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11 - Hardy e Clegg (2001)

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13
ArcuNs Ousnru CHeuA-ro
og PooER'k
Cvurute Htnoy r. Srtwnnr R.
Historicamente, os precUrSores da mo-
derna "organizaqio" consistiram na estru-
tura medieval de guildas - uma estrutura
tripartite simples (Offe, 797 6). Entrava-se
na organizagio a partir de sua base, como
um aprendiz. Tendo trabalhado como apren-
diz durante certo periodo, no qual os rudi-
menros da base de conhecimento apropria-
da para a guilda eram aprendidos e pratica-
dos, esta pessoa tornava-se um jornaleiro.
Um jornaleiro exercia suas atividades em vii-
rias oficinas, aprimorando suas habilidades
e conhecimentos com novos mestres, se via,
jasse, e, com sorte, adquirindo lentamente
algum capital.r Com capiral e as conexoes
certas, estabelecidas durante o aprendiza-
do e ajornada, osjornaleiros poderiam. um
dia, tornar-se mestres com os direitos relati-
vos a esta posigio. O mesfte comandava tudo:
se ndo mestres do universo, eles podiam, pelo
menosJ exercer o monop6lio da condiqio de
mestre sobre uma esfera especifica de habili-
dades em uma determinada regi5o, e assim
exercer um dominio regional. Certamente, as
condigoes poderiam variar de oficina para
oficina: alguns rnestres poderiam ser exce-
lentes tutores para seus aprendizes, passan-
Traduqao: Vitarque Lucas Co€lho e Tomaz Assmar
Reviseo tdcnica: Tania Fischer
doJhes habilidades, conhecimentos e apren-
dizados gerais. Outros poderiam ser verda-
deiros tiranos, incapazes de cultivar o apren-
dizado de outra forma que n6o o medo. Den-
tro desse modelo gendrico, diferentes perso-
nalidades, utilizando um conceito contem-
porSneo. poderiam construir relagoes com
base em diferentes ethos.
Estruturas como as guildas eram ca-
racterizadas por estruturas de stctus de tare-
fas continuas, em que a obedi€ncia a um lar-
go conjunlo de regras tdcnicas eram exigi-
das de todos os individuos (Offe, 7976). Su-
periores diferiam dos subordinados "mera-
mente em termos de maior dominio sobre as
regras e maior habilidade, conhecimento e
experiAncia na produgdo" (Offe 1976l25).
Aqui. o poder claramente deriva da proprie-
dade e conrole dos meios de produqeo, apoi-
ado pelo poder de vigilAncia. Importante,
ainda, era o conhecimento, com o poder tam-
bdm derivado da pericia na utilizagdo dos
meios de produqSo - na "maestria" no exer-
cicio das atividades.
As organizaqdes modernas nio se de-
senvolveram tanto em relaqio is estruturas
de guildas com o passar do tempo. Elas cres-
ceram dentro do terreno absolutista do
mercantilismo feudal, corn seus monop6-
lios de comdrcio e indtstria, tanto quanro
em seus interstfcios, onde, freqiientemente,
ALGUNS OUSAM CHAMA.LO DE PODER
os deslocados e despossuidos construiam ni-
chos artesanais e industriais para si pr6prios
(Hall, 1986). Com o crescimento das orga-
nizag6es, as habilidades foram-se tornando
cada vez mais fragmentadas e especializadas,
e as posig6es tomaram-se mais funcionalmen-
te diferenciadas. Estrat6gias foram desenvol-
vidas para produzir um caminho comum
para a organizagio, centralizando o poder e
eclipsando as potencialmente problemdticas
e plurais fontes de identidade que surgiram
com a divisSo do trabalho. As organizagdes
modemas foram, portanto, projetadas para
funcionar como se fossem um organismo
unitdrio. Uma vez que elas s6o compostas de
uma multiplicidade de componentes pafticu-
lares, seu design d promovido contra - ou
apesar de - suas composigdes plurais.
Tais organizaq6es sio "estruturas de
Jfdtus de tarefas descontinuas" (Offe, 1976).
Diferentemente das guildas, a estrutura de
stotus e a estrutura funcional ndo estSo mais
diretamente relacionadas dentro de uma es-
fera universal de conhecimento da organiza-
gio. As tarefas sdo fragmentadas, as habili-
dades sao diversas, e o conhecimento 6 dife-
rentemente codificado, mantido e avaliado.
Tipicamente, de acordo com te6ricos da evo-
lugSo do trabalho (como Braverman, 1974),
o conhecimento 6 dividido entre aquele que
d mais valorizado, que geralmente d mais
esot6rico, abstrato e mais relacionado ao tra-
balho mental, e aquele que d menos valori-
zado, mais mundano e relacionado ao tra-
balho manual. Implicita nessas distinqOes estd
a noqao da organizagao contemporanea. Al-
gumas atividades tdm cardter de supenrisdo.
enquanto outras existem para executar or-
dens derivadas de superiores. Conseqiiente-
mente, o poder estd esruturado dentro de um
design organizacional.
Dentro desse design, o tema da "obedi-
€ncia organizacional" d central para a dis-
cussAo sobre o poder (por exemplo,
Mintzberg, 1983; Hamilton e Biggart, 1985;
tambdm ver Etzioni, 1961; Weber, 1978;
Assad, 1987; KieseL 1987). O poder tem sido
visto tipicamente como a habilidade de fa-
zer outros fazerem o que voc€ quer que seja
feito. se necessdrio conrra a pr6pria vonta-
de deles (Webe5 1978), ou faz€-los fazer
alguma coisa que eles n6o fariam em outra
situagio (Dahl, 1957). Essa definiqdo. apa-
rentemente simples, que apresenta mais os
aspectos negativos do que os aspectos posi-
tivos do poder, tem sido contestada, emen-
dada, criticada, estendida e repelida ao lon-
go dos anos, mas, apesar de tudo, perma-
nece como o ponto de partida para um no-
tavelmente diverso campo de literatura.
Entretanto, este d o ponto onde a
sinergia e a converg€ncia terminam. Existe,
de fato, uma multiplicidade de vozes dife-
rentes que falam sobre o poder O resultado
tem sido uma variedade de conceituag6es
contraditdrias. A confusao tem sido exacer-
bada por conta das duas vozes mais altas
que emergem - a funcionalista e a critica
(para usar categorizaq6es simples) - que ra-
ramente se comunicam entre si. A primeira
tem adotado uma orientagdo gerencialista,
cujas assunq6es subjacentes raramente es-
tdo articuladas, e menos ainda criticadas. O
resultado tem sido um conceito aparente-
mente pragmatico, adequado ao usoJ mas
tambdm ao abuso. A riltima tem confronta-
do temas como dominaqdo e exploragdo,
mas parece ser cada vez menos relevante
para aqueles que buscam coordenar aqdes
coletivas.
O objetivo deste capitulo 6 explorar es'
sas diferentes vozes, continuamente ouvi-
das na literatura sobre poder e construir
uma reconceituagdo do poder, como um
meio necessdrjo para promover a aqao co-
letiva. A primeira seg6o explora o desenvol-
vimento hist6rico destas duas vozes. Traba-
lha a vis6o do poder dentro do amplo lega-
do deixado por Marx e Weber e. em segui-
da, aborda trabalhos iniciais da literatura
gerencial sobre esse tema. A segunda seqao
mostra como os trabalhos subseqiientes
construiram suas respectivas abordagens, em
TEORIZANDO SOBRE A TEORIA
vdrios momentos, delineando seus desenvol-
vimentos particulares. Uma anelise dos tra-
balhos mais recentes mostra como as dife-
rentesvozes tem continuado a se desenvolver
separadamente.
As Pnrunrus Vozrs
Esta seqio examina alguns dos traba-
lhos-chaves que proveram as lindagoes para
o atual trabalho sobre o poder e a politica
nas organizaqdes. De modo geral, os estimu-
los vieram de duas direg6es, bastante dife-
rentes. A tradiqdo mais antiga deriva do tra-
balho de Marx e Weber Obviamente, com
tais fundamentos, este corpo de trabalho
enfoca a exist€ncia de conflitos de interesses
e trata o poder como uma forma de domina-
qdo. Nesse sentido, mostra como o poder
penetra nas esffuturas organizacionais de
modo a servir a alguns, mas n6o a todos os
grupos de interesse. A segunda tradigSo teve
seu desenvolvimento central a partir do prd-
prio campo dos estudos organizacionais. Em
contraste com o trabalho sobre poder e inte-
resses. esse corpo de trabalho tem aceito por
verdadeiro o modo pelo qual o poder d dis-
tribufdo na estrutura das organizag6es for-
mais e, ent6o, examinam como diversos gru-
pos adquirem e mantdm um poder ndo con-
cedido a eles dentro dos formatos oficiais.
Poder e interesses nas
organizag6es
Uma abordagem sobre o caminho pelo
qual o poder d estruturado dentro do design
organizacional deriva do trabalho sobre es-
ruturas de classe (ver Clegg e Dunkerley,
1980:463-482para urna discussdo acerca da
literatura-chave). As conceituag6es sobrein-
reresses mostram a arena da vida organiza.
cional em termos da id6ia b6sica de "classe"
e de suas relag6es sociais. Essas andlises sdo
acomodadas ds condig6es gerais da domina-
qao econ6mica e da subordinag6o nas orga-
nizag6es, como os te6ricos de esquerda, a
partir de Marx, as tem definido (ver, por
exemplo, Carchedi, 1987:100, para uma iden-
tificagao dessas condiQ6es).
Marx ( I976) argumentava que os inte-
resses de classe s6o estruturalmente pre-de-
terminados, independentemente de ouhas ba-
ses de identidade. Esses interesses derivam
das relaq6es concernentes i propriedade e
controle dos meios de produgio. N5o obstante
o fato que as relaq6es concernentes d produ-
gio, propriedade, direito e controle terem
delineado o cerne das relag6es sociais da
modernidade capitalista (Clegg e Dunkerley,
1980; Clegg et alii 1986), poucos estudiosos
aceitam esta visao deterministica hoje em
dia.'zO primeiro escritor a emprestar uma
vis6o mais complexa d obra de Marx foi
Weber, que considerava tanto as relagdes nc
produg6o quanto as relag6es de produqdo.
Weber admitia que o poder era deriva-
do da propriedade e do controle dos meios
de produgSo, mas argumentava que o poder
n5o se reduzia excJusivamente as categorias
dicot6micas de propriedade e ndo proprie-
dade, como proposto por Maru. Dentro da
perspectiva weberiana. o poder deriva tanro
da propriedade qu anto do conhectmento d.as
operaq6es. As organizaq6es poderiam ser di-
ferenciadas em termos da capacidade de cer-
tas pessoas em controlar os m6todos de pro-
dug6o, influenciando as relaq6es t6cnicas de
produqio, e da incrustaqio das diversas iden-
tidades ocupacionais que fazem surgir a vida
subjetiva das organizag6es. Nesse sentido,
Weber enfatiza as formas de identificaqio e
representagao realmente usadas pelos mem-
bros da organizaqio, em vez de simplesmen-
te assurnir que a vis6o de mundo dessas pes-
soas 6 meramente um julgamento de valor
"falso".
Os insrgftts de Weber indicaram que to-
dos os membros da organizagio t6m algu-
AIGUNS OUSAM CTTAMA-LO DE PODER
ma criatividade, discernimento e rneios para
o uso do poder (embora alguns mais do que
outros). Na visdo de Marx e de muiras teorias
subseqiientes, existe apenas um pequeno es-
paqo para o discernimento e para oportuni-
dades estratdgicas de aeao. As condiq6es eco-
n6micas regulam o contexto no qual o tra-
balho d vendido e o capital levantado e, logo
de inicio, duas classes sdo definidas: aqueles
que possuem capiral e aqueles que nao o
possuem. Os riltimos possuem apenas sua
p16pria criatividade, treinamento diferencia-
do e capacidades disciplinadas, e est6o obri-
gados a vender tudo isso no mercado de tra-
balho. Entretanto, uma vez contratado por
uma organizaqao burocrdtica (Clegg, 1990),
o trabalhador tem a oportunidade de usar
essas capacidades criativamente ern "certos
relacionamentos sociais ou conduzir formas
de ag6o social dentro da ordem dominante
da organizaqSo" (Weber, 1978:217). Assim,
considerando as diferentes possibilidades
para a criatividade, torna-se claro que os
membros da organizaqio tem algum contro-
le a sua disposiqdo para exercer o poder, tan'
to para desafiar quanto para reproduzir a
estrutura formal da organizagao na qual di-
ferentes poderes s6o velados, legitimados e
reproduzidbs. Dessa forma, as "estruturas de
dominaqSo" da organizaqdo n6o dependem
apenas do poder econ6mico para sua cons-
truq6.o e permanencia (Weber, \978:942).
Nesse sentido, o poder do trabalhador
representa uma capacidade incorporada em
um individuo que tem discernimento sobre a
aplicaqdo dessa capacidade. Do ponto de vis
ta do empregador, o empregado representa
uma capacidade de trabalho que deve ser
realizada e essas s5o as condiq6es para um
gerenciamento efetivo. No carninho dessa
realizagio fica a ess€ncia do poder poten
cialnas capacidades do contratado, que pode
estar mais ou menos propenso a trabalhar
como sujeiro obediente ao discernimenro e
controle gerencial, Em qualquer caso, por
conta dessa ess6ncia, os trabalhadores con-
tratados reterio um discernimento tltimo
sobre si mesmos, sobre o que fazem e como
o fazem. Conseqiientemente, uma fonte po-
tencial de resist6ncia reside nessa inescapiivel
e irredutivel ess6ncia da forga de trabalho.
O lapso entre a capacidade de traba-
tho e sua efetiva realizag6o implica poder e
organizaqeo do controle. A descriEdo desse
lapso 6 o cerne de algumas tradiqoes mar-
xistas de aniilise, particularmente a da alie-
naq6o (Schacht, 1971; ceyer e Schweitzer,
1981; M6z6ros, 1970; Gamble e Walton,
7972). Os gerentes esteo sempre buscando
novas esftatdgias e tdticas que obscureqam o
discernimento dos trabalhadores. Entre as
mais efetivas e econ6micas estdo aquelas que
substituem a autodisciplina pela disciplina
de um gerente externo. Menos efetivas, mas
historicamente mais numerosas tdm sido as
tentativas de organizaq6es no sentido de anu-
lar o lapso discricioniirio por meio do uso de
sistemas de regras. Esse 6 o 6mago das anii-
lises weberianas de organizaq6es como bu
rocracias. Esses sistemas de regras buscam
regular os meios de controle nas relag6es
organizacionais por meio de uma estrutura
formal de organizaqSo. Assim, uma hierar
quia d prescrita, dentro da qual o poder legi-
timo 6 circunscrito.
Em suma, esse estudo pioneiro enfo
cava um poder derivado da propriedade e
do controle dos meios de produgao, um po,
der que era reforgado por estruturas e re,
gras organizacionais. O trabalho de Weber
criou um espago maior para manobras es-
tratdgicas do que as vis6es marxistas. Como
resultado. os rrabalhadores tiveram opgdes
e possibilidades de desafiar o poder que os
controlava. Entretanto, como veremosJ es-
sas opq6es provaram estar longe de serem
facilmente exercidas devido a estrat6gias
mais sofisticadas por parte dos grupos do
minantes.
Poder e hierarquia nas
organizag6es
Como mostrado na seq6o anteriol o
poder nas organizag6es necessariamente re-
fere-se i estrurura hierilrquica dos cargos e a
suas relaq6es recfprocas. Particularmente
(mas nio exclusivamente), o campo do
mana&ement tende a classificar tal poder
como "legitimo".3 Uma conseqii6ncia dessa
abrangente, se implicita, aceitagio da natu-
reza hierdrquica do poder, tem sido a posi-
qio dos cientistas sociais ern raramente
achar necessirio explicar porque esse poder
deve ser hierdrquico. Em outras palavras,
nesse ramo de pesquisa, o poder incrustado
na hierarquia tem sido visto corno "normal"
e "inevitevel", derivando do design formal
da organizaqio. Da mesma forma, isso tem
sido largamente rejeitado nas andlises que
tem, ao contriirio, enfocado o poder "ilegi-
timo", isto 6, o poder exercido fora das es-
truturas hierdrquicas formais e dos canais
sancionados por essas estruturas.
Um dos primeiro: estudos gerenciais
enfocando tal poder 6 atribuido a Thompson
(1956), que pesquisou duas equipes de
apoio de bombardeiros da Usaf (Forqa 4.6-
rea dos Estados Unidos). O trabalho do pes-
soal da Usaf era caracterizado por requisi-
tos tdcnicos extremamente avangados na es-
fera operacional, tanto para a equipe de v6o
quanto para a equipe terrestre. Enquanto a
equipe de v6o possuia uma autoridade for-
mal maior do que a equipe terrestre, os rilti-
mos estavam em uma posiq6o mais central
dentro da base da Usaf, em contraponto d
posigdo mais aut6noma da equipe adrea.
Essa equipe dependia do grupo terrestre
para sua sobreviv6ncia e seguranga, algo que
conferia um considerdvel grau de poder i
equipe em terra, um poder ndo derivado de
um design formal das relaq6es. Thompson
atribuiu o poder da equipe terrestre a sua
competCncia tdcnica vis-ri-vis d seguranqa
a6rea dos avi6es e ir posigdo estratdgica
oriunda da centralidade de preocupag6es pela
seguranqa da equipe a6rea.
Outros autores confirmaram a vis6o de
Thompson (1956), ou seja, que o desenho
tdcnico das tarefas e sua interdepend€ncia era
o que melhor explicava a distribuiqio
operacional de poder de forma mais com-
pleta do que as prescrig6es formais da es-
trutura organizacional. Dubin (7957 :62),
por exemplo, percebeu como algumastare-
fas sdo mais essenciais do que outras para a
interdepend€ncia funcional de um sisrema,
e o modo pelo qual algumas dessas tarefas
sao de compet€ncia exclusiva de um grupo
especffico. Mechanic (1962) trabalhou so-
bre esse argumento, estendendo-o a todas
as organizag6es, ao dizer que tal conheci-
mento tdcnico geralmente pode ser a base
para o poder dentro das organizagdes. As-
sim, os pesquisadores comeqaram a fazer
urna diferenciagdo entre o poder formalmen-
te prescrito e o poder "real", que tambdm 6
considerado ilegitimo.
Pesquisadores raramente se repor-
tam ao poder real (....) [mas] t€m ressal
tado os aspectos racionais da organiza-
qao ao negJigenciar o poder nao aurori-
zado ou ilegitimo (adaptado de Thompson,
1956:290).
Outros pesquisadores concordaram
com essa distinqao ir medida que se apro-
fundaram no trabalho de Thompson. Bennis
et alii (1958:144) fizeram uma distinqio
entre organizaqSo "formal" e "informal". Nas
organiza96es formais reside a "autoridade",
um poder de infl uencia baseado na posigao;
jd nas organizagdes informais exisre o po-
der, entendido como "a capacidade real de
influ€ncia baseada em uma s6rie de fato-
res, incluindo, certamente, a posiqdo den-
tro da organizagdo".
Outro importante trabalho foi condu-
zido por Crozier (1964), que estudou uma
equipe de trabalhadores da 6rea de manu-
tenqao em uma empresa estatal francesa que
detinha o monopdlio do tabaco. Seu traba-
lho era consertar panes em miiquinas,
comunicadas a eles pelos trabalhadores da
produqao. Estes fltimos, do corpo t6cnico da
organizagao, estavam bem rnais pr6ximos da
burocracia centralizada que caracterizava a
organizagao. Os trabalhadores da manuten-
Eio mantinham uma posigdo marginal, pelo
menos dentro da representagSo formal do
design organizacional. Na priitica, entretan-
to, a hist6ria era muito diferente.
Os trabalhadores da produqdo eram re-
munerados num sistema baseado na pega
produzida em uma burocracia projetada
dentro dos princfpios da administragio cien-
tifica. A maioria dos trabalhadores era efeti-
vamente "desquaJificadas". A burocracia era
altamente formal, uma organizagio altamen-
te programada: havia muiro pouco que nao
fosse planejado e regulado, exceto a propen'
sdo das mdquinas a entrarem em pane, e isso
diminuia o b6nus que os trabalhadores da
produqao poderiam ganhar. Portanto, para
manter seus ganhos, os nabalhadores da pro-
duqSo precisavam das mdquinas em funcio-
namento, o que os fazia extraordinariamen-
te dependentes dos trabalhadores da manu-
Lenqdo. Sem sua pericia tdcnica. as panes n6o
poderiam ser solucionadas ou os b6nus pro-
tegidos. Conseqi.ientemente, os trabalhadores
de manutenqao tinham um alto grau de po-
der sobre os outros trabalhadores, porque ti-
nham dominio sobre a {nica fonte de incer-
teza que permanecia fora do controle das re-
gras burocriiticas.
Gerentes e trabalhadores da produqdo
estavarn conscientes disso e tentaram reme-
diar a situaqao por meio de um sistema de
manutenqdo preventiva. Contudo, manuais
desapareceram e ocorreram casos de sabo-
tagem. Os trabalhadores da manutenqSo
eram infatigiiveis na defesa de sua relativa
autonomia, privil6gios e poder. Por meio de
suas habilidades, do resultado de seu conhe-
cimento tdcnico, eles podiam tornar certo o
inceno. O prego de restaurar a normalidade
era o grau de autonomia e relativo poder,
desfrutado e defendido pelos trabalhadores
de manutenqio, que excedia em muito aqui-
1o que os critdrios formais haviam designa-
do para eles.
O esrudo de Crozier ( 1964) foi um mar-
co. Ele tomou um conceito pouco explicado,
o poder, e o conectou ao conceito central da
emergente teoria da firma, a incerteza. Uma
das principais caracteristicas das organiza-
q6es, de acordo com a concepgdo da "teoria
behaytortsta da frrma" (CyeneMarch, 1963),
era que elas tentavam se comportar como se
fossem sistemas. Aldm disso, elas faziam isso
em um ambiente incerto. A capacidade de
controlar tal incerteza representava, portan-
to. uma fonte potencial de poder.
Depois de Crozier (1964) o campo de,
senvolveu-se rapidamenre. Uma teoria emer
giu, a chamada "teoria das conting€ncias es-
trat6gicas do poder intra-organizacional"
(Hickson et alii, 1971), construida sobre es-
sas iddias. No centro de tudo persistia a id6ia
de que o poder estava relacionado A incerte-
za, ou, pelo menos, a seu controle. Em vez
de pesquisas de campo, m6todos mais for-
mais de pesquisa [oram utilizados, nos quais
s6ries de cendrios hipotdticos eram apresen-
tados para a avaliaglo de gerentes de diver-
sos departamentos. Nesses experimentos, as
pessoas que trabalhavam em dreas funcio-
nalmente especificas eram identificadas como
aquelas que usaram conhecimento tdcnico
para controlar a incerteza e assim aumentar
seu poder relativamente iquele formalmente
prescrito dentro de um regime hier:irquico.
A mudanqa na metodologia ajudou a
produzir um modelo funcionalista formal.
A organizagdo foi conceituada como um sis
tema compreendendo quatro subsistemas -
ou subunidades - funcionais. As subuni-
dades eram interdependentes, mas algumas
eram mais ou menos dependentes, e pro-
duziam mais ou menos incerteza para as
outras. O que as conectava, dentro desse
modelo, era a grande tarefa da organiza-
qao, que foi conceituada como "sobreviv6n-
cia na incerteza". A teoria atribuia o equili-
brio de poder entre as subunidades aos dese-
quilibrios do modo pelo qual essas subuni-
dades interdependentes sobreviviam com um
dado nivel de incerteza. O sistema de
subunidades estava, portanto, aberto aos
inputs ambientais, que eram a fonte inicial
de incertezas. As subunidades estavam carac-
terizadas como mais ou menos especiali-
zadas e diferenciadas pela divis6o funcional
do tabalho, e estavam relacionadas por uma
necessidade essencial de reduzir a incerteza
e alcangar os objetivos da organizaqdo: "usar
seu poder diferenciado para funcionar den-
tro do sistema, em vez de destrui-lo" (Hickon
et al.,7977i2\7).
De acordo com esse modelo, o poder
6 definido em termos de "contin96ncias es-
lralegicas'. S u bunidades esrra tegica mente
contingentes sao as mais poderosas, uma vez
que s6o as menos dependentes das demais e
podem sobreviver em uma situaqio de gran-
de incerteza sistemica, dado ser subunidade
crucial dentro da organizaq6o do sistema e
n6o podendo ser facilmente substituida. A
teoria sup6e que as subunidades sao n3-tu-
ralmente unitiirias e coesas, embora, de fato,
o mais proviivel 6 que sejam hierdrquicas,
com uma cultura de consenso ou dissenso
mais ou menos problemiitica. Sendo unitd-
rias, alguns mecanismos internos de poder
devem existir de modo a permitir que flores-
qa uma representaqio, silenciando vozes con-
flitantes, sobrepondo-se a diferentes concep-
g6es de interesses, relag6es, estrat6gias e ob-
jetivos. A teoria supde que as determinagdes
da ger6ncia prevalecem. mas a pesquisa su-
gere que esse nem sempre 6 o caso (Collinson,
1994). N6o se pode presumir tampouco que
a pr6pria ger6ncia seja necessariamente uma
categoria unitdria ou coesiva. Para que ela
fale com uma s6 voz, normalmente outras
vozes devem ser marginalizadas ou silencia-
das. Em outras palavras, a teoria das contin-
g€ncias estrat6gicas prov6 muito pouco so-
bre esses aspectos do poder porque nao con-
fronta os padrdes de legiLimagdo existentes.
Semelhante ir vis6o das conting€ncias
estratdgicas, em termos de abordagem te6-
rica, 6 a vis6o da dependAncia de recursos.
Ela deriva da literatura da psicologia social,
desenvolvida por Emerson (1962) e que estii
implicita no estudo de Mechanic (1962)
sobre o poder de pequenos acionistas. Exem-
plos incluem French e Raven (1968), Pettigrew
(1973), Pfeffer e Salancik (1974) e Salancik
e Pfeffer (1974). Informaqio (Pettigrew,
1973), incerteza (Crozier, 7964), especiali-
dade tecnica. credibilidade. posigao e pres
tigio (Pettigrew 1973), acesso e contatos
com membros do alto escalSo, controle do
dinheiro, recompensas e sanqdes (French e
Raven, 1968; Benfari et a1., 1986), todos es-
ses elementos tem sido identificados como
basesde poder Enumerar todos os recur-
sos. pordm. d impossfvel. uma vez que coi-
sas diferentes tornam-se recursos em con-
textos diferentes. Sem uma teoria total de
contextos, o que 6 impraticdvel, nao se pode
demarcar todas as bases sobre as quais sur-
ge o poder Elas podem ser qualquer coisa.
sob as condig6es apropriadas.
Apenas a posse de recursos escassos,
entretanto, n6o d suficiente para conferir
poder. Os atores tem de estar atentos a sua
pertinencia no contexto. com o conseqrien-
te controle e uso desses recursos (Pettigrew,
1973). Esse processo de mobilizar poder 6
conhecido como politica (Pettigrew, 1973;
Hickson eL al.. 1986). um rermo cujas cono-
tag6es negativas t6m ajudado a reforgar a
visSo convencional de que o poder usado
fora dos arranjos autoritiidos formais 6 ile-
gitimo ou disfuncional. E a natureza di-
cotdmica do poder e da autoridade que
ensejou a criagdo de urn espago te6rico para
as abordagens da depend€ncia e da contin-
Sencia. O conceito de poder ficou. assim.
reservado primordialmente para o exerci-
cio de discernimento pelos membros da or-
ganizaEao nao sustenLado por suas posiqoes
na estrutura formal. Tais exercicios sdo fei-
ALGUNS OUSAM CHAMA.LO DE PODER
tos na premissa de um uso ilegitimo ou in-
formal de recutsos, enquanto o sistema legi-
timo de autoridade, por outro lado,6 tido
como aceito e neo problem6tico.
Duas vozes comparadas
A comparagSo desses trabalhos ini-
ciais sobre o poder revela dois ramos diver-
gentes de pesquisa. O primeiro, desenvolvi-
do e apoiado pelos trabalhos de Marx e
Weber, adotou uma visio critica dos proces'
sos em que o poder era legitirnado na for-
ma de estruturas organizacionais. Para es-
tes pesquisadores, poder era dominagao, e
as agOes que visavam confrontar isso consti-
tuiam-se em reslst4ncia ir dominagio (ver
Barbalet, 1987). A vis6o dominante do tra-
balho gerencial tratou o poder de um modo
bem diferente: os arranjos organizacionais
existentes nao eram estruturas de domina-
g5o, mas d.e autoridade formal, legitima e
funcional. O poder era, efetivamenre, resis-
t6ncia, mas de uma espdcie ilegitima, disfun-
cional. Em outras palawas, ao estudar o "po-
der", as primeiras vozes falavam de diferen-
tes fendmenos, e a partir dejulgamentos de
valor bastanre diversos. A tradiqdo manis-
talweberiana relacionava o poder is estru-
turas pelas quais certos interesses eram do-
minados; jzl os te6ricos do mcnagement de-
finiam o poder como aquelas aqdes que
caiam fora das estruturas legitimadas, e que
ameaqavam os objetivos organizacionais.
Venreq6Es SosRx Dors TrMAs
Trabalhos subseqiientes empenharam-
se em aperfeigoar e estender essas primei-
ras id6ias. Desse modo, acabaram por am-
pliar o jri existente abismo entre as duas
vozes iniciais. Essas vozes estavam dirigi
das principalmente a seus pr6prios apoia-
dores, em vez de cria4 por meio do dillogo,
uma ponte sobre o abismo que as dividia.
Estrat6gias de dominagio:
criando um consenso
Os vdrios autores da literatura critica
comeqaram a investigar os meios de domi-
nagao de modo mais detalhado. O legado
deixado por Weber proveu uma base te6ri-
ca para a reflexSo sobre a resist€ncia de gm-
pos subordinados. Contudo, por que havia
tao pouca resistencia e por que esses grupos
tao freqi.ientemente consentiam em sua pr6-
pria subjugaqdo? Igualmente incompreen-
sfvel era a preval€ncia da passividade, que
era muito mais marcante do que o fervor
revoluciondrio. Marx havia previsto que os
atos individuais de resist€ncia ir exploragio
iriam condensar-se em um movimento re-
volucioniirio de combate is estruturas de
poder existentes, movimento formado por
proletzlrios que compunham a base da maio-
ria das grandes e complexas organizagoes.
No entanto, obviamente, tais sonhos de uma
consciOncia de classe prolet6ria falharam em
se rnaterializar.
Um estudioso que abordou esse tema,
de modo um tanto sinuoso, foi Steven Lukes
(1974). Ele tragou os avanqos no estudo do
poder realizados na cidncia polftica. De
modo geral, os primeiros estudos enfocaram
exclusivamente o processo decis6rio (por
exemplo, Dahl, 1957;1961; Poisby, 1963;
Wolfinger, 1971). Pesquisadores analisaram
decisoes importantes que pareciam ilustrar
as relaqdes de poder que prevaleciam em
urna comunidade particular. O objetivo era
determinar quem tomava essas decis6es. Se
os mesmos grupos eram responsiiveis pela
maioria das decisOes, como sugerido por al-
guns pesquisadores, poder-se-ia dizer que
tal comunidade era regida por uma elite.
Os pesquisadores perceberam, no entanto,
que diferentes grupos prevaleciarn nos pro-
cessos decis6rios. Tais comunidades foram
classificadas como pluralistcs, e isso levou
d hip6tese de que a Amdrica, como um todo,
poderia ser considerada uma sociedade plu'
ralista-
TEORIZANDO SOBRE A TEORIA
Alguns estudiosos comegaram a ques-
tionar a interpretaqao pluralista, que susten-
tava que era possivel ter acesso aos proces-
sos de decisSo, donde que ndo participar re.
fletia um sentimento de satisfaqdo com a si-
tuaqSo. Ddvidas sobre a "permeabilidade" do
sistema politico norte-americano foram in-
centivadas pelos movimentos em defesa dos
direitos civis e pelo impacto da Guerra do
VlemA (Parry e Morriss. 1975). Os pluralistas
foram criticados por sua falha em reconhe-
cer que interesses e protestos poderiam per-
manecer inarticulados, desarticulados e fora
da arena de tomada de decisdes. Conseqtien-
temente, bem poderiam existir conflitos, mes
mo que n6o fossem diretamente observeveis
(por exemplo, caventa, 1980; Saunders,
1980). O foco no processo decis6rio formal
tambem foi criticado. em [ace de sua suposi-
q6o de que o acesso d tomada de decisio 6
igualmente disponivel para todos os mem-
bros da organizaqdo.
Pesquisadores comegara m a examinar
como uma participagao completa e identica
podia ser limitada. Schattschneider propds
que a ndo-participagSo poderia ser atribui-
da A:
supresseo de opqdes e altemarivas que refli-
tam as necessidades dos nao-pafticipantes.
Ndo d necessariamente correto supor que as
pessoas com maiores necessidades panici-
pem da politica mais ativamente qualquer
um que decida o tema do jogo tambdm de-
cide quem entra nojogo (1960:105).
Tiabalhando sobre esse lrurght, Bachrach
e Barurz (1962t 7963: 7970) desenvolve-
ram o conceito de uma segunda face do
poder - um processo pelo qual temas pode-
riam ser excluidos do processo decis6rio,
confinando a agenda a quest6es "seguras".
Uma variedade de barreiras para evitar a
participaqao plena dos subordinados no pro-
cesso decis6rio estd disponivel para os gru-
pos mais poderosos, como, por exemplo, por
meio da invocagao de procedimentos e roti-
nas politicas. O uso desses mecanismos tem
regulado a n6o-participag6o no processo
decis6rio, porque permite que os atores mais
poderosos determinem os resultados "atrds
dos bastidores". Esse estudo ressalta o fato
de que o poder n6o 6 exercido somente na
tomada de decis6es-chaves, e que os deci-
sores visiveis nio s6o necessariamente os mais
poderosos.
Lukes (1974) alegou que o modelo de
Bachrach e Baratz n6o ia longe o suficiente
porque continuaya a supor que alguma for-
rna de conflito era necessdria para estimular
o uso do poder de definir a ndo-participagdo
no processo decis6rio.* Seu foco seria volta-
do muito mais sobre os "temas" a partir dos
quais "decis6es" eram tomadas, ainda que
estas fossem "n6o-decis6es" (Ranson et al.
1980:8). Lukes conservou, entretanto, a iddia
que o poder poderia ser usado para evitar o
conflito atraves de modelagdo de:
percepg6es, cogniqdes e prefer€ncias [das
pessoasl de um modo tal que elas aceitem
seu papel na ordem existente das coisas,
mesmo porque elas nao podem ver ou ima-
ginar alguma alternativa, ou porque elas
v6em isso como natural ou imut6vel, ou por-
que elas atribuem a isto um valor divina-
mente ordenado e ben'fico (7974:24).
O estudo sobre o poder nio poderia,
de acordo com Lukes, ser confinado ao con-
flito observdvel, aos resultados das decis6es,
ou mesmo aos temas suprimidos. Tal estudo
deve tamb6m considerar a questio da aqui-escencia politica: por que nio existem pro-
testos; por que nao se fazem demandas; e
por que o conflito n6o surge, uma vez que
tal tnagdo tambdm pode ser resultado do
poder. Pode-se, enteo, ser "enganado, trapa-
ceado, coagido, influenciado ou manipula-
do para promover a inatividade politica"
(Saunders, 7980:22).
E esse tipo de uso do poder que ajudou
a manter a dominAncia de grupos de elite e
No o ginal, non decision mocking por,er. (N.T.)
AIGUNS OUSAM CTIA]!d-LO DE PODER
reduziu a capacidade de emprego do poder
discriciondrio possuido pelos subordinados:
O poder d mais efetivo e insidioso
em suas conseqii€ncias quando temas nao
v€m d tona, quando atores permanecem
ignorantes sobre as demandas de seus
iguais, isto d, o poder 6 mais efetivo quan,
do n6o d necessiirio (Ranson et al. 19BO:8).
Nessa terceira dimensSo, Lukes focali-
zou sua atenseo nos mecanismos sociais e
de classe que perpetuaram o status quo. Isso
se relaciona ao conceito gramsciano de he-
gemonia ideol6gica (Clegg, 1989a) no qual
"uma estrutura de relag6es de poder 6 plena-
mente legitimada por um sistema integrado
de suposig6es culturais e normativas" (Hlrnan
e Brough, 7975:799). De acordo com esse
ponto de vista, o poder de definir a realidade
e usado pelas classes dominantes para apoi-
ar e justificar sua dominagio material, evi-
tando. ponanto. desafios a sua posiqdo.
Outra linha de pesquisa dentro desse
tema veio dos te6ricos do processo de tra-
balho (por exemplo, Braverman, 1974:
Burawoy, 7979: Edwards, 1979), que exa-
minaram os detalhes quotidianos do poder
e da resistencia, construidos ao redor de'Jo-
gos" que caracterizav.am os ritmos da vida
organizacional (Burawoy, 1979). Alguns
estudos (por exernplo, Edwards, 7979) tam-
b6m consideraram os padr6es hist6ricos que
estruturam o contexto geral do poder, desde
o controle simples e direto, baseado na vi-
gilancia; por meio de um controle t6cnico
baseado na dominaqio do empregado pela
m:iquina e, particularmente, pela linha de
montagem: ate o conrrole burocrdtico com-
pleto - o modelo weberiano de controle pe-
las regras. Essa tradigdo enfoca a dialdtica
do poder e da resist€ncia em relaE6o a fe-
n6menos tais como genero, tecnologia,
etnicidade, controle gerencial e outros as-
pectos da estruturaqao do trabalho e de seu
contexto organizacional (Ihights e Willmoft,
1985; 1989; Knights e Morgan, 1991;
Knights e Murray 1992; Kerfoott e Ihights,
1993).
Mais recentemente, a nogio de ,,cer-
ceamento organizacional" (Mann, 1986: Z)
tem sido usada para prover outra resposta
para a questao que trata do porque dos do-
minados tdo freqiientemente consentirem em
sua pr6pria subordinaqio. Em vez de ver esse
fendmeno como negativo por parte dos opri-
midos ou manipulaqdo por parte da elite,
essa anillise trata dos poderes coletivos e
relativos dos participantes. O cerceamento
organizacional pode ser pensado de pelo
menos dois modos relacionados. Um deles
refere-se i ausdncia de recursos de conheci-
mento por parte dos cerceados. O outro refe-
re-se precisamente ao que os poderiam co-
nhecer muito bem.
Primeiramente, vamos considerar a au-
sdncia de conhecimento, ou a ignorAncia.
Freqiientemente, aqueles que t€m relativa-
mente menos poder permanecem assim por.
que s6o ignorantes sobre os caminhos do
poder: ignorantes, assim, de quest6es de es-
tratdgia, tais como, conhecer os recursos do
antagonisra, os procedimentos de rotina, re-
gras, estabelecimento de agendas, acesso,
condutas informais, assim como protocolos
formais, o estilo e a substencia do poder. Nao
6 que eles n6o conheEam as regras dojogo, o
problema 6 que eles podem nem ao menos
reconhecer o jogo, quanto menos conhecer
suas regras. Muitas vezes, a ignorAncia es-
tende-se a uma falta de conhecimento sobre
outras agencias menos poderosas com as
quais poder-se-ia formar aliangas. Aqui, a
resist6ncia persiste como uma ocorr€ncia iso
lada facilmente superada. A medida que a
resist€ncia continua sem coordenagdo,
pode ser facilmente contornada pela der-
rota, exilio ou incorporag6o, mesmo se os
antagonistas pudessem superar facilmente
os protagonistas, caso eles pudessem, sim-
plesmente, conectar-se. Um passo adiante
do isolamento 6 a divis6o. Tempo e espago
podem ser ordenados e dispostos de modo a
minimizar a interagio, ou mesmo fazer com
que um grupo de subordinados parega invi-
sivel ao outro (Barnes, 1988:101). Comple-
xas divis6es de trabalho podem atingir esse
objetivo, assim como a experiCncia extrema
da competigeo. Exemplos desse {ltimo caso
podem ser o arranjo de ag6es concertadas
dentro de uma organizaqao, de forma tal que
seja experenciada indMdualmente, em vez
de modo coletivo, por meio de sistemas com-
petitivos de pagamento de b6nus individuais
ou por meio de outros mecanismos que cons-
truam um ambiente egoc0ntrico.
Secundariamente, o cerceamento orga-
nizacional na base do conhecimento opera
de um modo tal, que os indivfduos podem
saber o que hd para ser feito, tambdm po-
dem saber os custos de empreender este fei-
to, pesando as chances de sucesso e os bene-
ficios de ser bem sucedido. A necessidade de
uma pressdo sombria no sentido de ganhar a
vida, a natureza da ocupaqio, um trabalho
6rduo e uma atMdade intermindvel, uma ro-
tina entorpecente, compuls6ria e invaridvel:
tais t6cnicas de poder podem facilmente dis-
ciplinar a animaqao de espiritos teoricamente
livres quando as condiq6es dessa iiberdade
tornam-se evidentes. Nesse sentido, o cercea-
mento trabalha contra certos grupos tanto
porque eles ndo conhecem o bastante para
resistir, mas tamb6m porque eles conhecem
bastante demais a futilidade de tal ag6o.
Estrat6gias de gerenciamento:
vencendo o conflito
A literatura dominante sobre adminis-
tragao assumiu uma abordagem diferente: em
vez de ater-se ao uso do poder para evitar o
conflito, esse ramo de estudo este voltado,
quase que exclusivamente, ao uso do poder
para vencer o conflito. De fato, observa-se
definiqoes explicitas ligando o poder a situa-
q6es de conflito que surgem quando gmpos e
individuos buscam preservar seus interesses
ocultos (por exemplo, Pettigreq 1973; 1985;
MacMillan, 1978; Pfeffer, 1981,a; 7992;
Narayanan e Fahey 1982; Gray e Ariss, 1985;
Schwenk, 1989).
Da definigdo de poder, estii claro que
a atMdade politica 6 a atividade que d em
preendida para superar alguma resist€n-
cia ou oposigSo. Sem oposigdo ou desa-
cordo dentro da organizagAo, nio hd a ne-
cessidade nem a expectativa de se obser-
var atividade politica (Pfeffer, 1981c:7).
Essas definig6es evocam a id6ia de
uma "briga justa", em que um grupo (nor-
malmente a alta ger€ncia) 6 forqado a utili-
zar seu poder para sobrepujar a oposiqao
de outro (sindicatos intransigentes ou em-
pregados dissidentes, talvez). Tal aniilise 6
reforgada pela definiqSo de politica em ter-
mos de ilegitimidade. Uma definigdo comum
de polftica na literatura gerencial d a do
uso do poder nao sancionado ou ilegitimo,
no sentido de se alcangar objetivos ndo san-
cionados ou ilegitimos (por exemplo,
Mintzberg, 1983; 1984; tambdm ver Mayes
e Nlen, 1977: Gandz e Murray, 1980; Enz,
1988). Isso claramente implica a iddia de que
esse uso do poder d disfuncional e objetiva
frustrar iniciativas que possam beneficiar a
organizaqao em nome do interesse pr6prio.
Reduzida a sua ess€ncia, portanto,
politica refere-se ao componamento de um
individuo ou de um grupo que seja infor-
mal. osrensivamente paroquial. tipicamen-
te divisivo, e acima de tudo, no sentido
tdcnico, ilegitimo - nio 6 sancionado pela
autoridade formal e ideologia aceita, nem
por uma especialidade reconhecida (ape-
sar de poder explorar cada uma delas)
(Mintzberg, 1983; 172, grifos removidos).
Essas definig6es ignoram a questao: sob
quais olhos o poder d considerado ilegiti
mo, ndo sancionado ou disfuncional? Le-
gitimidade 6 usualmente definida em termos
da "organizaglo", quando os autores est6o-
se referindo, de fato, is elites organizacionais,
ALGUNS OUSAM CTIAMA-LO DE POT]ER
isto 6, A alta gerdncia. Assim, os interesses
gerenciais s6o igualados ds necessidades daorganizagS.o, e a possibilidade que os ge-
rentes, como qualquer outro grupo, possam
buscar arender a seus proprios inleresses
ocultos 6largamente ignorada (por exem-
plo, Watson, 1982).
os sistemas e esrruLuras organizacio-
nais existentes n6o s6o neutros ou apoliticos,
mas, basicamente, fen6menos estrutural-
mente sedimentados. Hil uma hist6ria de
conflitos jii incrustada na organizagdo. A
organizaqdo 6 um mundo de vida coletiva,
cujos tragos do passado estao ocultos, reco-
lhidos, transformados e em busca de novos
significados. De acordo com Weber, a orga-
nizagdo jA incorpora uma "estrutura de do-
minagSo" em seu funcionamento. Autorida-
de, estrutura, ideologia, cultura e t6cnica es-
tao, invariavelmente, saturados e imbuidos
de poder, mas a tradiglo dominante toma
as estruturas de poder ocultas no desenho
formal da organizageo como um dado a ser
aceito. O foco estii no exercicio do poder
dentro de certa estrutura de dominaqdo. Tal
abordagem enfoca apenas superficialmen-
re a politica, deixando de representar o equi-
librio de poder. Atribui-se demasiado poder
aos grupos subordinados que sdo repreen-
didos por usdJo; jzi os caminhos obscuros
usados pelos altos gerentes, por triis dos
bastidores. a fim de fortalecer suas posiqoes
e seu poder, por meio da modelagem da le-
gitimidade, dos valores, da tecnologia e da
informaqdo, sao convenientemente exclui-
dos da aniilise. Essa definig6o estreita (ver
Frost, 1987) obscurece as reais prdticas do
poder e despolitiza a vida organizacional
(Clegg, 1989a). Pinta um quadro ideologi-
camente conservador que, implicitamente,
defende o stcrus quo e esconde os processos
pelos quais as elites organizacionais man-
t6m sua dominAncia (Alvesson, 1984). Me-
canismos de dominaqao, tais como lideran-
qa, cultura e estrutura sio usualmente trata-
dos na literatura convencional como neutros,
inevitdveis ou objetivos e. portanto. ndo pro-
blerniiticos (Clegg, 1989a; 1989b; tambdm
ver Ranson et al., 1980; Deetz, 1985; Ibights
e Willmott, 1992; Willmott, 1993).
Logo, a perspectiva funcionalista clas-
sificou o poder como ilegitimo, disfuncional
e como manifestaeao de um comportamen-
to baseado no interesse pr6prio. Essas defi-
niq6es levantaram uma interessante ques-
teo relativa ao que acontece quando n6o
existe conflito: o poder simplesmente deixa
de existir ou se transforma em alguma ou-
tra coisa? Assim sendo, em que o poder se
transforma? Claramente. de acordo com este
trabalho, apenas "pessoas mds" fazem uso
do poder; as "pessoas boas" usam alguma
outra coisa, embora a literatura n6o seja cla
ra sobre exaramenle que coisa seria essa.
Esse tema torna-se ainda mais problem6ti-
co quando uma literatura gerencial mais
ampla d levada em conta. Muitos desses tra-
balhos nao enfocam o poder per se e, assim,
neo se interessam em defini-lo. No entanto,
o poder 6 parte integral da discussio. Por
exemplo, o trabalho sobre lideranga defen-
de o uso do carisma pelos gerentes. Autores
assumem (geralmente de modo implicito)
que os gerentes utilizarao o poder respon-
savelmente, a fim de atingir os objetivos da
organizaqio, mesmo quando muito do que
se sabe sobre o poder carismiitico vem do
estudo de lideres, tais como Hitler, Mussolini
e Pol Pot! Assim, adiciona'se i linha dos es-
rudos gerenciais funcionalistas a assungdo
de que os gerentes utilizam o poder (ou algo
parecido) responsavelmente na busca das
metas organ izacionais, enquanro quaisquer
outros usam isso irresponsavelmente, a fim
de evitar a consecug6o dessas metas. Os po-
tenciais abusos de poder pelos grupos do-
minantes sio subestimados, ao passo que
aqueles que desafiam as prerrogativas
gerenciais s5o automaticamente taxados
com o r6tulo "politico". Nesse sentido, te-
mas €ticos associados ao uso do poder s6o
desviados da andlise, fazendo com que essa
abordagem seja incapaz de lidar com ques-
toes relarivas ao abuso e i exploragdo.
Em suma, os esforgos empreendidos nos
anos 70 buscaram refinar as bases deixadas
pelos pioneiros no estudo do poder. Em cada
caso, entretanto, eles trabalharam sobre cada
corpo de trabalho em separado; pouco foi
feito para se estabelecer uma ponte entre os
diferentes campos. Isso ocorre parcialmente
pela aparente relutAncia de muitos pesquisa-
dores orSanizacionais em se referir a um
escopo mais amplo dentro das ci€ncias so-
ciais, das quais eles fazem parte, e i aparen-
te indiferenga de soci6logos e cientistas poli-
ricos no estudo dos processos organizacionais.
diferentemente dos processos sociais ou de
classe,
Utrle Polrrr Mtnro DrsraNrr?
Poucos estudos realmente ofereceram
uma perspectiva de ligaqio entre os dois
mundos. Entretanlo, como a discussdo se-
guinte demonstra, suas iddias n6o foram
prontamente adotadas pela maior pane da
literatura funcionalista, que continua com-
prometida com as conceituaqOes existentes.
Ao mesmo tempo, desenvolvimentos no
campo critico foram devotados, explicita-
menre. a rejeitar o funcionalismo. ndo a
molddlo. Como serd discutido, esses desen-
volvimenros tambdm confrontaram muitas
das suposiq6es modernistas incrustadas na
literarura critica.
Gerenciando sigrrificados: a
criageo da legitimidade
Um assunto que, finalmente. conseguiu
atrair a atenqao da literatura gerencial foi o
poder como de legitimagio (Astley e
Sachdeva, 1984). Cientistas politicos hii
muito v€m reconhecendo as vantagens de se
criar legitimidade para as instiluiedes exis-
tentes, evitando assim a necessidade de uso
de formas mais coercitivas e visiveis de po-
der (Lipset, 1959; Schaar, 1969; Roelofs,
1976; Rothschild, 1979). A legitimidade tam-
b6m pode ser criada para ag6es individuais,
reduzindo. assim, as chances de haver oposi-
g5o. Edelman (1964;7977) observou que o
poder nao 6 mobilizado apenas para se al-
cangar resultados materiais, mas tambdm
para dar a esses resultados algum tipo de
significado, legitimando-os e justificando-
os. Atores politicos usam a linguagem, os
simbolos e as ideologias para aplacar ou
excitar os Animos do priblico.
A andlise politica deve enrao proce.
der se, simultaneamente, em dois niveis.
Devem examinar de que lorma as agdes
polfticas provdem certos grupos das coi
sas tangiveis que eles querem do govemo
e, ao mesmo tempo, explorar qual o signi-
ficado dessas mesmas aq6es para o pfbli-
co em geral, e de que forma esse p(blico
pode ser aplacado ou estimulado para tais
ag6es. Na expressao de Himmelstrand,
aeoes poliricas sao tanto instrumenrais
quanto expressivas (Edelman, 1964.12).
Dessa forma, na maneira descrita pela
terceira dimensdo do poder de Luke (1974),
o processo de legitimagio evita o surgimento
de oposigdo.
As vantagens da criagao da legitimi-
dade nio passaram completamente desper-
cebidas, mesmo no campo dos estudos orga-
nizacionais.
O poderestdvel e organizado requer
legitimaqao. Certamente, pode-se fazer o
homem tmbalhar ou obedecer por meio da
coerqdo, mas o uso coercitivo do poder en-
gendra resistEncia e, algumas vezes, uma
oposiqao ativa. Conflitos de poder dentro e
entre sociedades sdo caracterizados por
resistencia e oposiqeo, e enquanto ocorre-
rem nas organizaq6es, alcangar operaqdes
efetivas necessita que sejam ali mantidas
nos rninimos niveis possfveis e, especial-
mente, que seus membros n6odemonstrem
resistCncia na realizagao de suas tarefas
diiirias, mas as cumpram coffetamente,
concordando de bom grado com as diretivas
da organizacao (Blau, 1964:199-200).
.. ALGUNS ousAM cHAMri-Lo pE popER 223 |
No entanto, a literatura gerencial fun-
cionalista tem ignorado essa questio em lar-
ga medida. Pettigrew (1977) tenrou introdu-
zir processos de legitimaqio no campo da
gerdncia. Seu trabalho sobre o gerenciamento
de significados tratou explicitamente o pro-
cesso de criaEao da legitimidade.
A politica preocupa-se com a cria-
gdo de legitimidade para certas iddias, va-
lores e demandas - nao apenas aqao de-
sempenhada como resultado de uma le-
gitimidade adquirida previamente. O ge-
renciamento dos significados relaciona-se
a um processo de construgio de simbolos
e de uso de valores, concebidos tantopara
criar legitimidade para nossas demandas,
como para "deslegitimar" as demais
(1,977:85).
Ele percebeu que os atores politicos
definem sucesso nao somente como vit6ria
obtida quando confrontado (em que sem-
pre pode existir o risco de derrota), mas,
em alguns casos, como algo relacionado a
sua habilidade de seccionar esferas de in-
flu6ncia em que sua dominagao seja perce-
bida como legitima, e, por isso mesmo, ndo
seja confrontada (Ranson et al., 1980;
Frost, 1988). Desse modo, o poder 6 mobi-
lizado para influenciar indiretamente o
comportamento, dando a resultados e de-
cis6es certos significados, legitimando-os
e justificando-os.
Pfeffer (1981a, 1981b) identificou um
uso similar do poder ao distinguir entre
consequ6nciasr' sentimentais (atitudinais) e
substantivas (comportamentais) do uso do
poder. Em grande parte, as comportamentais
resultam de consideraq6es de dependencia
de recursos, enquanto que as atitudinais re-
ferem-se ao sentimento que as pessoas t6m
a respeito dos resultados, e s6o influencia-
das principalmente pelos aspectos simb6li-
cos do poder, tais corno o uso da linguagem
politica, dos simbolos e rituais. Pfeffer
(1981a) arSumenta que existe apenas um fra-
co relacionamento entre poder simb6lico e
resultados substantivos: isto d, o poder sim-
b6lico 6 usado apenas post hoc para legiti-
mar resultadosjii alcanqados pela depend6n-
cia de recursos. Dessa forma, Pfeffer encerra
seu trabalho perto de concluir que o poder
pode ser utilizado para prevenir conflitos e
oposig6es. De fato, existe uma inconsiston-
cia no trabalho de Pfeffer: se o poder simb6-
lico d suficientemente efetivo para "silenci-
ar" a oposiqao arposf, por que ndo usd-la ex
ante para evitar o surgimento de oposigio?
O nico fator que evita que Pfeffer chegue a
essa conclusio 6 sua recusa em reconhecer a
exisLencia do poder em outras situaqoes que
neo aquelas caracterizadas pelo conflito e
pela oposigio(1981a:7).
O trabalho desses autores e de outros
(e.g., Clegg, 1975; Gaventa, 1980; Ranson
et alii, 1980; Hardy 1985) ofereceu uma
oportunidade de unir a "escola" gerencialista
com os trabalhos mais criticos sobre domi,
nagao. No entanto, gragas a uma sdrie de
motivos, essa ponte nunca foi feita. Primei-
ramente, a iddia de usar o poder para ge-
renciar significados e criar legitimidade nun-
ca foi utilizada de forma significativa por
escritores funcionalistas convencionais nor-
te-americanos ou nio, que continuaram a
centrar seus trabalhos no fator depend€n-
cia e a definir poder em termos de conflito
e ilegitimidade (e.g., Mayes e Nlen, 7977:
MacMillan, 7978; Gandz e Murray 1980;
Narayaran e Fahey, 1982; Mintzberg, 1983;
Gray e Ariss, 1985; Pettigrew, 1985; Enz,
1988; Schwenk, 1989; Pfeffer, 1992). O
equivoco de Pfeffer (1981a) 6, de fato, em-
blemdtico para todo este campo de estudo.
A iddia de que gerentes possam usar o po-
der dessa forma ameaga abrir uma "caixa
de pandora"" para uma perspectiva funda-
O autor usa a expresseo que foi dedlzida por
resultados do poder por consegiiAncids. (N.O.) No oriSinal. .or of worms: lata de vermes. (N.T..)
274 TEoRTzANDo soBRE A rFoRlA
mentada no gerencialismo. Em vez de inves-
tigar o poder escondido e mobilizado por
meio de estruturas, culturas e tecnologias apa-
rentemente neutras, a vasta maioria dos pes-
quisadores prefere continuar a ver essas cons-
truqdes como ferramentas de gerencia-mento
apoliticas. Por exemplo, a maioria dos escri-
tores convencionais'!'! que trata da cultura
organizacional tem percorrido extensdes con-
siderdveis para evitar qualquer tipo de asso
ciagdo entre o poder e a politica (ver
Smircich, 1983; Izraeli e Jick, 1986; Mumby
1988). As mudangas culturais sio apresenta-
das de forma neutra, sugerindo que elas sio
vantajosas para todos (ver Willmott, 1993).
Weiss e Miller (1987) exploram esse assunto
em uma interessante demonstragio de como
artigos amplamente citados r6m ,,trarado,,
as definigdes de ideologia para evitar quais-
quer conotag6es politicas (ver tamb6m Beyer
et alii, 1988 e Weiss e Miller, 1988, sobre o
debate decorrente do tema).
Uma segunda barreira para a constru-
Eio dessa ponte foi o fato de que uma nova
linha de trabalho estava-se mobilizando ra-
pidamente para desafiar as vis6es de poder
dominantes, e, fazendo isso, questionaram
n6o apenas a perspectiva fllncional, mas tam-
bdm as suposig6es modernistas que funda-
mentam a teoria critica, tal como serd dis-
cutido na pr6xima sessao.
Poder e disciplina
Recentemente, os sistemas de regras que
construiram a burocracia de Weberv6m sen-
do reinterpretados, sob os cuidados das "pr;i-
ticas disciplinares" derivadas de Foucault
(1977).4 Escritores influenciados por essa tra-
dig6o referem-se ds "microtdcnicas" do po-
der. Diferentemente dos sistemas formais.
"" Expressao utilizada para :jad\tzit moinstream,
isto 6, a linha dominante de uma tendCncia te6,
rica.
essas tdcnicas nao s6o comumente concebi-
das em termos de um conceito causal de po-
der (a nog6o de algudm conseguindo fazer
com que uma outra pessoa faga algo que, de
outro modo, n6o faria). Em vez de serem
epis6dios sociais observ6veis em suas cau-
sas, eles representam maneiras pelas quais
tanto indMduos quanto grupos coletivamen-
te organizados tornam se socialmente inscri-
tos e normalizados, por meio das pr6ticas de
rotina das organizaqdes. Dessa forma, o po
der estii entrelaqado nas fibras da vida coti-
diana. No Amago, est6o as priiticas de,,vi-
gilAncia", que podem ser mais ou menos me-
diadas pela instrumentagao. Historicamen-
le. a tend6ncia e por uma maior instru-
mentagio d medida que a vigilAncia se des-
loca de um olhar literalmente superuisorpara
formas mais complexas de observaqio, ciil-
culo e comparagdo. Avigildncia, seja ela pes-
soal, t6cnica, burocrdtica ou legal, expande-
se mediante formas de supervisao, rotini-
zaEio, formalizagio, mecanizaq6o, legisla-
96o e desrgn que buscani aumentar o contro-
le sobre o comportamenro, disposigdo e in-
corporagdo dos empregados. A vigilfurcia nio
6 estabelecida apenas por meio do controle
direto. Ela pode ocorrer como o resultado
de prdticas culturais de reafirmaEio,
capacitaESo e persuasio moral, ou ainda
como o resultado de um conhecimento t6cni-
co mais formalizado, tal como o monito-
ramento por computador das operaqdes rea.
lizadas ou a implantaqao de sistemas de tes-
te antidrogas de baixo custo.
A efetividade do poder disciplinador
no seculo XIX estava ligada ao surgimento
de novas tdcnicas de disciplina. apropria.
das a ambientes de produsao mais vastos e
impessoais, nos quais as condig6es de
Gemeinschaft ern que cada pessoa sabia seu
lugar n6o rnais existiam (ver Bauman, 1982;
Foucault, 1977). Aregullagdo moral, previa-
mente localizada, baseada na premissa da
transpardncia do individuo diante da comu-
nidade, n5o era mais viilvel. Logo. surgiram
novas instituig6es estatais, onde novas for-
ALCUNS OUSAM CHAMA-LO DE PODFR
mas de controle foram adotadas, e copiadas,
em seguida, pelos capitaes de indfstria. Nao
houve um plano grandiloqiiente para fazer
com que essas instituiq6es adotassem tdcni-
cas disciplinares semelhantes. Tal processo 6
melhor descrito se visto pela 6tica das pres-
sdes por inovaqio institucional (Meyer e
Rowan, 1977; DiMaggio e Powell, 1p83).
Copiou-se aquilo que j6 estava disponivel;
dessa forma, criou-se um mundo pr6prio de
padr6es isom6rficos a partir de esruturas pre-
viamente conhecidas.
Certa vez, Maquiavel observou que "os
homens quase sempre seguem as pistas dei-
xadas por outros, e procedem em seus as-
sunLos pela imiraqdo, ainda que ndo possam
seguir completamente essas pistas ou repe-
tir a faEanha desses modelos" (1967:49).
Essa vis6o captura grande parte do senso
da teoria institucional contemporAnea, uma
teoria organizacional que guarda grande se-
melhanqa com os trabalhos de Foucault
(7977: ver Scott, 1982). T6cnicas discipli-
nares eram disponiveis no ambiente monds-
tico, entre os militares, nas formas institu-
cionais de ensino, nos abrigos etc. A efeti-
vidade dessas t6cnicas ficou bem estabele-cida durante os riltimos dois s6culos. prriti-
cas de isomorfismo institucional, portantoj
tendem a reproduzir relaq6es similares de
significado e associativismo, como a base
para a inLegraglto social em outras organi
zaE6es. Como certas tdcnicasjd eram conhe-
cidas e disponiveis, elas possuiarn um grau
de legitimidade que as habilitava a ter uma
amplitude de dispers6o maior do que te-
riam em outras circunstancias (e.g.: Meyer
e Rowan, 1977).
Tais formas de controle, sejam elas di-
retas e pessoais ou mais mediadas e instru-
mentadas, modificaram noq6es comuns a
respeito do espaEo privado individual. Em um
mosteiro medieval. essas nogdes quase n5o
existiam. Como a industrializaqio se desen-
volveu da simples "produqdo" para o "siste-
ma fabril", a definiqio desse espago tamb6m
foi transformada em vida organizacional se-
cular. De modo geral, lida-se com o desen-
volvimento de disciplinas do conhecirnento
formadas quase sempre a partir do ,,olhar
disciplinador" da vigilAncia. Tal como
Foucault (1977) sugere, este seria o caso de
muitas das cidncias sociais do s6culo XIX,
particularmente os ramos ligados ao bem-
estar social, A estatistica e i administragio.
Organizacionalmenre, no sdculo XX, o de-
senvolvimento de fung6es de pessoal
norteadas pelas "relag6es humanas', de Mayo
(1975) podem ser vistas como agentes de um
papel tutelar similar (ver Clegg, 7979; Ray,
1986). Entidades individuais ou coletivas po,
dem ser discriminadas e categorizadas por
diversas tdticas de raciocinio. Os mecanis
mos sao, freqiientemente, locais diversos e
descoordenados. EIes ndo formam esLra16-
gias grandiloqiientes. Ainda assim, podem
produzir-se propriedades abstratas de pes-
soas. mercadorias e serviqos que sejam
mensurdveis, escaloniiveis e avalidveis em
uma abrangente estratdgia an6nima da dis-
ciplina.
Dessa fcrma, as nog6es dominantes de
poder (que delineiam tanto as abordagens
modemistas quanto as funcionalistas) foram
desafiadas. O poder nio era mais apenas um
recurso conveniente, manipul6vel e deter-
ministico. Ao contrdrio, todos os atores ope-
ravarn dentro de uma estrutura de domina-
qdo - uma rede dominante de relaqdes de
poder - dentro da qual as perspectivas de
saida eram limitadas tanto para os grupos
dominantes quanto para os grupos subordi-
nados. Anteriormente, o poder tinha sido ca-
racterizado de vdrias formas, mas todas re-
queriam que algudm "tomasse partido". Os
funcionalistas defendiam os gerentes: a re-
sist€ncia a seu poder era ilegitima. para os
te6ricos criticos, a resist6ncia era algo posi-
tivo: uma oportunidade para a ag6o huma-
na criativa, particularmente quando asso-
ciada a categorias subjugadas, tais como tra-
balhadores, mulheres e minorias dtnicas,
corno uma reafirmaqao contra os processos
de dominaqio. Uma moralidade implicita es-
tava inserida em ambas as perspectivas e cada
uma estava em confronto corn a outra. A vi-
sAo de Foucault e daqueles diretamente in-
fluenciados por ele era diferente. O poder nao
envolve a tomada de dererminada posiqdo. a
identificag6o de quem possui mais ou menos
poder, mas sim a busca da descriqio de seu
papel estrat6gico - como ele 6 usado para
transformar as pessoas em personagens que
articulam um jogo de moralidade orga-
nizacional. Muito deste trabalho adota uma
indiferenqa met6dica em relagdo aos senti-
mentos ligados es partes; em vez disso, a
investida 6 estrat6gica, descritiva e empirica.
Poder e gCnero nas organizag6es
Os trabalhos sobre gdnero apoiaram a
visSo de que o poder nas organizag6es deve-
ria ser representado ndo de forma parcial,
mas mediante uma perspectiva total. As con-
tribuiq6es pioneiras sobre o papel das mu'
lheres nas organizag6es sio os artigos de
Kanter (1975; 1977) e Janet Wolff (1977).
Os estudos de caso de Kanter foram, prova,
velmente, os primeiros trabalhos a abordar
seriamente a quest6o do 96nero, em termos
de quantidade, poder e oportunidades aber-
tas para homens e mulheres nas empresas.
Tanto como membros da organizaqdo ou em
papdis de apoio assumidos fora das organi-
zaqoes, como "as esposas da empresas"," as
mulheres foram sistematicamente submeti-
das ao poder que era freqiientemente im-
plfcito, tdcito e inconsciente. O artigo de
Wolff (1977) preocupou-se menos com a
hegemonia tdcita dentro das organizaqOes
e mais com os meios pelos quais as posigoes
das mulheres denrro das organizaq6es eram
insepardveis de seu papel social mais am
plo. Essa perspectiva foi posteriormente de-
senvolvida no trabalho de Gutek e Cohen
( 1982). que cunharam a iddia da "superaqdo
de pap6is sexuais", a transposigdo de papiis
socialmente definidos em termos de g€nero,
para o local de trabalho, onde os papdis se-
xuais associados ao g€nero demografi-
camente dominante incorporam-se As fung6es
profissionais. As forqas armadas e a ativida-
de de enfermagem s6o, provavelmente, os
melhores exemplos de opostos polares nesse
contexto.
Nos anos 70, esrudiosos passaram a
atentar, crescentemente. para a cegueira
relacionada As quest6es acerca do g6nero,
nio apenas nas organizag6es, mas tambdm
dentro dos estudos organizacionais (ver
Mills e Tancred, 1992, para um riipido resu-
mo). Notdveis trabalhos foram reavaliados
para estimar-se atd que ponto sua contribui-
qdo para a literatura baseava-se na existdn-
cia de pressupostos velados sobre g€nero ou
em decis6es amosftais nao relevantes ou em
anomalias em termos de gdnero (Acker eVan
Houton, 1974). Por exemplo, no trabalho de
Crozier (1964), os trabalhadores da drea de
manutengao eram todos homens, e os traba-
lhadores da :irea de produqdo eram todos do
sexo feminino. Como Hearn e Parkin (1983)
quiseram demonstrar. essa cegueira era sin-
tomiitica do campo de estudos em sua tota-
lidade, e nio a apenas um paradigma espe-
cifico.
Existe uma ironia peculiar ligada a isso,
tal como Pringle (1989) pretendeu desen-
volver. G6nero e sexualidade sao aspectos
extremamente impregnados ir vida orga-
nizacional. Nas principais dreas ocupa-
cionais. rais como secretdrias e recepcionis-
tas. por exemplo. a idenridade organiza-
cional d definida por meio do gAnero e da
projeqdo de formas de emocionalidade e, de
fato, na sexualidade ali implicita. A media-
gio e a resistdncia A aprovagdo das normas
de rotina da organizagio estao permanen-
temenre ligadas ir questio do g6nero, ndo
apenas porque o comportamento 6 definido
como organizacionalmente apropriado ou
inadequado, mas tambdm porque essa ade-
quaqdo d caracterizada em termos de g€ne-No original, company. (N.T)
AI,GIJNS OUSAM CT{AMA.LO DE PODER
ro. Elegancia, intelig,0ncia e recato sao me-
didos em dimens6es de gdnero (Mills, 1988;
1989; Mills e Murgatroyd, 1991). Em vez de
desafiar essas suposigdes, tidas como certas,
o vi6s de gdnero inerente ao esflrdo de orga-
nizag6es ajudou a preservar o sfotus quo. De
que outa forma as vantagens e os privildgi-
os dos brancos, normalmente anglo-sax6es,
americanos e homens. poderiam ser consi
deradas inquestiondveis por tanto tempo?
(Caliis e Smircich, 1992).
A funcionalidade est6ligada As ideolo-
gias dominantes: presumivelmente, 6 exata-
mente por isso que elas sdo dominantes
(Abercrombie et aJ.. 1 980). A repressdo n6o
6, necessariamente, um objetivo ou um pr6-
requisito, mas freqiientemente se apresen-
ta simplesmente como um subproduto de
uma ideologia que maximiza a capacidade
de agir da organizaqSo. Por muito tempo,
ideologias machistas t6m sido dominantes
na maioria das organizag6es. certas identi-
dades masculinas constituidas em contex-
tos social e economicamente privilegiados
normalmente serdo estrategicamente mais
contingentes para o processo decis6rio e para
o acesso 2r promoq6es em carreiras hierar-
quicamente desenhadas (Heath, 1981). No
entanto. as orgalizaEoes ndo produzem agdes
machistas: o machismo d que faz as organi-
zaq6es agirem de forma machista. Normal-
mente, elas agem dessa forma sem que qual
quer um perceba explicitamente o que de fato
estii [azendo. Nesses casos, as decisoes que
caracterizam as agdes organizacionajs ser6o
o resultado, e nao a causa, dessa ideologia.Organizaq6es podern ser caracterizadas
como arenas dentro das quais a politica a
respeito do g6nero aparece, assim, locais
adequados ao uso de politicas antidis-
criminat6rias. No entanto, tais "soluq6es" po-
dem tratar apenas dos sintomas, e ndo das
causas, profundamente enraizadas, da poli-
Lica sobre o gdnero. Alacar suas expressdes
organizacionais pode suprimir esses sinto-
mas, mas ndo significarii a cura desse corpo
politico, j6 que por tr6s disso existe uma his-
t6ria de vida, que se mant6m presente e que
estii-se fortalecendo (ou se enfraquecendo)
em um rnundo dominado pelo g6nero, que 6
tdcito, indiscutivel e constitutivo do verda-
deiro sentido do mundo da vida cotidiana.
Poder e identidade nas
organizag6es
A identidade das pessoas nao este aPe-
nas ligada a seu g6nero ou a sua sexualida-
de, ou ao tipo de poder relacionado a seu
trabalho nas organizag6es. As pessoas nas
organizag6es manifestam significados. Co-
mo tal, elas estao sujeitas a regimes especi-
ficos tanto de significaqio organizacional
como de disciplina, normalmente ao mes-
mo tempo. Identidades baseadas em t6picos
extraorganizacionais, tais como etnicidade,
g6nero, classe, idade e outros fen6menos pro-
v€em meios de resist6ncia irs significag6es
organizacicnais e ir disciplina, mediante a
formagSo de limites ir discreqio na vida
organizacional. Quem deverd fazer o que,
como, onde, quando e de que modo s6o, em
alguns casos, criaqdes de identidades legal-
mente especificas, prescritas ou proscritas
para certas prdticas habitualmente ou em al-
guns casos. A incorporagao de identidades
serd visivel apenas quando forem socialmen-
te reconhecidas e organizacionalmente con-
seqiiente.s
Conseqiientemenre, organizaqdes sdo
estruturas de dominagio patriarcal, domi-
nagio 6tnica etc. Obviamente, essas quest6es
sao contingentes: muitas organizag6es podem
ser estruturadas por meio da dominagdo 6t-
nica, de classe ou g6nero, mas nem todas
necessariamente sio assim. Existem muitas
ligag6es ainda ndo consideradas em outros
aspectos de identidade organizacional. Em
contextos organizacionais especificos, por
exemplo, as condig6es gerais de dominaqao
econdmica ou de classe podem ndo ser ne-
cessariamente o foco de resist6ncia ou de luta.
Pontos mais especificos de dominag6o podem
ser organizacionalmente evidenciados; afi nal
de contas, as divisdes do trabalho sdo arran-
jadas com base em conceitos de g€nero, de'
partamentos, hierarquias, espagos e muitos
ouftos.
Como resultado, organizag6es s6o lo-
cais nos quais a negociagdo, a contestaqio e
a disputa entre agentes organizacionalmen-
te ligados e divididos sdo ocorrdncias roti-
neiras. Divis6es de trabalho s6o tanto o obje-
to quanto o resultado de uma disputa. Todas
as divisoes de trabalho em uma organiza-
gao sao necessariamente constituidas den-
tro de um contexto de vdrios contratos e con-
dig6es de emprego. Por isso, a relaqao
empregaticia de subordinagdo e dominagdo
econ6mica 6 o sedimento subjacente sobre o
qual outras prdticas organizacionais sdo
estratificadas e superpostas, freqrientemente
de maneiras bastante complexas. Essa com-
plexidade de locais organizacionais faz com
que os empregos tornem-se sujeitos a pode-
res multivalentes, em vez de apenas a um
poder absoluto unilateral: terrenos contesta-
dos, em vez de lnstrtulqoes tota$. E IUStamen-
te nessas disputas, em que os papdis de po-
der e resist€ncia aparecem em cenas dramd-
ticas, que aqueles influenciados por Foucault
(1977) parecem melhor aprecia4 jd que nio
estao predispostos a saber antecipadamente
quem deveriam ser os drcmcfu personae-
vitoriosos e derrotados. Em vez disso, a 6n-
fase 6 no jogo de simbolos, significag6es e
aq6es, por meio das quais todos os atores
organizacionais tentam escrever, dirigir e
posicionar todos os demais. Dessa forma, 6
enfatizada a fragilidade de "grupos" unifica-
dos de interesses e 6 contestada a natureza
simplista das abordagens pluralistas (muito
menos as dualistas) das relag6es de poder.
Dramatis personaL - personagens (papdis) de uma
peqa teatral. (N.o.)
Poder e resistencia
Qualquer membro de chefia de uma
organizagdo complexa representa apenas um
ponto de retransmissdo de um complexo flu-
xo de autoridade ascendente, descendente e
entre hierarquias organizacionais. Idealmen-
te, de acordo com a vis6o funcionalista, essa
retransmissdo deveria ocorrer sem resist€n-
cia; ndo deveria haver "problemas" de obe-
di€ncia. No entanto, esse n6o tem sido o caso,
conforme registro dos pesquisadores organi-
zacionais (Coch e French. 1948). Conseqiien-
temente. a obedi6ncia n5o pode ser garanLi-
da, apesar da busca por um equivalente se-
cular a uma obedi6ncia divinamente inspi-
rada, em virtude da complexidade e da con-
tingdncia da atuagio humana. Em lugar dis-
so, a resistOncia surge d medida que os ato-
res organizacionais usam seu discemimento.
E tendo essa capacidade, de escolher este em
vez de outro curso de agio, que caracteriza
o poder, tanto por parte dos detentores do
poder, seus sujeitos. quanto daqueles que sao
seus objetos.
O relacionamento entre pode4 resistdn-
cia e discregdo tem importantes implicaq6es.
O poder sempre estard inscrito dentro de "re-
gras dojogo" contextuais, que tanto possibi-
litam quanto restringem as ag6es (Clegg,
1975). As ag6es organizacionais s6 podem
ser designadas como tal a partir de refer€n-
cias a regras que as identificam. Essas re-
gras nunca poder6o ficar livres de significa-
do excessivo ou ambiguo: elas nunca podem
prover sua pr6pria interpretagao. Quest6es
de interpretagSo estao sempre implicadas nos
processos aos quais as ag6ncias se referem
ou quando buscam do significado a regras
(wittgenstein, 1968; Garfinkel, 1967; C,Iegg,
1975; Barnes, 1986). A "normatizaqao" 6,
Portanto, uma atividade: ela d exercida por
algumas ag€ncias como um processo cons-
titutivo de criagdo de sentido. em que sao
feitas tentativas de estabelecer algum signi-
ficado. Tanto regras quanto jogos tendem
ALGUNS OUSAM CHAMA.LO DE PODER
necessariamente a sujeitar-se a interpretag6es
contestadas, e em breve alguns jogadores
poderdo ter a vantaSem de arbirrar o jogo:
sempre haverd alguma discreqio, e, lo8o, a
possibilidade de resist€ncia.
Aqui se confronta o paradoxo central
do poder: o poder de uma agdncia aumenta
na proporqdo em que esta delega autorida-
de; essa delegagio apenas pode ocorrer por
meio do estabelecimento de regras; regras
necessariamenre envolvem discreqbo: e a
discreqio potencializa o poder daquele a
quem foi delegado. A panir disso, surgem as
bases de uma ordem organizacionalmente
negociada, tdcita e sem constestaqao, e,
ocasionalmente, sua fragilidade e instabili-
dade, tal como foi tio bern observado por
Strauss (1978). As situagoes devem-se tornar
rotineiras e previsiveis, caso os processos de
negociagao coloquem-se como ndo usuais e
fora do comum. Logo, liberdade de discreqdo
requer disciplina. caso se deseje uma
retransmissdo de autoridade confiiivel. Nao
6 muito importante discutir se isso vem a ser
atingido por meio do que Foucault chamou
de "disciplinat6rio" ou de qualquer outra pr:l-
tica. Em qualquer caso, a disciplina ocorre
nao tanto graqas a proibig6es ou interven-
gdes no estado normal das coisas, mas medi-
ante construqAo do conhecimento desse esta-
do de coisas, o qual permite aos subordina-
dos minimizar as sang6es dirigidas a eles pe-
los superiores.
LAtoresl devem reconhecer que o
produto de aq6es apropriadas por eles
produzidas 6 o que minimiza o insumo
de coergio e de sang6es por eles recebi-
das (Barnes, 1988:103).
Dessa forma, poder estd implicito no
conceito de autoridade, e 6 constituido de
regras; regras envolvem discregSo e prov6-
em oportunidades de resist6ncia; e. por isso.
sua interpretaqSo deve ser disciplinada, se
nio se deseja a criaqao de novos poderes, ou
a transformagio de poderes existentes. De
fato, dado o cardter indicativo inerente ao
uso de regras, as coisas nunca sio total-
mente estdveis. mesmo que. historicamen-
te, elas assim o pareqam (Laclau e Mouffe,
1985). Assim, a resist€ncia A disciplina6 ir-
remedidvel graqas i constituiqao da relaqeo
poder/regras como o nexo de significados e
interpretaq6es, o qual, gragas ao cardter
indicativo aos desvios, estar6 sempre aberto
a possibilidades de reordenagao. Assim, ain-
da que o termo organizagdo implique estabi-
lizaqao do controle - das categorias de qua-
dro associativo corporativas e diferenciais
atrav6s do tempo e do espaqo - esse controle
nunca d total. De fato, freqiientemente seo
comuns as contradiq6es na evolugSo de regi-
mes de controle que explicam seu desenvolvi-
mento (Clegg e Dunkerley 1p80). Desse modo,
resistencia e poder compreendem um sistema
de relagdes de poder, no qual inevitavelmen
te existem tanto possibilidades de domina,
qao quanto de liberaqao, assim como ten-
s6es entre tais aspectos (Sawicki, 1991:98).
A polftica 6 urna luta tanto para alcancar
quanto para escapar do poder (Wrong, 1979;
Hindess, 1982; Barbalet, 1985; Clegg,
1994a). A distinq6o conceitual entre poder e
resist6ncia significa "contribuiqdes qualitati-
vamente diferentes para o resultado de rela-
q6es de poder estabelecidas, de um lado, por
aqueles que exercem o poder sobre outros, e,
de outro, por aqueles sujeitos a esse poder"
(Barbalet, 1985:545). Em outras palawas, de
acordo com esse ponto de vista, o poder 6
substantivamente diferente da resist€ncia.
Tal vis6o envolve reconceitualizar dua-
lidade de poderes (dominaQio) ou resist6n
cia (liberaqdo) jd existente na literatura so-
ciol6gica (e.9, Giddens, 1979; 1982). Desa
fia, assim, a iddia de um poder soberano que,
em liltima instAncia, apodera-se de uma fic-
qdo - de uma "superag6ncia" suprema -
ao mesmo tempo em que nega soberania
aut€ntica a outros: urn superpoderosoA im-
pondo sua vontade a muitos B's. A concep-
Eio de uma classe dirigente de um Estado
dominante e de uma cultura ou ideologia
predominante sufocou a consciencia dos
sujeitos, criando uma falsa consciCncia (o
que explica a aus6ncia da consumaqdo das
previs6es revolucioniirias de Marx). Dessa
forma, escritores como Lukes (1974) acei-
taram a problemdtica da "hegemonia"
(Gramsci, 1971) ou "ideologia predominan-
te" (Abercrombie, et al., 1980), e pretende-
ram reconhecer, seSuramente. quais seriam
de fato os reais interesses dos oprimidos. A
implicagSo przitica dessas andlises foram
claras: uma boa teoria substituiria uma
teoria ruim; uma boa teoria possibilitaria
a consecugao de interesses reais.
Foucault (1980) soou a "marcha firne-
bre" do poder soberano com sua desconfi-
anga da pr6pria no96o de ideologia. Crfti-
cas a respeito dos problemas empiricos rela-
cionados i mensuragrio dos interesses reais
(e.g., Benton, 1981) foram substituidas por
um desafio mais crucial. Foucault conside-
rava a ideologia como um termo de "falsi-
dade", cuja relagdo de oposigSo a um con-
ceito "verdadeiro" de "ci€ncia" nunca po-
deria estar muito distante. Por meio da de-
monstraqio de que as "verdades" e as "falsi-
dades" de discursos particulares constjruem-
se historicamente, Foucault mostrou que
nenhuma suposigdo de realidade poderia
existir como pouco mais do que sua pr6-
pria representaqdo na linguagem. A lingua-
gem n6o pode mascarcr nada, ela apenas
representa possibilidades. Pretens6es de co-
nhecer os reais interesses de quaisquer gru-
pos, de outra forma que nio mediante t6c-
nicas de representaqao, nao podem sobre-
viver a essa reconceituagio do poder.
Poder/conhecimento e
emancipageo
O reconhecimento de que resist€ncia
estava implicita no conceito de poder n6o
levou ao reconhecimento de perspectivas mais
fortes para a emancipagSo. O espago e a
ambigiiidade nos quais a resistdncia d culti,
vada nio levam ir transformagSo das rela-
g6es de poder dominantes; apenas as refor-
qam. Essa 6 a s6bria implicagio da tradigao
foucaultiana. A morte do sujeito soberano
foi acompanhada pela eliminaqio das fon-
tes origin:irias de aq6o: nenhuma delas po-
deria habitar o mundo p6s-estruturalista.
A extens6o e abrang€ncia das relag6es
de poder torna dificil a resist6ncia. Os dis,
cursos dominantes sdo tidos como fatos, o
que toma dificil conceber altemativas, quan-
to menos torndlas realidades. De fato, a
resist€ncia freqiientemente serve apenas
para reforgar os sistemas de poder existen-
tes (Clegg, 1979; Knights e Willmott, 1989;
Ibights e Morgan, 1991). Aldm disso, a pro-
dug6o de identidade confere uma experidn-
cia positiva aos individuos, o que leva i re-
produqdo das relagdes de poder. nao a sua
transformagio (Knights e Willmott, 1989j
Ihights e Morgan, 1991). Finalmente, en-
quanto todos os atores seo, em alguma ex-
tensao, capturados pela rede dominante de
relaq6es de poder (Deetz, 1992q;7992b),
aqueles que se beneficiaram por essa condi-
geo estao, normalrnente, em melhor posi-
96o para o desenvolvimento de estratdgias
(tais como o cerceamento, o gerenciamento
de significados, a manipulaqao da cultura,
a escolha da tecnologia etc.) que irSo prote-
ger suas posiqoes.
Outro golpe ) emancipagdo veio dos
ataques de Foucault as suposiq6es modemis-
tas de que a "verdade" viria do conhecimen-
to, isto 6, uma situaqdo Iivre do poder. Ao
contrdrio, como argumentou Foucault, com
o conhecimento viria apenas mais poder.
A verdade nao estd fora do poder,
ou desvinculada dele: ao conlrdrio de um
mito, cuja hist6ria e funq6es demanda-
riam um estudo mais aprofundado, a ver-
dade ndo d uma recompensa de espiritos
Iiwes, a c anga de prolongada solidao,
muito menos um privildgio daqueles que
obtiveram sucesso em libertar a si pr6-
prios. A verdade 6 algo desse mundo: ela
6 produzida apenas em vifiude de m(lti-
plas formas de constrangimento. E isso in-
duz aos efeitos regulares do poder Cada
sociedade tem seu regime deverdades, sua
politica "gera1' de r,erdade.: ou seja. o ripo
de discurso que d aceito e funciona como
verdadeiro; os mecanismos e instAncias
que permitern que cada um possa distin-
guir entre uma sentenqa falsa ou verda,
deira meios pelos quais cada uma d san,
cionada; e as tdcnicas e procedimentos a
que se atribui valorpara a aquisiqao daver-
dade; e o stotus daqueles que t6m o poder
de dizer aquilo que conta como verdadeiro
( 1980:131).
Em outras palawas, a salvaqao nao estii
no entendimento. A id6ia modemista de que
a desmistificageo de processos e estruturas
de dominagio poderia ajudar os subjugados
a escapar delas foi profundamente abalada.
Apesar dos protestos daqueles que de-
fendem que o trabalho de Foucault 6 compati-
vel com a id6ia de resistencia (e.g, Smart,
1985, 1986, 1990; Sawicki, 1991;Alvesson
e Willmott, 1992), seus opositores argumen-
tam, com o mesmo fervor, que seu trabalho
d contrdrio bs nocdes de liberagdo e emanci-
paqao (e.9., Hoy 1986; Said, 1986, Walzer
1986; White, 1986; Ashley 1990). Esses es-
critores sustentam que o ataque foucaultiano
ao agenciamento remove as possibilidades
de uso do poder para objetivos particulares,
especialmente a possibilidade de os menos
poderosos conseguirem fortalecer-se. Qual-
quer que seja o resultado desse debate, unta
coisa e certa: campos opostos engajaram-se
em uma batalha intelectual altamente te6ri-
ca, em torno de temas relacionados d
ontologia e d epistemologia (Clegg, 1989a;
Nord e Doherty 1994).
O debate estii polarizado em torno
de duas posiqbes epistemo16gicas aparen-
temenle conflirantes: o modernismo, com
sua crenqana capacidade essencial da hu
manidade em ro'nar se perfeila por meio
do poder do pensarnento racional, e o p6s-
modernisrno, com seu questionamento cd-
tico, e, freqi.ientemente, com sua franca
ALcUNS ousAM cHAMA-Lo DE poDER 287
rejeiqdo ao racionalismo etnocentrico de,
fendido pelo modernismo (Cooper e
Burel, 1988:2).
O que 6 ignorado nesse envolvente -
mas algo esot6rico - discurso sio os proble-
mas prdticos de se vencer os obstdculos is
aq6es coletivas e formular estrat6gias con-
cretas de resistencia (Nord e Doherty, 1994).
Por esses motivos, aqueles que tem a
melhor causa em favor da emancipaqdo t6m
sido largamente ignorados. A literatura
funcionalista nao os considera como tendo
tal causa: o poder incrustado nas estruturas
e processos

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