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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO Matrícula: 200211411-8 Aluno: CONRADO JOSÉ NETO DE QUEIROZ REIS Título ROUBO: CRIME INCOMPATÍVEL COM A FUNÇÃO POLICIAL MILITAR Orientador: (MsC) Alexandre Nunes de Araújo 2007.1 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO ROUBO: CRIME INCOMPATÍVEL COM A FUNÇÃO POLICIAL MILITAR CONRADO JOSÉ NETO DE QUEIROZ REIS Prof. (MsC) Alexandre Nunes de Araújo (orientador) Recife 2007 CONRADO JOSÉ NETO DE QUEIROZ REIS ROUBO: CRIME INCOMPATÍVEL COM A FUNÇÃO POLICIAL MILITAR Monografia de conclusão do Curso Bacharelado em Direito, sob a orientação do Prof. (MsC) Alexandre Nunes de Araújo. Recife 2007 CONRADO JOSÉ NETO DE QUEIROZ REIS ROUBO: CRIME INCOMPATÍVEL COM A FUNÇÃO POLICIAL MILITAR Monografia exigida como requisito parcial para a obtenção da graduação no Curso Bacharelado em Direito, pela Comissão formada pelos professores: Defesa Pública: Recife, ____de _________de 2007. BANCA EXAMINADORA Presidente Orientador: ______________________________________ Prof. (MsC) Alexandre Nunes de Araújo 1º Examinador: _______________________________________ Prof. 2º Examinador: _______________________________________ Prof. Recife 2007 DEDICATÓRIA À minha linda esposa Ana Lúcia e ao nosso nascituro Dayan Vinícius concebido com muito amor, cujo desenvolvimento me inspirou com a simples vontade de crescer. Recife 2007 AGRADECIMENTOS À minha mãe Luiza Reis, pela paciência e compreensão nos momentos difíceis. Ao MsC Alexandre Nunes de Araújo, pela orientação fundamental ao desenvolvimento deste trabalho. Recife 2007 RESUMO A Polícia Militar de Pernambuco foi criada em 11 de junho de 1825, recebendo várias denominações até ser assim chamada em 1947. Os seus integrantes gozam de prerrogativas inerentes à função e dispõem do poder de polícia, mas também existe a contrapartida de preservar a ordem pública, mesmo com o sacrifício da própria vida. O policial militar, no exercício da função ou fora dela, em caso de desvio de conduta, pode vir a cometer o crime de roubo tipificado no Art. 157 do Código Penal Brasileiro e no Art. 242 do Código Penal Militar, dependendo do caso concreto, sendo que esse tipo penal é totalmente diferente do crime de furto, em razão da grave ameaça e da violência. Nesse caso, o militar está afetando sobremaneira o seu Código de Ética, portanto, o infrator será processado e julgado pelo Tribunal de Ética competente, que, no caso dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio grande do Sul, são os Tribunais de Justiça Militar e nos demais Estados do Brasil são os Tribunais de Justiça, porque o efetivo da Polícia Militar daqueles três Estados é superior a 20.000 (vinte mil) integrantes. A tese defendida neste trabalho é a da incompatibilidade do crime de roubo com a função policial militar, devendo, em qualquer circunstância, o militar ser excluído da corporação em caso de infringir tais dispositivos legais, e que seja essa idéia disseminada para qualquer julgador administrativo, penal, singular ou colegiado. Palavras-chave: poder de polícia; roubo; incompatibilidade; função policial. ABSTRACT The Military Police of Pernambuco was created in June, 11, 1825, receiving some denominations until thus being called in 1947. Its integrant ones enjoy of inherent prerogatives to the function and make use of the police power, but also the counterpart exists to preserve the public order, exactly with the sacrifice of the proper life. The military policeman, in the exercise of the function or is of it, in behavior shunting line case, can come to commit the robbery of Art. 157 of the Brazilian Criminal Code and in Art. 242 of the Criminal Code to militate, depending on the case concrete, being that this criminal type is total different of the robery crime, in reason of the serious threat and the violence. In this case, the military man is affecting excessively its Code of Ethics, therefore, the infractor is processed and judged for the Court of competent Ethics, that, in the case of the states of São Paulo, Minas Gerais and Rio Grande do Sul, are the Courts of Military Justice and in the too much States of Brazil they are the Courts of Justice, because the cash of the Military Police of those three States is superior the 20.000 (twenty a thousand) integrant ones. The thesis defended in this work is of the incompatibility of the robbery with the police function to militate, having, in any circumstance, the military man to be excluded from the corporation in case to infringe such legal devices, and that it is this idea spread for any administrative or criminal judge, singular or collegiate. Word-key: Police power; robbery; incompatibility; police function. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO I – ORIGEM E NECESSIDADE DA POLÍCIA 13 1.1 ORIGEM DO TERMO POLÍCIA E DEFINIÇÃO 13 1.1.2 Evolução no Brasil 16 1.2 A ORIGEM DA POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO 17 1.2.1 Denominações Históricas 19 1.3 O PODER DE POLÍCIA 20 1.3.1 Histórico 20 1.3.1 Definição 23 CAPÍTULO II – DA SEGURANÇA PÚBLICA 26 2.1 Necessidade de segurança 26 2.2 CRISE NA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA 28 2.3 A MODERNA CONCEPÇÃO DE SEGURANÇA 34 2.4 A POLÍCIA COMUNITÁRIA 36 2.5 A SDS E OS ÓRGÃOS OPERATIVOS 39 CAPÍTULO III – DA FORMAÇÃO DO POLICIAL MILITAR 43 3.1 O CÓDIGO DE ÉTICA DO POLICIAL MILITAR 45 3.2 O CÓDIGO DISCIPLINAR 48 3.3 A CORREGEDORIA GERAL 52 CAPÍTULO IV – O ROUBO E A PRESUNÇÃO DE INCAPACIDADE 56 4.1 CONCEITO 56 4.2 Emprego de arma 58 4.3 CRIME MILITAR 59 4.3.1 Conceito de crime militar 59 4.4 MILITARES 61 4.5 FUNÇÃO ATÍPICA DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR 63 4.5.1 Processo penal e processo penal militar 65 4.5.2 Administração pública e justiça militar 67 4.6 TRIBUNAL DE ÉTICA 68 4.7 CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A FUNÇÃO 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS 78 REFERÊNCIAS 81 QUESTIONÁRIO 83 GRÁFICOS 84 JUSTIFICATIVA 85 ANEXOS 86 INTRODUÇÃO A alarmante onda de violência que assola nossa sociedade faz ecoar um grito de socorro advindo dos cidadãos indefesos, os quais, não obstante outros problemas sociais, clamam por segurança. A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através de órgãos específicos, conforme prescrito no Art. 144 da Constituição Federal de 1988. Esses órgãos de polícia desempenham funções essenciais ao convívio harmonioso dos homens na sociedade. O vocábulo polícia era utilizado para designar todas as atividades da cidade-estado grega (polis), porém sem guardar relação com o seu sentido atual. Nesse contexto, é mister conhecer a origem do termo polícia, os órgãos de segurança e em especial suas atribuições, poderes e limitações, como visão geral. No entanto, há pouca literatura no campo específico da Polícia Militar, acerca do regime jurídico dos militares dos Estados, do vínculo com o Exército, através da Inspetoria Geral das PolíciasMilitares, dos seus Códigos Deontológicos, de sua organização, funcionamento e características. Nesse diapasão, o Capítulo I resgata um pouco da história da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), trazendo à baila a sua origem, inclusive o registro do Decreto Imperial de sua criação, desenvolvendo também uma reflexão sobre o tema “segurança”, com o escopo de advertir o leitor sobre a percepção que deve ter em torno do assunto. No Capítulo II, aborda-se o poder de polícia, muito divulgado pela imprensa e pouco entendido pela sociedade e até pelos próprios policiais militares, os quais, sem se aperceber, agem dentro de uma legitimidade conferida pela escalada da violência, todavia obstada pela legalidade, tratando também da constante preocupação de implantar no Brasil uma polícia cada vez mais cidadã, imbuída com os propósitos de proteção da dignidade humana, sem se esquecer da crise da segurança no Brasil e da criação da Secretaria de Defesa Social em Pernambuco, como medida de unificar as atividades dos órgãos operativos de segurança. A propósito, o Capítulo III dá ênfase à formação do policial militar em Pernambuco, o número de integrantes na ativa das corporações militares estaduais e mais a Polícia Civil, debatendo da hierarquia e disciplina como a base das Instituições Militares, invocando os Códigos deontológicos específicos da PMPE, como o Estatuto dos Policiais Militares (Lei 6783/74) e o Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco (Lei 11817/00) e as atribuições da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social, órgão criado pela Lei 11929/01 que unificou as atividades correicionais, mantendo as especificidades de cada Instituição, sendo o capítulo enriquecido com as estatísticas dos processos instaurados. O Capítulo IV é o mais contundente, posto que faz uma abordagem ao tipo penal previsto no Art. 157 do Código Penal Brasileiro (CPB) e previsto no Art. 242 do Código Penal Militar (CPM), cujos crimes podem ser cometidos por policiais militares, dependendo sua hipótese de incidência de uma série de circunstâncias que distingue o tipo penal comum do especial. Necessário foi, no desenvolvimento do capítulo ut supra, explicar o que é crime militar, para não confundir o leitor, quando da abordagem específica do crime de roubo, disposto nos dois diplomas legais. Com efeito, é de suma importância conhecer a legislação militar, pouco difundida no curso de direito, sem previsão na grade curricular, para emitir parecer referente ao epigrafado tema, porquanto suas peculiaridades são de grande relevância para a sua afirmação categórica. Basta um pequeno senso de observação para, de plano, verificar que o presente trabalho prestigia, amparado numa rica pesquisa na doutrina, nos sites da internet nos artigos científicos, a diferença entre os crimes de furto e roubo, os quais são confundidos pela população leiga no assunto, sendo que o segundo é a temática do estudo, com seus reflexos no campo penal comum e militar e também no campo administrativo disciplinar, enfatizando-se o processo de representação ofertado pelo Ministério Público junto ao Tribunal competente que nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul são os Tribunais de Justiça Militar e nos demais Estados são os Tribunais de Justiça. Nesse contexto, com base principalmente na jurisprudência, o arremate final da defesa do ponto de vista apresentado traz a exposição dos dados obtidos, ilustrados através e gráficos pela aplicação do questionário de perguntas que segue em anexo, juntamente com algumas legislações pertinentes ao assunto, permitindo a reflexão livre e dando ensanchas a posicionamentos contrários, visto que há um campo do questionário relativo à valoração da decisão alvo da pesquisa (compatibilidade ou incompatibilidade). CAPÍTULO I – ORIGEM E NECESSIDADE DA POLÍCIA O homem é um ser eminentemente social, posto que sente necessidade de agrupar-se por questão mesmo de sobrevivência. Não por acaso, o filósofo grego Aristóteles (384 a. C) já afirmava: “O homem é um animal político (zoon politikon)”. Político no sentido de que não consegue viver fora da “polis”, cidade-estado da antiga Grécia, formada pela acrópole, a parte alta da cidade, e as terras em volta, utilizadas na agricultura1. Tal sociabilidade, tendência para a vida social, é da própria natureza humana, mas acrescentada de um traço marcante que torna o homem distinto entre os animais. Está-se tratando da razão humana. A partir dessa tomada de consciência, teve-se como necessidade premente a criação de regras de conduta social que viessem a disciplinar o relacionamento social, pois a dimensão humana é irrecusavelmente jurídica. Eis o pensamento do filósofo grego Aristóteles2: “assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos”. 1.1 ORIGEM DO TERMO POLÍCIA E DEFINIÇÃO Pela exposição inaugural, percebe-se que o termo “polícia” tem a ver com a denominação da cidade-estado grega “polis”, uma vez que seu termo equivalente em grego é “politéia”, guardando, porém, mais relação com a sua expressão em latim: “politia”. 1 CÁCERES, Florival. História geral. 3. ed. São Paulo: Moderna, 1988, p. 30. 2 ARISTÓTELES. A política, p. 6. É de bom alvitre destacar que o termo “polícia” faz referência à organização administrativa das cidades, portanto, por essência, é relativo aos órgãos civis. Isso quer dizer que o contrário do civil era o militar, ou seja, aquele que se fixava ao redor das cidades para defendê-la de possíveis invasores. Dessa forma se comportavam, por exemplo, as legiões romanas, compostas por tropas da infantaria, as quais executavam as manobras a pés, e por tropas da cavalaria. Assim, como se observa na dicotômica classificação atual das polícias estaduais brasileiras em polícias civis e polícias militares, há um pleonasmo com relação às primeiras, e uma contradição semântica em relação às segundas, conforme menciona Luiz Amaral3: Como se vê, a expressão polícia civil é pleonástica, a polícia militar, pior ainda, é contraditória. Vale dizer que polícia do Exército, p. ex., não passa, tecnicamente, de organização militar de guarda, de vigilância ou correição interna corporis (como há nas igrejas e demais corporações) sem, entretanto, qualquer função atinente ao binômio individual-grupal versus público social (este no sentido de Civita/Estado) que é a essência da polícia (sic). O vocábulo “polícia” era utilizado então para indicar todas as atividades da cidade-estado. Já na Idade Média, o sentido alterou-se, tendo sido utilizado para designar “a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa da competência exclusiva da autoridade eclesiástica”4. Todavia, na Alemanha do século XV, por exemplo, o príncipe detinha o jus politiae de forma total, compreendendo toda a atividade do Estado, com ingerência na vida privada do cidadão, inclusive nas esferas religiosa e espiritual, sob o pretexto de alcançar o bem-estar coletivo. Porém, novamente, esse direito de 3 AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Direito e segurança pública: a juridicidade operacional da polícia. Brasília: Consulex, 2003, p. 46. 4 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 521. polícia foi se enfraquecendo a ponto de não mais alcançar as atividades eclesiásticas, militares e financeiras. Polícia é, pois, o conjunto de órgão e serviços públicos incumbidos de assegurar a ordem pública e garantir a incolumidade física e moral dos indivíduos, por meio de limitações impostas às suas atividades. Porém, quando se pensa em polícia como instituição, deve-se buscar na Lei a sua essência, mas semse esquecer de que mesmo a Polícia Judiciária exerce típica manifestação administrativa, isto é, de Administração Pública. As polícias estaduais brasileiras são polícias administrativas de segurança, sendo que a Polícia Militar é ostensiva e essencialmente preventiva, enquanto que a Polícia Civil é judiciária e essencialmente repressiva, tendo em vista o ilícito penal. Utiliza- se a palavra essencialmente porque ambas podem operar de modo eclético, dado o caso concreto. Cumpre, bem por isso, salientar que ambas as atividades exteriorizam típica manifestação administrativa, ou seja, de Administração Pública, embora uma delas possa ter o qualificativo de judiciária, nada tendo, porém, com a manifestação judiciária do Poder Judiciário, ao qual não se integra como órgão5 (sic). Está-se tratando das polícias administrativas por excelência (polícias de manutenção da ordem pública), no âmbito dos Estados, que atuam sobre as pessoas, porém, há outras polícias administrativas: sanitária (relativa á saúde ou à higiene), aduaneira (relativa à alfândega), meio ambiente, etc., que atuam sobre bens, direitos e atividades. 1.1.2 Evolução no Brasil 5 LAZZARINI, Álvaro. Temas de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 84. No Brasil, a primeira preocupação com o ato de policiar o território se deu ainda no período pré-colonial, com as expedições guarda - costeiras, a fim de expulsar os contrabandistas estrangeiros, notadamente os franceses. Porém, tais expedições não obtiveram o êxito desejado, fazendo com que o Rei de Portugal Dom João III, enviasse, em 1530, a primeira expedição colonizadora capitaneada por Martim Afonso de Sousa, com o escopo de defender as terras litorâneas, exercer a Justiça Civil e Criminal e estabelecer núcleos de povoamento. O “Colonizador”, como foi chamado D. João III, implantou também aqui o sistema descentralizado que dividiu o Brasil em quatorze Capitanias Hereditárias, as quais não foram bem sucedidas, com exceção de duas: a de São Vicente, doada a Martim Afonso de Souza, e a de Pernambuco doada a Duarte Coelho. “As capitanias mais famosas que existiram no território brasileiro foram as capitanias de Pernambuco, de Duarte Coelho; e a capitania de São Vicente, de Martim Affonso de Sousa”6. O governador Duarte Coelho, por exemplo, estabeleceu aqui “uma Polícia de rigorosa e uma justiça de escarmento, um sistema de repressão contra os facínoras que invadiam as zonas povoadas7”. Esse registro é muito importante para essa obra, posto que o 1º BPM (Primeiro Batalhão de Polícia Militar), localizado em Olinda, é também denominado de Batalhão Duarte Coelho, em homenagem, é claro, àquele militar e hábil administrador. Dando-se um grande salto na história do Brasil, tem-se, em 1808, a chegada de Dom. João VI e a família real, em virtude das Guerras Napoleônicas que aconteciam na Europa. O governo “joanino” foi até o ano de 1821, pouco antes da emancipação que se deu no dia 07/09/1822. Antes disso: “No dia 10 de maio de 1808, um alvará de D. João 6º criou a Intendência Geral de Polícia - 6 LIMA, Marcos Antunes de. Martim afonso de souza e a colonização de são vicente. Disponível na Internet: <http://www.klepsidra.net/klepsidra9/martim.html>. Acesso em: 15mar2007. 7 MORAES, Bismael. Direito e polícia. São Paulo: RT, 1986, p. 26. http://www.klepsidra.net/klepsidra9/martim.html ancestral da Polícia Civil - como uma força voltada para o Estado, de forma a protegê-lo”8 (sic). Pouco mais de um ano depois, foi criada a primeira Polícia Militar do Brasil, a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ), porém, com outra denominação: Em 13 de maio de 1809, D. João criou a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, formada por 218 guardas com armas e trajes idênticos aos da Guarda Real Portuguesa. Nascia a corporação que viria a se transformar na atual Polícia Militar. Era composta na época por um Estado-Maior, três regimentos de infantaria, um de artilharia e um esquadrão de cavalaria. Seu primeiro comandante foi José Maria Rebello de Andrade Vasconcellos e Souza, ex-capitão da Guarda de Portugal. A Divisão teve participação decisiva em momentos importantes da história brasileira como, por exemplo, na Independência do país e na Guerra do Paraguai9 (sic). 1.2 A ORIGEM DA POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO Pernambuco, tradicional centro revolucionário do Brasil, desde a época da expulsão dos holandeses, depois da Revolução de 1817 e da Confederação do Equador de 1824, passou a ser taxada de província rebelde, razão pela qual o Imperador D. Pedro I criou, por decreto datado de 11 de junho de 1825, o então Corpo de Polícia do Recife, corporação composta inicialmente por um efetivo de 320 homens10. Desde então, a briosa Corporação pernambucana vem cumprindo seu papel, inclusive com participações honrosas em movimentos sediciosos ocorridos 8 Cassetete de policiais faz discriminação. Artigo publicado na Folha de São Paulo, em 13 de outubro de 2001, disponível na Internet: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/menosiguais/ htm>. Acesso em 15mar2007. 9 BATISTA, Dandara. Polícia militar completa 197 anos e recebe homenagem na Câmara. Disponível na Internet: <http://www.camara.rj.gov.br/noticias/2006/05/07.htm>. Acesso em: 15mar2007. 10 Polícia militar de pernambuco: um século e meio de segurança 1825/1975. Santo Amaro: CEPE, 1975, p. 32. Elaborado pela 5ª Seção (Assessoria de Comunicação da PMPE). Coordenação do Coronel PM Ateniense Alves Machado. http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/menosiguais/%20htm http://www.camara.rj.gov.br/noticias/2006/05/07.htm dentro e fora do Estado, e até em eventos beligerantes da história mundial, descritos por Carlos Bezerra11, dos quais podem ser destacados: CABANAGEM PARÁ (1835-1840) REVOLUÇÃO FARROUPILHA RIO GRANDE DO SUL (1835-1845) SABINADA BAHIA (1837-1838) REVOLUÇÃO PRAIEIRA PERNAMBUCO (1848) GUERRA DO PARAGUAI PARAGUAI (1864-1870) GUERRA DE CANUDOS BAHIA (1896-1897) REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA SÃO PAULO (1932) II GUERRA MUNDIAL (1939-1945) Fonte: CAVALCANTI, Carlos Bezerra. Há inúmeras outras participações desta quase bicentenária Corporação para manter a ordem na sociedade pernambucana, dentre as quais, não se pode olvidar do combate ininterrupto, nas caatingas do sertão, aos grupos chefiados pelo cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938), o famigerado “Lampião” que desafiou bestialmente os poderes constituídos do Estado, como bem foi lembrado, na Assembléia Legislativa, no dia 11 de junho de 1975, por ocasião das homenagens alusivas ao sesquicentenário da Polícia Militar de Pernambuco, pelo Deputado Antônio Airton Benjamim: 11 CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O pioneirismo pernambucano na formação histórica do Brasil. Recife: ETFPE, 1994, p. 197. No combate ostensivo ao cangaço, no interior deste e de outros Estados vizinhos, A Polícia Militar desenvolveu papel saliente, culminando com o aniquilamento completo do banditismo, inclusive o grupo de facínoras chefiados por Virgulino Ferreira – o conhecido Lampião, que durante longo tempo dominou grande parte do sertão pernambucano, matando, saqueando, destruindo propriedades e desonrando lares de humildes camponeses, favorecido que era, então, pela falta quase que absoluta de meios de comunicação e ainda pela inércia do Governo, que, embora conhecendo os fatos, não se apiedava da sorte dos que mourejavam nos campos. Mas, mesmo assim, enfrentando duros revezes, a Polícia Militar de Pernambuco não cruzou os braços, arrostou com estoicismo o drama constrangedor deixando sepultados nas caatingas do inóspito sertão, abatidos nos combates ou nas emboscadas traiçoeiras, grande número de seus soldados, inclusive oficiais12. 1.2.1 Denominações Históricas A denominação Polícia Militar de Pernambuco se deu a partir de1º de janeiro de 1947 e permanece até hoje. No entanto, a briosa Corporação estadual já teve outros nomes, ao longo de sua história, os quais foram lembrados na Câmara Municipal do Recife, também por ocasião das homenagens alusivas ao sesquicentenário da Polícia Militar de Pernambuco, no discurso do Coronel Leovigildo Maranhão Neto13, dentre os quais destacam-se: CORPO DE POLÍCIA DO RECIFE Decreto, 11/06/1825. CORPO DE GUARDAS MUNICIPAIS PERMANENTES Resolução Regencial CORPO POLICIAL DE PERNAMBUCO Lei 181, 08/06/1896. BRIGADA MILITAR DE PERNAMBUCO Lei 473, 28/06/1900. REGIMENTO POLICIAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO Lei 918, 02/06/1908. FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO Lei 1165, 17/04/1913. 12 Polícia Militar de Pernambuco: um século e meio de segurança 1825/1975. Ob. cit., p. 55. 13 Ibidem, p. 34. FORÇA POLICIAL DE PERNAMBUCO Lei 192, 17/01/1936. POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO Decreto, 1º/01/1947. Fonte: Polícia Militar de Pernambuco 1.3 O PODER DE POLÍCIA 1.3.1 Histórico Com a queda do império romano, no século V d.C., os bárbaros, mormente os muçulmanos, tomaram o mar Mediterrâneo, reduzindo a níveis insignificantes o comércio. Dessa forma, a economia tornou-se essencialmente rural, dando azo ao surgimento do feudalismo, modo de produção baseado na servidão, que dividiu a Europa ocidental em grandes latifúndios. Era o início da Idade Média, período em que o poder do rei era apenas nominal, posto que doava as terras a um nobre, o qual exercia o domínio sobre a população e assim exercia o poder político. Contudo, a partir do século X, com a explosão demográfica e as cruzadas14, que reabriram o Mediterrâneo, houve uma aproximação entre a classe burguesa nova e os reis, os quais buscavam a centralização do poder, berço do Estado absolutista, cuja famosa frase de Luís XIV, rei da França no período de 1638 a 1715, – “L’État c’est moi” (O Estado sou Eu) – caracteriza bem esse período. A esse respeito: 14 As Cruzadas foram movimentos militares, de caráter parcialmente cristão, que partiram da Europa Ocidental e cujo objetivo era colocar a Terra Santa (nome pelo qual os cristãos denominavam a Palestina) e a cidade de Jerusalém sob a soberania dos cristãos <http://pt.wikipedia.org/wiki/cruzada>. Acesso em: 20mar2007. Surgem as Cruzadas – 1ª (1096 a 1099), 2ª (1147 a 1149), 3ª (1189 a 1192), 4ª (1202 a 1204), 5ª (1228 a 1229), 6ª (1248 a 1254), e a 7ª (1270 a 1291) – guerras consideradas santas, para conquista de terras e contra os infiéis; verdadeira peregrinação armada a Jerusalém e à Terra Santa, luta contra a heresia para vincular o poder mundial espiritual, impor justiça sob o dogma de res publica christiana15. Nessa fase de Estado Polícia, que também engloba o período feudal, o jus politiae representava uma série de normas postas pelo Príncipe (Rei - Governante) e que se colocavam fora do alcance dos Tribunais. O intervencionismo do Estado na economia constituía um transtorno para a classe emergente da burguesia, assim como os privilégios decorrentes do nascimento, resquício da fase feudal. Dessa forma, era necessário estabelecer a igualdade jurídica entre os cidadãos, acabando com as regalias da nobreza, idéia bastante revolucionária na época. Nesse ambiente, guardando-se as devidas especificidades, três movimentos revolucionários burgueses eclodiram com o fito de criar o Estado liberal (democrático ou de direito), no qual o princípio da legalidade se destaca, pois, nesse sistema, “o próprio Estado se submete às Leis por ele mesmo postas 16”: É através de três grandes movimentos político-sociais que se transpõem do plano teórico para o prático os princípios que iriam conduzir ao Estado Democrático: o primeiro desses movimentos foi o que muitos denominam de revolução Inglesa, fortemente influenciada por LOCKE e que teve sua expressão mais significativa no Bill of Rights, de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independência das treze colônias americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo evidente nesta a influência direta de ROUSSEAU17 (sic). 15 MAIA NETO, Cândido Furtado. Inquisição e justiça penal contemporânea, in Revista Prática Jurídica. Editora Consulex. Ano III, nº. 32, p. 18, de 30 de novembro de 2004. 16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 109. 17 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 129. As conquistas de outrora foram se aperfeiçoando a ponto de representarem hoje, alguma delas, cláusulas pétreas, garantindo assim a tranqüilidade dos cidadãos. As diferenças são gritantes entre as condições de processamento penal de um indivíduo nas regras do Estado de Polícia e sob a égide do Estado Democrático de Direito. Cândido Furtado faz esse interessante cotejo, dentre os quais se destacam18: ESTADO DE POLÍCIA ESTADO DEMOCRÁTICO presunção de culpabilidade presunção de inocência in dubio pro societate in dubio pro reo juízo de exceção juízo natural tipo penal aberto tipo penal preciso cerceamento de defesa ampla defesa segredo de justiça publicidade dos atos censura liberdade de pensamento analogia in malam partem analogia in bonam partem Fonte: MAIA NETO, Cândido Furtado. 18 Cândido Furtado. Inquisição e justiça penal contemporânea. Ob. cit., p. 25. A expressão poder de polícia (police power) ingressou pela primeira vez na terminologia legal no julgamento da suprema corte norte-americana, no caso Brown x Maryland, em 1827 (século XIX), e foi sendo aceita pelos juristas de todos os países em que se cultiva o direito público. Em 1827, no caso Brown ‘versus’ Maryland, o juiz Marshall, presidente da Corte Suprema dos estados Unidos, trata do poder de polícia, se bem que a expressão integral, esteriotipada – police power – ainda não lhe tivesse ocorrido de modo nítido, tanto assim que, em seu voto, nada menos do que 10 vocábulos se interpõem entre os termos constitutivos da denominação19. 1.3.2 Definição É função do Estado restringir o direito dos particulares, devendo organizar a convivência social a partir da restrição a direitos e liberdades absolutas, em favor do interesse geral. Para tanto, ele é dotado de poderes políticos, exercidos pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário, no desempenho de suas funções constitucionais, e de poderes administrativos, no exercício da máquina pública. Várias são as definições de poder de polícia que, em sentido amplo, compreende um sistema de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, mas também estabelecer regras de boa conduta necessárias ao convívio harmonioso entre os cidadãos. “O Poder de Policia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais20”. Poder de polícia (police power), em sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não 19CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. Ob. cit., p. 538. 20 TÁCITO, Caio, 1975. Apud CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. Ob. cit., p. 541. só preservar a ordem pública senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflitos de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais21 (sic). Nesse sentido, o mestre Hely Lopes Meireles leciona: “Poder de polícia é a faculdadede que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado22”. Todas as definições sinalizam para a faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito dos indivíduos, em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado. Essa conceituação doutrinária já passou para nossa legislação, vista no Código Tributário Nacional (Lei nº 5172, de 25 de outubro de 1966), que, em seu amplo e explicativo artigo 78, dispõe: “Considera-se poder de policia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, a disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e os direitos individuais ou coletivos”. Nesse diapasão, é mister esclarecer que não é estranho o fato de a definição legal de poder de polícia estar inserido no Código Tributário Nacional, uma vez que a tributação é exercício de tal poder, cabendo à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (Art. 146, II, CF). 21 COOLEY, 1903. Apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 116. 22MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 115. O referido poder foi abordado porque legitima a ação da polícia e a sua própria existência, ou seja, o próprio “poder da polícia”, às vezes mal interpretado e ignorado até pelos próprios integrantes dos órgãos policiais. Abordada a parte histórica acerca da origem da Polícia Militar de Pernambuco, suas denominações e os movimentos sediciosos que combateu, dentro e fora do Estado de Pernambuco, em seguida será a instituição tratada dentro do contexto geral, no que respeita à segurança pública brasileira. CAPÍTULO II – DA SEGURANÇA PÚBLICA A segurança é uma das necessidades básicas do ser humano que precisa ser satisfeita, a fim de que o mesmo possa se sentir tranqüilo para desempenhar suas tarefas do cotidiano e garantir o seu porvir. O bem mais valioso do homem, a vida, precisa ser salvaguardada, assim como os seus outros bens, materiais ou imateriais. Seguro, em qualquer campo, seja no profissional (laboral), seja no afetivo (emocional), o homem torna-se senhor de si mesmo e torna-se também um ser humano melhor, mais producente inclusive, implicando a ordem social o progresso da nação brasileira. O tema requer atenção com relação aos termos técnicos utilizados na redação dos dispositivos legais. A segurança pública está inserida no título V da Constituição Federal que trata da “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Porém, é sabido que a defesa é exercida em prol da segurança, ou seja, é um “conjunto de medidas concretas que visam proporcionar um estado abstrato de segurança23”. Nesse contexto, a Constituição da República Federativa do Brasil preveu que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (Art. 144, caput), exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares. 2.1 Necessidade de segurança 23 LAZZARINI, Álvaro. Temas de direito administrativo. Ob. cit., p. 84. O ser humano deve suprir suas necessidades básicas para se tornar equilibrado, as quais, segundo o psicólogo americano Abraham Harold Maslow (1908 - 1970) que ficou famoso pela sua teoria da hierarquia das necessidades, precisam ser satisfeitas obedecendo a uma ordem cronológica, ou seja, primeiro se deve realizar as necessidades básicas. Segundo a teoria, as necessidades humanas são agrupadas em cinco níveis de necessidades, quais são, na ordem invertida: Representação Gráfica24 AUTO-REALIZAÇÃO Resultado. STATUS Aprovação, reconhecimento... SOCIAIS Amor, utilidade... SEGURANÇA Estabilidade, proteção... FISIOLÓGICAS Sede, fome, prazer... Fonte: MASLOW, Abraham Harold. Desse particular, pode-se extrair a importância da segurança para se alcançar outros objetivos na vida. Aliás, desde os primórdios da humanidade, os homens se agrupam para dividir as tarefas e darem proteção uns aos outros. 24 FARIA, Carlos Alberto de. Nossas necessidades e nossos desejos. Disponível na Internet: http://www.merkatus.com.br/10_boletim/112.htm Acesso em 02set2007. http://www.merkatus.com.br/10_boletim/112.htm 2.2 CRISE NA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA Conforme foi visto, a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública, sendo esta de difícil conceituação, mas que certamente perpassa as simples ações materiais de manutenção da paz, atingindo também o campo da moralidade das instituições, o campo econômico, quando combate a formação de cartéis, por exemplo, e vai até o plano da estética das cidades, quando protege a arquitetura dos sítios históricos, concedendo inclusive título de patrimônio cultural da humanidade. A noção de ordem pública, em verdade, é mais fácil de ser sentida do que definida e resulta, no dizer de Salvat, citado em acórdão do Supremo Tribunal Federal25, de um conjunto de princípios de ordem superior, políticos, econômicos, morais e algumas vezes religiosos, aos quais uma sociedade considera estreitamente vinculada à existência e conservação da organização social estabelecida. A noção, portanto, obedece a um critério contingente, histórico e nacional26. A ordem pública encontra guarida no artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei 4657, de 4 de setembro de 1942, o qual dispõe: "as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes". O conceito de ordem pública representa, portanto, um reflexo dos valores de determinada época e de certas culturas jurídicas, consubstanciando, destarte, os valores morais vigentes em determinada cultura jurídica. 25 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Sentença estrangeira n.1023, da Suíça, RT, v. 148, p. 771. 26 LAZZARINI, Álvaro. Temas de direito administrativo. Ob. cit., p. 79. Ocorre que a nossa realidade é cruel no plano socioeconômico, com evidentes e escandalosas desigualdades sociais que deterioram a condição de vida do hipossuficiente, refletindo-se no acesso restrito ao mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Nesse ambiente, cresce o indivíduo sem perspectiva, destituído ainda de valores morais que lhe foram negados pela falta de acesso à cultura. Sem disciplina não há respeito às normas sociais. “Lei e ordem” é lema inócuo num sistema precário que se mostra inerte para algumas questões relevantes ou simplesmente atua de forma retardada ou benevolente. Basta, a título de explicitação, invocar a questão da maioridade no Brasil. Não se trata de filiar-se a teses consagradas, sem aprofundar o debate, mas sim de abrir os olhos para a realidade da criminalidade juvenil. Os índices são alarmantes, então ficar impassível é sinal de falta de compromisso para com a nação. A realidade do Brasil é outra em 60 anos. O país deixou de ser rural, em razão de a taxa de moradores na cidade subir de 31,3% (12,8 milhões) para 81,2% (137,9 milhões), sendo que a população quadruplicou nas últimas seis décadas (1940 – 2000), saltando de 41,1 milhões de habitantes para 169,8 milhões, deacordo com o IBGE27. Nesse contexto, pode ser destacada a negligência do Brasil com a Segurança Pública, apontada no Relatório da Anistia Internacional denominado “Brasil – dos ônibus em chamas aos Caveirões: em busca da segurança cidadã28”, divulgado no dia 2 de maio de 2007, que, embora tenha concentrado esforços para analisar o assunto nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, refletiu uma realidade lastimável no país, mormente nos grandes centros urbanos. O citado relatório informa basicamente que as formas encontradas pelo Estado para tratar da segurança de seus cidadãos precisam ser revistas, posto 27 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudo comparativo entre os censos de 1940 a 2000, publicado no jornal Diário de Pernambuco, em 26 de maio de 2007. que o caráter geral das medidas de segurança pública continua sendo violento. As polícias não têm recursos suficientes para desenvolver suas atividades, principalmente de inteligência, sendo que as violações dos direitos humanos continuam como pano de fundo das várias estratégias usadas para combater o crime, estimulando ainda mais a violência, sem falar na corrupção dentro da própria polícia. O documento citado relata que a violência em São Paulo reflete o jeito incompetente pelo qual o sistema de segurança pública resolve os problemas, sem investimento na inteligência policial, destacando os confrontos entre a polícia e a facção criminosa autodenominada Primeiro Comando da Capital (PCC), ocorridos em maio de 2006, dos quais resultaram 493 mortes só nos primeiros nove dias daquele mês: Over nine days in May 2006, 493 people were shot dead in São Paulo State(6) - three times the normal rate of gunshot deaths. The victims were concentrated in Greater São Paulo and along the state’s littoral, but there were also shootings throughout the interior. The catalyst for the violence was widely attributed to a decision to transfer 765 members of the criminal gang known as the Primeiro Comando da Capital, First Command of the Capital, or (PCC) to the Presidente Venceslau prison, a secure facility in the interior of São Paulo. In protest against the transfer, the PCC reportedly issued orders to gang members to begin prison revolts, and start violently targeting thepolice29(sic). Ainda em nove dias de maio 2006, 493 pessoas foram mortas em São Paulo State(6) - três vezes a taxa normal de mortes por amas de fogo. As vítimas foram concentradas na grande São Paulo e ao longo do litoral do estado, mas havia também assassinatos no interior. O catalizador para a violência foi atribuído extensamente a uma decisão para transferir 765 membros do grupo criminal conhecido Primeiro Comando da Capital ou (PCC) à prisão de Presidente Venceslau, uma facilidade segura no interior de São Paulo. No protesto contra a transferência, as ordens emitidas do PCC aos membros do grupo para começar revoltas da prisão, e para começar a violência com alvo na Polícia. (Tradução do autor desta monografia). 28 Brazil - From burning buses to caveirões: the search for human security. Disponível em: <http://web.amnesty.org/library/Index/ENGAMR 190102007> Acesso em:11mai2007. 29 Brazil - From burning buses to caveirões: the search for human security. Ob. cit. http://web.amnesty.org/library/Index/ENGAMR Vive-se uma realidade social diferente no Brasil de hoje, o qual não é mais um país agrário, pelo contrário, há concentrações urbanas fora do comum, fazendo com que surjam as grandes favelas ao redor das grandes cidades, em virtude de um fenômeno chamado êxodo rural, quando as famílias saem do interior para as capitais e regiões metropolitanas em busca de novas oportunidades de vida. Nessas favelas, a ausência do estado é flagrante, nem o braço repressor do “príncipe” se faz presente, ou seja, nem a polícia chega até esses lugares, por várias razões, dentre elas o simples fato de o acesso ser intransitável por meio de viaturas, só sendo possível fazê-lo a pés, assim como é notória a desagregação familiar por vários motivos, dentre eles estão a própria agitação do cotidiano, a busca pelo emprego, a televisão, os valores pervertidos, etc. Assim como no ditado “Toda ausência é atrevida”, verifica-se, por parte dos marginais, além do atrevimento, o verdadeiro desprezo pelas autoridades constituídas, uma vez que eles têm a certeza da impunidade, e às vezes até “tomam conta” da comunidade travestidos de “guardas do apito”, passando o dia inteiro só ingerindo bebida alcoólica quente, a cachaça, se preparando para desempenharem as suas atividades clandestinas à noite, fazendo as arrecadações nos finais de semana, sendo que os pobres moradores dessas comunidades se sentem na obrigação de colaborar porque temem represálias. O reflexo dessa nova ordem social pode ser sentido também nas estatísticas. Fazendo-se o cotejo entre décadas passadas, a diferença é estarrecedora. Em 1981, o número de civis mortos em confronto com a polícia, no Estado mais populoso do Brasil (São Paulo), foi de 300 (trezentos), enquanto que em 1992, ano do episódio do Carandiru, tal número chegou a 1232 (mil duzentos e trinta e dois). Tais dados foram registrados no Debate: Segurança Pública como tarefa do Estado e da Sociedade, realizado pela Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung30, no ano de 1998, mais especificamente no texto de Oscar Vilhena Vieira, secretário Executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (ILANUD), na página 131. Em Pernambuco a situação não é muito diferente. Aqui foram registrados, apenas entre os meses de janeiro e abril de 2007, 1714 (mil setecentos e quatorze) assassinatos em geral. Esse número vergonhoso ficou marcado pela manifestação denominada “Recife pela Paz”, nome da Organização Não Governamental (ONG) pernambucana que fincou, no dia 6 de junho deste ano, 1714 cruzes na areia da praia de Boa Viagem, simbolizando cada uma das vítimas de homicídios no Estado, aderindo ao movimento da ONG carioca Rio da Paz, cujo presidente Antônio Carlos Costa, na ocasião, declarou: “Estamos vivendo num contexto de um índice obsceno de morte por assassinato. É um genocídio de gente negra, pobre e numa faixa etária de 15 a 24 anos. Por trás de cada uma cruz há uma família destruída”31. Pernambuco possui 185 municípios, dos quais 56 estão localizados na área inóspita do sertão, com uma taxa de crescimento populacional geral, de 0,75% ao ano e uma população residente de 7,5 milhões. Não obstante, dos 26 estados e mais a unidade federativa, Pernambuco é o estado brasileiro com o maior número de jovens em situação de risco. Os pernambucanos, segundo pesquisa inédita, realizada durante quatro anos, pelo Banco Mundial (BIRD), têm mais problemas de repetência e abandono escolares, iniciação sexual precoce, uso de drogas e violência. 30 Representação no Brasil, Rua Engº Antônio Jovino, 220, 4º Andar, 05727-220, São Paulo-SP. Disponível em: http://www.kas.de/brasil. Acesso em: 11mai2007. 31 Recife finca cruzes em nome da paz. Reportagem publicada no jornal Diário de Pernambuco, em 7 de junho de 2007. http://www.kas.de/brasil ÍNDICE BRASILEIRO DO BEM-ESTAR JUVENIL 1º DISTRITO FEDERAL 6,88 2º SANTA CATARINA 5,06 3º GOIÁS 2,79 4º SÃO PAULO 2,76 5º MINAS GERAIS 2,10 6º RIO GRANDE DO SUL 1,49 7º TOCANTINS 1,45 8º RORAIMA 1,36 9º RONDÔNIA 1,34 10º MATO GROSSO 0,96 11º MATO GROSSO DO SUL 0.91 12º PARANÁ 0,87 13º PARÁ -0,31 14º RIO DE JANEIRO -0,43 15º CEARÁ -0,55 16º SERGIPE -0,97 17º RIO GRANDE DO NORTE -1,08 18º ESPÍRITO SANTO -1,13 19º ACRE -1,18 20º BAHIA -1,34 21º PARAÍBA -1,39 22º PIAUÍ -1,52 23º AMAZONAS -1,83 24º MARANHÃO -2,16 25º AMAPÁ -2,65 26º ALAGOAS -5,43 27º PERNAMBUCO -6,01 Fonte: Banco Mundial Tais amostras são suficientes paracorroborar com a colocação do Brasil no ranking da paz32 elaborado pela Consultoria Economist Inteligence Unit, baseada em 24 indicadores sobre violência externa (conflitos com outros países) e interna (assassinatos e violações dos direitos humanos). Mesmo sem promover guerra, o Brasil ficou mais perto dos Estados Unidos da América, de Israel e do Iraque, entre 121 países: RANKING DA PAZ 1º NORUEGA 2º NOVA ZELÂNDIA 3º DINAMARCA 4º IRLANDA 5º JAPÃO 83º BRASIL 96º ESTADOS UNIDOS 116º COLÔMBIA 119º ISRAEL 121º IRAQUE Fonte: Elena Gorcochea/AFP (2) Portanto, a escalada da violência é crescente e, sob a ótica da comunidade internacional, o Brasil é negligente com a segurança pública, tratando o assunto de forma reativa, o seja, sem a adoção de medidas estruturais e conjunturais, não combatendo o mal pela raiz, pelo contrário, enfrenta dificuldades enormes porque age superficialmente o grotescamente. 32 Ranking da paz, in Revista Época. Editora Globo. Nº. 475, p. 26, de 25 de junho de 2007. 2.3 A MODERNA CONCEPÇÃO DE SEGURANÇA Período conturbado da história brasileira se deu na década de 60, quando João Belchior Marques Goulart, no dia 7 de setembro de 1961, assumiu o Brasil parlamentarista como chefe de Estado, cujo poder Executivo foi exercido por seu primeiro – ministro (chefe de Governo), o então deputado Tancredo Neves. No entanto, no dia 6 de janeiro de 1963, um plebiscito pôs fim ao parlamentarismo no Brasil, fortalecendo o presidente conhecido por “Jango” que passou a exercer as funções de chefe de Estado e chefe de Governo, querendo por em prática um grande sonho, o de tornar a terra acessível aos brasileiros, ou seja, o de realizar a reforma agrária. Ocorre que a classe média temia que o Brasil se transformasse numa “nova Cuba” e os militares, por sua vez, alegavam que o comunismo atentava contra as liberdades democráticas. Então, o general Olímpio Mourão Filho, na madrugada de 31 de março de 1964, por sua própria conta e risco e sem conhecimento dos demais, saiu de Juiz de Fora com uma plêiade de jovens soldados inexperientes para a derrubada do governo, antecipando em pelo menos 20 dias o movimento que deveria eclodir a partir do Rio de Janeiro. O Alto Comando Revolucionário que derrubou Jango assumiu o poder e impôs ao país o Ato Institucional nº 1, instaurando o regime militar que se sucedeu até o ano de 1985, começando em 15 de abril de 1964 com o marechal Castelo Branco, o qual foi eleito presidente indiretamente pelo Congresso Nacional. O Golpe Militar de 1964 foi uma irrupção abrupta do fluxo histórico brasileiro, que reverteu seu sentido natural, com efeitos indeléveis sobre a soberania e sobre a economia nacional e também sobre a cidadania, sobre a sociedade e sobre a cultura brasileiras. Vínhamos, há décadas, construindo a duras penas uma Nação autônoma, moderna, socialmente responsável e respeitosa da ordem civil, quando sobreveio o golpe e a reversão33. A repressão às guerrilhas urbana e rural, a tortura nas confissões, a censura em geral, o bipartidarismo na política com a ARENA (Aliança renovadora Nacional) do governo e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) que se dizia oposição, e o exílio de artistas e políticos foram realizados naquele período pelo órgão do Estado responsável pela ordem social, a polícia. Passado o período autoritário, as polícias ficaram com uma imagem bastante arranhada junto a população, precisando adotar uma nova filosofia de atuação, mudando a essência de suas atividades, em consonância com a evolução da sociedade atual. 2.4 A POLÍCIA COMUNITÁRIA Tradicionalmente, a polícia, como longa manus do Estado nas questões de segurança pública, procurou combater a criminalidade de uma forma coercitiva e instrumental, através da modernização tecnológica e da profissionalização dos policiais. Essa estratégia funcionava relativamente bem porque tinha como aliado o modelo tradicional de controle social exercido pela família, pela escola e pela igreja, porém, com a mudança de postura dos cidadãos e a perda de valores fundamentais para a vida harmoniosa, a criminalidade se tornou banal, evidenciando os limites daquela estratégia. 33 Ribeiro, Darcy. Golpe de 64. Disponível em <http://www.pdt.org.br/personalidades>. Acesso em 04jul2007. A participação da comunidade nesse processo de formulação, implementação e avaliação de políticas de segurança e estratégias de policiamento, ajuda a prevenir crimes. A partir de experiências práticas, o policiamento comunitário se desenvolveu e se fortaleceu, criando raízes importantes em algumas comunidades. O policiamento comunitário é baseado na pareceria entre a polícia e a comunidade. O policial não deixa de ser um agente da lei, um representante do Estado, mas passa a ser um aliado dos verdadeiros cidadãos, passando a ter o respeito e a credibilidade da comunidade que, por sua vez, está imbuída e comprometida com a segurança pública pelo menos a nível setorial. Dessa forma, a comunidade tem o direito de não apenas ser consultada, mas também de participar das decisões sobre as prioridades do policiamento, tendo, em contrapartida a obrigação de colaborar com o trabalho da polícia na preservação da ordem pública, numa atividade essencialmente preventiva. A origem dessa nova filosofia de policiamento se deu nos Estados Unidos e no Canadá nas décadas de 1970 e 1980. No Brasil, o processo foi lento e enfrentou muitas dificuldades, cujo primeiro registro aconteceu em 1985, em São Paulo, através do Decreto 23.455/85 e Resolução SSP 37/85, que criou os conselhos comunitários de segurança. Em 1996, o Núcleo de Estudos da Violência da USP, em parceria com o Human Rights Research and Education Center da Universidade de Ottawa, iniciou um projeto de intercâmbio entre o Brasil e o Canadá. Um dos principais objetivos deste projeto, que teve a duração de três anos, foi criar oportunidades para que os policiais brasileiros pudessem conhecer a experiência de policiamento comunitário no Canadá. Em 1997, o Núcleo de Estudos da Violência apoiou a implantação do policiamento comunitário em de São Paulo. Em 30 de setembro de 1997, a Comissão de Assessoramento da Implantação do Policiamento Comunitário foi instalada, na sede Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com a presença do secretário de Segurança Pública e do comandante geral. Na primeira reunião da Comissão, seus integrantes observaram a ausência de representantes de diversas entidades governamentais e da sociedade civil, consideradas importantes para a implantação do policiamento comunitário, particularmente da polícia civil, e decidiram convidar estas entidades para participar da Comissão. O Projeto de policiamento comunitário foi lançado oficialmente, em 10 de dezembro de 199734, no Parlamento Latino Americano daquele Estado, com a presença do secretário da Segurança Pública, do comandante geral da Polícia Militar e do delegado geral da Polícia Civil. De início, foram instaladas 42 Bases Comunitárias de Segurança, sendo 11 na Grande São Paulo e 31 no Interior. Cerca de 16.000 (dezesseis mil) policiais militares, entre oficiais e praças, passaram por cursos de capacitação para desempenharem o policiamento comunitário35. A “onda” comunitária paulista foi se alastrando para outras cidades brasileiras, ganhando força no ano de 2001, chegando a alcançar o Ministério do Planejamento que passou a prever, naquele ano, orçamento específico para implantação ou intensificação dessa nova filosofia, com as seguintes metas: ▪ Até dezembro de 2001, descentralizar recursos para todos os Estados e para o Distrito Federal, de acordo com divisão dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública; ▪ Treinar instrutores para Polícia Comunitária. 34 Mesquita Neto, Paulo. Policiamento comunitário:a experiência em são paulo. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes>. Acesso em 16jul2007. 35 KAHN, Túlio. Policiamento comunitário: uma expectativa realista de seu papel. Boletim conjuntura criminal, ano 2, Número 6, julho de 1999, p. 3. Aqui em Pernambuco, já no ano de 2000, atendendo à demanda da Secretaria de Defesa Social (SDS), o GAJOP (Grupo de Apoio Jurídico às Organizações Populares) definiu um acordo de cooperação técnica com a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) para desenvolver um programa de apoio ao projeto de Conselhos Comunitários de Defesa Social, com o fito de conscientizar as comunidades (Brasília Teimosa foi o projeto piloto) para que elas se organizassem em conselhos e trabalhassem de forma integrada com a Secretaria de Defesa Social (Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros). A partir de janeiro de 2001, a SDS lançou o modelo espacial e operacional dos Núcleos de Segurança Comunitária (NSC) e Núcleo Integrado de Segurança Comunitária (NISC), para viabilizar a Polícia Comunitária no Estado. O NSC era composto só por policiais militares, enquanto que o NISC era composto por policiais militares, policiais civis e bombeiros militares. Para esse fim, de janeiro de 2000 a maio de 2003, a SDS construiu 35 NSC e 9 NISC. 2.5 A SDS E OS ÓRGÃOS OPERATIVOS A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco foi criada pela Lei nº 11.629, de 28 de janeiro de 1999, a qual extinguiu a antiga Secretaria de Segurança Pública do Estado, com o objetivo de integrar as atividades dos órgãos operativos de segurança, visto que a unificação é tarefa árdua que exige grande esforço, em razão de suas particularidades. Com essa mudança, os comandantes gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, bem como o chefe de Polícia Civil, perderam o status de secretário de estado. Consoante com essa nova filosofia, e 29 de janeiro de 2001, foi editada a Lei 11929 que criou a Corregedoria Geral da SDS, unindo, em um só órgão, as corregedorias das citadas instituições. Dentre os órgãos operativos, destacam-se: ▪ A Polícia Militar de Pernambuco com a missão de exercer as atividades de policiamento ostensivo fardado, para garantir a ordem pública, a tranqüilidade e o bem-estar social; Policiamento Ostensivo quer dizer a Ação Policial exclusiva das PPMM, cujo emprego é identificado de relance, quer pela farda, viatura, equipamento, entre outros (Item 27 do R-200, Decreto Lei 667/1969); ▪ A Polícia Civil de Pernambuco com a função de reprimir as condutas delituosas e desenvolver o policiamento judiciário, coibir interesses criminosos, investigar infrações penais e facilitar as punições dos infratores; ▪ O Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco com o desiderato de combater sinistros e incêndio, realizar operações de salvamento, atendimento pré- hospitalar e resgate de feridos, vistoriar edificações e analisar projetos de segurança e de atividades preventivas de defesa civil. Tais atribuições constitucionais estão expressas no Art. 144 da Constituição Federal de 1988, conforme se verifica: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. § 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. A segurança pública é, pois, questão de interação entre a sociedade e o Estado, ou seja, uma espécie de pacto. Em Pernambuco, para desempenhar suas funções constitucionais, tais órgãos juntos contam com um efetivo total de 26.633 (vinte e seis mil seiscentos e trinta e três) profissionais, dos quais 70% compõem o efetivo da Polícia Militar. EFETIVO DOS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA EM EXERCÍCIO NO ESTADO DE PERNAMBUCO ÓRGÃO OPERATIVO QUANTIDADE PERCENTUAL POLÍCIA MILITAR 18.723 70% POLÍCIA CIVIL 6.101 23% CORPO DE BOMBEIROS 2.009 7% TOTAL 26.633 100% Fonte: Plano Estadual de Segurança Pública 2003-2006 Em Pernambuco, a filosofia integrativa seguiu firme com a criação do CIODS (Centro Integrado de Operações de Defesa Social), reunindo as chamadas de emergência em um só número, o 190. Antes as centrais eram específicas de cada instituição, sendo o 190 para a Polícia Militar, o 193 para o Bombeiro Militar e o 147 para a Polícia Civil. Com uma Central única informatizada, o atendimento ao cidadão se tornou mais eficiente, trazendo outras mudanças importantes como o Boletim de Ocorrência Integrado, de forma que a apresentação de uma notitia criminis de furto de veículo, por exemplo, na Polícia Militar, já serve como comunicação para os demais órgãos, sem a necessidade de o cidadão se deslocar para fazer o registro em pelo menos três órgãos (Polícia Civil, Polícia rodoviária Federal e Polícia Militar), como antes era feito. Encerrada a análise da situação crítica da segurança pública brasileira, apontada em Relatório da Anistia Internacional, e verificada a nova filosofia nacional de integração das atividades das polícias, desencadeadas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), a qual teve repercussão no Estado de Pernambuco com a criação da Secretaria de Defesa Social, que, por sua vez, vem envidando esforços para incutir a filosofia de polícia comunitária, experiência bem sucedida no Canadá, passa-se a conhecer como é a formação profissional dos integrantes da PMPE. CAPÍTULO III – DA FORMAÇÃODO POLICIAL MILITAR É condição sine qua non investir na formação do policial militar, com o fito de incutir no mesmo uma série de valores e princípios que o tornem um ser humano preparado para enfrentar as vicissitudes do cotidiano brasileiro, sendo, para José Afonso da Silva36, necessário: (...) adequar a polícia às condições e exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando a formação profissional e orientando-a para a obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independentemente de sua condição social. Os militares estaduais (policiais militares e bombeiros militares) pertencem a uma categoria especial de agentes públicos, em razão da função, da missão especial e típica que exercem e da natureza das funções desempenhadas, e ainda em razão dos direitos e deveres exclusivos dos militares, conforme disposto no Art. 3º do Estatuto dos Policiais Militares do estado de Pernambuco, Lei estadual 6783, de 16 de outubro de 1974: Os integrantes da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, em razão da destinação constitucional da Corporação e em decorrência das leis vigentes, constituem uma categoria especial de servidores públicos estaduais e são denominados policiais militares. Porém, para se tornar um profissional de segurança pública, o cidadão tem de passar num concurso público que exige o ensino médio completo (antigo 2º grau) até mesmo para o cargo de soldado, conforme disposto no Decreto estadual 36 SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 755. nº 25485, de 22 de maio de 2003, prevendo ainda a idade mínima de 18 e a máxima de 30 anos na data da inscrição. A Polícia Militar de Pernambuco é uma instituição baseada na hierarquia e disciplina, conforme preleciona o Art. 42 da Constituição Federal de 1988: “Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. A disciplina é a observância das leis, dos regulamentos, das normas e das disposições que fundamentam a organização policial militar. Com relação à hierarquia deve-se ser observado o princípio da subsidiariedade, pelo qual um nível superior só deve dar solução a um problema quando o nível inferior não puder fazê-lo. Na presença de tropa, tão logo o policial militar tenha adquirido um grau de instrução compatível com o perfeito entendimento de seus deveres como integrante da Polícia Militar, especialmente por ocasião da formatura nos cursos de formação, os mesmos prestam o compromisso de bem servir a sociedade, conforme reza o Art. 32 do referido estatuto: Ao ingressar na Polícia Militar do Estado de Pernambuco, prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado e dedicar-me inteiramente ao serviço policial-militar, à manutenção da ordem publica e à segurança da comunidade, mesmo com o risco da própria vida. É mister observar que o candidato aprovado ingressa no Curso de Formação de Soldados (CFSd), realizado no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) ou no Curso de Formação de Oficiais (CFO), realizado na Academia de Polícia Militar do Paudalho e, após a sua matrícula, já se torna militar para todos os efeitos, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal que negou provimento a recurso de habeas corpus (RHC, em 06.06.2000) que pretendia a atipicidade da conduta imputada a alunos da Escola de Sargentos Especialista da Aeronáutica pelo crime propriamente militar de furto de uso, sem previsão legal na Legislação Penal Comum, mas previsto no Art. 241 do CPM, sob a alegação de que seriam ainda alunos e não militares incorporados, e dessa forma ostentariam a condição de civis. A decisão do Tribunal Excelso foi baseada no Art. 16, § 4º da Lei 6880/80, Estatuto dos Militares Federais, que reza que alunos matriculados em órgão específicos de formação de militares são denominados praças especiais. 3.1 O CÓDIGO DE ÉTICA DO POLICIAL MILITAR Todo cidadão deve fazer uma reflexão sobre a conduta a ser adotada no convívio social, a fim de alcançar uma vida harmoniosa e a paz social. O policial militar, além disso, é regido por um Estatuto próprio já citado que rege as condutas a serem adotadas na sociedade e no seio da tropa, com os superiores e subordinados, conforme prescreve o Art. 27: O sentimento do dever, o pundonor policial-militar e o decoro da classe impõem a cada um dos integrantes da Polícia Militar, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com observância dos seguintes preceitos da ética policial-militar: I – Amar a verdade e a responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal; II – Exercer com autoridade, eficiência e probidade as funções que lhe couberem em decorrência do cargo; III – Respeitar a dignidade da pessoa humana; IV – Cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes; V – Ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados; VI – Zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual, físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento missão comum; VII – Empregar todas as suas energias em benefício do serviço; VIII – Praticar a camaradagem e desenvolver permanentemente o espírito de cooperação; IX – Ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada; X – Abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa relativa a segurança nacional; XI – Acatar as autoridades civis; XII – Cumprir seus deveres de cidadão; XIII – Proceder de maneira libada na vida pública e na particular; XIV – Observar as normas da boa educação; XV – Garantir assistência moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar; XVI – Conduzir-se, mesmo fora do serviço ou na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro policial-militar; XVII – Abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros; XVIII – Abster-se o policial-militar na inatividade do uso das designações hierárquicas, quando: a) em atividades político-partidárias; b) em atividades comerciais; c) em atividades industriais; d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou policiais militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e e) no exercício de funções de natureza não policial militar, mesmo oficiais. XIX – Zelar pelo bom nome da Polícia Militar e de cada um dos seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética policial-militar. A profissão de policial militar ainda exige a dedicação integral ao serviço (Art. 30, I e Art. 5º do Estatuto dos Policiais Militares do estado de Pernambuco), no entanto, a realidade prática é bem diferente, uma vez que atualmente vários PM estão exercendo atividades extras não legalizadas, os famosos “bicos” ou “virações” como são chamadas pela tropa. Atento a essa realidade, O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já reconheceu o vínculo de PM com empresa privada e os direitos decorrentes dessa relação, independente de cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto próprio (Orientação Jurisprudencial nº 167). Muito embora, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) tenha julgado improcedente reclamação trabalhista de PM que prestava serviço à empresa privada, baseado na exatamente na dedicação exclusiva a atividade policial militar. Preocupado com as questões éticas da instituição, o então Governador do Estado de Pernambuco,Jarbas de Andrade Vasconcelos, aprovou o Regulamento de Ética Profissional dos Militares do Estado37, por meio do Decreto Estadual nº 22114, de 13 de março de 2000, cujo Art. 4º e seus parágrafos são de estrema importância: Art. 4º O militar estadual, ao ingressar na carreira, prestará o compromisso de honra, em caráter solene, afirmando a sua consciente aceitação dos valores profissionais, dos deveres éticos, do sentimento do dever, do pundonor, do decoro da classe e a firme disposição de bem cumpri-los. § 1º Honra Militar é a qualidade íntima do militar estadual que se conduz com integridade, honestidade, honradez e justiça, observando com rigor os deveres morais que tem consigo e seus semelhantes. § 2º Sentimento do Dever Militar consiste no envolvimento com uma tomada de consciência perante o caso concreto, ou seja, com a realidade, implicando no reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento militar coerente, justo e equânime. § 3º Pundonor Militar é o sentimento de dignidade própria, procurando o militar estadual ilustrar e dignificar a Corporação, através da beleza e retidão moral que se conduz, resultante honestidade e decência (sic). 37 Publicado no Suplemento Normativo nº 008, de 21 de março de 2000. § 4º decoro da Classe Militar é a qualidade do militar estadual, baseada no respeito próprio dos companheiros e da comunidade a que serve, visando o melhor e mais digno desempenho da profissão militar. 3.2 O CÓDIGO DISCIPLINAR A Administração Militar estadual exerce o chamado poder disciplinar nos limites da lei, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade praticada pelos militares estaduais, devendo apurar as infrações disciplinares e aplicar a sanção correspondente, com a devida motivação, conforme prescreve a FF/88. Quanto ao conceito de poder disciplinar, deve-se primeiramente diferenciá- lo do poder punitivo (jus puniendi) do Estado, este realizado por meio da Justiça Pública, enquanto aquele se relaciona com as infrações relativas ao serviço. O mestre Hely Lopes Meirelles38 informa que poder disciplinar “é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração”. O Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco39 (CDME/PE), Lei nº 11.817, de 24 de julho de 2000, instituiu o regime disciplinar dos militares estaduais, especificando e classificando as transgressões disciplinares militares, definindo os recursos disciplinares e suas formas de interposição e regulamentando as recompensas especificadas no Estatuto dos Militares Estaduais. O poder disciplinar controla a conduta interna dos servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas. É de bom alvitre saber que não se aplica ao poder disciplinar o princípio da pena específica que domina inteiramente 38 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 120. 39 Publicado no Suplemento Normativo nº 027, de 28 de julho de 2000. o direito penal “nullum crimen, nulla poena sine lege” (Não há crime, não há pena sem lei/Art.5o, XXXIX CF/88). A Administração é o único juiz da conveniência da punição (mérito), só cabendo ao Poder Judiciário o exame material e jurídico dos motivos (legalidade). Isso em razão da independência dos Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) prevista no Art. 2o CF/88. Dessa forma, o Juiz não pode imiscuir-se no papel de administrador. A Lei não é capaz de traçar todas as condutas de seus agentes, sendo essa a razão que explica o poder discricionário do Administrador de eleger a conduta mais conveniente para o interesse público, por isso alguns regulamentos expõem somente os deveres e obrigações, o que não é o caso do CDME/PE. O artigo 13 do CDME/PE dá o conceito de transgressão disciplinar militar, pelo qual o legislador estadual andou mal na parte final, uma vez que retirou os crimes e contravenções do rol de transgressões disciplinares, quando se sabe que tais condutas são infrações graves quando repercutem na Administração Militar, mas o mesmo tentou se redimir no parágrafo único do artigo em comento: Transgressão disciplinar militar é toda ação ou omissão praticada por militar estadual que viole os preceitos da ética e os valores militares ou que contrarie os deveres e obrigações a que o mesmo está submetido, constituindo-se em manifestações elementares e simples que não possam ser enquadradas como crime ou contravenção. Parágrafo único. As transgressões disciplinares militares são as previstas na Parte Especial deste Código, sem prejuízo de outras definidas em lei ou regulamento, devendo sua aplicação, necessariamente motivada, considerar sempre a natureza e a gravidade da infração. Nesse sentido, o magistério de Di Pietro40 é clássico e estreme de dúvidas. Mesmo o CDME prevendo um rol de transgressões disciplinares em espécie, não é admissível que o militar estadual fique imune ao poder disciplinar, quando comete uma conduta irregular não prevista naquele código, porquanto: 40 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 515. Ao contrário do Direito Penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullum crimen, nulla poena sine lege), no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência do serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim, deve ser levada em consideração a gravidade do ilícito e as conseqüências para o serviço público (sic). Corroborando com esse entendimento, já argumentou o Desembargador Jones Figueiredo, do TJPE, nos Autos do Mandado de Segurança tombado sob o nº 001.0059533-5, que declinou: Com efeito, é assente na doutrina e jurisprudência pátrias a lição de independência entre as instâncias penal, civil e administrativa. Bem de ver, daí, que, no caso sub judice, em havendo futuramente, por hipótese, sentença penal absolutória em proveito do impetrante, esta somente repercutirá no âmbito da Administração, em duas situações: ou se for reconhecida, na esfera criminal, a inexistência do fato típico (materialidade do delito - art.386,I,CPP) ou se o servidor não for reconhecido como autor do fato (negativa de autoria - art.386,IV, mesmo diploma). Afora essas duas hipóteses, são autônomas e inconflitantes as órbitas penal e administrativa, independência que, sem embargo, merece ser plenamente resguardada no caso em exame. Portanto, a ofensa ao dever militar na sua expressão mais simples constitui a transgressão disciplinar e na forma acentuada constitui o crime militar. O cometimento de crime mesmo que de natureza comum não impede a verificação de seus efeitos administrativos para a caserna. É interessante destacar também, a questão da prisão administrativa por 72 horas, sem publicação em Boletim Interno da OME e sem direito de defesa por parte do militar que é flagrado ou até mesmo apontado como sendo o autor de conduta indecorosa, conforme dispositivo contido no § 2º do Art. 11 da Lei em tela: Quando, para preservação da disciplina e do decoro institucional, a prática da transgressão disciplinar militar exigir uma pronta intervenção, cabe ao militar estadual que a presenciar ou dela tiver conhecimento, seja autoridade competente ou não, com ou sem ascendência funcional sobre o transgressor, tomar imediatas e enérgicas providências contra o mesmo, inclusive prendê-lo "em nome