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13 ArcuNs Ousnru CHeuA-ro og PooER'k Cvurute Htnoy r. Srtwnnr R. Historicamente, os precUrSores da mo- derna "organizaqio" consistiram na estru- tura medieval de guildas - uma estrutura tripartite simples (Offe, 797 6). Entrava-se na organizagio a partir de sua base, como um aprendiz. Tendo trabalhado como apren- diz durante certo periodo, no qual os rudi- menros da base de conhecimento apropria- da para a guilda eram aprendidos e pratica- dos, esta pessoa tornava-se um jornaleiro. Um jornaleiro exercia suas atividades em vii- rias oficinas, aprimorando suas habilidades e conhecimentos com novos mestres, se via, jasse, e, com sorte, adquirindo lentamente algum capital.r Com capiral e as conexoes certas, estabelecidas durante o aprendiza- do e ajornada, osjornaleiros poderiam. um dia, tornar-se mestres com os direitos relati- vos a esta posigio. O mesfte comandava tudo: se ndo mestres do universo, eles podiam, pelo menosJ exercer o monop6lio da condiqio de mestre sobre uma esfera especifica de habili- dades em uma determinada regi5o, e assim exercer um dominio regional. Certamente, as condigoes poderiam variar de oficina para oficina: alguns rnestres poderiam ser exce- lentes tutores para seus aprendizes, passan- Traduqao: Vitarque Lucas Co€lho e Tomaz Assmar Reviseo tdcnica: Tania Fischer doJhes habilidades, conhecimentos e apren- dizados gerais. Outros poderiam ser verda- deiros tiranos, incapazes de cultivar o apren- dizado de outra forma que n6o o medo. Den- tro desse modelo gendrico, diferentes perso- nalidades, utilizando um conceito contem- porSneo. poderiam construir relagoes com base em diferentes ethos. Estruturas como as guildas eram ca- racterizadas por estruturas de stctus de tare- fas continuas, em que a obedi€ncia a um lar- go conjunlo de regras tdcnicas eram exigi- das de todos os individuos (Offe, 7976). Su- periores diferiam dos subordinados "mera- mente em termos de maior dominio sobre as regras e maior habilidade, conhecimento e experiAncia na produgdo" (Offe 1976l25). Aqui. o poder claramente deriva da proprie- dade e conrole dos meios de produqeo, apoi- ado pelo poder de vigilAncia. Importante, ainda, era o conhecimento, com o poder tam- bdm derivado da pericia na utilizagdo dos meios de produqSo - na "maestria" no exer- cicio das atividades. As organizaqdes modernas nio se de- senvolveram tanto em relaqio is estruturas de guildas com o passar do tempo. Elas cres- ceram dentro do terreno absolutista do mercantilismo feudal, corn seus monop6- lios de comdrcio e indtstria, tanto quanro em seus interstfcios, onde, freqiientemente, ALGUNS OUSAM CHAMA.LO DE PODER os deslocados e despossuidos construiam ni- chos artesanais e industriais para si pr6prios (Hall, 1986). Com o crescimento das orga- nizag6es, as habilidades foram-se tornando cada vez mais fragmentadas e especializadas, e as posig6es tomaram-se mais funcionalmen- te diferenciadas. Estrat6gias foram desenvol- vidas para produzir um caminho comum para a organizagio, centralizando o poder e eclipsando as potencialmente problemdticas e plurais fontes de identidade que surgiram com a divisSo do trabalho. As organizagdes modemas foram, portanto, projetadas para funcionar como se fossem um organismo unitdrio. Uma vez que elas s6o compostas de uma multiplicidade de componentes pafticu- lares, seu design d promovido contra - ou apesar de - suas composigdes plurais. Tais organizaq6es sio "estruturas de Jfdtus de tarefas descontinuas" (Offe, 1976). Diferentemente das guildas, a estrutura de stotus e a estrutura funcional ndo estSo mais diretamente relacionadas dentro de uma es- fera universal de conhecimento da organiza- gio. As tarefas sdo fragmentadas, as habili- dades sao diversas, e o conhecimento 6 dife- rentemente codificado, mantido e avaliado. Tipicamente, de acordo com te6ricos da evo- lugSo do trabalho (como Braverman, 1974), o conhecimento 6 dividido entre aquele que d mais valorizado, que geralmente d mais esot6rico, abstrato e mais relacionado ao tra- balho mental, e aquele que d menos valori- zado, mais mundano e relacionado ao tra- balho manual. Implicita nessas distinqOes estd a noqao da organizagao contemporanea. Al- gumas atividades tdm cardter de supenrisdo. enquanto outras existem para executar or- dens derivadas de superiores. Conseqiiente- mente, o poder estd esruturado dentro de um design organizacional. Dentro desse design, o tema da "obedi- €ncia organizacional" d central para a dis- cussAo sobre o poder (por exemplo, Mintzberg, 1983; Hamilton e Biggart, 1985; tambdm ver Etzioni, 1961; Weber, 1978; Assad, 1987; KieseL 1987). O poder tem sido visto tipicamente como a habilidade de fa- zer outros fazerem o que voc€ quer que seja feito. se necessdrio conrra a pr6pria vonta- de deles (Webe5 1978), ou faz€-los fazer alguma coisa que eles n6o fariam em outra situagio (Dahl, 1957). Essa definiqdo. apa- rentemente simples, que apresenta mais os aspectos negativos do que os aspectos posi- tivos do poder, tem sido contestada, emen- dada, criticada, estendida e repelida ao lon- go dos anos, mas, apesar de tudo, perma- nece como o ponto de partida para um no- tavelmente diverso campo de literatura. Entretanto, este d o ponto onde a sinergia e a converg€ncia terminam. Existe, de fato, uma multiplicidade de vozes dife- rentes que falam sobre o poder O resultado tem sido uma variedade de conceituag6es contraditdrias. A confusao tem sido exacer- bada por conta das duas vozes mais altas que emergem - a funcionalista e a critica (para usar categorizaq6es simples) - que ra- ramente se comunicam entre si. A primeira tem adotado uma orientagdo gerencialista, cujas assunq6es subjacentes raramente es- tdo articuladas, e menos ainda criticadas. O resultado tem sido um conceito aparente- mente pragmatico, adequado ao usoJ mas tambdm ao abuso. A riltima tem confronta- do temas como dominaqdo e exploragdo, mas parece ser cada vez menos relevante para aqueles que buscam coordenar aqdes coletivas. O objetivo deste capitulo 6 explorar es' sas diferentes vozes, continuamente ouvi- das na literatura sobre poder e construir uma reconceituagdo do poder, como um meio necessdrjo para promover a aqao co- letiva. A primeira seg6o explora o desenvol- vimento hist6rico destas duas vozes. Traba- lha a vis6o do poder dentro do amplo lega- do deixado por Marx e Weber e. em segui- da, aborda trabalhos iniciais da literatura gerencial sobre esse tema. A segunda seqao mostra como os trabalhos subseqiientes construiram suas respectivas abordagens, em TEORIZANDO SOBRE A TEORIA vdrios momentos, delineando seus desenvol- vimentos particulares. Uma anelise dos tra- balhos mais recentes mostra como as dife- rentesvozes tem continuado a se desenvolver separadamente. As Pnrunrus Vozrs Esta seqio examina alguns dos traba- lhos-chaves que proveram as lindagoes para o atual trabalho sobre o poder e a politica nas organizaqdes. De modo geral, os estimu- los vieram de duas direg6es, bastante dife- rentes. A tradiqdo mais antiga deriva do tra- balho de Marx e Weber Obviamente, com tais fundamentos, este corpo de trabalho enfoca a exist€ncia de conflitos de interesses e trata o poder como uma forma de domina- qdo. Nesse sentido, mostra como o poder penetra nas esffuturas organizacionais de modo a servir a alguns, mas n6o a todos os grupos de interesse. A segunda tradigSo teve seu desenvolvimento central a partir do prd- prio campo dos estudos organizacionais. Em contraste com o trabalho sobre poder e inte- resses. esse corpo de trabalho tem aceito por verdadeiro o modo pelo qual o poder d dis- tribufdo na estrutura das organizag6es for- mais e, ent6o, examinam como diversos gru- pos adquirem e mantdm um poder ndo con- cedido a eles dentro dos formatos oficiais. Poder e interesses nas organizag6es Uma abordagem sobre o caminho pelo qual o poder d estruturado dentro do design organizacional deriva do trabalho sobre es- ruturas de classe (ver Clegg e Dunkerley, 1980:463-482para urna discussdo acerca da literatura-chave). As conceituag6es sobrein- reresses mostram a arena da vida organiza. cional em termos da id6ia b6sica de "classe" e de suas relag6es sociais. Essas andlises sdo acomodadas ds condig6es gerais da domina- qao econ6mica e da subordinag6o nas orga- nizag6es, como os te6ricos de esquerda, a partir de Marx, as tem definido (ver, por exemplo, Carchedi, 1987:100, para uma iden- tificagao dessas condiQ6es). Marx ( I976) argumentava que os inte- resses de classe s6o estruturalmente pre-de- terminados, independentemente de ouhas ba- ses de identidade. Esses interesses derivam das relaq6es concernentes i propriedade e controle dos meios de produgio. N5o obstante o fato que as relaq6es concernentes d produ- gio, propriedade, direito e controle terem delineado o cerne das relag6es sociais da modernidade capitalista (Clegg e Dunkerley, 1980; Clegg et alii 1986), poucos estudiosos aceitam esta visao deterministica hoje em dia.'zO primeiro escritor a emprestar uma vis6o mais complexa d obra de Marx foi Weber, que considerava tanto as relagdes nc produg6o quanto as relag6es de produqdo. Weber admitia que o poder era deriva- do da propriedade e do controle dos meios de produgSo, mas argumentava que o poder n5o se reduzia excJusivamente as categorias dicot6micas de propriedade e ndo proprie- dade, como proposto por Maru. Dentro da perspectiva weberiana. o poder deriva tanro da propriedade qu anto do conhectmento d.as operaq6es. As organizaq6es poderiam ser di- ferenciadas em termos da capacidade de cer- tas pessoas em controlar os m6todos de pro- dug6o, influenciando as relaq6es t6cnicas de produqio, e da incrustaqio das diversas iden- tidades ocupacionais que fazem surgir a vida subjetiva das organizag6es. Nesse sentido, Weber enfatiza as formas de identificaqio e representagao realmente usadas pelos mem- bros da organizaqio, em vez de simplesmen- te assurnir que a vis6o de mundo dessas pes- soas 6 meramente um julgamento de valor "falso". Os insrgftts de Weber indicaram que to- dos os membros da organizagio t6m algu- AIGUNS OUSAM CTTAMA-LO DE PODER ma criatividade, discernimento e rneios para o uso do poder (embora alguns mais do que outros). Na visdo de Marx e de muiras teorias subseqiientes, existe apenas um pequeno es- paqo para o discernimento e para oportuni- dades estratdgicas de aeao. As condiq6es eco- n6micas regulam o contexto no qual o tra- balho d vendido e o capital levantado e, logo de inicio, duas classes sdo definidas: aqueles que possuem capiral e aqueles que nao o possuem. Os riltimos possuem apenas sua p16pria criatividade, treinamento diferencia- do e capacidades disciplinadas, e est6o obri- gados a vender tudo isso no mercado de tra- balho. Entretanto, uma vez contratado por uma organizaqao burocrdtica (Clegg, 1990), o trabalhador tem a oportunidade de usar essas capacidades criativamente ern "certos relacionamentos sociais ou conduzir formas de ag6o social dentro da ordem dominante da organizaqSo" (Weber, 1978:217). Assim, considerando as diferentes possibilidades para a criatividade, torna-se claro que os membros da organizaqio tem algum contro- le a sua disposiqdo para exercer o poder, tan' to para desafiar quanto para reproduzir a estrutura formal da organizagao na qual di- ferentes poderes s6o velados, legitimados e reproduzidbs. Dessa forma, as "estruturas de dominaqSo" da organizaqdo n6o dependem apenas do poder econ6mico para sua cons- truq6.o e permanencia (Weber, \978:942). Nesse sentido, o poder do trabalhador representa uma capacidade incorporada em um individuo que tem discernimento sobre a aplicaqdo dessa capacidade. Do ponto de vis ta do empregador, o empregado representa uma capacidade de trabalho que deve ser realizada e essas s5o as condiq6es para um gerenciamento efetivo. No carninho dessa realizagio fica a ess€ncia do poder poten cialnas capacidades do contratado, que pode estar mais ou menos propenso a trabalhar como sujeiro obediente ao discernimenro e controle gerencial, Em qualquer caso, por conta dessa ess6ncia, os trabalhadores con- tratados reterio um discernimento tltimo sobre si mesmos, sobre o que fazem e como o fazem. Conseqiientemente, uma fonte po- tencial de resist6ncia reside nessa inescapiivel e irredutivel ess6ncia da forga de trabalho. O lapso entre a capacidade de traba- tho e sua efetiva realizag6o implica poder e organizaqeo do controle. A descriEdo desse lapso 6 o cerne de algumas tradiqoes mar- xistas de aniilise, particularmente a da alie- naq6o (Schacht, 1971; ceyer e Schweitzer, 1981; M6z6ros, 1970; Gamble e Walton, 7972). Os gerentes esteo sempre buscando novas esftatdgias e tdticas que obscureqam o discernimento dos trabalhadores. Entre as mais efetivas e econ6micas estdo aquelas que substituem a autodisciplina pela disciplina de um gerente externo. Menos efetivas, mas historicamente mais numerosas tdm sido as tentativas de organizaq6es no sentido de anu- lar o lapso discricioniirio por meio do uso de sistemas de regras. Esse 6 o 6mago das anii- lises weberianas de organizaq6es como bu rocracias. Esses sistemas de regras buscam regular os meios de controle nas relag6es organizacionais por meio de uma estrutura formal de organizaqSo. Assim, uma hierar quia d prescrita, dentro da qual o poder legi- timo 6 circunscrito. Em suma, esse estudo pioneiro enfo cava um poder derivado da propriedade e do controle dos meios de produgao, um po, der que era reforgado por estruturas e re, gras organizacionais. O trabalho de Weber criou um espago maior para manobras es- tratdgicas do que as vis6es marxistas. Como resultado. os rrabalhadores tiveram opgdes e possibilidades de desafiar o poder que os controlava. Entretanto, como veremosJ es- sas opq6es provaram estar longe de serem facilmente exercidas devido a estrat6gias mais sofisticadas por parte dos grupos do minantes. Poder e hierarquia nas organizag6es Como mostrado na seq6o anteriol o poder nas organizag6es necessariamente re- fere-se i estrurura hierilrquica dos cargos e a suas relaq6es recfprocas. Particularmente (mas nio exclusivamente), o campo do mana&ement tende a classificar tal poder como "legitimo".3 Uma conseqii6ncia dessa abrangente, se implicita, aceitagio da natu- reza hierdrquica do poder, tem sido a posi- qio dos cientistas sociais ern raramente achar necessirio explicar porque esse poder deve ser hierdrquico. Em outras palavras, nesse ramo de pesquisa, o poder incrustado na hierarquia tem sido visto corno "normal" e "inevitevel", derivando do design formal da organizaqio. Da mesma forma, isso tem sido largamente rejeitado nas andlises que tem, ao contriirio, enfocado o poder "ilegi- timo", isto 6, o poder exercido fora das es- truturas hierdrquicas formais e dos canais sancionados por essas estruturas. Um dos primeiro: estudos gerenciais enfocando tal poder 6 atribuido a Thompson (1956), que pesquisou duas equipes de apoio de bombardeiros da Usaf (Forqa 4.6- rea dos Estados Unidos). O trabalho do pes- soal da Usaf era caracterizado por requisi- tos tdcnicos extremamente avangados na es- fera operacional, tanto para a equipe de v6o quanto para a equipe terrestre. Enquanto a equipe de v6o possuia uma autoridade for- mal maior do que a equipe terrestre, os rilti- mos estavam em uma posiq6o mais central dentro da base da Usaf, em contraponto d posigdo mais aut6noma da equipe adrea. Essa equipe dependia do grupo terrestre para sua sobreviv6ncia e seguranga, algo que conferia um considerdvel grau de poder i equipe em terra, um poder ndo derivado de um design formal das relaq6es. Thompson atribuiu o poder da equipe terrestre a sua competCncia tdcnica vis-ri-vis d seguranqa a6rea dos avi6es e ir posigdo estratdgica oriunda da centralidade de preocupag6es pela seguranqa da equipe a6rea. Outros autores confirmaram a vis6o de Thompson (1956), ou seja, que o desenho tdcnico das tarefas e sua interdepend€ncia era o que melhor explicava a distribuiqio operacional de poder de forma mais com- pleta do que as prescrig6es formais da es- trutura organizacional. Dubin (7957 :62), por exemplo, percebeu como algumastare- fas sdo mais essenciais do que outras para a interdepend€ncia funcional de um sisrema, e o modo pelo qual algumas dessas tarefas sao de compet€ncia exclusiva de um grupo especffico. Mechanic (1962) trabalhou so- bre esse argumento, estendendo-o a todas as organizag6es, ao dizer que tal conheci- mento tdcnico geralmente pode ser a base para o poder dentro das organizagdes. As- sim, os pesquisadores comeqaram a fazer urna diferenciagdo entre o poder formalmen- te prescrito e o poder "real", que tambdm 6 considerado ilegitimo. Pesquisadores raramente se repor- tam ao poder real (....) [mas] t€m ressal tado os aspectos racionais da organiza- qao ao negJigenciar o poder nao aurori- zado ou ilegitimo (adaptado de Thompson, 1956:290). Outros pesquisadores concordaram com essa distinqao ir medida que se apro- fundaram no trabalho de Thompson. Bennis et alii (1958:144) fizeram uma distinqio entre organizaqSo "formal" e "informal". Nas organiza96es formais reside a "autoridade", um poder de infl uencia baseado na posigao; jd nas organizagdes informais exisre o po- der, entendido como "a capacidade real de influ€ncia baseada em uma s6rie de fato- res, incluindo, certamente, a posiqdo den- tro da organizagdo". Outro importante trabalho foi condu- zido por Crozier (1964), que estudou uma equipe de trabalhadores da 6rea de manu- tenqao em uma empresa estatal francesa que detinha o monopdlio do tabaco. Seu traba- lho era consertar panes em miiquinas, comunicadas a eles pelos trabalhadores da produqao. Estes fltimos, do corpo t6cnico da organizagao, estavam bem rnais pr6ximos da burocracia centralizada que caracterizava a organizagao. Os trabalhadores da manuten- Eio mantinham uma posigdo marginal, pelo menos dentro da representagSo formal do design organizacional. Na priitica, entretan- to, a hist6ria era muito diferente. Os trabalhadores da produqdo eram re- munerados num sistema baseado na pega produzida em uma burocracia projetada dentro dos princfpios da administragio cien- tifica. A maioria dos trabalhadores era efeti- vamente "desquaJificadas". A burocracia era altamente formal, uma organizagio altamen- te programada: havia muiro pouco que nao fosse planejado e regulado, exceto a propen' sdo das mdquinas a entrarem em pane, e isso diminuia o b6nus que os trabalhadores da produqao poderiam ganhar. Portanto, para manter seus ganhos, os nabalhadores da pro- duqSo precisavam das mdquinas em funcio- namento, o que os fazia extraordinariamen- te dependentes dos trabalhadores da manu- Lenqdo. Sem sua pericia tdcnica. as panes n6o poderiam ser solucionadas ou os b6nus pro- tegidos. Conseqi.ientemente, os trabalhadores de manutenqao tinham um alto grau de po- der sobre os outros trabalhadores, porque ti- nham dominio sobre a {nica fonte de incer- teza que permanecia fora do controle das re- gras burocriiticas. Gerentes e trabalhadores da produqdo estavarn conscientes disso e tentaram reme- diar a situaqao por meio de um sistema de manutenqdo preventiva. Contudo, manuais desapareceram e ocorreram casos de sabo- tagem. Os trabalhadores da manutenqSo eram infatigiiveis na defesa de sua relativa autonomia, privil6gios e poder. Por meio de suas habilidades, do resultado de seu conhe- cimento tdcnico, eles podiam tornar certo o inceno. O prego de restaurar a normalidade era o grau de autonomia e relativo poder, desfrutado e defendido pelos trabalhadores de manutenqio, que excedia em muito aqui- 1o que os critdrios formais haviam designa- do para eles. O esrudo de Crozier ( 1964) foi um mar- co. Ele tomou um conceito pouco explicado, o poder, e o conectou ao conceito central da emergente teoria da firma, a incerteza. Uma das principais caracteristicas das organiza- q6es, de acordo com a concepgdo da "teoria behaytortsta da frrma" (CyeneMarch, 1963), era que elas tentavam se comportar como se fossem sistemas. Aldm disso, elas faziam isso em um ambiente incerto. A capacidade de controlar tal incerteza representava, portan- to. uma fonte potencial de poder. Depois de Crozier (1964) o campo de, senvolveu-se rapidamenre. Uma teoria emer giu, a chamada "teoria das conting€ncias es- trat6gicas do poder intra-organizacional" (Hickson et alii, 1971), construida sobre es- sas iddias. No centro de tudo persistia a id6ia de que o poder estava relacionado A incerte- za, ou, pelo menos, a seu controle. Em vez de pesquisas de campo, m6todos mais for- mais de pesquisa [oram utilizados, nos quais s6ries de cendrios hipotdticos eram apresen- tados para a avaliaglo de gerentes de diver- sos departamentos. Nesses experimentos, as pessoas que trabalhavam em dreas funcio- nalmente especificas eram identificadas como aquelas que usaram conhecimento tdcnico para controlar a incerteza e assim aumentar seu poder relativamente iquele formalmente prescrito dentro de um regime hier:irquico. A mudanqa na metodologia ajudou a produzir um modelo funcionalista formal. A organizagdo foi conceituada como um sis tema compreendendo quatro subsistemas - ou subunidades - funcionais. As subuni- dades eram interdependentes, mas algumas eram mais ou menos dependentes, e pro- duziam mais ou menos incerteza para as outras. O que as conectava, dentro desse modelo, era a grande tarefa da organiza- qao, que foi conceituada como "sobreviv6n- cia na incerteza". A teoria atribuia o equili- brio de poder entre as subunidades aos dese- quilibrios do modo pelo qual essas subuni- dades interdependentes sobreviviam com um dado nivel de incerteza. O sistema de subunidades estava, portanto, aberto aos inputs ambientais, que eram a fonte inicial de incertezas. As subunidades estavam carac- terizadas como mais ou menos especiali- zadas e diferenciadas pela divis6o funcional do tabalho, e estavam relacionadas por uma necessidade essencial de reduzir a incerteza e alcangar os objetivos da organizaqdo: "usar seu poder diferenciado para funcionar den- tro do sistema, em vez de destrui-lo" (Hickon et al.,7977i2\7). De acordo com esse modelo, o poder 6 definido em termos de "contin96ncias es- lralegicas'. S u bunidades esrra tegica mente contingentes sao as mais poderosas, uma vez que s6o as menos dependentes das demais e podem sobreviver em uma situaqio de gran- de incerteza sistemica, dado ser subunidade crucial dentro da organizaq6o do sistema e n6o podendo ser facilmente substituida. A teoria sup6e que as subunidades sao n3-tu- ralmente unitiirias e coesas, embora, de fato, o mais proviivel 6 que sejam hierdrquicas, com uma cultura de consenso ou dissenso mais ou menos problemiitica. Sendo unitd- rias, alguns mecanismos internos de poder devem existir de modo a permitir que flores- qa uma representaqio, silenciando vozes con- flitantes, sobrepondo-se a diferentes concep- g6es de interesses, relag6es, estrat6gias e ob- jetivos. A teoria supde que as determinagdes da ger6ncia prevalecem. mas a pesquisa su- gere que esse nem sempre 6 o caso (Collinson, 1994). N6o se pode presumir tampouco que a pr6pria ger6ncia seja necessariamente uma categoria unitdria ou coesiva. Para que ela fale com uma s6 voz, normalmente outras vozes devem ser marginalizadas ou silencia- das. Em outras palavras, a teoria das contin- g€ncias estrat6gicas prov6 muito pouco so- bre esses aspectos do poder porque nao con- fronta os padrdes de legiLimagdo existentes. Semelhante ir vis6o das conting€ncias estratdgicas, em termos de abordagem te6- rica, 6 a vis6o da dependAncia de recursos. Ela deriva da literatura da psicologia social, desenvolvida por Emerson (1962) e que estii implicita no estudo de Mechanic (1962) sobre o poder de pequenos acionistas. Exem- plos incluem French e Raven (1968), Pettigrew (1973), Pfeffer e Salancik (1974) e Salancik e Pfeffer (1974). Informaqio (Pettigrew, 1973), incerteza (Crozier, 7964), especiali- dade tecnica. credibilidade. posigao e pres tigio (Pettigrew 1973), acesso e contatos com membros do alto escalSo, controle do dinheiro, recompensas e sanqdes (French e Raven, 1968; Benfari et a1., 1986), todos es- ses elementos tem sido identificados como basesde poder Enumerar todos os recur- sos. pordm. d impossfvel. uma vez que coi- sas diferentes tornam-se recursos em con- textos diferentes. Sem uma teoria total de contextos, o que 6 impraticdvel, nao se pode demarcar todas as bases sobre as quais sur- ge o poder Elas podem ser qualquer coisa. sob as condig6es apropriadas. Apenas a posse de recursos escassos, entretanto, n6o d suficiente para conferir poder. Os atores tem de estar atentos a sua pertinencia no contexto. com o conseqrien- te controle e uso desses recursos (Pettigrew, 1973). Esse processo de mobilizar poder 6 conhecido como politica (Pettigrew, 1973; Hickson eL al.. 1986). um rermo cujas cono- tag6es negativas t6m ajudado a reforgar a visSo convencional de que o poder usado fora dos arranjos autoritiidos formais 6 ile- gitimo ou disfuncional. E a natureza di- cotdmica do poder e da autoridade que ensejou a criagdo de urn espago te6rico para as abordagens da depend€ncia e da contin- Sencia. O conceito de poder ficou. assim. reservado primordialmente para o exerci- cio de discernimento pelos membros da or- ganizaEao nao sustenLado por suas posiqoes na estrutura formal. Tais exercicios sdo fei- ALGUNS OUSAM CHAMA.LO DE PODER tos na premissa de um uso ilegitimo ou in- formal de recutsos, enquanto o sistema legi- timo de autoridade, por outro lado,6 tido como aceito e neo problem6tico. Duas vozes comparadas A comparagSo desses trabalhos ini- ciais sobre o poder revela dois ramos diver- gentes de pesquisa. O primeiro, desenvolvi- do e apoiado pelos trabalhos de Marx e Weber, adotou uma visio critica dos proces' sos em que o poder era legitirnado na for- ma de estruturas organizacionais. Para es- tes pesquisadores, poder era dominagao, e as agOes que visavam confrontar isso consti- tuiam-se em reslst4ncia ir dominagio (ver Barbalet, 1987). A vis6o dominante do tra- balho gerencial tratou o poder de um modo bem diferente: os arranjos organizacionais existentes nao eram estruturas de domina- g5o, mas d.e autoridade formal, legitima e funcional. O poder era, efetivamenre, resis- t6ncia, mas de uma espdcie ilegitima, disfun- cional. Em outras palawas, ao estudar o "po- der", as primeiras vozes falavam de diferen- tes fendmenos, e a partir dejulgamentos de valor bastanre diversos. A tradiqdo manis- talweberiana relacionava o poder is estru- turas pelas quais certos interesses eram do- minados; jzl os te6ricos do mcnagement de- finiam o poder como aquelas aqdes que caiam fora das estruturas legitimadas, e que ameaqavam os objetivos organizacionais. Venreq6Es SosRx Dors TrMAs Trabalhos subseqiientes empenharam- se em aperfeigoar e estender essas primei- ras id6ias. Desse modo, acabaram por am- pliar o jri existente abismo entre as duas vozes iniciais. Essas vozes estavam dirigi das principalmente a seus pr6prios apoia- dores, em vez de cria4 por meio do dillogo, uma ponte sobre o abismo que as dividia. Estrat6gias de dominagio: criando um consenso Os vdrios autores da literatura critica comeqaram a investigar os meios de domi- nagao de modo mais detalhado. O legado deixado por Weber proveu uma base te6ri- ca para a reflexSo sobre a resist€ncia de gm- pos subordinados. Contudo, por que havia tao pouca resistencia e por que esses grupos tao freqi.ientemente consentiam em sua pr6- pria subjugaqdo? Igualmente incompreen- sfvel era a preval€ncia da passividade, que era muito mais marcante do que o fervor revoluciondrio. Marx havia previsto que os atos individuais de resist€ncia ir exploragio iriam condensar-se em um movimento re- volucioniirio de combate is estruturas de poder existentes, movimento formado por proletzlrios que compunham a base da maio- ria das grandes e complexas organizagoes. No entanto, obviamente, tais sonhos de uma consciOncia de classe prolet6ria falharam em se rnaterializar. Um estudioso que abordou esse tema, de modo um tanto sinuoso, foi Steven Lukes (1974). Ele tragou os avanqos no estudo do poder realizados na cidncia polftica. De modo geral, os primeiros estudos enfocaram exclusivamente o processo decis6rio (por exemplo, Dahl, 1957;1961; Poisby, 1963; Wolfinger, 1971). Pesquisadores analisaram decisoes importantes que pareciam ilustrar as relaqdes de poder que prevaleciam em urna comunidade particular. O objetivo era determinar quem tomava essas decis6es. Se os mesmos grupos eram responsiiveis pela maioria das decisOes, como sugerido por al- guns pesquisadores, poder-se-ia dizer que tal comunidade era regida por uma elite. Os pesquisadores perceberam, no entanto, que diferentes grupos prevaleciarn nos pro- cessos decis6rios. Tais comunidades foram classificadas como pluralistcs, e isso levou d hip6tese de que a Amdrica, como um todo, poderia ser considerada uma sociedade plu' ralista- TEORIZANDO SOBRE A TEORIA Alguns estudiosos comegaram a ques- tionar a interpretaqao pluralista, que susten- tava que era possivel ter acesso aos proces- sos de decisSo, donde que ndo participar re. fletia um sentimento de satisfaqdo com a si- tuaqSo. Ddvidas sobre a "permeabilidade" do sistema politico norte-americano foram in- centivadas pelos movimentos em defesa dos direitos civis e pelo impacto da Guerra do VlemA (Parry e Morriss. 1975). Os pluralistas foram criticados por sua falha em reconhe- cer que interesses e protestos poderiam per- manecer inarticulados, desarticulados e fora da arena de tomada de decisdes. Conseqtien- temente, bem poderiam existir conflitos, mes mo que n6o fossem diretamente observeveis (por exemplo, caventa, 1980; Saunders, 1980). O foco no processo decis6rio formal tambem foi criticado. em [ace de sua suposi- q6o de que o acesso d tomada de decisio 6 igualmente disponivel para todos os mem- bros da organizaqdo. Pesquisadores comegara m a examinar como uma participagao completa e identica podia ser limitada. Schattschneider propds que a ndo-participagSo poderia ser atribui- da A: supresseo de opqdes e altemarivas que refli- tam as necessidades dos nao-pafticipantes. Ndo d necessariamente correto supor que as pessoas com maiores necessidades panici- pem da politica mais ativamente qualquer um que decida o tema do jogo tambdm de- cide quem entra nojogo (1960:105). Tiabalhando sobre esse lrurght, Bachrach e Barurz (1962t 7963: 7970) desenvolve- ram o conceito de uma segunda face do poder - um processo pelo qual temas pode- riam ser excluidos do processo decis6rio, confinando a agenda a quest6es "seguras". Uma variedade de barreiras para evitar a participaqao plena dos subordinados no pro- cesso decis6rio estd disponivel para os gru- pos mais poderosos, como, por exemplo, por meio da invocagao de procedimentos e roti- nas politicas. O uso desses mecanismos tem regulado a n6o-participag6o no processo decis6rio, porque permite que os atores mais poderosos determinem os resultados "atrds dos bastidores". Esse estudo ressalta o fato de que o poder n6o 6 exercido somente na tomada de decis6es-chaves, e que os deci- sores visiveis nio s6o necessariamente os mais poderosos. Lukes (1974) alegou que o modelo de Bachrach e Baratz n6o ia longe o suficiente porque continuaya a supor que alguma for- rna de conflito era necessdria para estimular o uso do poder de definir a ndo-participagdo no processo decis6rio.* Seu foco seria volta- do muito mais sobre os "temas" a partir dos quais "decis6es" eram tomadas, ainda que estas fossem "n6o-decis6es" (Ranson et al. 1980:8). Lukes conservou, entretanto, a iddia que o poder poderia ser usado para evitar o conflito atraves de modelagdo de: percepg6es, cogniqdes e prefer€ncias [das pessoasl de um modo tal que elas aceitem seu papel na ordem existente das coisas, mesmo porque elas nao podem ver ou ima- ginar alguma alternativa, ou porque elas v6em isso como natural ou imut6vel, ou por- que elas atribuem a isto um valor divina- mente ordenado e ben'fico (7974:24). O estudo sobre o poder nio poderia, de acordo com Lukes, ser confinado ao con- flito observdvel, aos resultados das decis6es, ou mesmo aos temas suprimidos. Tal estudo deve tamb6m considerar a questio da aqui-escencia politica: por que nio existem pro- testos; por que nao se fazem demandas; e por que o conflito n6o surge, uma vez que tal tnagdo tambdm pode ser resultado do poder. Pode-se, enteo, ser "enganado, trapa- ceado, coagido, influenciado ou manipula- do para promover a inatividade politica" (Saunders, 7980:22). E esse tipo de uso do poder que ajudou a manter a dominAncia de grupos de elite e No o ginal, non decision mocking por,er. (N.T.) AIGUNS OUSAM CTIA]!d-LO DE PODER reduziu a capacidade de emprego do poder discriciondrio possuido pelos subordinados: O poder d mais efetivo e insidioso em suas conseqii€ncias quando temas nao v€m d tona, quando atores permanecem ignorantes sobre as demandas de seus iguais, isto d, o poder 6 mais efetivo quan, do n6o d necessiirio (Ranson et al. 19BO:8). Nessa terceira dimensSo, Lukes focali- zou sua atenseo nos mecanismos sociais e de classe que perpetuaram o status quo. Isso se relaciona ao conceito gramsciano de he- gemonia ideol6gica (Clegg, 1989a) no qual "uma estrutura de relag6es de poder 6 plena- mente legitimada por um sistema integrado de suposig6es culturais e normativas" (Hlrnan e Brough, 7975:799). De acordo com esse ponto de vista, o poder de definir a realidade e usado pelas classes dominantes para apoi- ar e justificar sua dominagio material, evi- tando. ponanto. desafios a sua posiqdo. Outra linha de pesquisa dentro desse tema veio dos te6ricos do processo de tra- balho (por exemplo, Braverman, 1974: Burawoy, 7979: Edwards, 1979), que exa- minaram os detalhes quotidianos do poder e da resistencia, construidos ao redor de'Jo- gos" que caracterizav.am os ritmos da vida organizacional (Burawoy, 1979). Alguns estudos (por exernplo, Edwards, 7979) tam- b6m consideraram os padr6es hist6ricos que estruturam o contexto geral do poder, desde o controle simples e direto, baseado na vi- gilancia; por meio de um controle t6cnico baseado na dominaqio do empregado pela m:iquina e, particularmente, pela linha de montagem: ate o conrrole burocrdtico com- pleto - o modelo weberiano de controle pe- las regras. Essa tradigdo enfoca a dialdtica do poder e da resist€ncia em relaE6o a fe- n6menos tais como genero, tecnologia, etnicidade, controle gerencial e outros as- pectos da estruturaqao do trabalho e de seu contexto organizacional (Ihights e Willmoft, 1985; 1989; Knights e Morgan, 1991; Knights e Murray 1992; Kerfoott e Ihights, 1993). Mais recentemente, a nogio de ,,cer- ceamento organizacional" (Mann, 1986: Z) tem sido usada para prover outra resposta para a questao que trata do porque dos do- minados tdo freqiientemente consentirem em sua pr6pria subordinaqio. Em vez de ver esse fendmeno como negativo por parte dos opri- midos ou manipulaqdo por parte da elite, essa anillise trata dos poderes coletivos e relativos dos participantes. O cerceamento organizacional pode ser pensado de pelo menos dois modos relacionados. Um deles refere-se i ausdncia de recursos de conheci- mento por parte dos cerceados. O outro refe- re-se precisamente ao que os poderiam co- nhecer muito bem. Primeiramente, vamos considerar a au- sdncia de conhecimento, ou a ignorAncia. Freqiientemente, aqueles que t€m relativa- mente menos poder permanecem assim por. que s6o ignorantes sobre os caminhos do poder: ignorantes, assim, de quest6es de es- tratdgia, tais como, conhecer os recursos do antagonisra, os procedimentos de rotina, re- gras, estabelecimento de agendas, acesso, condutas informais, assim como protocolos formais, o estilo e a substencia do poder. Nao 6 que eles n6o conheEam as regras dojogo, o problema 6 que eles podem nem ao menos reconhecer o jogo, quanto menos conhecer suas regras. Muitas vezes, a ignorAncia es- tende-se a uma falta de conhecimento sobre outras agencias menos poderosas com as quais poder-se-ia formar aliangas. Aqui, a resist6ncia persiste como uma ocorr€ncia iso lada facilmente superada. A medida que a resist€ncia continua sem coordenagdo, pode ser facilmente contornada pela der- rota, exilio ou incorporag6o, mesmo se os antagonistas pudessem superar facilmente os protagonistas, caso eles pudessem, sim- plesmente, conectar-se. Um passo adiante do isolamento 6 a divis6o. Tempo e espago podem ser ordenados e dispostos de modo a minimizar a interagio, ou mesmo fazer com que um grupo de subordinados parega invi- sivel ao outro (Barnes, 1988:101). Comple- xas divis6es de trabalho podem atingir esse objetivo, assim como a experiCncia extrema da competigeo. Exemplos desse {ltimo caso podem ser o arranjo de ag6es concertadas dentro de uma organizaqao, de forma tal que seja experenciada indMdualmente, em vez de modo coletivo, por meio de sistemas com- petitivos de pagamento de b6nus individuais ou por meio de outros mecanismos que cons- truam um ambiente egoc0ntrico. Secundariamente, o cerceamento orga- nizacional na base do conhecimento opera de um modo tal, que os indivfduos podem saber o que hd para ser feito, tambdm po- dem saber os custos de empreender este fei- to, pesando as chances de sucesso e os bene- ficios de ser bem sucedido. A necessidade de uma pressdo sombria no sentido de ganhar a vida, a natureza da ocupaqio, um trabalho 6rduo e uma atMdade intermindvel, uma ro- tina entorpecente, compuls6ria e invaridvel: tais t6cnicas de poder podem facilmente dis- ciplinar a animaqao de espiritos teoricamente livres quando as condiq6es dessa iiberdade tornam-se evidentes. Nesse sentido, o cercea- mento trabalha contra certos grupos tanto porque eles ndo conhecem o bastante para resistir, mas tamb6m porque eles conhecem bastante demais a futilidade de tal ag6o. Estrat6gias de gerenciamento: vencendo o conflito A literatura dominante sobre adminis- tragao assumiu uma abordagem diferente: em vez de ater-se ao uso do poder para evitar o conflito, esse ramo de estudo este voltado, quase que exclusivamente, ao uso do poder para vencer o conflito. De fato, observa-se definiqoes explicitas ligando o poder a situa- q6es de conflito que surgem quando gmpos e individuos buscam preservar seus interesses ocultos (por exemplo, Pettigreq 1973; 1985; MacMillan, 1978; Pfeffer, 1981,a; 7992; Narayanan e Fahey 1982; Gray e Ariss, 1985; Schwenk, 1989). Da definigdo de poder, estii claro que a atMdade politica 6 a atividade que d em preendida para superar alguma resist€n- cia ou oposigSo. Sem oposigdo ou desa- cordo dentro da organizagAo, nio hd a ne- cessidade nem a expectativa de se obser- var atividade politica (Pfeffer, 1981c:7). Essas definig6es evocam a id6ia de uma "briga justa", em que um grupo (nor- malmente a alta ger€ncia) 6 forqado a utili- zar seu poder para sobrepujar a oposiqao de outro (sindicatos intransigentes ou em- pregados dissidentes, talvez). Tal aniilise 6 reforgada pela definiqSo de politica em ter- mos de ilegitimidade. Uma definigdo comum de polftica na literatura gerencial d a do uso do poder nao sancionado ou ilegitimo, no sentido de se alcangar objetivos ndo san- cionados ou ilegitimos (por exemplo, Mintzberg, 1983; 1984; tambdm ver Mayes e Nlen, 1977: Gandz e Murray, 1980; Enz, 1988). Isso claramente implica a iddia de que esse uso do poder d disfuncional e objetiva frustrar iniciativas que possam beneficiar a organizaqao em nome do interesse pr6prio. Reduzida a sua ess€ncia, portanto, politica refere-se ao componamento de um individuo ou de um grupo que seja infor- mal. osrensivamente paroquial. tipicamen- te divisivo, e acima de tudo, no sentido tdcnico, ilegitimo - nio 6 sancionado pela autoridade formal e ideologia aceita, nem por uma especialidade reconhecida (ape- sar de poder explorar cada uma delas) (Mintzberg, 1983; 172, grifos removidos). Essas definig6es ignoram a questao: sob quais olhos o poder d considerado ilegiti mo, ndo sancionado ou disfuncional? Le- gitimidade 6 usualmente definida em termos da "organizaglo", quando os autores est6o- se referindo, de fato, is elites organizacionais, ALGUNS OUSAM CTIAMA-LO DE POT]ER isto 6, A alta gerdncia. Assim, os interesses gerenciais s6o igualados ds necessidades daorganizagS.o, e a possibilidade que os ge- rentes, como qualquer outro grupo, possam buscar arender a seus proprios inleresses ocultos 6largamente ignorada (por exem- plo, Watson, 1982). os sistemas e esrruLuras organizacio- nais existentes n6o s6o neutros ou apoliticos, mas, basicamente, fen6menos estrutural- mente sedimentados. Hil uma hist6ria de conflitos jii incrustada na organizagdo. A organizaqdo 6 um mundo de vida coletiva, cujos tragos do passado estao ocultos, reco- lhidos, transformados e em busca de novos significados. De acordo com Weber, a orga- nizagdo jA incorpora uma "estrutura de do- minagSo" em seu funcionamento. Autorida- de, estrutura, ideologia, cultura e t6cnica es- tao, invariavelmente, saturados e imbuidos de poder, mas a tradiglo dominante toma as estruturas de poder ocultas no desenho formal da organizageo como um dado a ser aceito. O foco estii no exercicio do poder dentro de certa estrutura de dominaqdo. Tal abordagem enfoca apenas superficialmen- re a politica, deixando de representar o equi- librio de poder. Atribui-se demasiado poder aos grupos subordinados que sdo repreen- didos por usdJo; jzi os caminhos obscuros usados pelos altos gerentes, por triis dos bastidores. a fim de fortalecer suas posiqoes e seu poder, por meio da modelagem da le- gitimidade, dos valores, da tecnologia e da informaqdo, sao convenientemente exclui- dos da aniilise. Essa definig6o estreita (ver Frost, 1987) obscurece as reais prdticas do poder e despolitiza a vida organizacional (Clegg, 1989a). Pinta um quadro ideologi- camente conservador que, implicitamente, defende o stcrus quo e esconde os processos pelos quais as elites organizacionais man- t6m sua dominAncia (Alvesson, 1984). Me- canismos de dominaqao, tais como lideran- qa, cultura e estrutura sio usualmente trata- dos na literatura convencional como neutros, inevitdveis ou objetivos e. portanto. ndo pro- blerniiticos (Clegg, 1989a; 1989b; tambdm ver Ranson et al., 1980; Deetz, 1985; Ibights e Willmott, 1992; Willmott, 1993). Logo, a perspectiva funcionalista clas- sificou o poder como ilegitimo, disfuncional e como manifestaeao de um comportamen- to baseado no interesse pr6prio. Essas defi- niq6es levantaram uma interessante ques- teo relativa ao que acontece quando n6o existe conflito: o poder simplesmente deixa de existir ou se transforma em alguma ou- tra coisa? Assim sendo, em que o poder se transforma? Claramente. de acordo com este trabalho, apenas "pessoas mds" fazem uso do poder; as "pessoas boas" usam alguma outra coisa, embora a literatura n6o seja cla ra sobre exaramenle que coisa seria essa. Esse tema torna-se ainda mais problem6ti- co quando uma literatura gerencial mais ampla d levada em conta. Muitos desses tra- balhos nao enfocam o poder per se e, assim, neo se interessam em defini-lo. No entanto, o poder 6 parte integral da discussio. Por exemplo, o trabalho sobre lideranga defen- de o uso do carisma pelos gerentes. Autores assumem (geralmente de modo implicito) que os gerentes utilizarao o poder respon- savelmente, a fim de atingir os objetivos da organizaqio, mesmo quando muito do que se sabe sobre o poder carismiitico vem do estudo de lideres, tais como Hitler, Mussolini e Pol Pot! Assim, adiciona'se i linha dos es- rudos gerenciais funcionalistas a assungdo de que os gerentes utilizam o poder (ou algo parecido) responsavelmente na busca das metas organ izacionais, enquanro quaisquer outros usam isso irresponsavelmente, a fim de evitar a consecug6o dessas metas. Os po- tenciais abusos de poder pelos grupos do- minantes sio subestimados, ao passo que aqueles que desafiam as prerrogativas gerenciais s5o automaticamente taxados com o r6tulo "politico". Nesse sentido, te- mas €ticos associados ao uso do poder s6o desviados da andlise, fazendo com que essa abordagem seja incapaz de lidar com ques- toes relarivas ao abuso e i exploragdo. Em suma, os esforgos empreendidos nos anos 70 buscaram refinar as bases deixadas pelos pioneiros no estudo do poder. Em cada caso, entretanto, eles trabalharam sobre cada corpo de trabalho em separado; pouco foi feito para se estabelecer uma ponte entre os diferentes campos. Isso ocorre parcialmente pela aparente relutAncia de muitos pesquisa- dores orSanizacionais em se referir a um escopo mais amplo dentro das ci€ncias so- ciais, das quais eles fazem parte, e i aparen- te indiferenga de soci6logos e cientistas poli- ricos no estudo dos processos organizacionais. diferentemente dos processos sociais ou de classe, Utrle Polrrr Mtnro DrsraNrr? Poucos estudos realmente ofereceram uma perspectiva de ligaqio entre os dois mundos. Entretanlo, como a discussdo se- guinte demonstra, suas iddias n6o foram prontamente adotadas pela maior pane da literatura funcionalista, que continua com- prometida com as conceituaqOes existentes. Ao mesmo tempo, desenvolvimentos no campo critico foram devotados, explicita- menre. a rejeitar o funcionalismo. ndo a molddlo. Como serd discutido, esses desen- volvimenros tambdm confrontaram muitas das suposiq6es modernistas incrustadas na literarura critica. Gerenciando sigrrificados: a criageo da legitimidade Um assunto que, finalmente. conseguiu atrair a atenqao da literatura gerencial foi o poder como de legitimagio (Astley e Sachdeva, 1984). Cientistas politicos hii muito v€m reconhecendo as vantagens de se criar legitimidade para as instiluiedes exis- tentes, evitando assim a necessidade de uso de formas mais coercitivas e visiveis de po- der (Lipset, 1959; Schaar, 1969; Roelofs, 1976; Rothschild, 1979). A legitimidade tam- b6m pode ser criada para ag6es individuais, reduzindo. assim, as chances de haver oposi- g5o. Edelman (1964;7977) observou que o poder nao 6 mobilizado apenas para se al- cangar resultados materiais, mas tambdm para dar a esses resultados algum tipo de significado, legitimando-os e justificando- os. Atores politicos usam a linguagem, os simbolos e as ideologias para aplacar ou excitar os Animos do priblico. A andlise politica deve enrao proce. der se, simultaneamente, em dois niveis. Devem examinar de que lorma as agdes polfticas provdem certos grupos das coi sas tangiveis que eles querem do govemo e, ao mesmo tempo, explorar qual o signi- ficado dessas mesmas aq6es para o pfbli- co em geral, e de que forma esse p(blico pode ser aplacado ou estimulado para tais ag6es. Na expressao de Himmelstrand, aeoes poliricas sao tanto instrumenrais quanto expressivas (Edelman, 1964.12). Dessa forma, na maneira descrita pela terceira dimensdo do poder de Luke (1974), o processo de legitimagio evita o surgimento de oposigdo. As vantagens da criagao da legitimi- dade nio passaram completamente desper- cebidas, mesmo no campo dos estudos orga- nizacionais. O poderestdvel e organizado requer legitimaqao. Certamente, pode-se fazer o homem tmbalhar ou obedecer por meio da coerqdo, mas o uso coercitivo do poder en- gendra resistEncia e, algumas vezes, uma oposiqao ativa. Conflitos de poder dentro e entre sociedades sdo caracterizados por resistencia e oposiqeo, e enquanto ocorre- rem nas organizaq6es, alcangar operaqdes efetivas necessita que sejam ali mantidas nos rninimos niveis possfveis e, especial- mente, que seus membros n6odemonstrem resistCncia na realizagao de suas tarefas diiirias, mas as cumpram coffetamente, concordando de bom grado com as diretivas da organizacao (Blau, 1964:199-200). .. ALGUNS ousAM cHAMri-Lo pE popER 223 | No entanto, a literatura gerencial fun- cionalista tem ignorado essa questio em lar- ga medida. Pettigrew (1977) tenrou introdu- zir processos de legitimaqio no campo da gerdncia. Seu trabalho sobre o gerenciamento de significados tratou explicitamente o pro- cesso de criaEao da legitimidade. A politica preocupa-se com a cria- gdo de legitimidade para certas iddias, va- lores e demandas - nao apenas aqao de- sempenhada como resultado de uma le- gitimidade adquirida previamente. O ge- renciamento dos significados relaciona-se a um processo de construgio de simbolos e de uso de valores, concebidos tantopara criar legitimidade para nossas demandas, como para "deslegitimar" as demais (1,977:85). Ele percebeu que os atores politicos definem sucesso nao somente como vit6ria obtida quando confrontado (em que sem- pre pode existir o risco de derrota), mas, em alguns casos, como algo relacionado a sua habilidade de seccionar esferas de in- flu6ncia em que sua dominagao seja perce- bida como legitima, e, por isso mesmo, ndo seja confrontada (Ranson et al., 1980; Frost, 1988). Desse modo, o poder 6 mobi- lizado para influenciar indiretamente o comportamento, dando a resultados e de- cis6es certos significados, legitimando-os e justificando-os. Pfeffer (1981a, 1981b) identificou um uso similar do poder ao distinguir entre consequ6nciasr' sentimentais (atitudinais) e substantivas (comportamentais) do uso do poder. Em grande parte, as comportamentais resultam de consideraq6es de dependencia de recursos, enquanto que as atitudinais re- ferem-se ao sentimento que as pessoas t6m a respeito dos resultados, e s6o influencia- das principalmente pelos aspectos simb6li- cos do poder, tais corno o uso da linguagem politica, dos simbolos e rituais. Pfeffer (1981a) arSumenta que existe apenas um fra- co relacionamento entre poder simb6lico e resultados substantivos: isto d, o poder sim- b6lico 6 usado apenas post hoc para legiti- mar resultadosjii alcanqados pela depend6n- cia de recursos. Dessa forma, Pfeffer encerra seu trabalho perto de concluir que o poder pode ser utilizado para prevenir conflitos e oposig6es. De fato, existe uma inconsiston- cia no trabalho de Pfeffer: se o poder simb6- lico d suficientemente efetivo para "silenci- ar" a oposiqao arposf, por que ndo usd-la ex ante para evitar o surgimento de oposigio? O nico fator que evita que Pfeffer chegue a essa conclusio 6 sua recusa em reconhecer a exisLencia do poder em outras situaqoes que neo aquelas caracterizadas pelo conflito e pela oposigio(1981a:7). O trabalho desses autores e de outros (e.g., Clegg, 1975; Gaventa, 1980; Ranson et alii, 1980; Hardy 1985) ofereceu uma oportunidade de unir a "escola" gerencialista com os trabalhos mais criticos sobre domi, nagao. No entanto, gragas a uma sdrie de motivos, essa ponte nunca foi feita. Primei- ramente, a iddia de usar o poder para ge- renciar significados e criar legitimidade nun- ca foi utilizada de forma significativa por escritores funcionalistas convencionais nor- te-americanos ou nio, que continuaram a centrar seus trabalhos no fator depend€n- cia e a definir poder em termos de conflito e ilegitimidade (e.g., Mayes e Nlen, 7977: MacMillan, 7978; Gandz e Murray 1980; Narayaran e Fahey, 1982; Mintzberg, 1983; Gray e Ariss, 1985; Pettigrew, 1985; Enz, 1988; Schwenk, 1989; Pfeffer, 1992). O equivoco de Pfeffer (1981a) 6, de fato, em- blemdtico para todo este campo de estudo. A iddia de que gerentes possam usar o po- der dessa forma ameaga abrir uma "caixa de pandora"" para uma perspectiva funda- O autor usa a expresseo que foi dedlzida por resultados do poder por consegiiAncids. (N.O.) No oriSinal. .or of worms: lata de vermes. (N.T..) 274 TEoRTzANDo soBRE A rFoRlA mentada no gerencialismo. Em vez de inves- tigar o poder escondido e mobilizado por meio de estruturas, culturas e tecnologias apa- rentemente neutras, a vasta maioria dos pes- quisadores prefere continuar a ver essas cons- truqdes como ferramentas de gerencia-mento apoliticas. Por exemplo, a maioria dos escri- tores convencionais'!'! que trata da cultura organizacional tem percorrido extensdes con- siderdveis para evitar qualquer tipo de asso ciagdo entre o poder e a politica (ver Smircich, 1983; Izraeli e Jick, 1986; Mumby 1988). As mudangas culturais sio apresenta- das de forma neutra, sugerindo que elas sio vantajosas para todos (ver Willmott, 1993). Weiss e Miller (1987) exploram esse assunto em uma interessante demonstragio de como artigos amplamente citados r6m ,,trarado,, as definigdes de ideologia para evitar quais- quer conotag6es politicas (ver tamb6m Beyer et alii, 1988 e Weiss e Miller, 1988, sobre o debate decorrente do tema). Uma segunda barreira para a constru- Eio dessa ponte foi o fato de que uma nova linha de trabalho estava-se mobilizando ra- pidamente para desafiar as vis6es de poder dominantes, e, fazendo isso, questionaram n6o apenas a perspectiva fllncional, mas tam- bdm as suposig6es modernistas que funda- mentam a teoria critica, tal como serd dis- cutido na pr6xima sessao. Poder e disciplina Recentemente, os sistemas de regras que construiram a burocracia de Weberv6m sen- do reinterpretados, sob os cuidados das "pr;i- ticas disciplinares" derivadas de Foucault (1977).4 Escritores influenciados por essa tra- dig6o referem-se ds "microtdcnicas" do po- der. Diferentemente dos sistemas formais. "" Expressao utilizada para :jad\tzit moinstream, isto 6, a linha dominante de uma tendCncia te6, rica. essas tdcnicas nao s6o comumente concebi- das em termos de um conceito causal de po- der (a nog6o de algudm conseguindo fazer com que uma outra pessoa faga algo que, de outro modo, n6o faria). Em vez de serem epis6dios sociais observ6veis em suas cau- sas, eles representam maneiras pelas quais tanto indMduos quanto grupos coletivamen- te organizados tornam se socialmente inscri- tos e normalizados, por meio das pr6ticas de rotina das organizaqdes. Dessa forma, o po der estii entrelaqado nas fibras da vida coti- diana. No Amago, est6o as priiticas de,,vi- gilAncia", que podem ser mais ou menos me- diadas pela instrumentagao. Historicamen- le. a tend6ncia e por uma maior instru- mentagio d medida que a vigilAncia se des- loca de um olhar literalmente superuisorpara formas mais complexas de observaqio, ciil- culo e comparagdo. Avigildncia, seja ela pes- soal, t6cnica, burocrdtica ou legal, expande- se mediante formas de supervisao, rotini- zaEio, formalizagio, mecanizaq6o, legisla- 96o e desrgn que buscani aumentar o contro- le sobre o comportamenro, disposigdo e in- corporagdo dos empregados. A vigilfurcia nio 6 estabelecida apenas por meio do controle direto. Ela pode ocorrer como o resultado de prdticas culturais de reafirmaEio, capacitaESo e persuasio moral, ou ainda como o resultado de um conhecimento t6cni- co mais formalizado, tal como o monito- ramento por computador das operaqdes rea. lizadas ou a implantaqao de sistemas de tes- te antidrogas de baixo custo. A efetividade do poder disciplinador no seculo XIX estava ligada ao surgimento de novas tdcnicas de disciplina. apropria. das a ambientes de produsao mais vastos e impessoais, nos quais as condig6es de Gemeinschaft ern que cada pessoa sabia seu lugar n6o rnais existiam (ver Bauman, 1982; Foucault, 1977). Aregullagdo moral, previa- mente localizada, baseada na premissa da transpardncia do individuo diante da comu- nidade, n5o era mais viilvel. Logo. surgiram novas instituig6es estatais, onde novas for- ALCUNS OUSAM CHAMA-LO DE PODFR mas de controle foram adotadas, e copiadas, em seguida, pelos capitaes de indfstria. Nao houve um plano grandiloqiiente para fazer com que essas instituiq6es adotassem tdcni- cas disciplinares semelhantes. Tal processo 6 melhor descrito se visto pela 6tica das pres- sdes por inovaqio institucional (Meyer e Rowan, 1977; DiMaggio e Powell, 1p83). Copiou-se aquilo que j6 estava disponivel; dessa forma, criou-se um mundo pr6prio de padr6es isom6rficos a partir de esruturas pre- viamente conhecidas. Certa vez, Maquiavel observou que "os homens quase sempre seguem as pistas dei- xadas por outros, e procedem em seus as- sunLos pela imiraqdo, ainda que ndo possam seguir completamente essas pistas ou repe- tir a faEanha desses modelos" (1967:49). Essa vis6o captura grande parte do senso da teoria institucional contemporAnea, uma teoria organizacional que guarda grande se- melhanqa com os trabalhos de Foucault (7977: ver Scott, 1982). T6cnicas discipli- nares eram disponiveis no ambiente monds- tico, entre os militares, nas formas institu- cionais de ensino, nos abrigos etc. A efeti- vidade dessas t6cnicas ficou bem estabele-cida durante os riltimos dois s6culos. prriti- cas de isomorfismo institucional, portantoj tendem a reproduzir relaq6es similares de significado e associativismo, como a base para a inLegraglto social em outras organi zaE6es. Como certas tdcnicasjd eram conhe- cidas e disponiveis, elas possuiarn um grau de legitimidade que as habilitava a ter uma amplitude de dispers6o maior do que te- riam em outras circunstancias (e.g.: Meyer e Rowan, 1977). Tais formas de controle, sejam elas di- retas e pessoais ou mais mediadas e instru- mentadas, modificaram noq6es comuns a respeito do espaEo privado individual. Em um mosteiro medieval. essas nogdes quase n5o existiam. Como a industrializaqio se desen- volveu da simples "produqdo" para o "siste- ma fabril", a definiqio desse espago tamb6m foi transformada em vida organizacional se- cular. De modo geral, lida-se com o desen- volvimento de disciplinas do conhecirnento formadas quase sempre a partir do ,,olhar disciplinador" da vigilAncia. Tal como Foucault (1977) sugere, este seria o caso de muitas das cidncias sociais do s6culo XIX, particularmente os ramos ligados ao bem- estar social, A estatistica e i administragio. Organizacionalmenre, no sdculo XX, o de- senvolvimento de fung6es de pessoal norteadas pelas "relag6es humanas', de Mayo (1975) podem ser vistas como agentes de um papel tutelar similar (ver Clegg, 7979; Ray, 1986). Entidades individuais ou coletivas po, dem ser discriminadas e categorizadas por diversas tdticas de raciocinio. Os mecanis mos sao, freqiientemente, locais diversos e descoordenados. EIes ndo formam esLra16- gias grandiloqiientes. Ainda assim, podem produzir-se propriedades abstratas de pes- soas. mercadorias e serviqos que sejam mensurdveis, escaloniiveis e avalidveis em uma abrangente estratdgia an6nima da dis- ciplina. Dessa fcrma, as nog6es dominantes de poder (que delineiam tanto as abordagens modemistas quanto as funcionalistas) foram desafiadas. O poder nio era mais apenas um recurso conveniente, manipul6vel e deter- ministico. Ao contrdrio, todos os atores ope- ravarn dentro de uma estrutura de domina- qdo - uma rede dominante de relaqdes de poder - dentro da qual as perspectivas de saida eram limitadas tanto para os grupos dominantes quanto para os grupos subordi- nados. Anteriormente, o poder tinha sido ca- racterizado de vdrias formas, mas todas re- queriam que algudm "tomasse partido". Os funcionalistas defendiam os gerentes: a re- sist€ncia a seu poder era ilegitima. para os te6ricos criticos, a resist6ncia era algo posi- tivo: uma oportunidade para a ag6o huma- na criativa, particularmente quando asso- ciada a categorias subjugadas, tais como tra- balhadores, mulheres e minorias dtnicas, corno uma reafirmaqao contra os processos de dominaqio. Uma moralidade implicita es- tava inserida em ambas as perspectivas e cada uma estava em confronto corn a outra. A vi- sAo de Foucault e daqueles diretamente in- fluenciados por ele era diferente. O poder nao envolve a tomada de dererminada posiqdo. a identificag6o de quem possui mais ou menos poder, mas sim a busca da descriqio de seu papel estrat6gico - como ele 6 usado para transformar as pessoas em personagens que articulam um jogo de moralidade orga- nizacional. Muito deste trabalho adota uma indiferenqa met6dica em relagdo aos senti- mentos ligados es partes; em vez disso, a investida 6 estrat6gica, descritiva e empirica. Poder e gCnero nas organizag6es Os trabalhos sobre gdnero apoiaram a visSo de que o poder nas organizag6es deve- ria ser representado ndo de forma parcial, mas mediante uma perspectiva total. As con- tribuiq6es pioneiras sobre o papel das mu' lheres nas organizag6es sio os artigos de Kanter (1975; 1977) e Janet Wolff (1977). Os estudos de caso de Kanter foram, prova, velmente, os primeiros trabalhos a abordar seriamente a quest6o do 96nero, em termos de quantidade, poder e oportunidades aber- tas para homens e mulheres nas empresas. Tanto como membros da organizaqdo ou em papdis de apoio assumidos fora das organi- zaqoes, como "as esposas da empresas"," as mulheres foram sistematicamente submeti- das ao poder que era freqiientemente im- plfcito, tdcito e inconsciente. O artigo de Wolff (1977) preocupou-se menos com a hegemonia tdcita dentro das organizaqOes e mais com os meios pelos quais as posigoes das mulheres denrro das organizaq6es eram insepardveis de seu papel social mais am plo. Essa perspectiva foi posteriormente de- senvolvida no trabalho de Gutek e Cohen ( 1982). que cunharam a iddia da "superaqdo de pap6is sexuais", a transposigdo de papiis socialmente definidos em termos de g€nero, para o local de trabalho, onde os papdis se- xuais associados ao g€nero demografi- camente dominante incorporam-se As fung6es profissionais. As forqas armadas e a ativida- de de enfermagem s6o, provavelmente, os melhores exemplos de opostos polares nesse contexto. Nos anos 70, esrudiosos passaram a atentar, crescentemente. para a cegueira relacionada As quest6es acerca do g6nero, nio apenas nas organizag6es, mas tambdm dentro dos estudos organizacionais (ver Mills e Tancred, 1992, para um riipido resu- mo). Notdveis trabalhos foram reavaliados para estimar-se atd que ponto sua contribui- qdo para a literatura baseava-se na existdn- cia de pressupostos velados sobre g€nero ou em decis6es amosftais nao relevantes ou em anomalias em termos de gdnero (Acker eVan Houton, 1974). Por exemplo, no trabalho de Crozier (1964), os trabalhadores da drea de manutengao eram todos homens, e os traba- lhadores da :irea de produqdo eram todos do sexo feminino. Como Hearn e Parkin (1983) quiseram demonstrar. essa cegueira era sin- tomiitica do campo de estudos em sua tota- lidade, e nio a apenas um paradigma espe- cifico. Existe uma ironia peculiar ligada a isso, tal como Pringle (1989) pretendeu desen- volver. G6nero e sexualidade sao aspectos extremamente impregnados ir vida orga- nizacional. Nas principais dreas ocupa- cionais. rais como secretdrias e recepcionis- tas. por exemplo. a idenridade organiza- cional d definida por meio do gAnero e da projeqdo de formas de emocionalidade e, de fato, na sexualidade ali implicita. A media- gio e a resistdncia A aprovagdo das normas de rotina da organizagio estao permanen- temenre ligadas ir questio do g6nero, ndo apenas porque o comportamento 6 definido como organizacionalmente apropriado ou inadequado, mas tambdm porque essa ade- quaqdo d caracterizada em termos de g€ne-No original, company. (N.T) AI,GIJNS OUSAM CT{AMA.LO DE PODER ro. Elegancia, intelig,0ncia e recato sao me- didos em dimens6es de gdnero (Mills, 1988; 1989; Mills e Murgatroyd, 1991). Em vez de desafiar essas suposigdes, tidas como certas, o vi6s de gdnero inerente ao esflrdo de orga- nizag6es ajudou a preservar o sfotus quo. De que outa forma as vantagens e os privildgi- os dos brancos, normalmente anglo-sax6es, americanos e homens. poderiam ser consi deradas inquestiondveis por tanto tempo? (Caliis e Smircich, 1992). A funcionalidade est6ligada As ideolo- gias dominantes: presumivelmente, 6 exata- mente por isso que elas sdo dominantes (Abercrombie et aJ.. 1 980). A repressdo n6o 6, necessariamente, um objetivo ou um pr6- requisito, mas freqiientemente se apresen- ta simplesmente como um subproduto de uma ideologia que maximiza a capacidade de agir da organizaqSo. Por muito tempo, ideologias machistas t6m sido dominantes na maioria das organizag6es. certas identi- dades masculinas constituidas em contex- tos social e economicamente privilegiados normalmente serdo estrategicamente mais contingentes para o processo decis6rio e para o acesso 2r promoq6es em carreiras hierar- quicamente desenhadas (Heath, 1981). No entanto. as orgalizaEoes ndo produzem agdes machistas: o machismo d que faz as organi- zaq6es agirem de forma machista. Normal- mente, elas agem dessa forma sem que qual quer um perceba explicitamente o que de fato estii [azendo. Nesses casos, as decisoes que caracterizam as agdes organizacionajs ser6o o resultado, e nao a causa, dessa ideologia.Organizaq6es podern ser caracterizadas como arenas dentro das quais a politica a respeito do g6nero aparece, assim, locais adequados ao uso de politicas antidis- criminat6rias. No entanto, tais "soluq6es" po- dem tratar apenas dos sintomas, e ndo das causas, profundamente enraizadas, da poli- Lica sobre o gdnero. Alacar suas expressdes organizacionais pode suprimir esses sinto- mas, mas ndo significarii a cura desse corpo politico, j6 que por tr6s disso existe uma his- t6ria de vida, que se mant6m presente e que estii-se fortalecendo (ou se enfraquecendo) em um rnundo dominado pelo g6nero, que 6 tdcito, indiscutivel e constitutivo do verda- deiro sentido do mundo da vida cotidiana. Poder e identidade nas organizag6es A identidade das pessoas nao este aPe- nas ligada a seu g6nero ou a sua sexualida- de, ou ao tipo de poder relacionado a seu trabalho nas organizag6es. As pessoas nas organizag6es manifestam significados. Co- mo tal, elas estao sujeitas a regimes especi- ficos tanto de significaqio organizacional como de disciplina, normalmente ao mes- mo tempo. Identidades baseadas em t6picos extraorganizacionais, tais como etnicidade, g6nero, classe, idade e outros fen6menos pro- v€em meios de resist6ncia irs significag6es organizacicnais e ir disciplina, mediante a formagSo de limites ir discreqio na vida organizacional. Quem deverd fazer o que, como, onde, quando e de que modo s6o, em alguns casos, criaqdes de identidades legal- mente especificas, prescritas ou proscritas para certas prdticas habitualmente ou em al- guns casos. A incorporagao de identidades serd visivel apenas quando forem socialmen- te reconhecidas e organizacionalmente con- seqiiente.s Conseqiientemenre, organizaqdes sdo estruturas de dominagio patriarcal, domi- nagio 6tnica etc. Obviamente, essas quest6es sao contingentes: muitas organizag6es podem ser estruturadas por meio da dominagdo 6t- nica, de classe ou g6nero, mas nem todas necessariamente sio assim. Existem muitas ligag6es ainda ndo consideradas em outros aspectos de identidade organizacional. Em contextos organizacionais especificos, por exemplo, as condig6es gerais de dominaqao econdmica ou de classe podem ndo ser ne- cessariamente o foco de resist6ncia ou de luta. Pontos mais especificos de dominag6o podem ser organizacionalmente evidenciados; afi nal de contas, as divisdes do trabalho sdo arran- jadas com base em conceitos de g€nero, de' partamentos, hierarquias, espagos e muitos ouftos. Como resultado, organizag6es s6o lo- cais nos quais a negociagdo, a contestaqio e a disputa entre agentes organizacionalmen- te ligados e divididos sdo ocorrdncias roti- neiras. Divis6es de trabalho s6o tanto o obje- to quanto o resultado de uma disputa. Todas as divisoes de trabalho em uma organiza- gao sao necessariamente constituidas den- tro de um contexto de vdrios contratos e con- dig6es de emprego. Por isso, a relaqao empregaticia de subordinagdo e dominagdo econ6mica 6 o sedimento subjacente sobre o qual outras prdticas organizacionais sdo estratificadas e superpostas, freqrientemente de maneiras bastante complexas. Essa com- plexidade de locais organizacionais faz com que os empregos tornem-se sujeitos a pode- res multivalentes, em vez de apenas a um poder absoluto unilateral: terrenos contesta- dos, em vez de lnstrtulqoes tota$. E IUStamen- te nessas disputas, em que os papdis de po- der e resist€ncia aparecem em cenas dramd- ticas, que aqueles influenciados por Foucault (1977) parecem melhor aprecia4 jd que nio estao predispostos a saber antecipadamente quem deveriam ser os drcmcfu personae- vitoriosos e derrotados. Em vez disso, a 6n- fase 6 no jogo de simbolos, significag6es e aq6es, por meio das quais todos os atores organizacionais tentam escrever, dirigir e posicionar todos os demais. Dessa forma, 6 enfatizada a fragilidade de "grupos" unifica- dos de interesses e 6 contestada a natureza simplista das abordagens pluralistas (muito menos as dualistas) das relag6es de poder. Dramatis personaL - personagens (papdis) de uma peqa teatral. (N.o.) Poder e resistencia Qualquer membro de chefia de uma organizagdo complexa representa apenas um ponto de retransmissdo de um complexo flu- xo de autoridade ascendente, descendente e entre hierarquias organizacionais. Idealmen- te, de acordo com a vis6o funcionalista, essa retransmissdo deveria ocorrer sem resist€n- cia; ndo deveria haver "problemas" de obe- di€ncia. No entanto, esse n6o tem sido o caso, conforme registro dos pesquisadores organi- zacionais (Coch e French. 1948). Conseqiien- temente. a obedi6ncia n5o pode ser garanLi- da, apesar da busca por um equivalente se- cular a uma obedi6ncia divinamente inspi- rada, em virtude da complexidade e da con- tingdncia da atuagio humana. Em lugar dis- so, a resistOncia surge d medida que os ato- res organizacionais usam seu discemimento. E tendo essa capacidade, de escolher este em vez de outro curso de agio, que caracteriza o poder, tanto por parte dos detentores do poder, seus sujeitos. quanto daqueles que sao seus objetos. O relacionamento entre pode4 resistdn- cia e discregdo tem importantes implicaq6es. O poder sempre estard inscrito dentro de "re- gras dojogo" contextuais, que tanto possibi- litam quanto restringem as ag6es (Clegg, 1975). As ag6es organizacionais s6 podem ser designadas como tal a partir de refer€n- cias a regras que as identificam. Essas re- gras nunca poder6o ficar livres de significa- do excessivo ou ambiguo: elas nunca podem prover sua pr6pria interpretagao. Quest6es de interpretagSo estao sempre implicadas nos processos aos quais as ag6ncias se referem ou quando buscam do significado a regras (wittgenstein, 1968; Garfinkel, 1967; C,Iegg, 1975; Barnes, 1986). A "normatizaqao" 6, Portanto, uma atividade: ela d exercida por algumas ag€ncias como um processo cons- titutivo de criagdo de sentido. em que sao feitas tentativas de estabelecer algum signi- ficado. Tanto regras quanto jogos tendem ALGUNS OUSAM CHAMA.LO DE PODER necessariamente a sujeitar-se a interpretag6es contestadas, e em breve alguns jogadores poderdo ter a vantaSem de arbirrar o jogo: sempre haverd alguma discreqio, e, lo8o, a possibilidade de resist€ncia. Aqui se confronta o paradoxo central do poder: o poder de uma agdncia aumenta na proporqdo em que esta delega autorida- de; essa delegagio apenas pode ocorrer por meio do estabelecimento de regras; regras necessariamenre envolvem discreqbo: e a discreqio potencializa o poder daquele a quem foi delegado. A panir disso, surgem as bases de uma ordem organizacionalmente negociada, tdcita e sem constestaqao, e, ocasionalmente, sua fragilidade e instabili- dade, tal como foi tio bern observado por Strauss (1978). As situagoes devem-se tornar rotineiras e previsiveis, caso os processos de negociagao coloquem-se como ndo usuais e fora do comum. Logo, liberdade de discreqdo requer disciplina. caso se deseje uma retransmissdo de autoridade confiiivel. Nao 6 muito importante discutir se isso vem a ser atingido por meio do que Foucault chamou de "disciplinat6rio" ou de qualquer outra pr:l- tica. Em qualquer caso, a disciplina ocorre nao tanto graqas a proibig6es ou interven- gdes no estado normal das coisas, mas medi- ante construqAo do conhecimento desse esta- do de coisas, o qual permite aos subordina- dos minimizar as sang6es dirigidas a eles pe- los superiores. LAtoresl devem reconhecer que o produto de aq6es apropriadas por eles produzidas 6 o que minimiza o insumo de coergio e de sang6es por eles recebi- das (Barnes, 1988:103). Dessa forma, poder estd implicito no conceito de autoridade, e 6 constituido de regras; regras envolvem discregSo e prov6- em oportunidades de resist6ncia; e. por isso. sua interpretaqSo deve ser disciplinada, se nio se deseja a criaqao de novos poderes, ou a transformagio de poderes existentes. De fato, dado o cardter indicativo inerente ao uso de regras, as coisas nunca sio total- mente estdveis. mesmo que. historicamen- te, elas assim o pareqam (Laclau e Mouffe, 1985). Assim, a resist€ncia A disciplina6 ir- remedidvel graqas i constituiqao da relaqeo poder/regras como o nexo de significados e interpretaq6es, o qual, gragas ao cardter indicativo aos desvios, estar6 sempre aberto a possibilidades de reordenagao. Assim, ain- da que o termo organizagdo implique estabi- lizaqao do controle - das categorias de qua- dro associativo corporativas e diferenciais atrav6s do tempo e do espaqo - esse controle nunca d total. De fato, freqiientemente seo comuns as contradiq6es na evolugSo de regi- mes de controle que explicam seu desenvolvi- mento (Clegg e Dunkerley 1p80). Desse modo, resistencia e poder compreendem um sistema de relagdes de poder, no qual inevitavelmen te existem tanto possibilidades de domina, qao quanto de liberaqao, assim como ten- s6es entre tais aspectos (Sawicki, 1991:98). A polftica 6 urna luta tanto para alcancar quanto para escapar do poder (Wrong, 1979; Hindess, 1982; Barbalet, 1985; Clegg, 1994a). A distinq6o conceitual entre poder e resist6ncia significa "contribuiqdes qualitati- vamente diferentes para o resultado de rela- q6es de poder estabelecidas, de um lado, por aqueles que exercem o poder sobre outros, e, de outro, por aqueles sujeitos a esse poder" (Barbalet, 1985:545). Em outras palawas, de acordo com esse ponto de vista, o poder 6 substantivamente diferente da resist€ncia. Tal vis6o envolve reconceitualizar dua- lidade de poderes (dominaQio) ou resist6n cia (liberaqdo) jd existente na literatura so- ciol6gica (e.9, Giddens, 1979; 1982). Desa fia, assim, a iddia de um poder soberano que, em liltima instAncia, apodera-se de uma fic- qdo - de uma "superag6ncia" suprema - ao mesmo tempo em que nega soberania aut€ntica a outros: urn superpoderosoA im- pondo sua vontade a muitos B's. A concep- Eio de uma classe dirigente de um Estado dominante e de uma cultura ou ideologia predominante sufocou a consciencia dos sujeitos, criando uma falsa consciCncia (o que explica a aus6ncia da consumaqdo das previs6es revolucioniirias de Marx). Dessa forma, escritores como Lukes (1974) acei- taram a problemdtica da "hegemonia" (Gramsci, 1971) ou "ideologia predominan- te" (Abercrombie, et al., 1980), e pretende- ram reconhecer, seSuramente. quais seriam de fato os reais interesses dos oprimidos. A implicagSo przitica dessas andlises foram claras: uma boa teoria substituiria uma teoria ruim; uma boa teoria possibilitaria a consecugao de interesses reais. Foucault (1980) soou a "marcha firne- bre" do poder soberano com sua desconfi- anga da pr6pria no96o de ideologia. Crfti- cas a respeito dos problemas empiricos rela- cionados i mensuragrio dos interesses reais (e.g., Benton, 1981) foram substituidas por um desafio mais crucial. Foucault conside- rava a ideologia como um termo de "falsi- dade", cuja relagdo de oposigSo a um con- ceito "verdadeiro" de "ci€ncia" nunca po- deria estar muito distante. Por meio da de- monstraqio de que as "verdades" e as "falsi- dades" de discursos particulares constjruem- se historicamente, Foucault mostrou que nenhuma suposigdo de realidade poderia existir como pouco mais do que sua pr6- pria representaqdo na linguagem. A lingua- gem n6o pode mascarcr nada, ela apenas representa possibilidades. Pretens6es de co- nhecer os reais interesses de quaisquer gru- pos, de outra forma que nio mediante t6c- nicas de representaqao, nao podem sobre- viver a essa reconceituagio do poder. Poder/conhecimento e emancipageo O reconhecimento de que resist€ncia estava implicita no conceito de poder n6o levou ao reconhecimento de perspectivas mais fortes para a emancipagSo. O espago e a ambigiiidade nos quais a resistdncia d culti, vada nio levam ir transformagSo das rela- g6es de poder dominantes; apenas as refor- qam. Essa 6 a s6bria implicagio da tradigao foucaultiana. A morte do sujeito soberano foi acompanhada pela eliminaqio das fon- tes origin:irias de aq6o: nenhuma delas po- deria habitar o mundo p6s-estruturalista. A extens6o e abrang€ncia das relag6es de poder torna dificil a resist6ncia. Os dis, cursos dominantes sdo tidos como fatos, o que toma dificil conceber altemativas, quan- to menos torndlas realidades. De fato, a resist€ncia freqiientemente serve apenas para reforgar os sistemas de poder existen- tes (Clegg, 1979; Knights e Willmott, 1989; Ibights e Morgan, 1991). Aldm disso, a pro- dug6o de identidade confere uma experidn- cia positiva aos individuos, o que leva i re- produqdo das relagdes de poder. nao a sua transformagio (Knights e Willmott, 1989j Ihights e Morgan, 1991). Finalmente, en- quanto todos os atores seo, em alguma ex- tensao, capturados pela rede dominante de relaq6es de poder (Deetz, 1992q;7992b), aqueles que se beneficiaram por essa condi- geo estao, normalrnente, em melhor posi- 96o para o desenvolvimento de estratdgias (tais como o cerceamento, o gerenciamento de significados, a manipulaqao da cultura, a escolha da tecnologia etc.) que irSo prote- ger suas posiqoes. Outro golpe ) emancipagdo veio dos ataques de Foucault as suposiq6es modemis- tas de que a "verdade" viria do conhecimen- to, isto 6, uma situaqdo Iivre do poder. Ao contrdrio, como argumentou Foucault, com o conhecimento viria apenas mais poder. A verdade nao estd fora do poder, ou desvinculada dele: ao conlrdrio de um mito, cuja hist6ria e funq6es demanda- riam um estudo mais aprofundado, a ver- dade ndo d uma recompensa de espiritos Iiwes, a c anga de prolongada solidao, muito menos um privildgio daqueles que obtiveram sucesso em libertar a si pr6- prios. A verdade 6 algo desse mundo: ela 6 produzida apenas em vifiude de m(lti- plas formas de constrangimento. E isso in- duz aos efeitos regulares do poder Cada sociedade tem seu regime deverdades, sua politica "gera1' de r,erdade.: ou seja. o ripo de discurso que d aceito e funciona como verdadeiro; os mecanismos e instAncias que permitern que cada um possa distin- guir entre uma sentenqa falsa ou verda, deira meios pelos quais cada uma d san, cionada; e as tdcnicas e procedimentos a que se atribui valorpara a aquisiqao daver- dade; e o stotus daqueles que t6m o poder de dizer aquilo que conta como verdadeiro ( 1980:131). Em outras palawas, a salvaqao nao estii no entendimento. A id6ia modemista de que a desmistificageo de processos e estruturas de dominagio poderia ajudar os subjugados a escapar delas foi profundamente abalada. Apesar dos protestos daqueles que de- fendem que o trabalho de Foucault 6 compati- vel com a id6ia de resistencia (e.g, Smart, 1985, 1986, 1990; Sawicki, 1991;Alvesson e Willmott, 1992), seus opositores argumen- tam, com o mesmo fervor, que seu trabalho d contrdrio bs nocdes de liberagdo e emanci- paqao (e.9., Hoy 1986; Said, 1986, Walzer 1986; White, 1986; Ashley 1990). Esses es- critores sustentam que o ataque foucaultiano ao agenciamento remove as possibilidades de uso do poder para objetivos particulares, especialmente a possibilidade de os menos poderosos conseguirem fortalecer-se. Qual- quer que seja o resultado desse debate, unta coisa e certa: campos opostos engajaram-se em uma batalha intelectual altamente te6ri- ca, em torno de temas relacionados d ontologia e d epistemologia (Clegg, 1989a; Nord e Doherty 1994). O debate estii polarizado em torno de duas posiqbes epistemo16gicas aparen- temenle conflirantes: o modernismo, com sua crenqana capacidade essencial da hu manidade em ro'nar se perfeila por meio do poder do pensarnento racional, e o p6s- modernisrno, com seu questionamento cd- tico, e, freqi.ientemente, com sua franca ALcUNS ousAM cHAMA-Lo DE poDER 287 rejeiqdo ao racionalismo etnocentrico de, fendido pelo modernismo (Cooper e Burel, 1988:2). O que 6 ignorado nesse envolvente - mas algo esot6rico - discurso sio os proble- mas prdticos de se vencer os obstdculos is aq6es coletivas e formular estrat6gias con- cretas de resistencia (Nord e Doherty, 1994). Por esses motivos, aqueles que tem a melhor causa em favor da emancipaqdo t6m sido largamente ignorados. A literatura funcionalista nao os considera como tendo tal causa: o poder incrustado nas estruturas e processos
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