iguais. O barateamento dos custos de produção por causa da padronização foi, pela primeira vez, repassado aos consumidores. Figura 15 - Henry Ford foi quem desenvolveu a fabricação em linha de produção para manter a qualidade das peças e do ritmo de fabricação O custo do automóvel de Ford caía de preço a cada ano que passava, porque os operários bem pagos e bem treinadosfabricavam os automóveis cada vez mais rapidamente. Diferentemente da lenda da exploração, muitas vezes atribuído ao fordismo, na prática, seu sucesso dependia da qualificação profissional acompanhada de uma remuneração condizente para aumento da produção coletiva. 27 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Figura 16 − Este carro foi o primeiro produto industrial fabricado numa linha de produção Ford é importante para a administração, porque, pela primeira vez, um dono de empresa planejou e pôs em prática um sistema de fabricação e de organização do trabalho que deu certo. A empresa Ford se tornou a maior fabricante de automóveis do mundo e, antes da Segunda Guerra Mundial, já vendia carros em todas as grandes cidades do mundo. Por causa disso, suas inovações são até hoje citadas como modelos de administração e inovações tecnológicas que deram certo na prática. Lembrete O sistema de Ford, conhecido como fordismo, pode ser resumido como a padronização da montagem das peças na linha de montagem, com um pagamento justo aos trabalhadores. O mais interessante é que, com exceção de Fayol, todas as teorias de administração que são aceitas até hoje se desenvolveram dentro de ambientes regidos pela ética protestante. Os protestantes, ou evangélicos, como são conhecidos hoje no Brasil, dominam países como a Alemanha, a Inglaterra, metade da França, a Holanda e os Estados Unidos. A base das religiões evangélicas é o respeito ao próximo e a ética nas escolhas do comportamento. É justamente nesse ambiente de ética protestante que o pensador alemão Max Weber percebeu que o capitalismo de desenvolveu. A base de tudo é muito simples: se você trabalha duro, respeita as leis e seus semelhantes e participa da comunidade merece ser recompensado por isso. Weber percebeu que os homens costumam exercer três tipos de ações: a ação tradicional, que o faz repetir os costumes dos seus antepassados; as ações afetivas, que dependem do estado de humor da pessoa; e as ações racionais, que são aquelas que o ser humano precisa pensar e planejar, antes de executar. O americano Talcott Parsons, filho de um pastor evangélico do interior dos Estados Unidos, foi o primeiro pensador a escrever que a ação humana é regida pelos componentes motivacionais que inspiram seus atos. Nesse sentido, se nós não compreendermos quais são as ideias, os propósitos e as 28 Unidade I metas de um ser humano, não vamos entender a dimensão de seus atos. Isso abriu espaço para a questão motivacional dentro das teorias de administração. Se Fayol desenvolveu a primeira lista de pontos que devem ser respeitados para que uma empresa funcione, Parsons inventou o primeiro esquema que permite que se identifiquem as causas pelas quais um funcionário não se adapta a um determinado modelo de administração. Até Parsons e, mesmo depois dele, os pensadores da administração sempre partiram do princípio de que o homem sempre toma decisões racionais. Parsons foi um grande estudioso da obra de Weber e, seguindo seus passos, sugeriu que uma pessoa precisa aceitar muitas coisas, nem todas elas racionais, para conseguir entrosar-se numa organização. Observação A proposta de Parsons foi o sistema AGIL: A de Adaptation; G de Goal Attainement; I de Integration; e L de Latent Function. Vamos explicar esse sistema que, segundo Parsons, não é uma teoria, mas uma forma ou sistema de examinar uma teoria ou uma realidade, para sabermos o quanto uma determinada comunidade produtiva tem problemas em conviver com aquela forma de produção. Em outras palavras, qual o grau de descontentamento que um grupo de pessoas exibe quando realiza determinada tarefa em conjunto. O A, que pode ser traduzido como adaptação, significa que devemos verificar quais são os sistemas que regem o comportamento dos membros do grupo. Como as pessoas acreditam que devem se comportar e por quê. O G diz respeito a realizações pessoais, metas que desejamos para cada um de nós. O I, de integração, diz respeito à forma como as sociedades são organizadas. E o L, de função latente, é na verdade a cultura na qual uma determinada sociedade está imersa. A ideia de latência (que significa “em suspensão” ou também “não manifesto”) deve ser entendida como os fatores culturais que acabam por determinar a forma de escolha do nosso comportamento. Apesar das ideias de Parsons serem muito complicadas, a forma com que ele desenvolveu seu sistema AGIL permitiu aos administradores entenderem que existem possibilidades de se compreender o motivo pelo qual determinados planejamentos não funcionam na prática. Foi a partir desse entendimento que as empresas começaram a perceber porque algumas formas de organização da produção não funcionam em outros lugares. O único fracasso da vida de Henry Ford foi justamente a falta de compreensão de outras culturas e outro ambiente. Ford tentou desenvolver no Brasil, no Estado do Pará, uma plantação de seringueiras. Ele acreditou que as regras de produção e administração que faziam sucesso nas suas empresas nos Estados Unidos podiam ser simplesmente utilizadas no Brasil, organizando o trabalho de pessoas que não conheciam nem entendiam os princípios de trabalho regidos pela ética protestante. As constantes revoltas dos trabalhadores, que não entendiam nem mesmo por que a comida servida não era aquela com a qual eles estavam culturalmente acostumados, acabaram por gerar quebras na produção e prejuízos que tornaram o empreendimento um fracasso. 29 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Com isso, os gestores modernos passaram a prestar mais atenção nas culturas locais, verificando se um determinado modelo de produção tem possibilidade de ser bem-sucedido em determinada comunidade. A partir daí, os teóricos dos modelos de produção passaram a construir sistemas que estão focados muito mais nas adaptações das ações à realidade dos funcionários. A partir dos anos 1960, quando o setor de serviços passou a se tornar mais importante do que o setor industrial, as regras de planejamento e de monitoração passaram a levar em conta o comportamento individual do funcionário. Isso fez com que a adaptação do funcionamento das empresas de serviços se tornasse mais ágil – palavra de origem latina que inspirou Parsons. A agilidade em questão é a capacidade de adaptação aos fatores pessoais e culturais que as empresas precisam ter para não perderem mercado. Essa dimensão de agilidade acabou ampliando-se tanto para entender o comportamento do consumidor quanto dos funcionários. Quando os grandes teóricos da moderna administração, Peter Drucker e Phillip Kotler, passaram a escrever sobre a administração e o marketing, eles se beneficiaram das descobertas dos teóricos anteriores. Um dos mais interessantes resultados desse desenvolvimento é que toda vez que um determinado esquema é proposto para que se entenda e se empreenda certa ação na empresa, ele é exposto como um desenho gráfico, mostrando todas as relações entre uma decisão planejada e seus efeitos práticos. Isso demonstra que hoje não há mais regras de administração que são imutáveis. Todas elas são sempre adaptáveis dentro de um determinado princípio de comportamento, que serve de modelo de como os gestores devem proceder. Mas as regras não obrigam nenhum gestor a cumprir uma lei fixa e universal, que sabemos, hoje em dia, que não funciona para todos os casos, em todos os lugares, empresas ou países. O moderno Gerenciamento de Serviços parte do princípio de que, mesmo que as linhas gerais de planejamento e execução dos serviços sejam mais ou menos as mesmas para todas as populações, existem formas diferentes que cada grupamento humano adota para que as linhas gerais sejam obedecidas. Isso inclui as formas de falar, de pedir, de negar e de fazer, e nenhuma teoria de administração pode se sustentar sem levar em conta como cada grupo se comporta. Assim, as empresas que têm filiais em muitos países ou desejam estabelecer sistemas de franquias em diversos países precisam saber que as suas regrastêm de comportar uma grande variedade de adaptação aos hábitos tradicionais e às culturas locais. Tabela 1 − Comparação do percentual da população empregada na área de serviços País 1980 1987 1993 2000 Estados Unidos 67.1 71,0 74.3 74.2 Canadá 67.2 70.8 74.8 74.1 Israel 63.3 66.0 68.0 73.9 Japão 54.5 58.8 59.9 72.7 França 56.9 63.6 66.4 70.8 Brasil 46.2 50.0 51.9 56.5 China 13.1 17.8 21.2 40.6 30 Unidade I Vamos ver o exemplo de Taiichi Ohno, um engenheiro da Toyota que a partir de necessidades práticas desenvolveu regras que acabaram sendo adotadas pela linha de produção. Ainda nos anos 1950, observando as técnicas de vendas de varejo dos supermercados americanos, Ohno percebeu que, se os departamentos das fábricas produziam peças que não estavam diretamente sincronizadas com as necessidades da produção, eles criavam um estoque de peças excedentes que não eram necessárias. Devia existir um compromisso ideal entre a necessidade de estoque para manter o fluxo da produção do produto final e a fabricação das peças. Ohno criou então alguns sinais, como cartazes de aviso, o que ficou conhecido como sistema Kanban (LIKER, 2004). Kanban, originalmente, significa cartaz, mas pode ser entendido também como um sinal. Como a fábrica em que Ohno trabalhava era a Toyota, o sistema ficou conhecido como o Sistema Kanban da Toyota. Figura 17 - O funcionamento de um supermercado foi baseado nos serviços que os japoneses desenvolveram dentro da fábrica O sistema era o seguinte: à medida que cada grupo de produção via que ia acabar seu estoque de peças, tal como nas prateleiras de um supermercado, era preciso pedir mais peças de acordo com a necessidade de utilização. Assim, o tempo todo, cada etapa da fabricação se comporta como cliente da fabricação dos componentes. Essa percepção da clientela interna de cada seção da produção permitiu, inclusive, que os fornecedores externos das peças viessem mais tarde a se integrar ao processo da montagem do produto final dentro da própria fábrica. Por exemplo, o fornecedor de faróis passou a atender à demanda direta da linha de montagem. Isso impediu as compras generalizadas de peças dos fornecedores externos e aumentou a eficiência dos custos de produção. Durante os anos 1970, o então estudante de física Eliyahu Goldratt organizou a produção na fábrica de um amigo seguindo raciocínios lógicos. O sucesso de suas premissas e dos resultados alcançados por seus métodos levaram Goldratt a elaborar uma teoria, conhecida como a Teoria das Restrições. Essa teoria é também conhecida como TOC, de Theory of Constraints, que não tem nada em comum com a síndrome de mesma sigla (Transtorno Obsessivo Compulsivo). A teoria foi pensada a partir das seguintes premissas: a meta de toda organização é ganhar dinheiro sempre; em cada sistema de produção existe sempre pelo menos uma restrição que impede que se alcance a meta e a empresa deve ser percebida sempre de forma sistêmica, pois, tal como num organismo, existe uma relação de dependência entre todas as suas partes. 31 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS Assim, cada ação que acontece dentro de um subsistema da empresa acaba tendo um impacto em todo ele. Portanto, caso um subsistema apresente uma restrição qualquer ao seu bom funcionamento, ele não permite que se alcance a meta desejada. Da mesma forma que, se um atleta está resfriado, ele não consegue seu desempenho máximo. Um sistema pode apresentar dois tipos de restrições, a quantitativa e a qualitativa. A quantitativa diz respeito aos recursos físicos da produção. A qualitativa relaciona-se às normas e regras que são adotadas pela organização, chamadas também de restrições da política (policy) da empresa. Segundo Goldratt, os passos lógicos para se identificar tais restrições seriam: identificar as restrições que limitam o desempenho do sistema; decidir como abordar as restrições do sistema para que se impeça a perda de tempo resultante dessa restrição; subordinar todos os recursos não limitantes a tais restrições, para que se identifique como os fatores limitadores causados pelas restrições determinam de fato a capacidade de produção. A solução acaba por determinar a quantidade de recursos que deve suprir a deficiência ocasionada pelas restrições. Segundo Goldratt, nesse momento, a restrição estará superada e logo será possível identificar uma nova restrição em outro ponto do sistema. Lembrete A Teoria das Restrições (TOC) deve ser entendida como uma forma de perceber que o funcionamento de cada parte de um sistema influencia em toda a sua eficiência. Em 1992, dois professores, Robert S. Kaplan e David P. Norton, publicaram na revista Harvard Business Review um artigo intitulado O Balanced Scorecard: As Medidas que Estimulam a Performance. Propuseram esse método, que equilibra as ações estimuladas dentro de uma empresa e permite que os executivos meçam a performance da empresa com indicadores que funcionam como um painel de controle de um automóvel. Quando uma parte da empresa tem dificuldades em acompanhar o ritmo geral da meta esperada, os executivos conseguem perceber rapidamente o que está acontecendo de errado. Esse método foi incorporado e desenvolvido dentro do ambiente informatizado das empresas e é muito utilizado pelas organizações para alcançar o sucesso nas decisões e desenvolver estratégias de eficácia. Lembrete O Balanced Scorecard permite que os executivos de uma organização verifiquem rapidamente que área da empresa não apresenta um desempenho equilibrado com o das outras áreas. 32 Unidade I Financeiro Para ter sucesso financeiramente, como nós devemos aparecer para os nossos investidores? Aprendizado e crescimento Para alcançar nossa visão, como sustentar a habilidade de mudar e progredir? Cliente Para alcançar nossa visão, como devemos ser vistos pelos clientes? Processos internos do negócio Para satisfazer os nossos clientes, em quais processos devemos nos sobressair? Visão e estratégia Figura 18 Dois anos antes de Kaplan e Norton terem publicado seu artigo, Michael Martin Hammer se notabilizou com um artigo publicado na mesma Harvard Business Review, propondo ideias que deram origem ao Business Process Reengineering, mais conhecido entre nós como a reengenharia da empresa. A ideia original da reengenharia é que as empresas devem utilizar as tecnologias da informação para melhorar seus serviços ao cliente e, ao mesmo tempo, cortar os custos operacionais. A reengenharia visa a manter evidente a missão da empresa ao longo de toda a sua estrutura, para que ela alcance suas metas estratégicas, na medida em que preenche as necessidades do cliente. Esse método prevê o exame apurado dos processos internos da organização, para que os produtos ou serviços realmente tenham serventia para os clientes. A ideia principal por trás da reengenharia é que todo trabalho que não agrega valor ao produto ou serviço entregue ao cliente deve ser visto como desperdício e, portanto, eliminado. Observação A reengenharia pretende eliminar desperdícios nos processos para que cada ação interna da empresa agregue valor ao produto ou serviço entregue para o cliente. Ora, definimos que um serviço é uma coisa intangível, não palpável. Já é difícil transpor um sistema de fabricação de produtos de um país para o outro por causa das diferenças culturais, imagine a dificuldade de se transpor alguma coisa que não é material. Servir bem na Alemanha é diferente de servir bem na Itália ou no Brasil. Ser simpático na Inglaterra é diferente de ser simpático no Paraguai. Então, até mesmo aquilo que é considerado uma comida saborosa num país pode ser uma comida sem gosto ou de gosto ruim em outro país. O que pode ser um bom atendimento numa cidade pode ser considerado um péssimo atendimento em outra cidade. Mesmo dentro do Brasil existem lugares em que, quanto mais 33 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS interesse um vendedor demonstra por um cliente, perguntando, por exemplo, sobre sua famíliaou sobre seus desejos pessoais, melhor é sua performance e mais facilmente ele consegue vender. Por outro lado, em outras cidades, se um vendedor pergunta sobre questões de família ou mesmo desejos pessoais, ele é considerado um enxerido, uma pessoa que quer saber muito mais do que deveria, e isso é considerado um desrespeito pelo cliente. São essas diferenças culturais que precisam ser levadas em consideração quando organizamos um determinado serviço. Não há como adivinhar previamente qual é o ambiente familiar e cultural de um cliente. Mesmo dentro da mesma cidade, há pessoas que pensam e agem de forma antagônica, isto é, de forma literalmente oposta às outras. Disso resulta que, quanto mais se planeja e organiza um determinado serviço, mais se deve levar em conta uma forma de monitorar e controlar se o planejamento foi bem-sucedido ou se deve ser modificado. A modificação não pode ser uma solução preconcebida, distante da realidade dos fatos, mas sim uma solução que resolva os problemas encontrados durante a execução do serviço. Um bom exemplo disso é a utilização dos guardanapos nas lanchonetes. Existem alguns tipos de porta-guardanapos que são tradicionalmente usados nesses locais, mas nem sempre os clientes os usam com economia. Muitos clientes acabam usando uma quantidade muito grande de guardanapos por diversos motivos pessoais e isso pode causar uma série de transtornos para a lanchonete. Por exemplo, um transtorno possível é um aumento de custo decorrente da utilização excessiva dos guardanapos, comparado com o custo geral dos componentes de um sanduíche. Então, algumas lanchonetes resolveram entregar os guardanapos embalados em plástico. Outras obrigam o cliente a pedir um guardanapo extra para o atendente, caso necessite. Outras ainda continuam liberando o guardanapo de acordo com a vontade do cliente, mas colocam ao lado do balcão muitas cestas de lixo, indicando que ele deve ser jogado no lugar certo. Outra solução que deve funcionar, pois também é muito utilizada, é oferecer guardanapos muito pequenos de péssima qualidade e custo muito baixo, que não limpam a boca direito nem absorvem gordura, e que os consumidores podem utilizar à vontade, mas acabam desistindo, porque não cumprem bem a função. Nesse sentido, a última grande inovação da linha de produção que foi apresentada ao mercado diz respeito à mudança de entendimento do que é um produto. Michael Dell é mais um empresário que propôs uma série de mudanças na forma de fabricação do produto, tornando-o mais parecido com um serviço. Incorporando de forma radical todo conhecimento disponível na evolução da linha de produção, Dell começou sua empresa de computadores descobrindo o que seus clientes desejavam antes de fabricar seus produtos. Em outras palavras, tal como um sapateiro no século XV, ele primeiro pergunta ao cliente o que ele deseja e depois parte para a fabricação do produto. O grande diferencial é que Dell sabe que o tempo de entrega do produto ao cliente é um componente tão importante quanto sua qualidade de fabricação. A primeira grande diferença da linha de produção de Dell é que ele sabe de antemão que alguma coisa vai dar errado e que precisará de ajuda para corrigir o erro. Então, seus fornecedores enviam seus engenheiros para dentro da fábrica a fim de verificar o que precisa ser modificado quando uma máquina não funciona direito. 34 Unidade I Figura 19 - A produção de computadores inovou quando os componentes puderam ser especificados pelos consumidores Esses fornecedores são tratados como parceiros de negócios e continuam sendo fornecedores exclusivos enquanto seus componentes não comprometem a qualidade do produto final. As informações sobre a produção são compartilhadas com os fornecedores em tempo real, para que a produção diária não seja prejudicada. Isso lembra muito a forma de trabalhar de um restaurante, que escolhe seus fornecedores pela confiabilidade e pela qualidade e que precisa receber fornecimentos diários de carne ou de alface, por exemplo, para poder servir uma refeição de alta qualidade. O estoque é substituído por informações das necessidades reais dos clientes, e o sucesso depende da velocidade de entrega do produto final. Além disso, a Dell trabalha com uma grande segmentação de clientes e conhece bem quais são as suas necessidades reais. Os gerentes se especializam em tipos de clientes e não em tipos de produtos. Com isso, cada segmento acaba tendo um atendimento condizente com suas necessidades. Dessa forma, a empresa prevê com alguma antecedência o que o cliente vai precisar e não necessita tentar convencê-lo a comprar um modelo que é mais moderno. Lembrete A grande inovação de Dell foi subordinar a produção à cultura do cliente, o que acabou por determinar o crescimento da empresa. Assim, nem sempre as diferenças culturais são prejudiciais à eficiência. Existem algumas soluções próprias de uma cultura que acabam sendo adotadas por outras culturas. O porta-luvas, por exemplo, foi inventado por uma das primeiras mulheres a correr de automóvel. Ela se chamava Dorothy Levitt e usava luvas para dirigir. Dorothy também foi a primeira pessoa a 35 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS carregar um espelho de mão para olhar quem estava atrás do carro, isso por volta de 1903. Apenas em 1914, os fabricantes adotaram ambos os acessórios como básicos e instalados na fábrica. Hoje, os carros voltados ao público feminino exibem vários compartimentos, genericamente chamados no Brasil de porta-trecos, e muitos espelhos internos que fazem sucesso no mundo inteiro. Por outro lado, em alguns países onde é considerada falta de educação buzinar, o botão que aciona a buzina é pequeno e fica na ponta da haste do pisca-pisca. É incômodo de ser utilizado, mas quando esses modelos de carro são vendidos em países onde se buzina muito, o contato da buzina é colocado bem no centro do volante para facilitar sua utilização. Figura 20 − O espelho retrovisor, assim como vários outros componentes, não são peças do automóvel, mas acessórios Então, para resumirmos essa introdução ao Gerenciamento de Serviços, quando lidamos com o público, não sabemos de antemão se alguma coisa que fazemos ou que oferecemos vai agradar. Para termos certeza de que algo que vamos fazer por outra pessoa será bem recebido, corretamente entendido e considerado um grande diferencial de qualidade, temos de perguntar o tempo todo para os clientes se eles realmente estão gostando daquilo que estamos fazendo e da maneira como estamos fazendo. Existe sempre espaço para descobertas novas: em quanto tempo um alfaiate faz um terno sob medida? Ora, se algum alfaiate descobrir uma forma de costurar um terno sob medida em menos de uma hora, provavelmente sua clientela vai aumentar. Se alguém descobrir uma forma de vender ovo frito para ser consumido de uma forma rápida e no meio da rua, pode ganhar mercado. A invenção da comida por quilo, inovando a forma de cobrar o tradicional e centenário serviço de bufê, criou uma nova modalidade de restaurante que cresce no mundo todo. Por outro lado, há países que desconfiam desse tipo de restaurante, porque acreditam que a comida exposta por duas a três horas acaba servindo de caldo de cultura de germes e bactérias. Isto sem contar que existem países que gostam de queijos que exibem fungos, enquanto outros países coíbem o consumo de queijo que não seja pasteurizado e completamente esterilizado. Enfim, somos sete bilhões de pessoas na Terra, e o que funciona para algumas é detestado por outras. 36 Unidade I Retomando, antes dos serviços receberem a consideração de estudos acadêmicos, a indústria se desenvolveu seguindo preceitos que foram sugeridos ou mesmo inventados a partir de observações do comportamento das relações humanas no ambiente de trabalho: • Taylor foi combater o desperdício da produção e percebeu a importância da remuneração do trabalhador produtivo. • Marx observou que a enorme injustiça que as fábricas
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